Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2911/16.2T8ENT-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA NÃO CONDENATÓRIA
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A sentença junta aos autos de execução não condena a embargante no pagamento de qualquer quantia aos embargados, pelo que forçoso é concluir que tal sentença é meramente declarativa, não tendo assim a natureza condenatória a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 703º do C.P.C. e, por isso, não constitui, de todo, título executivo para os efeitos previstos na referida norma legal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 2911/16.2T8ENT-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…) instauraram execução contra Caixa (…) S.A. visando a cobrança coerciva da quantia de € 8.555,44. Apresentaram como título executivo sentença judicial.
A executada deduziu os presentes embargos de executado arguindo a inexequibilidade da sentença, porquanto a mesma apenas condena a embargante a reconhecer o direito de retenção dos exequentes enquanto não for liquidada determinada quantia.
Os embargados contestaram alegando que a sentença tem em si um direito de crédito reconhecido, pelo que entendem ser título bastante para a execução.
Por se ter entendido que os autos continham todos os elementos de facto necessários para o conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de produção de quaisquer provas (cfr. art. 595º, nº 1, alínea b), do C.P.C.), pela M.ma Juiz “a quo” foi proferido saneador-sentença que julgou totalmente procedentes os presentes embargos e, em consequência, determinou a extinção da execução (à qual este processo está apenso).

Inconformados com tal decisão dela apelaram os embargados/exequentes, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
1 - O art. 703º, nº 1, alínea a), do CPC consagra que apenas são passiveis de execução as sentenças condenatórias;
2 - Contudo a expressão sentenças condenatórias ali expressa não quer significar que somente as sentenças proferidas em ações de condenação podem ser objeto de execução;
3 - Por conseguinte, tem entendido a doutrina que a referida expressão é mais ampla e, como tal, nela compreende todas as sentenças que contenham em si a declaração ou a constituição numa obrigação, mesmo que implicitamente;
4 - Desde que esta resulte do respectivo contexto.
5 - Ora, no caso da sentença dada à presente execução, manifestamente, resulta da fundamentação respectiva a declaração e constituição numa obrigação;
6 - A saber, aquela resultante do incumprimento da promessa de venda, donde deriva o crédito exequendo e o reconhecimento do direito de retenção que o assiste;
7 - Sendo este último um direito real dotado de sequela e de oponibilidade erga omnes, o que permite ao credor agredir o património de terceiro adquirente do devedor;
8 - Daí que o julgado dado à execução pelos apelantes legitime estes a exigirem do terceiro adquirente aquilo que o devedor originário ficou vinculado a prestar-lhes, por beneficiarem da vantagem proporcionada pelo direito real de garantia que assegura ao seu crédito;
9 - Por conseguinte, o julgado em causa constitui título executivo para através dele se ressarcirem do crédito derivado do incumprimento da promessa de venda, tal como naquele vem referido;
10 - Pelo que, a sentença de que beneficiam os apelantes é condenatória para os efeitos previstos na alínea a), do nº 1, do art. 703º do CPC, sendo assim título executivo idóneo para fundar a instaurada execução.
11 - Ao assim decidir, a Mma. Juiz "a quo" fez equivocada interpretação da acima referida norma do CPC, pois, na mesma, estão compreendidas no conceito de sentença condenatória também aquelas cuja condenação não conste expressamente da parte dispositiva da sentença, mas que venham, mesmo que implicitamente, declaradas ou constituídas na mesma.
12 - Termos em que, julgando V. Ex.cias pela procedência da presente apelação, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgando improcedentes os embargos de executado opostos à execução, farão a melhor Justiça.
Pela embargante/executada foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos embargados/exequentes, aqui apelantes, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a sentença junta à execução a que estes autos estão apensos é (ou não) título executivo, para os efeitos previstos no art. 703º, nº 1, alínea a), do C.P.C.

Antes de apreciar a questão supra enunciada importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever:
1 - Por sentença proferida na acção declarativa sob a forma de processo ordinário que correu termos na secção cível (J3) da instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, ainda não transitada em julgado, foi o embargante (aí autor/reconvindo) condenado a "Reconhecer aos Réus (…) e (…) o direito de exercerem a retenção sobre a Fracção N, correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano descrito na CRPredial do Cartaxo sob o n° (…), freguesia do Cartaxo, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art." n° (…) enquanto não forem pagos das quantias resultantes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda."
2 - Consta ainda do dispositivo da referida sentença que o Tribunal decidiu: "Absolver os Réus do peticionado pela Autora”.

Apreciando agora a questão suscitada pelos recorrentes (aqui embargados) – relativa à (in)existência de título executivo – importa dizer a tal respeito que sobre tal matéria veio a pronunciar-se, recentemente, o acórdão desta Relação de 26/1/2017 (relatora Conceição Ferreira), disponível in www.dgsi.pt, no qual o aqui relator interveio como 1º Adjunto, adiantando-se desde já que concordamos inteiramente com as razões e fundamentos aí explanados e que, de imediato, passamos a transcrever:
- Nos termos do artº 703º, nº 1, al. a), do NCPC [de teor idêntico ao artº 46º, nº 1, al. a), do anterior CPC], são exequíveis as sentenças condenatórias.
O título executivo previsto na alínea a) do artº 703º do CPC, diz respeito às sentenças condenatórias, devendo entender-se como tal qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação.
Quanto às sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação, é pacífico que não se pode falar de título executivo.
Efectivamente, ao tribunal apenas foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado no cumprimento duma obrigação pré – existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir.
As decisões proferidas no âmbito das ações declarativas de simples apreciação e as constitutivas, previstas no art.º 10º, nº 2, alíneas a) e c), respectivamente, poderão dar lugar à instauração de acções executivas, na medida em que contenham uma qualquer condenação, nomeadamente em custas, multa ou indemnização por litigância de má-fé.
Segundo Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1ª edição, 155, no que concerne às decisões judiciais condenatórias, “estão, normalmente excluídas pela doutrina, as sentenças de simples apreciação, porque não impõem um comando de actuação, e as sentenças constitutivas porque não carecem de ulterior colaboração do réu quanto ao efeito que produzem.
Umas e outras cumprem, pela simples prolação da sentença, o efeito pretendido pelo autor.”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979 (reimp.1993), 57, refere que na simples apreciação a “sentença (mesmo favorável) esgota toda a pretensão do autor, nenhum lugar ficando assim para um processo executivo subsequente”.
Também José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, vol 1º, 89/90, em relação ao artº 46º do anterior CPC, referia que: “São condenatórias, na designação da alínea a), as sentenças que conhecem directamente do mérito da causa, em sentido desfavorável ao réu ou ao reconvindo, nas acções declarativas de condenação, condenando-o na realização de uma prestação (artº 4-2-b), e ainda as que, em qualquer acção declarativa ou executiva, condenam uma das partes em custas (artº 446º-1), ou em multa ou indemnização por litigância de má-fé (artº 456º-1).
É pacífico que as sentenças de mérito proferidas em acção de simples apreciação (artº 4-2-a) não constituem título executivo”.
Também José Alberto dos Reis, in Processo de Execução, Volume 1º, 3ª ed., 127/128 refere que “ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade”. Logo a seguir refere que “a sentença proferida em acção de simples apreciação não pode constituir título executivo quanto ao objecto da acção; mas como tem de haver uma condenação em custas, é título executivo para o efeito de tornar efectiva esta condenação”.

Voltando agora ao caso em apreço constata-se que, da sentença que os recorrentes apresentaram como título executivo, não se pode extrair que haja uma condenação de forma expressa, nem implícita, ou a existência de uma obrigação, a cargo da Caixa (…) S.A., de efectuar qualquer pagamento aos embargados / exequentes, ou seja, a condenação daquela instituição bancária no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária.
Por outras palavras, dir-se-á que a sentença em causa não impõe à Caixa (…) S.A., nenhum comportamento que se vislumbre executável. Isto porque, a circunstância de se reconhecer aos embargados/exequentes que têm o direito de exercerem a retenção sobre o imóvel acima identificado é assaz diversa da circunstância de se condenar judicialmente a referida instituição bancária a pagar aqueles, em concreto, determinadas quantias resultantes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda de tal imóvel (contrato esse que nem sequer foi celebrado com a referida CGD).
Com efeito, não será demais repetir que a sentença apresentada como titulo executivo apenas reconhece aos exequentes o direito de exercerem a retenção sobre a Fracção N, correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano descrito na CRPredial do Cartaxo sob o n° (…), freguesia do Cartaxo, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art.° n° (…), enquanto não forem pagos das quantias resultantes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda.
Na verdade, a dita sentença não condena a embargante no pagamento de qualquer quantia aos embargados, pelo que forçoso é concluir que a sentença dada à execução é meramente declarativa, não tendo assim a natureza condenatória a que alude a alínea a) do nº 1 do art. 703º do C.P.C. e, por isso, não constitui, de todo, título executivo para os efeitos previstos na referida norma legal.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter na íntegra. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelos embargados, aqui apelantes, não tendo sido violado o preceito legal por eles invocado.

Por fim, face ao estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- A sentença junta aos autos de execução - a que estes embargos estão apensos - não condena a embargante no pagamento de qualquer quantia aos embargados, pelo que forçoso é concluir que tal sentença é meramente declarativa, não tendo assim a natureza condenatória a que alude a alínea a) do nº1 do art.703º do C.P.C. e, por isso, não constitui, de todo, título executivo para os efeitos previstos na referida norma legal.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelos embargados, aqui apelantes.
Évora, 28-06-2017
Rui Machado e Moura
Mário Mendes Serrano
Eduarda Branquinho
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).