Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
723/17.5T8SSB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Para o exercício do direito de preferência previsto no art.º 1555.º do Código Civil, não é necessário que o prédio dominante e o prédio serviente sejam confinantes.
II- Mas é necessário que o prédio dominante esteja encravado, sem o que aquele direito não pode ser reconhecido.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 723/17.5T8SSB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) e mulher (…) intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra (…) e (…) e mulher (…), peticionando que seja reconhecido aos Autores o direito de haverem para si o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pela ficha n.º (…) da freguesia do (…).
Para tanto, alegam que, o prédio dos Autores está onerado com uma servidão de passagem de pé e carro sendo o prédio dominante pertença do primeiro Réu que o alienou aos segundos Réus sem que tenha comunicado aos Autores o projecto de venda e as cláusulas do contrato, para que pudessem exercer o direito de preferência que legalmente lhes assiste.
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O primeiro Réu contestou alegando que o prédio dos segundos Réus não se encontra encravado.
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Os segundos Réus contestaram alegando que inexiste qualquer servidão legal de passagem pelo facto de não nos encontrarmos perante prédio encravado.
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O A. respondeu.
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Depois da audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. dos pedidos.
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Desta sentença recorrem os AA. defendendo uma solução de direito diferente.
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O 1.º R. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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A matéria de facto é a seguinte:
1º. Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico com a área de 6150 m2 sito no lugar da (…), freguesia do (…), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra (CRPS) pela ficha n.º (…) da freguesia do (…), registada a aquisição a seu favor pela apresentação (…) de 12/02/1988 e inscrito na matriz sob o artigo (…) da Secção (…).
2º. O prédio supra descrito está onerado com uma servidão de passagem de pé e carro com a largura de 5 metros na qual era dominante o prédio descrito na CRPS sob o n.º (…).
3º. Sucede que, este prédio – (…) – foi fracionado em dois novos prédios, os quais passaram a ser os descritos na CRPS sob os números (…) e (…).
4º. Tais prédios foram divididos entre os seus proprietários, por escritura outorgada em 30 de Abril de 1999 lavrada de fls. 28 e 29 do livro de notas para escrituras diversas n.º (…) do Segundo Cartório Notarial de (…).
5º. Passando o prédio n.º (…) da CRPS a pertencer em exclusivo ao primeiro Réu.
6º. Sucede que, por escritura outorgada em 13 de Setembro de 2017 lavrada de fls. 46 a 47 verso do Livro (…) do Cartório Notarial a cargo da Notária Dr.ª (…), o primeiro Réu declarou vender e, os segundos Réus declararam comprar-lhe, pelo preço de quarenta mil euros, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…).
7º. Aquela alienação ocorreu há menos de seis meses em relação à data da propositura da acção (15.12.2017).
8º. E, até hoje, nunca foi comunicado aos Autores nem o projecto de venda, nem as cláusulas do contrato, para que pudessem exercer o direito de preferência.
9º. Os pais do primeiro Réu, (…) e (…), eram proprietários do prédio rútico sito em (…), freguesia do (…), Sesimbra, na altura descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…), da referida freguesia, bem como do prédio misto sito em (…), freguesia do (…), Sesimbra, na altura descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…) da referida freguesia, o qual adquiriram no ano de 1975.
10º. Em 12.02.1988, os Autores adquiriram a (…) e à sua esposa, o prédio rútico sito em (…), freguesia do (…), Sesimbra, na altura descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…), da referida freguesia.
11º. Em 20.12.1990, (…) e a sua mulher doaram, sem determinação de parte ou direito, aos seus filhos (…), ora 1º Réu, e (…), o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…) da freguesia do (…), conforme escritura de doação que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12º. Mais tarde, em 30.04.1999, o primeiro Réu e seu irmão, (…), procederam à divisão do referido imóvel, o que levou ao fracionamento do mesmo em dois novos prédios (descritos na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob os n.ºs … e … da freguesia do …), que se tornaram, por esta via, completamente autónomos e distintos do primitivo prédio com a descrição registral n.º (…).
13º. Nos termos da mesma, foi determinado que ao 1º Réu caberia o prédio urbano sito em (…), freguesia de Sesimbra (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…) da referida freguesia e o irmão ficaria com o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), o qual se encontra omisso na matriz, extinguindose, deste modo, o primitivo prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…) da referida freguesia.
14º. Em 13.09.2017, o 1º Réu vendeu, aos 2ºs Réus o prédio urbano sito em (…), freguesia de Sesimbra (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…) da referida freguesia.
15º. Na mesma data em que os Autores adquiriram o prédio identificado no artigo 10º dos factos provados, foi constituída uma servidão de passagem a pé e de carro por uma faixa de terreno com a largura de 5 metros, a qual parte do extremo norte do prédio dos Autores (prédio serviente) e se prolonga pelo lado poente até ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), propriedade de … (prédio dominante), não confinando em qualquer medida com o prédio dos segundos Réus.
16º. O prédio dos Autores confronta do lado Oeste – Noroeste (Poente), numa extensão de sensivelmente 60 metros, com o prédio urbano de (…), local onde se encontra a referida servidão, e a Oeste Sudoeste (Poente) e apenas em parte, numa extensão de aproximadamente 22 metros, com o prédio urbano dos segundos Réus.
17º. A servidão encontrase situada no extremo norte do terreno dos Autores, a qual confina unicamente com o prédio de (…), junto ao portão de acesso e próximo à habitação do mesmo, e não na confrontação com o prédio dos segundos Réus, que se localiza no limite inferior do terreno dos Autores.
18º. A referida servidão foi constituída para dar acesso à Rua (…), sendo a única forma de o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), propriedade de (…), ter acesso à via pública.
19º. O prédio dos segundos Réus não confina com a referida servidão, esta não tem qualquer utilidade de uso para estes, nem tãopouco têm acesso à mesma, porquanto existe de permeio o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pelo n.º (…), pelo que, caso pretendessem os 2ºs Réus utilizar a referida servidão, só o poderiam fazer atravessando imóvel alheiro, que teria também este de ser este onerado com servidão de passagem para permitir tal acesso.
20º. O prédio dos 2ºs. Réus tem acesso livre e directo à via pública (Rua …) pela sua confrontação sul.
21º. O prédio com a descrição predial nº (…) da Freguesia de … (Sesimbra), da propriedade dos segundos Réus tem como acesso único, a Sul, um caminho público, da Rua (…), não beneficiando nem tirando nenhuma utilidade de qualquer servidão de passagem.
22º. Entre o prédio da propriedade dos segundos Réus (nº …) e o dito prédio serviente (nº …), existe um outro prédio (nº …, também desanexado da descrição nº …).
23º. O prédio com a descrição nº. (…), da propriedade de (…), contém portão próprio (junto à alegada servidão).
24º. A Rua (…) constitui via pública, suficientemente apta a satisfazer as necessidades de acesso, a pé ou de carro, ao prédio dos aqui segundos Réus.
25º. Face à configuração actual do prédio nº (...), o acesso (passagem a pé e/ou de carro) a este prédio não se mostra necessário (nem sequer possível) por meio da servidão de passagem em que é dito prédio serviente o prédio nº (...).
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Os recorrentes concluem a sua alegação nestes termos:
1 – Resulta inequivocamente da documentação junta aos autos, que o prédio dos AA. está onerado com uma servidão de passagem.
2 – E que o prédio dominante nessa servidão foi fraccionado em dois novos prédios.
3 – Sendo que um dos novos prédios foi vendido pelos primeiros RR, aos segundos.
4 – Dispõe o artigo 1546.º do Código Civil, que as servidões são indivisíveis, mantendo-se o status quo anterior da servidão.
5 – Assim, a servidão manteve-se integralmente após o fracionamento do prédio inicial.
6 – E nem o facto de o novo prédio não confrontar com a parte do imóvel dos AA. onde a servidão é exercida a extinguiu, já que para a existência de servidão a Lei não exige a confrontação dos prédios.
7 – Nem o facto de o prédio dos segundos RR. comunicar actualmente com a via pública faz extinguir a servidão, já que tal facto só autoriza o proprietário do prédio serviente a pedir judicialmente a extinção da servidão.
8 – Mesmo que assim não fosse, mas é, o que se provou foi que esse confronto com a via pública é actual.
9 – Não se tendo provado que aquando da constituição da servidão a mesma era desnecessária, não se pode dizer como o diz a douta Sentença recorrida, que a servidão de que tratam estes autos não é uma servidão legal.
10 – Pelo que, e por força dos documentos juntos aos autos, o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que o prédio dos AA. está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio que é hoje propriedade dos segundos RR..
11 – E que essa servidão é uma servidão legal.
12 – Até porque, foram os próprios RR. quando entre si transacionaram o prédio (…) da freguesia do (…), a declararem a existência da servidão.
13 – Assim, assiste o direito aos AA. de preferirem na compra e venda celebrada pelos RR. do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…) da freguesia do (…), atento o disposto no artigo 1555.º, n.º 1, do Código Civil.
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O resumo da matéria de facto pode ser feito desta forma:
Os AA. são donos de um prédio (com o n.º …) sobre que incide uma servidão de passagem a favor do prédio (…). Este, por sua vez, foi dividido em dois, originando os prédios n.os (…) e (…). O primeiro destes foi vendido pelo 1.º R. aos 2.ºs RR. sem que tivesse sido oferecida ao A. a preferência nessa venda.
O art.º 1555.º, Cód. Civil, confere o direito de preferência, no caso de venda do prédio dominante, ao proprietário do prédio serviente (onerado com a servidão legal de passagem), qualquer que tenha sido o título constitutivo deste direito real menor.
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Trata-se, no caso, de uma servidão legal porque ela pode ser constituída coercivamente e não porque apenas tenha a sua fonte na lei. Deste modo, compreende-se que o Capítulo III do Título VI do Livro II do Cód. Civil tenha por epígrafe precisamente «servidões legais». Mas isto não significa mais do que a possibilidade de o encargo poder ser criado, ou reconhecido, por decisão coerciva. Como escreve José Alberto Vieira (Direitos Reais, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2020, p. 800), «enquanto a servidão voluntária resulta do funcionamento da autonomia privada, sendo, portanto, o produto de uma decisão livre das partes concretizada por via negocial (contrato ou testamento), a servidão legal propriamente dita atribui ao beneficiário um direito potestativo à sua constituição». Daí que seja preferível falar em servidão coactiva em vez de servidão legal. Da mesma maneira, também Oliveira Ascensão entende que a expressão serve «para designar certas categorias de servidão que podem ser coactivamente impostas» (Direitos Reais, 5.ª. ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 258), argumentando com o próprio texto do art.º 1547.º, n. 2, ao referir que as «servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa». Citamos, a propósito, o ac. do STJ, de 2 de Maio de 2012, onde se pode ler o seguinte:
«A esta luz temos que o decisivo critério diferenciador entre servidões legais e voluntárias reside exclusivamente na circunstância de as primeiras, ao invés do que acontece com as últimas, poderem ser impostas coactivamente, sendo que a circunstância destas não terem sido impostas coercivamente, por terem os donos dos prédios servientes aceite voluntariamente a inerente sujeição, não perdem essa natureza».
Concluímos que a servidão de passagem, desde que não tenha sido constituída por meio de usucapião (cfr. ac. da Relação de Guimarães, de 29 de Maio de 2006, e jurisprudência aí citada, designadamente, o ac. do STJ, de 18 de Novembro de 2004), é uma servidão legal.
Mas a concreta servidão dos autos ainda será assim?
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Visto isto, importa olhar para o objecto do recurso.
Está provado que o prédio dos recorrentes está onerado com uma servidão a favor de um prédio que foi, entretanto, fraccionado em dois.
A preferência que é concedida pelo citado art.º 1555.º é-o a favor do proprietário de tal prédio, pois que é essa a sua previsão expressa.
E, de acordo com o citado acórdão de 2 de Maio de 2012, são estes os pressupostos essenciais de que a lei faz depender o direito de preferência:
«a) que o prédio do proprietário preferente esteja onerado com servidão legal de passagem, ou seja, sujeito ao regime de servidão imposta por lei, ao abrigo do regime do art.º 1550º do Cód. Civil; e
«b) que a servidão de passagem esteja constituída, isto é, não bastará a situação de encrave e a possibilidade de exercício do direito de exigir a passagem; tem de haver já um título que legitima a passagem sobre o prédio do preferente para acesso ao prédio alienado».
Não se verifica, no entanto, o primeiro pressuposto.
Com efeito, e de acordo com o exposto no n.º 25 da matéria de facto, a servidão já não existe como servidão legal, isto é, como uma daquelas (a do art.º 1550.º) que pode ser coactivamente imposta. Com efeito, a servidão já não é necessária, nem possível, para o prédio dominante o que tem o sentido de que o proprietário deste, hoje, não pode pedir a sua constituição por decisão judicial uma vez que o prédio não está já encravado. Daí que esta servidão tenha perdido a natureza de servidão legal. O que, por sua vez, significa que a previsão do art.º 1555.º já não ocorre uma vez que o titular deste direito de preferência há-de ter um prédio onerado com uma servidão legal.
Em relação ao segundo, temos por certo que a servidão estava já constituída ao tempo da venda tratada nestes autos (n.º 15 da exposição da matéria de facto), pois que esta (a constituição do direito real) ocorreu em Fevereiro de 1988 (cfr. n.º 10).
Por isso não foi reconhecido o direito.
Escreve-se na sentença:
«Acresce que, o prédio propriedade dos segundos Réus não confina com a servidão de passagem que onera o prédio dos Autores, à qual estes apenas poderiam aceder caso constituíssem uma outra servidão de passagem, desta feita sobre o prédio nº (…), servidão para a qual, pelo já referido supra, não só não se encontrariam preenchidos os pressupostos legais para o efeito, como seria por demais desprovida de sentido, na medida em que os segundos Réus têm acesso directo e numa distância mais curta (do que usando a servidão do prédio dos Autores) à via pública».
São, pois, duas as razões para o decidido: os prédios não são confinantes e o prédio vendido não está encravado.
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Os recorridos defendem que é exigida a confinância entre os prédios, sendo certo que o prédio que foi vendido não confina com o prédio dos AA..
Em relação a isto, o art.º 1555.º não exige que os prédios dominante e serviente sejam contíguos. O problema era discutido na legislação anterior mas já se entendia «que a preferência valia tanto a favor dos prédios confinantes como dos prédios não confinantes, contanto que estivessem em causa prédios encravados e prédios onerados com a respectiva servidão» (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p. 645). E concluem estes autores: «o mesmo sucede com o texto do artigo 1555.º do Código vigente, ficando deste modo assente que para o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem gozar do direito de preferência não é necessário que o prédio encravado seja confinante com o seu» (idem, ibidem).
Assim, é indiferente para a existência do direito a situação de os prédios serem ou não confinantes.
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Mas tem o prédio dominante (o que foi vendido) que ser encravado?
Os recorrentes defendem que não. Entendem antes que, em tal caso, o facto de o prédio dos segundos RR. comunicar actualmente com a via pública não faz extinguir a servidão, já que só autoriza o proprietário do prédio serviente a pedir judicialmente a extinção da servidão.
Resulta da citação anterior que é defensável que o prédio tenha que ser encravado. Como aí se escreve, o que interessa é que estejam «em causa prédios encravados e prédios onerados com a respectiva servidão» (itálico nosso). No mesmo sentido vai o ac. do STJ, de 24 de Junho de 2010, onde se escreve o seguinte: «Em termos práticos, e como decorre no nº 1 do artigo 1550º do Código Civil, é necessário, mas não suficiente, que o prédio se encontre encravado (no sentido dos nºs 1 e 2 deste mesmo artigo); para além do encrave, é imprescindível que a servidão tenha sido constituída em data anterior ao exercício do direito de preferência». No mesmo sentido, pode indicar-se o ac. da Relação do Porto, de 26 de Junho de 2001 (citado pelos recorridos): não sendo o prédio encravado, a servidão de passagem não é servidão legal, não podendo ser reconhecido o direito de preferência na sua venda; cessa também o pressuposto da preferência quando o prédio deixe de ser encravado, ainda que a servidão não tenha sido declarada extinta.
Concordamos com esta orientação pois que o direito de preferência tem por objectivo desonerar, libertar, o prédio serviente
Mas se o prédio não está encravado, não há utilidade em exercer o direito de preferência (embora, claro, o preferente possa ter todo o interesse na extinção da servidão). Se for evidente que a servidão deixou de reunir os pressupostos de uma servidão legal (art.º 1550.º), como acima já se disse, temos de aceitar que o direito de preferência deixou de existir, precisamente porque o dono do prédio onerado tem um mecanismo legal para se desonerar (art.º 1569.º, nºs 2 e 3), ou seja, pode por outro meio alcançar o efeito útil que justifica o direito de preferência — a desoneração do prédio.
Por outro lado, é a própria configuração da servidão de passagem que sustenta o disposto no art.º 1555.º: para a constituição da servidão é necessário que o prédio dominante esteja encravado; e da mesma forma para o direito de preferência é essencial que tal situação se mantenha.
Assim, entendemos que a sentença decidiu bem.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 27 de Fevereiro de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos