Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
149/12.7TBETZ.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A instância executiva não pode ser suspensa com base em relação de prejudicialidade face a uma acção.
II - Mas pode ser suspensa se se verificarem indícios de uso anormal do processo, estando já pendente uma acção declarativa onde se discute, entre outras coisas, a validade do título executivo.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 149/12.7TBETZ.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

No presente processo de execução que (…) move a (…), a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L. requereu que se:
a) Anulasse todo o processado;
b) Condenasse a exequente a devolver ao património da executada o total já penhorado;
c) Participasse ao Ministério Público a eventual infracção criminal (falsificação intelectual e de título de crédito);
d) Condenasse exequente e executada como litigantes de má-fé.
Alegou, para tanto, que a presente execução é um processo fraudulento e simulado, nos termos do art.º 612.º, Cód. Proc. Civil.
Mais alegou que está pendente uma acção por si proposta contra as partes na presente execução em que pede que se declare esta execução simulada e sejam exequente e executada condenadas a pagar à A. os valores já penhorados.
Fundamenta os seus pedidos, em geral, numa série de negócios translativos do direito de propriedade (venda, dação, renúncia a herança, etc.) com prejuízo dos credores.
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Face ao alegado no dito requerimento, foi então proferida a seguinte decisão:
«Pela análise do requerimento e dos documentos juntos aos autos, verifica-se que a Requerente instaurou uma acção cível com vista a obter, entre outros, os efeitos jurídicos que vem requerer na execução.
«Daqui decorre que, os presentes autos sempre terão de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo 324/15.2T8PTG do Tribunal da Comarca de Portalegre – Portalegre – Instância Central – Secção Cível – J3.
«Neste âmbito, a identificada acção constitui uma causa prejudicial.
«Isto porque, caso se viesse a proferir decisão sobre o requerimento nestes autos tal traduzir-se-ia numa duplicação de decisão sobre as mesmas questões jurídica com o risco de serem proferidas decisões contraditórias.
«Em face do exposto, determina-se a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão final que vier a ser proferida no Processo 324/15.2T8PTG do Tribunal da Comarca de Portalegre – Portalegre – Instância Central – Secção Cível – J3 – artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil».
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Deste despacho recorre a exequente alegando, no essencial, que a execução não pode ser suspensa nos termos do art.º 272.º Cód. Proc. Civil.
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A recorrida contra-alegou defendendo que a jurisprudência citada nas alegações em nada se referem ao citado art.º 612.º.
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Foram colhidos os vistos.
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O relatório contém os elementos necessários para decisão.
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O único problema jurídico e que constitui o objecto do presente recurso, tal como o definiu a recorrente, está em saber se uma execução pode ser suspensa nos termos do citado art.º 272.º.
A jurisprudência, como nota a recorrente, é de opinião negativa, isto é, que a instância não pode ser suspensa.
Os argumentos para esta conclusão partem da existência de um título executivo, do facto de no processo de execução não haver uma decisão a tomar que possa estar dependente de uma outra. A decisão existe já e está incorporada no título. É este o fundamento principal do acórdão do STJ, de 27 de Janeiro de 2010, citado pela recorrente, bem como da demais jurisprudência (vejam-se, a título de exemplo, os acs. das Relações de Coimbra (15 de Março de 2011), Guimarães (6 de Novembro de 2012) e do Porto (29 de Fevereiro de 2016). Em todas estas decisões considerou-se que não há causa prejudicial porque não existe a relação de dependência a que alude o n.º 1 do art.º 272.º.
É este também o sentido da doutrina como se pode ver em Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 536-537.
Sendo assim, é manifesto que, à primeira vista, a decisão recorrida não se pode manter. Com efeito, ela assentou exclusivamente na consideração de existência de uma causa prejudicial face à execução o que, como se disse, não pode ser.
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Mas este não é o único fundamento para a suspensão dado que a lei também a prevê «quando ocorrer outro motivo justificado»; ou seja, a instância no processo de execução, não podendo ser suspensa por uma relação de prejudicialidade, pode-o ser por outra causa.
O ac. do Supremo Tribunal, de 16 de Abril de 2009 (também citado pela recorrente), é claro em afirmar que tal motivo «é o que inere ao próprio processo executivo» e não qualquer outro que a ele seja estranho. Daí que conclua que «a entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma acção cujo objecto fosse o bem executado, acção essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução».
Concordamos inteiramente com a afirmação. A eficácia do título executivo (e não sendo esta discutida entre as partes da execução, como no nosso caso) não pode ser posta em crise pela intervenção de um terceiro.
No nosso caso não é exactamente a mesma a situação. O pedido da requerente não visa obter um direito sobre o bem penhorado (um salário) (que é o que foi decidido no referido acórdão) mas sim a declaração de que a presente execução é fraudulenta, legitimidade que lhe advém, segundo a recorrida, do art.º 612.º.
Este preceito legal confere competência ao juiz para não decidir o pleito nos termos em que as partes o colocam perante si; confere competência para evitar que o objectivo prosseguido pelas partes não seja atingido mesmo que para isso tenha que não decidir. Ou seja, e isto parece-nos manifesto, não atribui legitimidade a um terceiro para suscitar a questão.
Mas esta situação de uso ilegal do processo é de conhecimento oficioso pelo que nada impede que o tribunal se debruce sobre ela – seja porque alguém suscitou a questão seja porque dela se apercebeu o tribunal.
O motivo invocado (e para cuja discussão a recorrida já instaurou a competente acção) é um motivo ínsito à execução pois o que se discute é a própria validade do título executivo, alegando o credor que ele é simulado (cfr. art.º 286.º, por força da remissão feita pelo art.º 242.º, n.º 2, Cód. Civil).
Por seu turno, o motivo invocado pode enquadrar-se bem da previsão do citado art.º 612.º; note-se que não se pretende decidir agora o final deste processo mas apenas saber se uma eventual utilização anormal do processo se integra no outro motivo a que alude o art.º 272.º, Cód. Proc. Civil.
O processo fornece os seguintes elementos (constam das respectivas escrituras públicas):
- exequente e executada são filha e mãe;
- o pai da exequente doou bens a esta;
- os pais da exequente doaram bens a esta;
- a exequente arrendou a seus pais alguns dos bens doados;
- a exequente, em dação em pagamento, entregou diversos bens a outros parentes.
Parece-nos que existe toda a possibilidade de a execução estar a ser utilizada para outro fim que não o que lhe é próprio. É difícil falar de cobrança de um crédito da filha sobre a mãe atendendo às diversas translações de propriedade sobre bens imóveis; nem, aliás, em algum documento se identifica uma causa concreta da dívida exequenda.
Aqui chegados, temos de perguntar para que serve então esta execução.
Isto pode ser respondido na acção declarativa que o credor já propôs e cujos pedidos se enunciaram acima.
Se se concluir que existe uso indevido do processo é óbvio que a presente execução não poderá prosseguir; se se concluir de forma oposta, ela prosseguirá. Mas este é um risco de qualquer demanda.
Entendemos, por isso, que a melhor maneira de acautelar o que se afigura ser um uso indevido do processe será a de sustar a execução, suspendê-la até à decisão final. Não porque se trate de uma causa prejudicial mas sim porque se trata um outro motivo justificado para suspender a instância.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 12 de Outubro de 2017

Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho