Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
988/17.2T8PTG-A.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: AUDIÊNCIA DE PARTES
REPRESENTAÇÃO LEGAL
PODERES ESPECIAIS
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: As partes podem fazer-se representar na audiência de partes por procurador, nos termos previstos pelo artigo 262.º do Código Civil. Em tal situação, a parte não está faltosa, pelo que não se pode aplicar qualquer multa por ausência injustificada.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.988/17.2T8PTG-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
Corre termos no Juízo do Trabalho de Portalegre, Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, uma ação declarativa, com processo comum, em que é Autor BB e Ré CC, S.A., ambos com os demais sinais identificadores nos autos.
Na primeira data designada para a realização da audiência de partes, o tribunal de 1.ª instância, para o que agora interessa, proferiu despacho com o seguinte teor:
«Nos termos do disposto no artigo 54º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, “O autor é notificado e o réu é citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir”.
Da redação de tal norma resulta inequivocamente que, na presente diligência, as partes deverão comparecer pessoalmente ou, caso tal não se revele possível, deverão fazer-se representar por mandatário judicial com poderes para o ato.
Nenhuma de tais situações se verifica na presente audiência de partes, uma vez que não se encontra presente o autor nem o legal representante da ré, nem tão pouco os mesmos se fizeram representar por mandatário judicial.
(…)
Relativamente à ré, não se encontra presente nenhum dos seus legais representantes, sendo certo que a procuração que juntaram aos autos concedendo poderes para os representar na presente audiência de partes ao seu trabalhador DD não é legalmente admissível para o efeito, uma vez que não se trata de procuração forense. Assim, também a ré se não encontra representada na presente diligência por mandatário judicial nos termos expressamente exigido pelo artigo 54º, nº 3, do Código de Processo do trabalho acima transcrito.
Nesta conformidade, não se encontrando presentes nem devidamente representadas nenhuma das partes, não se revela possível realizar a audiência de partes para hoje agendada nos presentes autos, pelo que se decide adiá-la, designando-se para o efeito o dia 12 de Outubro de 2017, pelas 10 horas.
Mais se decide condenar autor e ré na multa de UMA UC, cada um, caso não justifiquem as respetivas faltas no prazo legal.»
Devidamente notificada de tal despacho e não se conformando com o mesmo, veio a Ré interpor o competente recurso, sintetizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:
«A) - Vem o presente recurso interposto do, aliás, Douto Despacho de fls., que considera que, no que respeita à R./Recorrente, nenhum dos seus legais representantes se encontrava presente, porquanto a procuração junta aos autos concedendo poderes ao seu trabalhador DD para a representar na Audiência de Partes não é legalmente admissível para o efeito, uma vez que não se trata de procuração forense e, em consequência, condena a R. no pagamento da multa de uma (1) UC por falta de comparência à referida Audiência de Partes.
B) - Acautelando a questão prévia da admissibilidade do recurso, face ao valor da ação e da sucumbência, sempre se dirá que, prevendo-se no artº 54º, nº 5 do CPT, que a sanção para a falta à audiência de partes é a aplicável à litigância de má-fé, sempre o presente recurso seria admissível, de acordo com o previsto no nº 3 do artº 542º do CPC.
C) - Mesmo que assim se não entenda, sempre o presente recurso teria que ser admitido ao abrigo do disposto no artº 27º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), segundo o qual, “(…) da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa. (…)”, cfr. Ac. STJ proferido no Proc. 1927/11.0TBFAR-B.E1.S2, 7ª Secção, de 23.06.2016, que, confirmando decisão anterior constante do Acórdão de 16.06.2015 (proc. 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1).
D) - Lê-se no Despacho recorrido que, nos termos do disposto no artigo 54º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho “(…) as partes deverão comparecer pessoalmente ou, caso tal não se revele possível, deverão fazer-se representar por mandatário judicial com poderes para o ato (…)”, situação que, na presente audiência de partes realizada em 21 de Setembro de 2017, nenhuma de tais situações se verificou, “(…) uma vez que não se encontra presente o autor nem o legal representante da ré, nem tão pouco os mesmos se fizeram representar por mandatário judicial. (…)”.
E) - E, também se retira do Despacho recorrido que «(…) Relativamente à ré, não se encontra presente nenhum dos seus legais representantes, sendo certo que a procuração que juntaram aos autos concedendo poderes para os representar na presente audiência de partes ao seu trabalhador DD não é legalmente admissível para o efeito, uma vez que não se trata de procuração forense. Assim, também a ré se não encontra representada na presente diligência por mandatário judicial nos termos expressamente exigido pelo artigo 54º, nº 3, do Código do Processo do trabalho acima transcrito.
Nesta conformidade, não se encontrando presentes nem devidamente representadas nenhuma
das partes, não se revela possível realizar a audiência de partes para hoje agendada nos presentes autos (…)».
F) - A R., sociedade anónima cotada em bolsa, obriga-se com a assinatura de dois membros do conselho de administração, de acordo com o disposto no artº 996º, nº 1, do Código Civil, no Código das Sociedades Comerciais e nos seus estatutos, conforme Certidão Permanente com o Código de Acesso 1888-1565-6783 (doc. 1).
G) - Ao contrário do entendimento vertido no Despacho recorrido, a R. esteve presente na Audiência de Partes realizada no dia 21 de Setembro de 2017, às 10:00 horas, e fê-lo pelo seu Representante Legal DD, devidamente mandatado para o efeito pelo Conselho de Administração através de Procuração com poderes especiais para confessar, desistir e transigir, assinada por dois membros do Conselho de Administração – … e … - com referência expressa à qualidade em que os mesmos assinam (Vogais do Conselho de Administração e da Comissão Executiva), cuja validade não foi posta em causa.
H) - Acresce que, tal Procuração tem anexado um Termo de Autenticação, no qual os assinantes da referida Procuração – … e -, em nome da sociedade que representam (a aqui R. e Recorrente), declaram expressamente que leram a Procuração e que a mesma exprime a sua vontade.
I) - Pelo exposto, e s.m.o., andou mal a Mma. Juiz a quo, ao declarar que, não estando o trabalhador da R., DD munido de Procuração Forense (o que só seria possível se o mesmo fosse advogado, que não é o caso), a R. não se encontrava presente.
J) - Com efeito, ao contrário do entendimento vertido no Despacho recorrido, a R. compareceu pessoalmente através do seu Representante Legal, não sendo exigível a presença, também, do seu mandatário judicial.
K) - Além disso, a aceitar-se o entendimento vertido no Despacho recorrido, a R., atenta a composição do seu Conselho de Administração e, bem assim, o elevadíssimo número de ações judiciais em curso nas quais é parte, ver-se-ia constantemente submetida à condenação em multa por falta de comparência nas diversas audiências realizadas por todo o território nacional (continente e ilhas), face à impossibilidade de os seus representantes legais acorrerem a tais diligências.
L) - Nota-se, por fim, que, ao longo dos anos, a R. tem comparecido nas diversas audiências realizadas em processos em que é parte através de Representantes Legais devidamente mandatados para o efeito pelos membros dos seus órgãos sociais, precisamente nos mesmos termos em que o fez nos presentes autos, também porque, por norma, são estes que, pela proximidade aos locais de trabalho
e pelo conhecimento mais próximo que têm dos assuntos em discussão, podem dar melhor contributo para o esclarecimento dos mesmos.
M) - A Mma. Juiz a quo considerou, assim, que “(…) não se encontrando presentes nem devidamente representadas nenhuma das partes, não se revela possível realizar a audiência de partes para hoje agendada nos presentes autos, pelo que se decide adiá-la, designando-se para o efeito o dia !2 de Outubro de 2017, pelas 10 horas.”
N) - Ora, como se viu supra e ao contrário do referido no Despacho recorrido, a R. encontrava-se devidamente representada e estava presente na data e hora marcadas para a Audiência de Partes, nada mais lhe sendo exigido.
O) - O Despacho recorrido violou, assim, o disposto nos artº 996º do Cód. Civ., no artº 405º e segs., do Cód. Soc. Comerciais, mormente no artº 409º, nº 4, do mesmo diploma legal, bem como o contrato de sociedade da R. que prevê que esta se vincula através da assinatura de dois membros dos seus órgãos sociais, como é o caso dos presentes autos.
P) - Em conformidade com o supra exposto, deve o Despacho recorrido ser substituído por outro que considere a R. regularmente representada e, assim, pessoalmente presente na pessoa do seu Legal Representante DD na audiência de partes realizada no passado dia 21 de Setembro de 2017, adiada para o dia 12 de Outubro de 2017, à qual deverá comparecer, também, o seu trabalhador DD, sem necessidade de comparência, também, do seu mandatário judicial, o que se requer.
Q) - Como consequência do entendimento vertido no Despacho recorrido em como à audiência de partes faltaram o Representante Legal e o mandatário judicial da R., a Mma. Juiz a quo aplicou à R. a multa de “(…) UMA UC (…)”, caso não justifique a falta no prazo legal.
R) - Ora, nenhuma multa é devida, porquanto a R./Recorrente esteve presente na audiência de partes realizada no dia 21.09.2017, às 10:00 horas, na pessoa do seu Legal Representante devidamente constituído por Procuração, instrumento legal, suficiente, não rejeitado por irregular ou ilegal, como se viu supra, que ora se dá por integralmente reproduzido, pelo que deve o Despacho recorrido, também nesta parte, ser revogado quanto à multa aplicada.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a Douta Decisão recorrida, com as legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso, com subida imediata e em separado, o respetivo apenso subiu ao Tribunal da Relação.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se deve ser revogada a condenação da recorrente na multa que lhe foi aplicada.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.
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IV. Direito
No processo comum laboral, recebida a petição inicial, e estando a ação em condições de prosseguir, o juiz profere despacho a designar data para a realização da audiência de partes – artigo 54.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho.
O autor é notificado e o réu citado, para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir – n.º 3 do artigo 54.º.
Se a falta à audiência for julgada injustificada, o faltoso fica sujeito às sanções previstas no Código de Processo Civil para a litigância de má-fé, ou seja, multa e indemnização, caso a parte contrária requeira esta – n.º 5 do artigo 54.º, conjugado com os artigos 542.º e 543.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Articulando as normas insertas nos artigos 55.º e 56.º do Código de Processo do Trabalho, depreende-se que a diligência de audiência de partes visa essencialmente o encontro das partes em tribunal, perante o juiz do processo, para que exponham sucintamente o seu conflito, procurando o juiz a obtenção de uma solução conciliatória que permita pôr termo ao litígio, numa fase inicial do processo. Caso se frustre a tentativa de conciliação deverá então o juiz determinar os atos necessários para o prosseguimento do processo judicial, previstos no aludido artigo 56.º.
Como se pode ler no acórdão desta Secção Social, relatado pelo ora 1.º Adjunto, Proc. 350/13.6T2SNS-A.E1, 28/01/2016, acessível em www.dgsi.pt: «Toda a dinâmica da audiência de partes vai no sentido das partes dialogarem, apresentarem os seus argumentos e contra-argumentos, diretamente, pois são os conhecedores diretos da relação laboral, das suas vicissitudes, sem intermediários, de modo a criar um ambiente mais propício ao acordo sobre o objeto do processo.
Nas relações de trabalho está em causa, do lado do trabalhador, a própria subsistência. A força de trabalho é o que tem para oferecer em troca de rendimento para o seu governo diário. Do lado do empresário, está em causa a estabilidade na ocupação dos postos de trabalho dentro da organização produtiva. Daí o seu interesse em clarificar o mais breve possível a situação do trabalhador em relação à empresa. Saber quem está permanentemente apto a prestar determinada atividade de modo proficiente.

Esta é a razão de ser da audiência de partes. A tentativa de solução do conflito no prazo mais curto possível de modo a pacificar as relações laborais, que é o fim primordial do Direito. Devolver a paz jurídica perdida.»
Atenta esta primordial finalidade conciliatória, compreende-se que o legislador tenha optado por exigir a comparência pessoal das partes. Não obstante, em caso de justificada impossibilidade de comparência, qualquer uma das partes pode fazer-se representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.
A representação por mandatário judicial prevista no n.º 3 do artigo 54.º não exclui ou restringe, porém, a liberdade de representação voluntária expressamente prevista no artigo 262.º do Código Civil.
No caso em apreço nos autos, a Ré, agora apelante é uma sociedade anónima que, nos termos previstos pelo artigo 163.º do Código Civil, é representada em juízo e fora dele, por quem os seus estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, pela administração ou por quem por ela for designado.
Nas relações com terceiros, a representação da sociedade em juízo e fora dele é concretizada pelos seus administradores nos termos do contrato de sociedade ou de harmonia com as regras fixadas no artigo 985.º do Código Civil – artigo 996.º do Código Civil.
Conforme se extrai da certidão permanente junta com o recurso, à qual o tribunal de 1.ª instância tem permanente acesso e, como tal, poderia ter consultado por ocasião da diligência de audiência de partes, caso tivesse dúvidas, a apelante obriga-se com a assinatura: a) de dois membros do conselho de administração; b) de um membro do conselho de administração em que tenham sido delegados poderes; c) dos mandatários constituídos no âmbito e nos termos do correspondente mandato.
E, nos termos previstos pelo n.º 4 do artigo 409.º do Código das Sociedades Comerciais, os atos praticados pelos administradores, nos quais os mesmos apõem a sua assinatura, com a expressa indicação dessa qualidade vinculam a sociedade.
Na situação vertente, à hora designada para a realização da audiência de partes, apresentou-se como representante legal da apelante, DD.
A apelante tinha remetido para o tribunal de 1.ª instância uma procuração, com o seguinte teor:
(…)
A procuração mostra-se assinada por dois membros do conselho de administração (cfr. certidão permanente) que assumem a sua qualidade de administradores e, para o efeito, voluntariamente conferem poderes de representação da sociedade, ao seu trabalhador DD, a quem conferem os específicos «poderes para a representar na audiência de partes a ter lugar nos autos que, com o nº 988/17.2T8PTG, correm termos no Juízo do Trabalho de Portalegre, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, em que é autor BB e Ré a mandante, podendo confessar, transigir e desistir, requerendo e assinando o que necessário for para os mencionados fins.»
Por via deste instrumento jurídico, a apelante conferiu voluntariamente ao seu trabalhador DD, poderes para representar a sociedade na concreta diligência identificada e com os limites mencionados na declaração.
Em causa está o exercício da liberdade geral de cada parte se fazer representar pessoalmente, nos termos previstos pela lei – artigo 262.º do Código Civil (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 6/6/2011, P. 220/10.0TTVLG-A.P1, publicado em www.dgsi.pt).
Tal significa que na data e hora designadas para a realização da audiência de partes, a apelante fez-se representar pessoalmente na diligência, pelo que, não estava faltosa.
Errou, pois, o tribunal de 1.ª instância ao condenar a apelante na multa que lhe foi aplicada.
Nesta conformidade, há que julgar o recurso procedente, com a consequente revogação da decisão que aplicou a multa de 1 Uc à apelante.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência revogam a decisão que aplicou a multa de 1 Uc à Ré CC, S.A.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 15-03-2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes