Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
201/13.1EAEVR.E2
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
MÁQUINA DE JOGO
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O jogo desenvolvido por uma máquina com a designação “Colorama” que, não pagando directamente prémios em fichas ou dinheiro, desenvolve temas próprios de jogos de fortuna ou azar (em tudo semelhante ao modo de operação de um jogo de roleta) e apresenta como resultado pontuações (susceptíveis de serem convertidas em dinheiro) dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, deve ser classificado como um jogo de fortuna ou azar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe (a que se mostram incorporados os autos n.º 22/14.4EAEVR e n.º 3/14.8GBBJA), que correu termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido JJ, imputando-lhe a autoria material, em concurso efectivo, de três crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos arts. 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, alínea g), e 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12.

O arguido apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acusação.

Realizado o julgamento e proferida sentença, foi a acusação julgada parcialmente procedente e, em consequência, o arguido foi

- absolvido da prática, em 09.05.2014, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos arts. 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, alínea g), e108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01, todos com referência ao art. 26.º do Código Penal (CP);

- condenado:

- enquanto autor material de um crime de exploração ilícita de jogo, praticado em 30.11.2013, p. e p. pelos arts. 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, alínea g), e 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01, todos com referência ao art. 26.º do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por 90 (noventa) dias de multa e de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros);

- enquanto autor material de um crime de exploração ilícita de jogo, praticado em 15.02.2014, p. e p. pelos arts. 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, alínea g), e 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01, todos com referência ao art. 26.º do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por 90 (noventa) dias de multa e de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros);

- em cúmulo, na pena conjunta de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros), no total de € 1.750,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:

A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada por referência à apreensão de 30 de Novembro de 2013, relativamente à exploração, criminalmente punível, da máquina denominada “Colorama”, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

B. Desde logo porque, uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, verificando-se, a título de exemplo, em jogos sociais do estado, nos quais nem sequer existe a “garantia” de que todos os prémios se encontrem em jogo, a cada momento do mesmo.

C. A acrescer, o facto de a máquina ora em causa não pagar directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolver um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que apenas o seu modo de funcionamento eléctrico a “distingue” da máquina objecto de fixação de Jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, sendo que também aí os prémios poderão ser convertidos em dinheiro.

D. É de aplicar uma tal jurisprudência, fixada pelo STJ, na medida em que, o que interessa é o espírito e pensamento por trás daquela, bem como da própria lei, sendo certo que não seria a máquina ora em causa em que “pensava” o legislador quando decidiu restringir a prática/exploração às zonas de jogo.

E. Até porque, reportando-se a norma proibitiva e punitiva da conduta imputada ao Recorrente ao ano de 1989, e atendendo ao preâmbulo do diploma em causa (D.L. n.º 422/89, de 02/12), o qual é o “espelho” do pensamento e vontade do legislador, sempre teremos que concluir que o “tipo e o modo de jogo” desenvolvido pela máquina ora em causa se encontra fora do âmbito de aplicabilidade daquele aludido art. 108º.

F. Sem descurar que, toda e qualquer norma penal, jamais, e em momento algum, poderá ser alvo de qualquer interpretação extensiva relativamente aos elementos do tipo e às concretas situações de facto a que se reporta, o que deverá ser relevado com o facto de à data da publicação do diploma legal em causa ser totalmente imprevisível ao legislador a existência de máquinas como a ora em causa nos autos, não se subsumindo o seu funcionamento, por isso, a uma tal previsão legal e consequente punibilidade penal.

G. Não se afigura possível uma qualquer viciação num jogo tão rudimentar, sem toda a envolvência dos denominados jogos de casino, sendo que os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio, além do que, não se trata de um qualquer tema próprio pois que não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas.

H. A possibilidade de uso de uns quaisquer pontos ganhos, a que se alude na factualidade provada, sempre estaria limitada à utilização de 1 (um) ponto de cada vez, sendo por isso impossível de gastar todos os pontos de uma vez, do “tudo ganhar” ou “tudo perder”, sendo certo que o valor pago não mais é do que o “preço” da jogada e não uma aposta.

I. O valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas o “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré- determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

J. Tendo por base o supra referido Acórdão do STJ questiona-se de quais as diferenças existentes entre o jogo ora em causa e aquele outro para além do já referido funcionamento eléctrico, tanto que, fundando-se também em tal douto Aresto, tem sido diversa a Jurisprudência que vem entendendo máquinas como a dos autos como não consubstanciando um jogo de fortuna ou azar,

K. Designadamente, os, doutos, Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, Acórdãos desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015.

L. Ademais, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”,

M. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, concluindo-se que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros.

N. A máquina dos autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, encontrando-se, por isso, afastada a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, sendo que a possibilidade de conversão dos pontos em numerário também não é “suficiente” para se concluir pela integração num tipo de jogo, na medida em que, nas próprias modalidades afins tal conversão se apresenta como possível, “apresentando-se” ela própria como uma contra-ordenação.

O. Porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina com funcionamento/jogo similar à dos presentes autos, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, será de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt),

P. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).»

Q. Por fim, e porque igualmente no sentido da aplicabilidade da Jurisprudência fixada pelo STJ ao caso presente, de referir o recente douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1 da Secção Criminal – ao que se sabe, não “publicado”),

R. No qual se conclui que «não merece a qualificação de crime a exploração de jogos como os desenvolvidos pelas máquinas em apreço nestes autos, ainda que as mesmas atribuam prémios em dinheiro e ainda que as mesmas desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar.», pois que, «o entendimento que está (quanto a nós) subjacente ao Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010 deve também ser aplicado às máquinas em discussão nos presentes autos».

S. Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos, cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,

T. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supre referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa.

U. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 1º, 3º, 4º, 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º e 29º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que absolva o Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenado por referência à apreensão de 30-11-2013 e à máquina denominada “Colorama”, com o que modestamente se entende, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

- Inconformado com a douta sentença proferida nos presentes autos que o condenou pela prática de um crime de Exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 1º, 4º, n.º 1, alínea g) e 108.º, n.º 1 e nº 3 do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro veio o arguido dela interpor recurso alegando, em síntese, que os jogos desenvolvidos pela máquina explorada pelo arguido não constituem jogos de fortuna ou azar mas sim jogos legalmente considerados “modalidades afins” pelo que a douta sentença recorrida sofre do vício de erro de interpretação da Lei pugnando pela sua absolvição.

2º - O recorrente insurge-se contra o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto dada como provada por ter sido considerada subsumível à prática de um crime de exploração ilícita de jogo entendendo que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da lei e deveria ter considerado que tais os factos integram a prática de contra-ordenação por se integrarem no conceito legal de “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar”.

3º - Salvo o devido respeito, entendemos que a discussão sobre tal tema e que proliferou na Doutrina e na Jurisprudência por longos anos se mostra actualmente totalmente ultrapassada pelo Acordão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2010 cujo conteúdo é claro e preciso, não se mostrando necessário recorrer ao espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência para se entender o seu significado e alcance.

4º - E para melhor entendimento das questões que se levantavam e que suscitaram o referido Acordão foram analisadas supra as diversas interpretações que até então eram realizadas sobre o conceito legal de jogo e de jogos de fortuna ou azar estabelecido no art.º 1.º do DL n.º 422/89.

5 - Tais diversas interpretações realizadas pela doutrina e pela Jurisprudência e que supra referimos culminaram na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro ao artigo 108.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro actualmente em vigor.

6 - E dessa redacção conclui-se que será punível como contra-ordenação a exploração de modalidades afins de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo, entendendo-se por modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar “as operações oferecidas ao público em que a esperança do ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. Nesta categoria são abrangidos, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimento e passatempos” (cfr. artigos 159.º e 161.º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

7 - Ora, fazendo apelo aos critérios legais delimitadores do conceito de jogo de fortuna ou azar supra expostos, é por demais evidente que os factos dados como provados na douta sentença recorrida se subsumem ao tipo de crime de Exploração ilícita de jogo e não integram qualquer das suas modalidades afins.

8 - A máquina de jogo que o arguido tinha no seu estabelecimento desenvolvia um tipo de jogo de fortuna ou azar - roleta - tal como as exploradas nos casinos e até os tipos de jogos que o art.º 4.º do DL n.º 422/89 descreve de forma meramente exemplificativa dos jogos que podem ser considerados como de fortuna ou azar e que o art.º 161º, nº 3 expressamente proíbe nos jogos das modalidades afins, ou seja, “póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto”.

9 - E tal tem sido o entendimento da jurisprudência recente como se refere nos Acórdãos citados na resposta supra ao presente recurso.

10 - E ao contrário do que pretende o recorrente, o facto de este tipo de máquinas desenvolverem jogos que não são fortemente viciantes nem causarem grande dano patrimonial pelo baixo valor das apostas, não afasta a sua subsunção ao tipo de crime em apreço tal como foi decidido no Acórdão da Relação do Porto de 13.05.2015, disponível em www.dgsi.pt:

“I – Devem ser considerados jogos de fortuna ou azar – e como tal proibidos fora dos casinos ou outros locais autorizados – os jogos de máquinas que (i) pagam diretamente prémios em fichas ou moedas; (ii) desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar; e (iii) apresentam como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

II – Critérios como a não criação de vício ou de impulso de jogar e a fraca relevância dos valores despendidos não constituem critérios legais de distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar.”

11 - O que o recorrente entende como deveria ser a previsão legal no momento actual atenta a proliferação de jogos oferecidos ao público como os jogos da Santa Casa - euromilhões, totoloto e raspadinhas - e os sorteios televisivos não releva para retirar a ilicitude das provadas condutas do arguido.

12 - O arguido conhecia e nem poderia desconhecer o conteúdo e funcionamento dos jogos de fortuna e azar que a máquina que explorava desenvolvia, até porque a sua “conexão” a este tipo de máquinas já data de tempos anteriores e, pelo menos, desde a condenação que já sofrera pela prática do mesmo tipo de crime.

Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a douta sentença recorrida.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com o entendimento geral constante da referida resposta e no sentido que a sentença recorrida deve ser mantida.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo do conhecimento oficioso de causas de nulidade da sentença, de outras nulidades que não se encontrem sanadas e de vícios da decisão, a que se referem os arts. 379.º, n.º 1 e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, em sintonia, designadamente, com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e conforme, entre outros, os acórdãos do STJ: de 13.05.1998, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; e de 3.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 3.ª edição, Rei dos Livros, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

Assim, reside em apreciar, unicamente, do preconizado enquadramento do jogo desenvolvido pela máquina denominada “Colorama” em modalidade afim de jogos de fortuna ou azar.

No que ora releva, consta da sentença recorrida:

Matéria de facto provada:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

II. 1. 1. NUIPC 201/13.3EAEVR
No dia 30 de Novembro de 2013 o arguido explorava o estabelecimento comercial denominado “CAFÉ G”, sito na Rua …, em Trigaches mas também com entrada pela Travessa … sem número.

Na sequência de uma operação de fiscalização realizada pela ASAE naquele dia, foi encontrada no estabelecimento do arguido uma máquina electrónica com as seguintes características:

- Tal máquina é constituída por um móvel de um só corpo, estrutura em aglomerado de madeira de cor cinzenta, com a inscrição no painel frontal “Colorama”, apresentando na parede lateral direita o dispositivo de introdução de moedas.

- Ao centro, a máquina apresenta um círculo onde se visualizam cerca de 64 “leds” que se vão iluminando e identificados com os números 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20 e 500.

- No centro do círculo encontram-se duas janelas digitais, onde surgem numa os créditos obtidos na jogada e na outra a pontuação obtida no decurso das jogadas efectuadas.

- No canto inferior direito da parte frontal da máquina encontra-se um botão vermelho que permite ao jogador utilizar os créditos obtidos no decurso das jogadas.

- Após a introdução de uma moeda inicia-se de imediato a jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, ou seja, é imediatamente iluminado um dos diversos “leds”, sendo percorridos todos os restantes até parar e fixar-se aleatoriamente num dos restantes “leds” que oscilam entre o “1” e o “200” tendo o jogador direito aos pontos correspondentes, que variam entre 1 e 200.

- A cada ponto obtido corresponde 1,00 € podendo o jogador continuar a jogar com os pontos obtidos ou, em alternativa, parar de jogar e receber em euros o número de pontos obtidos.

- O resultado deste jogo assenta exclusivamente na sorte uma vez que o jogador não tem qualquer influência no funcionamento da máquina e no resultado do jogo, não sendo a perícia do jogador determinante para o resultado final (cfr. melhor consta do relatório pericial de fls. 76 a 79 verso do Processo 201/13.1EAEVR).
*
II.1.2. NUIPC 22/14.4EAEVR
No dia 15 de Fevereiro de 2014 o arguido tinha no seu “CAFÉ G.” duas máquinas electrónicas: uma sem qualquer designação e outra com a designação “Kiosk Internet”.

A máquina sem qualquer designação que a identifique, apresenta as seguintes características:

- É de pequena dimensão, composta por um monitor, um CPU, um teclado e um rato e na parte lateral duas ranhuras para introdução de moedas e notas e o respectivo cofre;

- Quando ligada à energia eléctrica a máquina apresenta o sistema operativo Windows com acesso à internet mas através do acesso apenas possível com uma password apresenta também quatro jogos, três do tipo slotmachine e denominados Halloween, Pantanal e Decorative Marbles e outro de Vídeo Poker denominado Wild Poker Stars;

- Qualquer um dos jogos inicia-se com a introdução de moedas ou notas nas ranhuras existentes para o efeito e que correspondem a créditos de cada jogada;

- No desenvolvimento dos Jogos tipo slotmachine aparecem a girar no monitor cinco colunas de símbolos e a jogada só termina quando o movimento giratório pára em determinada combinação que poderá ou não ser premiada;

- Se a combinação for premiada, o jogador ou continua a jogar usando os pontos/créditos obtidos ou troca os pontos obtidos por dinheiro;

- Se a combinação não for premiada e o jogador pretender continuar a jogar terá de introduzir mais dinheiro na máquina;

- No jogo de Vídeo Poker, apos o jogador marcar com o número de créditos a sua aposta aparecem no monitor cinco cartas,

- O objectivo do jogo é conseguir obter uma das combinações do Jogo de Poker: sequência real, sequência numérica, sequência de cor, fullen, trio ou pares;

- O jogador pode então fixar alguma ou algumas cartas que se manterão para a próxima jogada e escolher outras cartas até gastar os créditos que apostou ou até obter uma das combinações premiadas;

- Se conseguir obter uma combinação premiada, o jogador ou continua a jogar usando os pontos/créditos obtidos ou troca os pontos obtidos por dinheiro;

- Se não conseguir obter uma combinação premiada e o jogador pretender continuar a jogar terá de introduzir mais dinheiro na máquina (cfr. melhor consta do relatório pericial de fls. 38 a 43 verso Processo 22/14.4EAEVR).

A máquina com a designação “Kiosk Internet”, apresenta as seguintes características:

- é constituída por um móvel de estrutura única, de cor cinzenta, possuindo na parte frontal um monitor, nas partes laterais encontra-se instalado o mecanismo de introdução de notas e o cofre respectivo;

- No interior da máquina, acedido por uma porta traseira, encontram-se os vários componentes de um vulgar computador, incluindo um disco rígido, da marca Toshiba, com o n.º de série 23HQS1MVS, que serve como seu suporte;

- Quando ligada à energia eléctrica as máquinas apresentam o sistema operativo Linux com acesso à internet mas, através do acesso apenas possível com uma password, apresentam também seis jogos, sendo cinco do tipo slotmachine denominados Halloweeen, Pantanal, Bang Bang e Trevo da sorte e um de características semelhantes ao Bingo denominado Nitroball.

- Qualquer um dos Jogos inicia-se com a introdução de moedas ou notas nas ranhuras existentes para o efeito e que correspondem a créditos de cada jogada.

- No desenvolvimento dos jogos tipo slotmachine aparecem a girar no monitor cinco colunas de símbolos e a jogada só termina quando o movimento giratório pára numa combinação que poderá ou não ser premiada.

- Se a combinação for premiada, o jogador ou continua a jogar usando os pontos/créditos obtidos ou troca os pontos obtidos por dinheiro.

- Se a combinação não for premiada e o jogador pretender continuar a jogar terá de introduzir mais dinheiro na máquina;

- No jogo de Bingo o objectivo é obter determinados alinhamentos de números os quais vão aparecendo de forma aleatória em cada jogada.

- Os alinhamentos que dão prémio encontram-se expostos permanentemente no canto superior direito do monitor com o respectivo valor do prémio da aposta efectuada.

- Na área inferior do monitor aparecem de 1 a 4 cartões, conforme a aposta do jogador, accionando a tecla “J” (jogada manual) ou a tecla “U” (jogada automática) o jogador inicia o sorteio aleatório de 30 números para obter um alinhamento premiado.

- Caso não obtenha um alinhamento premiado o jogador pode ainda utilizar 10 números extra que são sorteados também de forma aleatória com vista a obter a linha premiada.

- No final de cada jogada o jogador ou perde ou ganha créditos que pode ir utilizando em novas jogadas ou acumular.

- Quando pretender abandonar o jogo, o jogador pode premir a tecla “R” que faz aparecer no monitor o número de créditos a receber e reclamar do explorador da máquina a quantia correspondente a esse número de créditos.

Os resultados de todos os jogos supra descritos assentam exclusivamente na sorte uma vez que o jogador não tem qualquer influência no seu funcionamento, não sendo a perícia do jogador determinante para o resultado final e a sua exploração apenas é permitida em casinos (cfr. melhor consta do relatório pericial de fls. 44 a 50 verso do Processo 22/14.4EAEVR).
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II.1.3. NUIPC 3/14.8GBBJA

No dia 9 de Maio de 2014 o arguido tinha no seu “CAFÉ G.” duas máquinas electrónicas com a designação de “Kiosk Internet”.
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O arguido tinha todas as supra referidas máquinas no seu estabelecimento comercial e explorava o “lucro” obtido com os jogos a que as máquinas se destinavam de forma voluntária, livre e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal.
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Na exploração do estabelecimento de restauração supra identificado, o arguido auferirá um rendimento mensal não inferior a 700,00 euros.
É divorciado e tem dois tilhos menores, de 17 e 14 anos idade, fruto do seu casamento.

Encontra-se a suportar o pagamento de uma prestação alimentícia fixada em favor dos seus filhos, de 510,00 euros/mês.

Vive maritalmente com uma companheira que o auxilia no “Café G.”.

Encontra-se a amortizar um empréstimo contraído para a realização de obras de remodelação do café, pelo que paga mensalmente € 400,00.
Tem como habilitações literárias o 11.º ano de escolaridade.

Por sentença proferida em 14/2/2014, transitada em julgado em 17/3/2014, foi o arguido condenado pela prática em 2/3/2012, de idêntico crime, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros, num total de 350,00 euros.

Factos não provados:
Todos os demais constantes da acusação pública e da contestação apresentada pelo arguido que não se encontrem supra relatados, designadamente os seguintes:

A) As máquinas apreendidas no dia 9 de Maio de 2014 no seu “CAFÉ G tinham as seguintes características:

A.1.) - Ambas as máquinas são de grande dimensão, cada uma composta por um monitor, um CPU, um teclado e um rato e na parte lateral duas ranhuras para introdução de moedas e notas e o respectivo cofre;

A.2.) - Quando ligadas à energia eléctrica as máquinas apresentam o sistema operativo Windows com acesso à internet mas, através do acesso apenas possível com uma password, apresentam também sete jogos, sendo cinco do tipo slotmachine denominados Halloween, Pantanal, Duende da Sorte, Bang Bang e Trevo da sorte, um de Vídeo Poker sem denominação e um de Bingo denominado Nitroball;

A.3.) - Qualquer um dos jogos inicia-se com a introdução de moedas ou notas nas ranhuras existentes para o efeito e que correspondem a créditos de cada jogada;

A.4.) - No desenvolvimento dos jogos tipo slotmachine aparecem a girar no monitor cinco colunas de símbolos e a jogada só termina quando o movimento giratório pára numa combinação que poderá ou não ser premiada;

A.5.) - Se a combinação for premiada, o jogador ou continua a jogar usando os pontos/créditos obtidos ou troca os pontos obtidos por dinheiro;

A.6.) - Se a combinação não for premiada e o jogador pretender continuar a jogar terá de introduzir mais dinheiro na máquina;

A.7.) - No jogo de Vídeo Poker, após o jogador marcar com o número de créditos a sua aposta, aparecem no monitor cinco cartas;

A.8.) - O objectivo do jogo é conseguir obter uma das combinações do jogo de Poker: sequência real, sequência numérica, sequência de cor, fullen, trio ou pares;

A.8) - O jogador pode então fixar alguma ou algumas cartas, que se manterão para a próxima jogada e escolher outras cartas até gastar os créditos que apostou ou até obter uma das combinações premiadas;

A.9.) - Se conseguir obter uma combinação premiada, o jogador ou continua a jogar usando os pontos/créditos obtidos ou troca os pontos obtidos por dinheiro;

A.10.) - Se não conseguir obter uma combinação premiada e o jogador pretender continuar a jogar terá de introduzir mais dinheiro na máquina;

A.11.) - No jogo de Bingo o objectivo é obter determinados alinhamentos de números os quais vão aparecendo de forma aleatória em cada jogada;

A.12.) - Os alinhamentos que dão prémio encontram-se expostos permanentemente no canto superior direito do monitor com o respectivo valor do prémio da aposta efectuada;

A.13.) - Na área inferior do monitor aparecem de 1 a 4 cartões, conforme a aposta do jogador, accionando a tecla “J” (jogada manual) ou a tecla “U” (jogada automática) o jogador inicia o sorteio aleatório de 30 números para obter um alinhamento premiado;

A.14.) - Caso não obtenha um alinhamento premiado o jogador pode ainda utilizar 10 números extra que são sorteados também de forma aleatória com vista a obter a linha premiada;

A.15.) - No final de cada jogada o jogador ou perde ou ganha créditos que pode ir utilizando em novas jogadas ou acumular.

A.16.) - Quando pretender abandonar o jogo, o jogador pode premir a tecla “R” que faz aparecer no monitor o número de créditos a receber e reclamar do explorador da máquina a quantia correspondente a esse número de créditos;

A.17.) - Os resultados de todos os jogos supra descritos assentam exclusivamente na sorte uma vez que o jogador não tem qualquer influência no seu funcionamento, não sendo a perícia do jogador determinante para o resultado final e a sua exploração apenas é permitida em casinos;

B) O arguido não era o explorador das máquinas apreendidas, supra mencionadas;

C) O arguido nunca utilizou as máquinas e demais objectos apreendidos nos autos, desconhecendo, por absoluto, o seu concreto modo de funcionamento e/ou finalidade da respectiva utilização;

D) Os tipos de jogos existentes nas máquinas podem/são utilizados, desenvolvidos e jogados “online” através da internet por qualquer utilizador e que poderiam ter sido “descarregados” online para qualquer computador, tablet e/ou smartphone que se encontre acessível ao público em estabelecimento comercial, à completa revelia do respectivo explorador;

Motivação da decisão de facto:
De referir que o arguido exerceu o seu direito ao silêncio, optando por não responder quanto aos factos pelos quais vinha acusado, tendo unicamente prestado esclarecimentos quanto às suas condições sociais, profissionais, familiares e económicas.

Nessa medida, a convicção do Tribunal relativamente à factualidade contida na acusação pública resultou da análise crítica dos seguintes meios de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento ou que nela foram objecto de discussão:

Em primeiro lugar, atendeu-se às declarações prestadas pela testemunha IM, inspector da ASAE, que relatou ter-se deslocado ao estabelecimento dos autos onde efectuou uma acção de fiscalização, quer em 30/11/2013, quer em 15/2/2014 onde, de forma sincera, lógica e credível, confirmou a existência das máquinas alvo de apreensão, que deram origem aos NUIPC 201/13.3EAEVR e NUIPC 22/14.4EAEVR e que vieram a ser alvo de ulterior perícia (cujos respectivos relatórios se encontram a fls. 77 a 79 do NUIPC 201/13.3EAEVR e fls. 38 a 43 verso e 44 a 50 do NUIPC 22/14.4EAEVR. Mais confirmou o teor dos autos de apreensão e notícia de fls. 56/57 e fotografias de fls. 58, os de fls. 53 e 56 a e fotografias de 107 a 109 e que em ambas as ocasiões o arguido se identificou como sendo o explorador do café e comportou-se como tal (não tendo solicitado a presença de qualquer outra pessoa ao local, tendo, nessa qualidade, assinado toda a documentação referente aos autos de apreensão).

De igual modo se atendeu ao testemunho de RP, militar da GNR, que depôs quanto à acção de fiscalização ocorrida em 9/5/2014 e que motivou a apreensão de duas máquinas no estabelecimento do arguido, que deram origem ao NUIPC 3/14.8GBBJA. Foi tal depoimento, associado ao auto de notícia e de apreensão de fls. 58 a 60 do referido NUIPC, aos fotogramas de fls. 62 a 69.

De igual modo o Tribunal não deixou de considerar que o próprio arguido admitiu que se dedicava à exploração do estabelecimento de restauração em causa.

Quanto às características das várias máquinas e seu modo de funcionamento teve-se em atenção o que constava dos respectivos relatórios periciais, ou seja, junto quanto aos NUIPC 201/13.3EAEVR de fls. 76 a 79 e do NUIPC 22/14.4EAEVR os relatórios de fls. 38 a 43 e de fls. 44 a 50.

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em consideração o certificado de registo criminal junto aos autos e, quanto às suas condições pessoais, o que o arguido declarou a esse respeito.

No que tange aos factos atinentes ao preenchimento do elemento subjectivo (dolo directo), a prova dos mesmos advém da análise do conjunto das circunstâncias exteriores que motivaram o comportamento do arguido, não podendo este desconhecer o caracter ilícito da sua conduta, não só porque fora condenado no passado pela prática de crime de idêntica natureza, como por voltado a colocar no seu estabelecimento máquinas após a apreensão em 30/11/2013 da primeira máquina “Colorama”, e de duas outras, após a apreensão em 15/2/2014, de duas.

No que concerne aos factos considerados como não provados, descritos sob a alínea A), tal decorre de não se encontrar junto ao processo os relatórios periciais referentes a tais máquinas, pois o de fls. 120 a 129 do apenso NUIPC 3/14.8GBBJA surge identificado como sendo referente às máquinas apreendidas no âmbito do NUIPC 26/14.7GFBJA, não sendo mencionado em tal relatório qualquer número de série das máquinas analisadas donde seja possível concluir peremptoriamente que se refiram às que foram apreendidas no dia 9/5/2014 e, como tal, que tivessem as características técnicas que, nesse segmento da acusação pública, o Ministério alegara.

Por sua vez, a resposta dada em B) a C) decorre da falta de prova bastante da sua ocorrência e/ou por se mostrarem em expressa oposição com factos que o Tribunal considerou como provados.

Enquadramento jurídico-penal:
Apurados os factos, cumpre agora proceder ao seu enquadramento jurídico-criminal.

O arguido encontra-se acusado da prática, como autor material, de três crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e puníveis nos termos do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, com as respectivas alterações.

Dispõe o artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro que:

«1 - Quem, por qualquer forma, fizer exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias».

Postula o artigo 1.º do diploma supra referenciado, sob a epígrafe de “Jogos de fortuna ou de azar” que “Jogos de fortuna ou de azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.

Resulta, por seu turno, da redacção dos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, alínea g) que a exploração dos jogos de fortuna ou azar só é permitida nos casinos.

Por forma a apurar se a matéria de facto apurada integrará o tipo incriminador importa procurar determinar o conceito de jogo de fortuna e azar que constitui o objecto da actividade proibida.

Tal percurso assume particular relevância, atenta a jurisprudência que escalpelizou o ilícito criminal em apreço e delimitou o conceito de jogos de fortuna ou azar das modalidades afins, de que são exemplos, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 11 de Julho de 2006 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Fernando Cardoso - Recurso n.º 1254/06, texto não disponível); o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Outubro de 2005 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Carlos Almeida- Processo n.º 7610/2005-3, disponível em www.dgsi.pt) e o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Julho de 1999 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Correia de Paiva - N.º Convencional JTRP00025552, disponível em www.dgsi.pt).

Conforme nota o primeiro dos Acórdãos a que acima se fez alusão, da delimitação do conceito de jogo de fortuna ou azar resultará a qualificação como ilícito criminal ou como ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelos artigos 159.º, 160.º, n.º 1, 161.º, n.º 3 e 163.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89.

No seio da jurisprudência, é entendimento que a diferença entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar ou de modalidades afins deixou de assentar na relevância da sorte ou do azar para o resultado, na medida em ambas as situações a contingência do resultado podia derivar apenas da sorte.

Outro meio aflorado pela jurisprudência para distinguir o campo de aplicação das incriminações previstas nos artigos 108.º a 111.º e 115.º das condutas que integram os ilícitos de mera ordenação social (artigos 160.º a 163.º), situa-se na natureza dos prémios atribuídos, já que quando estes consistissem em dinheiro estar-se-ia perante um crime, conquanto a atribuição de prémios de outra natureza caracterizaria o ilícito como de mera ordenação social.

Perfilhando a posição assumida pelos Acórdãos da Relação de Évora e da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2006 e 26 de Outubro de 2005, deverão ser considerados “jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos n.ºs 1e 3 do artigo 4.º da actual redacção do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, é autorizada nos casinos.

E para tal será necessário precisar o conceito de máquina.

Sabendo que uma máquina é todo o dispositivo mecânico ou orgânico que executa ou ajudar no desempenho das tarefas precisando para isso de uma fonte de energia, que as máquinas podem ser divididas em automáticas e não-automáticas ou manuais [as máquinas não automáticas ou manuais são todas as máquinas que precisam da energia do operador para executar o trabalho.] e tendo presente o que resulta da Portaria n.º 817/2005, que as máquinas de jogos de fortuna ou azar exploradas nos casinos são máquinas automáticas, analisando o material apreendido no estabelecimento de restauração explorado pelo arguido, conclui-se que, de facto, as máquinas em questão enquadram-se no conceito de máquina automática [veja-se o que consta, aliás nos relatórios periciais àquelas feitos].

Por outro lado, tendo ainda em consideração as suas características técnicas (aqui se remetendo para o que supra foi dado como provado) não existirão dúvidas quanto ao caracter ilícito da sua exploração no estabelecimento explorado pelo arguido.

A este particular, cita-se a título meramente exemplificativo a seguinte jurisprudência:

“Ac. TRP de 8-02-2012: A conduta típica do crime de exploração ilícita de jogo consiste em, por qualquer meio, fazer a exploração de «jogos de fortuna ou azar» previstos no artigo 4º do DL 422/89, fora dos locais legalmente autorizados, dizer: dos casinos ou de outros locais onde tal exploração é autorizada pelo Estado.

Ac. TRP de 19-10-2011:I. À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação. II. Já o serão, porém - na justa medida em que induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater -, as máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos.

Ac. TRP de 25-05-2011: É de fortuna ou azar o jogo desenvolvido por uma máquina em que: - o resultado ou pontuação final assenta exclusivamente no factor sorte; - o prémio é pago unicamente em dinheiro; - o modo de obtenção da pontuação é igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica de, nesta máquina, se tratar de uma «roleta electrónica».

Ac. TRP de 7-05-2014: À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação; mas já o serão máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os riscos de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à acumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos; pois estas induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater.

Ac. TRP de 8-10-2014: I. Constitui jogo de fortuna ou azar o jogo desenvolvido por máquina cujo funcionamento é igual ou análogo ao do jogo da «roleta electrónica» ou «slot machine» usada nos casinos, em que o resultado de cada jogada assenta exclusivamente no factor sorte e ao qual é absolutamente indiferente a vontade ou perícia do jogador. II. Constituindo o crime de jogo ilícito p.p. pelo artº 108º DL 422/89 e DL 10/95 (Lei do Jogo) a exploração de tal máquina;”

Na situação vertente, e com relevo para a decisão, temos que o arguido, nos dias 30/11/2013 e 15/2/2014 tinha no estabelecimento de restauração que explora máquinas que, pelas suas características e tal como vêm classificadas pelas perícias realizadas, realizavam jogos cujos resultados assentam exclusivamente na sorte, uma vez que o jogador não tem qualquer influência no seu funcionamento, não sendo a perícia do jogador determinante para o resultado final e a sua exploração apenas é permitida em casinos.

Mais ficou provado que nas referidas datas o arguido tinha todas as supra referidas máquinas no seu estabelecimento comercial e explorava o “lucro” obtido com os jogos a que as máquinas se destinavam de forma voluntária, livre e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal.

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos impõe-se concluir que efectivamente o arguido cometeu, em autoria material e em concurso efectivo, dois crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e puníveis nos termos do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, com as respectivas alterações, impondo-se a sua condenação.

Já relativamente às duas máquinas apreendidas no dia 9/5/2014, não se provaram as respectivas características técnicas que tinham não sendo, desse modo, possível, com segurança, concluir como identicamente se fez com as demais.

Daí que, nesse segmento, será julgada improcedente a acusação pública e o arguido absolvido da prática de um crime de jogo ilícito.

Apreciando:

O recorrente manifesta discordância quanto à qualificação do material que lhe foi apreendido em 30.11.2013, ou seja, à máquina electrónica com a designação de “Colorama”, a que se reportam os factos provados no NUIPC 201/13.3EAEVR, como desenvolvendo jogo de fortuna ou azar, pretendendo que, ao invés do decidido, integre modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, redundando na sua absolvição nesse âmbito.

Sustenta-o por apelo à fundamentação de diversa jurisprudência e da fixada pelo acórdão do STJ n.º 4/2010 (de 04.02, in D.R. I Série de 08.03.2010)

Para o efeito concretiza, no essencial, que uma qualquer variabilidade dos prémios eventualmente a auferir em razão da utilização da máquina ora em causa, denominada “Colorama”, não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, o que resulta patente nos prémios atribuídos nos jogos sociais do Estado, a máquina ora em causa não pagava directamente um qualquer prémio, seja em fichas ou moedas, além do que, não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta, não existirem quaisquer diferenças entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa nos presentes autos depende de impulso eletrónico enquanto que aquela outra, em causa no citado Acórdão do STJ, depende de impulso mecânico, sendo tudo o demais absolutamente similar e, ainda, aludindo à total impossibilidade de se dobrar apostas, tão pouco de arriscar de uma só vez numa jogada ulterior toda a pontuação eventualmente ganha/acumulada em momento anterior, não existindo assim o “tudo ganhar” ou o “tudo perder”, absolutamente característico de todo e qualquer “jogo de casino”, todos os prémios estavam previamente definidos e afixados, pois existia um “plano de prémios” presente na própria máquina, não podendo um qualquer seu utilizador auferir de um qualquer prémio para além dos presentes em tal plano e nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime.

Cita, para além daquele acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ), os acórdãos: Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Aresto de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 – acessível in www.dgsi.pt; Acórdão de Relação Coimbra 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt); Acórdão desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 100/07.6TACCH.E1 e disponível in www.dgsi.pt); douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 372/07.6PHLRS.L1-1), bem como, doutos Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013 (proferido no âmbito do Proc. n.º 626/11.7GDGDM.P1 da 1.ª Secção e disponível in www.dgsi.pt) e 12.02.2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 2084/12.0TAVLG.P1 da 1.ª Secção – não “publicado”); Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 25-06- 2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 92/08.4FBAVR.C1 da 4.ª Secção – ainda não “publicado”) e 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt), douto Acórdão desta Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1 da Secção Criminal – ao que se sabe, ainda não “publicado”), e, doutos Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 09-07-2014 (proferido no âmbito do Proc. 514/13.2EAPRT.P1 da 1.ª Secção, mas com um outro Desembargador-Relator, e disponível in www.dgsi.pt) 17-09-2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 480/13.4EAPRT.P1 da 4.ª Secção e disponível in www.dgsi.pt), 24-09-2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 447/12.0EAPRT.P1 da 1.ª Secção – não “publicado”), 04-02-2015 (proferido no âmbito do Proc. n.º 151/11.6EAPRT.P1 da 4.ª Secção – não “publicado”), e 22-04-2015 (proferido no âmbito do Proc. n.º 103/13.1PFVNG.P1 da 1.ª Secção – não “publicado”); Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 12-02-2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 2084/12.0TAVLG.P1 da 1.ª Secção – não “publicado”), de 24-09-2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 447/12.0EAPRT.P1 da 1.ª Secção – não “publicado”), e de 22-04-2015 (proferido no âmbito do Proc. n.º 103/13.1PFVNG.P1 da 1.ª Secção – ainda não “publicado”.

Finalmente, invoca que uma tal interpretação (a seguida pelo tribunal recorrido) é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).

Já em anterior acórdão, proferido em 03.11.2015, no proc. n.º 82/12.2PFSTB.E1, nos debruçámos sobre o assunto, versando máquina de jogo de características exactamente idênticas à dos autos, então se tendo concluído no sentido consentâneo ao decidido na sentença ora recorrida.

Não obstante a alegação agora em análise, não se descortina razão válida para alterar o aí fundamentado, pelo que se seguirá de perto o que nele se escreveu, sem prejuízo do que mereça ser acrescentado.

Vejamos.
Não é pacífica, de modo algum, a distinção entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses jogos e outras formas de jogo, a que aludem, respectivamente, os arts. 1.º e 159.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, o último na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01.

Nos termos do art. 1.º do Dec. Lei n.º 422/89:

Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.

Por seu lado, o art. 4.º do mesmo diploma, descreve tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração é autorizada nos casinos, aí se incluindo, no que ora interessa, designadamente, nas alíneas f) e g) do seu n.º 1, “Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas” e “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

No que respeita às aludidas modalidades afins, dispõe o seu art. 159.º:

“1- Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.

2- São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
3 - (…)”

Ainda, neste âmbito, atente-se no seu art. 161.º, n.º 3:
“As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente, o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”.

Embora tivesse versado em material diferente daquele que agora está em apreciação (como adiante se explicitará), mas com manifesto interesse para esclarecimento das razões norteadoras da distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos, colhem-se do referido acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência (AFJ) n.º 4/2010, no qual é citada a abundante jurisprudência que foi sendo produzida (aqui se dispensa referir), considerações bem pertinentes e, por isso, se transcrevem:

O problema reside, portanto, em saber qual o critério a adoptar para a distinção dos jogos em máquinas que devem ser considerados ilícito criminal, daqueles que devem ser considerados como ilícito contra-ordenacional.

Quase todos os critérios passados em revista através da jurisprudência não são aceitáveis, pelo menos em pleno, pois não oferecem as características de completude e exaustividade e, sobretudo, não se baseiam nos critérios relevantes que permitiriam distinguir os dois ilícitos. Daí a multiplicidade de soluções jurisprudenciais, cada qual rechaçando os pontos de vista de outra ou outras, de que pretende demarcar-se.

Não está no nosso fito analisar cada um desses critérios. Sempre se dirá, no entanto, que o critério que faz depender o resultado do jogo exclusivamente da sorte foi nitidamente ultrapassado pela legislação, logo a partir da versão originária do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e, mais marcadamente, a partir da alteração deste pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

O critério da distinção pela natureza dos prémios (se consistissem em dinheiro, estar-se-ia em face de um crime; se de outra natureza, em face de uma contra-ordenação) também não serve para operar a destrinça entre os dois ilícitos pela simples razão de que os jogos em máquinas automáticas considerados de fortuna ou azar, segundo a definição do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na versão do Decreto-Lei n.º 10/95, não se enquadra de modo algum nesse critério distintivo.

O critério das «operações oferecidas ao público» tem dado origem a diversificadas considerações jurisprudenciais. O que sejam «operações oferecidas ao público» é coisa que a lei não define. Deste modo, a jurisprudência ou tem ido para definições mais ou menos simplistas ou mais ou menos complexas, neste caso envolvendo um promotor, uma oferta da operação e, em certos casos, um ou vários prémios previamente definidos, sendo o número de jogadores ilimitado, ao passo que, nos jogos de fortuna ou azar, não haveria nada disso, sendo o número de jogadores limitado.
(…)
Quanto aos restantes critérios adoptados e que foram passados em revista, resultam de uma combinação de vários elementos preponderantes neste ou naquele critério de forma a formarem critérios complexos: temática desenvolvida pelos jogos (ou natureza destes) e natureza dos prémios; natureza dos prémios e ofertas ao público, etc.

O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito — ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social — não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associado princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal — uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.

Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.

A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos regra ou exemplos padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime do que nos tipos contra-ordenacionais.

Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou activas pelo recurso à analogia [cf., sobre toda esta problemática, Faria Costa, «Construção e interpretação do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: Duas questões ou um só problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e segs., e José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, Livraria Petrony, 1978, 2.º vol., pp. 197 e segs.].

Como vimos (…) a lei (artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º).

Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas [vários jogos bancados, concretamente determinados — alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados — alínea e) — e jogos em máquinas — alíneas f) e g)].

No que respeita a estes últimos, mencionam -se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].

A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins». Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do artigo 1.º, são os que estão especificados no artigo 4.º, n.º 1.(…) “.

Aliás, o referido artigo 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...]», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades [alíneas a) a d)]; os não bancados, também concretamente especificados [alínea e)] e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas [as alíneas f) e g)].
(…)
Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.

Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins (…).

No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:

Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;

Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto -Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.

Já em anteriores ocasiões, embora prévias à prolação do AFJ, o assunto foi abordado em acórdãos do ora relator, focando as divergências na jurisprudência (estas são patentes naquele AFJ, dispensando aqui maior desenvolvimento) e entendendo que, pese embora o seu valor argumentativo, nenhum dos critérios usados - serem, ou não, explorados nos casinos, serem, ou não, operações oferecidas ao público, a natureza dos prémios e as características do jogo - deva ser tido por absoluto, com o sentido de que se possa aplicar genericamente e prescinda das especificidades do jogo a apreciar.

E reiterando essa abordagem, sem prejuízo do que se consignou, como referido, naquele AFJ, afigura-se, aliás sem colidir com este, que a única opção verdadeiramente válida e fundada para aferir do critério distintivo a estabelecer deverá resultar, a nosso ver, dos elementos que se revelem nas vertentes da natureza do jogo e da natureza do prémio, consideradas isolada ou conjuntamente.

Por seu lado, analisando a argumentação do recorrente, bem como os acórdãos que refere, resulta que o entendimento por que envereda, contrário ao da sentença em apreciação, assenta, no essencial, em conferir prevalência à problemática dos prémios.

Assim, no essencial, constata-se que coloca o acento tónico da distinção na circunstância de que, nas modalidades afins do jogo de fortuna ou azar (em que se integraria a máquina de jogo dos autos), existirá uma predeterminação do respectivo prémio e uma pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pressupondo um impulso/renovação em cada operação, sem a característica de “aposta”, com menor compulsividade.
No entanto, afigura-se que tal critério, além de relativamente fluído para a multiplicidade de jogos que a realidade oferece, não decorre de interpretação conjugada e comparativa dos preceitos legais em questão, quedando-se, ao invés, por suportá-lo tendencialmente em aspectos quantitativos e subjectivos, inadequado à materialidade e à teleologia da devida protecção do bem jurídico subjacente à incriminação (neste sentido, referidos pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2014, no proc. n.º 1301/12.0PBMTS.P1, e de 13.05.2015, no proc. n.º 7/11.2GCFLG.P1, in www.dgsi.pt).

Sob diverso aspecto, alegado pelo recorrente, também se mostra que não deve ter acolhimento.

Com efeito, o jogo desenvolvido pela máquina em questão não se apresenta similar àquele que esteve sob apreciação no mencionado AFJ.

Salientou-se, e bem, no acórdão desta Relação de Évora de 16.02.2016, no proc. n.º 7/10.0EASTR.E1, in www.dgsi.pt, que se pronunciou acerca de jogo inteiramente idêntico ao dos autos, que trata-se, ali (no AFJ), de máquinas “que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas (…) Em suma, consiste esta máquina apenas num expositor contendo cápsulas premiadas (descrição detalhada em Conde Fernandes, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco, vol. II, p. 370). Já aqui, o modo de funcionamento das máquinas apreendidas impulsiona ao jogo, através da utilização da pontuação acumulada, permitindo-se apostar os pontos ganhos em novas jogadas.

Se assim é, bem como dependendo exclusivamente da sorte, as suas características temáticas reconduzem-se ao típico jogo da “roleta”, pacificamente de fortuna ou azar, cabendo aqui afirmar que, pese embora ligeiras diferenças, como sejam, o jogador não poder escolher o(s) número(s) em que aposta, as semelhanças com esse tipo de jogo são significativas, já que, neste, também é accionado - pelo pagador, pessoa diferente do(s) jogador(es) - o movimento giratório de um prato, sobre o qual aquele irá lançar, em sentido contrário a esse movimento, uma bola, que percorrerá o dito prato até perder velocidade e se imobilizar, aleatoriamente, num dos compartimentos numerados existentes junto à borda do mesmo, ganhando o(s) jogador(es) que hajam efectuado as correspondentes apostas com as fichas que lhe sejam atribuídas e que depois serão trocadas pelo valor que representem.

Acresce que, para concluir por máquina que desenvolve tema próprio de jogo de fortuna ou azar, não é imprescindível que as suas regras de execução e de funcionamento sejam exactamente iguais às daqueles jogos, sendo que mesmo estes podem assumir contornos diferentes mas sem perder a sua intrínseca identidade, geralmente reconhecida.

Aliás, já o preâmbulo do Dec. Lei n.º 22/85, de 17.01 (que alterou o Dec. Lei n.º 48912, de 18.03.1969), acentuava, perante tecnologia, época, com grau de evolução que não se compara ao actual, que São muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. A solução legal até agora adoptada, consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão e na sua sujeição ao regime instituído para as máquinas de tipo flipper, tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática de jogo ilícito.

Basta, pois, à luz destes considerandos, transportados para a actualidade, que as aludidas semelhanças entre o jogo desenvolvido pela máquina “Colorama” e o jogo da “roleta” sejam significativas, como no caso sucede.

Entende-se, assim, que a conduta do recorrente integra a exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, nos termos do art. 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, no caso, conforme à alínea g) do n.º 1 do art. 4.º do mesmo diploma (“jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”), uma vez que se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos para tal subsunção, mormente, sem contender com a referida jurisprudência fixada.

Ainda, só tal perspectiva está em sintonia com a previsão do referido art. 161.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 422/89, uma vez que um jogo com as características em causa (similar à “roleta”) não pode considerar-se como modalidade afim de jogo de fortuna ou azar.

Atentando em jogos idênticos ao dos autos e no mesmo sentido, vejam-se o acórdão do STJ de 27.10.2010, no proc. n.º 2/07.6FHALM.L1-A.S1, e desta Relação de Évora de 07.01.2014, no proc. n.º 67/09.6EASTR, in www.dgsi.pt.

Afigura-se que é a solução que melhor se compatibiliza com os legais critérios da definição do tipo legal, no sentido teleológico a que o AFJ se reporta (fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associado princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal), pelo que a interpretação acolhida pelo tribunal recorrido não viola os princípios da “igualdade”, da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, contrariamente ao que o recorrente, embora sem o justificar, pretenderia.

Bem andou, pois, o tribunal ao condená-lo em conformidade.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,

- manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).

Processado e revisto pelo relator.

12.Março.2019

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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)