Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2086/08.0GBABF.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AUTO DE NOTÍCIA
PERÍCIA DACTILOSCÓPICA
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – O auto de notícia, enquanto prova documental, ainda que sujeito à livre apreciação da prova, não pode deixar de ser considerado pelo tribunal, quando, como no caso sucede, os ofendidos, vieram sustentá-lo, no essencial.

II - O valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:

- a aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão;

- mas, se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão, ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional);

- apesar de não fazer prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital constitui um forte indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Albufeira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pela alínea e) do n.º 2 do art. 204.º, ex vi n.º 1 do art. 26.º, do Código Penal (CP).

O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, na ausência do arguido, e proferida sentença, decidiu-se absolvê-lo do crime de que era acusado.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões:

1 - O Ministério Público recorre da douta sentença proferida nos autos a 28/02/2019, que absolveu o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, pº e pº pelos artigos 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 al. e), ambos do Código Penal, impugnando a decisão preferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artº 412.º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, por entender que, salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" absolveu o arguido devido a uma errada apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documenta] e pericial que foi carreada para os autos, em particular o auto de notícia, o relatório de inspecção judiciária, o relatório de apreciação técnica, a informação pericial de identidade de um vestígio palmar e o certificado de registo criminal do arguido.

2 - Entende o recorrente terem sido incorrectamente julgados os factos descritos nos pontos a) e c) dos factos não provados). No que respeita aos factos provados, entende o recorrente terem sido incorrectamente julgados os factos constantes do ponto 2) dos factos provados, na parte em não se determina o valor de qualquer um dos bens ou do numerário subtraídos, dado que da prova testemunhal produzida e do teor do auto de noticia, resulta apurado o valor do numerário e de pelo menos um dos bens furtados, ao contrário do que entende o Tribunal "a quo".

3 - Também quanto aos factos provados, o recorrente entende terem sido incorrectamente julgados os segmentos decisórios dos pontos 1) a 5), na parte que incorporam um juízo de indeterminação quanto à autoria dos fados, ao fazer-se uso da expressão "pessoa não concretamente identificada", porquanto, tal decorre logicamente da impugnação do ponto c) dos factos não provados e considerando que a já mencionada prova permite imputar tal autoria ao arguido.

4 - Em suma: impugna-se a matéria de facto, provada e não provada, quando conduz a um juízo dubitativo quanto à autoria do furto e também na parte que conclui que os bens e numerário subtraídos são de valor indeterminado, de modo a "desqualificar" o furto, de harmonia com o artº 204º, nº 4 do Cód. Penal, o que poderia atribuir eficácia à desistência de queixa que foi oportunamente formulada pelos ofendidos a fls. 86 e 88 dos autos.

5 - Quase toda a informação vertida no auto de notícia, enquadra-se claramente nos actos cautelares, necessários e urgentes, que o órgão de polícia criminal praticou, tendo em vista assegurar os meios de prova, nomeadamente, o exame dos vestígios do crime e a recolha de informações junto das pessoas, tendo em vista a descoberta dos agentes do crime, tudo de harmonia com o artº 249º do CPP. Logo essa informação não pode, pura e simplesmente, ser desconsiderada.

6 - Assim sendo, resulta do auto de notícia e do que foi apurado pelos militares autuantes em momento muito próximo à consumação do furto, que o autor do ilícito entrou no interior do apartamento, escalando para a varanda do quarto principal, forçando, de seguida, a janela do referido quarto. Ou seja, houve necessariamente passagem pelo varão da varanda que foi escalada e onde vieram a ser recolhidos os vestígios palmares e digitais.

7 - Acresce que por contacto directo com os ofendidos apurou-se, de forma espontânea e em acto contínuo ao furto, que entre os bens subtraídos se encontrava uma mala tipo tira colo de cor cinzenta e um telemóvel da marca Sony Ericsson, bem como uma quantia em numerário não inferior a € 50,00, o que coloca em crise o facto provado ínsito no ponto 2) vii ("uma quantia em numerário não concretamente apurada" e o facto não provado da alínea a).

8 - Na sessão de julgamento do dia 18/02/2019, as testemunhas AL (gravação digital no sistema "Citius Media Studio", entre as 14h 25m e as 14h e 41m) e a testemunha MR (gravação digital no sistema "Citius Media Studio", entre as 14h 42m e as 14h e 52m), prestaram declarações, das quais é possível retirar de relevante, o seguinte, conforme transcrições nas motivações supra: o acesso ao quarto, situado num primeiro andar, deu-se pela varanda, onde está o corrimão que tinha apostas as impressões digitais recolhidas; a máquina de barbear subtraída era de marca "Philishave" (marca de referência no mercado) e tinha um valor comercial não inferior a € 150,00; entre os bens subtraídos encontrava-se, de facto, uma carteira, que a ofendida afirma ser de pequenas dimensões podendo, por isso, não ser uma carteira de tira colo.

9 - Estas declarações, colocam em crise a matéria de facto assente (na parte em que não apura o valor da máquina de barbear subtraída), a matéria de facto não provada (na parte em que não conclui pela subtracção, além do mais, de uma mala), e ainda a fundamentação de facto, no segmento em que coloca hipóteses alternativas para o surgimento da impressão palmar do arguido no corrimão da varanda, já que tal impressão era evidente a olho nu, logo, recente, e estava aposta na varanda por onde ocorreu o escalamento e que dá directamente para o quarto que foi assaltado.

10 - Do relatório de inspecção judiciária e relatório fotográfico anexo de fls. 7 a 11, do relatório de apreciação técnica de fls. 13 a 16 e da informação pericial de fls. 23 a 27, resulta a existência de marcas visíveis de entrada forçada através da janela do quarto, confinante com a varanda.

11 - Desses elementos de prova resulta que o local onde decorreram os eventos, é um primeiro andar, sendo, portanto, consentânea com as regras da normalidade, a tese de escalamento; sendo que foi recuperado um vestígio palmar no varão da varanda escalada, na parte superior horizontal do ferro da varanda, vestígio palmar esse que corresponde ao arguido, de acordo com o relatório pericial de fls. 24 a 27.

12 - Resulta também do teor do relatório de apreciação técnica de fls. 13 a 16, bem como do relatório pericial de fls. 24 a 27, que, além de um vestígio palmar foi também recolhido um vestígio digital, o qual, pela forma de aposição ou pelas condições de conservação, acabou por não possuir um valor identificativo positivo. 13 - Resulta também destas provas o seguinte: o vestígio palmar foi recolhido no exterior da habitação, local de mais fácil acesso em caso de entrada ilegítima e mais exposto aos rigores do tempo, o que implica um maior degradação dos vestígios palmares e digitais, Tal leva à conclusão que o vestígio recolhido era recente ou muito recente, bem como nítido, como se retira a olho nu da fotografia nº 8 de fls. 11.

14 - Só uma amostra palmar e uma amostra digital, com valor identificativo positivo foram recolhidas, o que não se compadece com a tese, apresentada na sentença, que aquele local era muito frequentado em termos turísticos e, portanto, sujeito a contaminações lofoscópicas, o que implicaria necessariamente o surgimento de mais amostras.

15 - Tendo sido recolhido um vestígio palmar e um vestígio digital; tal harmoniza-se mais com o acto de agarrar o corrimão, como quem escala para a varanda, do que com o acto de pousar a mão no corrimão, a partir da varanda.

16 - Resulta do certificado de registo criminal do arguido que o mesmo já foi condenado, além do mais, por sentença transitada em julgado a 04/01/2019, no âmbito do processo nº ---/ 1l.5PLSNT, do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 3, numa pena de prisão de 4 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de furto qualificado, pº e pº pelos artºs 203º e 204º, nº 2, al. e), ambos do Cód. Penal, isto por factos praticados a 13/06/2011 (fls. 207).

17 - A prática de crimes de contra o património não é, assim, fenómeno estranho ao percurso de vida do arguido. O modo de actuação específico para tal conduta é conhecido do arguido. A desconsideração do património alheio está presente no pretérito vivencial do arguido, facto atestado por condenação transitada em julgado.

18 - Sem que com isso se belisque o principio da presunção da inocência, não se pode, no entanto, considerar que o facto em apreciação é manifestamente estranho ao percurso de vida do arguido, que factos desta natureza exorbitam a sua pretérita vivência e, consequentemente, que a sua incriminação é perfeitamente "Kafkiana", ao arrepio do seu modo de vida conhecido ou, até, da possibilidade admissível.

19 - Pelo exposto, o tribunal deveria considerar provada a autoria do crime, por parte do arguido, com base na conjugação dos seguintes indícios: (i) existência de impressão palmar e digital, sendo a primeira inquestionavelmente do arguido, no corrimão da varanda da fracção assaltada, que se situa num primeiro andar; (ii) localização dessa impressão, na varanda, junto à porta que foi forçada para permitir o acesso aos bens furtados, sugerindo que o arguido se apoiou aí para aceder à dita varanda por escalamento; (iii) pré-existência daquela impressão em relação ao momento da queixa e presença recente dos indícios no local, dado que, tratando-se de um espaço exterior, tal não permitiria que perdurassem muito tempo; (iv) inexistência de relação entre o arguido e os ofendidos, que desse qualquer explicação alternativa para a presença daquela impressão e (v) inexistência de qualquer explicarão alternativa dada pelo arguido para a existência da impressão naquele local, visto que o mesmo não compareceu em julgamento.

20 - Na sentença sugerem-se explicações alternativas para a presença da impressão palmar e digital no corrimão da varanda. Mas estas explicações alternativas não têm qualquer apoio na prova; são apenas conjecturas, que a ausência do arguido em julgamento tornam infrutíferas. Se existisse alguma hipótese alternativa à da autoria do furto para a presença da impressão palmar, o arguido não a teria declarado, em sede de contestação ou comparecendo em julgamento?

21 - Quanto ao valor dos bens subtraídos, considerando o teor do auto de noticia e o assinável esforço de memória levado a cabo pela testemunha AL, é sempre possível afirmar-se que o numerário subtraído não foi inferior a € 50,00 e que a máquina de barbear furtada, nunca teria um valor comercial, à data, inferior a € 150,00.

22 - Tudo somado, considera-se que os bens e o numerário subtraídos são de valor indeterminado, porém, nunca inferior a € 200,00, pelo que, não se pode "desqualificar" o furto, de harmonia com o artº 204º, nº 4 do Cód. Penal, nem atribuir eficácia à desistência de queixa que foi oportunamente formulada pelos ofendidos a fls. 86 e 88 dos autos.

23 - O Tribunal "a quo" deveria, assim, ter julgado provados os seguintes factos, que não coincidem totalmente com aqueles que constam da acusação:

a) No dia período compreendido entre as 22h do dia 29 e as 0h do dia 30 de Agosto de 2008, o arguido introduziu-se no apartamento L …da Quinta Pedra dos Bicos, em Albufeira, onde os ofendidos AL e MR se encontravam no gozo de férias, tendo para o efeito escalado a varanda e arrombado a janela do quarto principal.

b) Daí o arguido retirou e fez seus:
- uma mala tipo tira colo de cor cinzenta;
- dois cartões multibanco do banco Caixa Geral de Depósitos;
- um cartão multibanco do banco BES;
- um bilhete de identidade de AL:
- um bilhete de identidade militar de AL;
- um cartão lnterpass;
- uma máquina de barbear de marca “Philishave”, de valor não inferior a € 150,00;
- vários cartões de combustível;
- € 50 em numerário.

c) Desta forma, o arguido causou aos ofendidos um prejuízo correspondente ao valor dos objectos subtraídos, de valor não inferior a € 200,00,

d) Ao agir da forma descrita, o arguido quis introduzir-se na referida habitação, sabendo que para tal não estava autorizado, para daí retirar e fazer seus todos os objectos e valores do seu interesse, o que logrou conseguir, tendo conhecimento que os mesmos não lhe pertenciam e de que agia contra a vontade e em prejuízo dos ofendidos.

e) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei.

24 - Com tal matéria fáctica, assim alterada, o Tribunal "a quo" não poderia deixar de proferir decisão de condenação do arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pela al. e) do n.º 2 do art. 204.º, ex vi n.º 1 do art. 26.º, ambos do Código Penal.

Termos em que, e em suma, deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue provada a matéria factual acima referida e, em consequência, condene o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pela al. e) do n.º 2 do art. 204.º, ex vi n.º 1 do art. 26.º, ambos do Código Penal.

O recurso foi admitido.

O arguido apresentou resposta, na qual, como refere, pugna pela manutenção da douta decisão proferida em sede de primeira instância, porque, esta sim, é conforme o direito e a justiça!

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a posição manifestada no recurso e no sentido de que deve ser julgado totalmente procedente.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio apresentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme acórdãos do STJ: de 13.05.1998, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 3.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 3.ª edição, Rei dos Livros, pág. 48; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg.; e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

Delimitando-o, reside em apreciar:
A) - da impugnação da matéria de facto;
B) - da consequente condenação do arguido.

Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:

Dos factos provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

da acusação pública
1) No período compreendido entre as 22h do dia 29 e as 0h do dia 30 de Agosto de 2008, pessoa não concretamente identificada introduziu-se no apartamento L …da Quinta Pedra dos Bicos, em Albufeira, onde os ofendidos AL e MR se encontravam no gozo de férias, tendo para o efeito escalado a varanda e arrombado a janela do quarto principal.

2) Daí, a pessoa não concretamente identificada retirou e fez seus:

i) cartões multibanco da Caixa Geral de Depósitos;
ii) um bilhete de identidade de AL;
iii) um bilhete de identidade militar de AL;
iv) um cartão Interpass;
v) uma máquina de barbear;
vi) outros cartões;
vii) uma quantia em numerário, não concretamente apurada.

3) Desta forma, pessoa não concretamente identificada causou aos ofendidos prejuízo correspondente ao valor dos bens subtraídos.

4) Ao agir da forma descrita, pessoa não concretamente identificada quis introduzir-se na referida habitação, sabendo que para tal não estava autorizado, para daí retirar e fazer seus todos os objectos e valores do seu interesse, o que logrou conseguir, tendo conhecimento que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo dos ofendidos.

5)Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei.

mais se provou que:
6) O arguido tem como última remuneração inscrita na Segurança Social a quantia de € 600,00 reportada a Janeiro de 2019.

7) Do certificado de registo criminal do arguido resultam os seguintes antecedentes criminais:

i) Por sentença proferida em 11 de Novembro de 2015, transitada em julgado em 4 de Março de 2016, no âmbito do processo n.º ---/15.1PFLRA, que correu termos no Juízo Local Criminal de Leiria, foi o arguido julgado por crime de consumo de estupefacientes, praticado em 15 de Outubro de 2015, e condenado na pena de cinquenta dias de multa à taxa diária de € 5,OO.

Dos factos não provados:
Não se logrou provar qualquer outro facto, com relevo para a boa decisão da causa, ou que esteja em contradição com os dados como provados. Designadamente não se logrou provar:

a) Que foi retirada há habitação descrita em 1) uma mala tipo tira colo de cor cinzenta e um telemóvel da marca Sony Ericsson.

b) Que ao prejuízo causado com a conduta descrita em 2) acresce o valor da reparação dos estragos causados na janela da habitação.

c) Que o arguido praticou os factos descritos de 1) a 5).

Exame crítico da prova:
O Tribunal norteou a sua convicção quanto à matéria de facto provada com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, tendo desconsiderado todas as afirmações de pendor conclusivo e de matéria de direito, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum, sem critérios pré-definidores de valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei diversamente o disponha.

O arguido, não comparecendo em julgamento, não contribuiu para a descoberta da verdade.

Assim, a convicção do Tribunal para alcançar os factos que se deram como provados, assentou nas declarações dos ofendidos AL e MR, que atestaram o dia, hora e local onde os seus bens foram furtados. No que concerne à sua qualidade, quantidade e valor fez-se fé nas declarações de ambos, sendo que, quanto a esta última questão, e atendendo ao decurso do tempo, foram incapazes de atribuir uma quantia a cada bem furtado, fornecendo, em nosso ver, estimativas, que, sem mais, não permitem considerá-las como fidedignas, pelo que não se apuraram em concreto os valores dos bens subtraídos.

Já quanto à forma como o perpetrador veio a entrar na sua habitação, concretamente no seu quarto, declaram os ofendidos que a janela se encontrava fechada, havendo sinais de arrombamento que verificaram posteriormente. O relatório de inspecção judiciária de fls. 7 a 11 assim o comprova, em particular a fotografia n.º 2 (a fls. 8) e a fotografia n.º 3 e 4 (fls. 9), onde são visíveis marcas de entrada forçada.

Contudo, revertendo à fotografia n.º 1 a fls. 8 constatamos que o local onde decorreram os eventos que ora discutimos é um primeiro andar, sendo, portanto, consentânea com as regras da experiência comum, a tese de escalamento, aliada, evidentemente, ao ponto de entrada na habitação. Dá ainda conta o aditamento ao auto de notícia que alguns bens foram recuperados, o que os ofendidos confirmam, mas encontravam-se abandonados, não tendo sido resgatados de qualquer pessoa.

Resumidamente, a prova é inteiramente concludente e corroborante no sentido de explicar a dinâmica dos eventos da forma como supra relatámos, para alcançar o entendimento de que um furto ocorreu.

Questão distinta quanto à autoria dos mesmos.

Revertendo ao relatório fotográfico supra descrito verificamos a fls. 11, na fotografia n.º 8, que foi recuperado um vestígio palmar no varão da varanda escalada; melhor dizendo, na parte superior horizontal do ferro da varanda. Vestígio palmar esse que corresponde ao arguido de acordo com o relatório pericial de fls. 24 a 27, inexistindo qualquer juízo que abale a conclusão alcançada pelos senhores peritos.

A impressão palmar permite, sem qualquer dúvida, dizer que num dado momento o arguido esteve no apartamento L … da Quinta Pedra dos Bicos.

Contudo, este local não é um simples apartamento; é um apartamento de férias, não pertencendo, portanto, aos ofendidos. Resumidamente, trata-se de um estabelecimento hoteleiro, o que dificulta o estabelecimento de um nexo de causalidade com qualquer impressão palmar encontrada. Melhor dizendo, não há dúvidas de que o arguido esteve naquele local, mas esteve aí porque também passou férias, porque trabalhava nesse estabelecimento, porque visitou pessoas que se encontravam aí de férias noutra ocasião?

Porque cometeu o crime de furto? Não sabemos. Poderíamos questionar a preservação das impressões digitais para considerar a forte probabilidade de o arguido ter sido o autor do furto, mas também há que ter presente o tempo de Verão, habitualmente mais seco, e melhor apto a preservar as condições de uma impressão palmar. Há que não esquecer a tese de escalamento, que já se disse, se tem por válida. Como explicar que não se tenham obtido impressões digitais no acto de subida e inclusive no interior do apartamento, mas apenas a meio do caminho? Num varão de varanda, cujo propósito, aliás, é justamente permitir o apoio? Em suma, a impressão digital encontrada coloca o arguido no local, mas não fornece qualquer outra explicação, não sendo tão pouco suspeito o local onde a mesma foi encontrada. Tivesse sido encontrada no acto de escalamento e a resposta seria bem distinta. Mas num estabelecimento hoteleiro, onde se presume com total segurança que os habitantes daquele apartamento variam com grande frequência, sem qualquer prova adicional não poderemos concluir o motivo pelo qual a impressão palmar do arguido aí se encontra. Com esta impressão digital todas as hipóteses ficam em aberto, não podendo, evidentemente e sem mais, concluir-se por um cometimento de um crime por parte do arguido.
Assim, no que concerne à matéria de facto dada como não provada da acusação, decorreu, desde logo, dos moldes supra explanados em que foi valorada a prova, uma vez que não resultaram provados os factos constantes da acusação pública, porquanto nenhuma prova credível, esclarecedora e suficiente se produziu a respeito dos mesmos, não permitindo ao Tribunal, para além de qualquer dúvida razoável, atribuir ao arguido a autoria dos factos de que vem acusado.

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal formou a sua convicção com base no teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

Quanto às condições sócio económicas do arguido, o Tribunal fez fé no que resulta das bases de dados disponíveis.

Todos os meios de prova foram devidamente sopesados, conduzindo, fundamentadamente, à formação de um todo lógico e coerente de verdade.

Apreciando:

A) - da impugnação da matéria de facto:
Constituindo princípio geral que as relações conhecem de facto e de direito nos termos do art. 428.º do CPP, a modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o art. 431.º do CPP, para além de existência de vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, do CPP (corpo daquele mesmo preceito) e das específicas situações a que aludem as suas alíneas a) e c) que ora se não colocam, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º” (sua alínea b)).

Nesta perspectiva de impugnação, tem-se em vista a reapreciação da prova, mediante o seu confronto com a avaliação conferida pelo tribunal, não obstante, porém, dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 daquele art. 412.º, na medida em que, como vem sendo pacífico, o recurso é mero remédio jurídico, destinado a despistar e a corrigir erros in judicando ou in procedendo, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância.

Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».

Também, segundo Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.

A propósito, lê-se no acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219: Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

Apresentando-se, pois, essa exigência de especificação com finalidade processualmente justificada, os contornos necessários à viabilidade de conhecimento dessa forma de impugnação ficaram devidamente reflectidos na fundamentação do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03, in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012.

Toda essa temática traduz requisito adjectivo que se coaduna com a proporcional e devida concretização do que se pretende, à luz, além do mais, dessa natureza dos recursos como remédios jurídicos e da colaboração processual que deve sempre estar presente na sujeição de uma causa a reexame por tribunal superior.

Dentro destes parâmetros, a impugnação convocada pelo recorrente revela-se merecedora de análise, uma vez que cumpre as exigidas especificações.

Assim, indica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ou seja, os constantes dos pontos 1) a 5) dos factos provados e a) e c) dos factos não provados, bem como as provas que imporão decisão diversa, reportando-se a que, como refere, consistem (1) no auto de notícia de fls. 3, (2) nas declarações dos ofendidos AL e MR, prestadas na sessão de julgamento do dia 18/02/2019 (fls. 211 a 214), (3) no relatório de inspecção judiciária e relatório fotográfico anexo de fls. 7 a 11, (4) no relatório de apreciação técnica de fls. 13 a 16, (5) na informação pericial de fls. 23 a 27 e (6) no certificado de registo criminal de fls. 203 a 207, sendo que, no tocante às declarações dos ofendidos, apresenta excertos das mesmas, com menção à localização respectiva no suporte de gravação em audiência.

A incidência da impugnação reconduz-se a que o recorrente pretende reverter o juízo que se reflectiu nesses factos, no sentido de que se venha a entender que foi o arguido quem os praticou e que, relativamente aos bens subtraídos, se conclua, por um lado, que inclua os mencionados em a) e, por outro, o valor de alguns seja conhecido.

Vejamos, pois, por referência aos factos impugnados e considerando as convocadas provas orais, documental e pericial - sendo que se procedeu à audição integral das aludidas declarações (n.º 6 daquele art. 412.º) -, no confronto com o motivado pelo tribunal a quo.

No que respeita aos bens subtraídos e respectivo valor, naturalmente os depoimentos dos ofendidos assumem a relevância de só eles saberem o que constataram ter desaparecido, na sequência do que, como referiram, se terem visto confrontados com a circunstância de existirem sinais visíveis de que o quarto onde os objectos se encontravam ter sido remexido, como aliás, decorre manifesto do relatório de inspecção judiciária, concretamente da fotografia n.º 7, de fls. 11.

Em audiência, os ofendidos tiveram dificuldade em recordar-se, com precisão, de quais os bens em causa, o que em nada surpreende se se atentar, como não pode deixar de ser, em que a ocorrência se verificou há mais de dez anos da data em que o julgamento se realizou.

Ainda assim, lograram reportar-se, não só aos bens descritos no facto provado em 2), como também, relativamente aos objectos constantes do não provado em a), MR referiu que, quanto à mala tipo tira colo, se tratou, sim, de uma carteira, onde os cartões se encontravam e, acerca do telemóvel, manifestou não se recordar.

O tribunal a quo motivou que “No que concerne à sua qualidade, quantidade e valor fez-se fé nas declarações de ambos”, o que, aceitando-se, acabou, no entanto, por excluir o telemóvel desses objectos, certamente com alguma indiferença à referida influência do tempo decorrido e ao que, na data dos factos, acto contínuo à sua verificação, como os ofendidos esclareceram, foi recolhido pelo órgão de polícia criminal, no âmbito das providências cautelares quanto aos meios de prova (art. 249.º do CPP), reflectidas no auto de notícia de fls. 3.

Em sintonia com o alegado pelo recorrente, de que essa informação não pode, pura e simplesmente, ser desconsiderada e, saliente-se, no âmbito e contexto em presença, não se descortina razão válida, nem o tribunal a refere, para que, como prova documental (art. 162.º do CPP), o auto de notícia não seja considerado (art. 125.º do CPP), sujeito à livre apreciação (art. 127.º do CPP), quando, como no caso sucede, os ofendidos, afinal, vieram sustentá-lo no essencial e outros pormenores, inevitavelmente “esquecidos”, redundavam em esforço incompreensível.

Isto para dizer, pelo menos no tocante ao telemóvel, que deve enveredar-se por o incluir no elenco do provado em 2), alterando-se, em conformidade, o não provado em a), aqui mantendo-se a alusão à mala tipo tira colo, negada expressamente pela ofendida e, note-se, quiçá até podendo tratar-se da mala retratada na fotografia n.º 6 de fls. 10.

Quanto ao valor dos bens, o tribunal fundamentou que os ofendidos “foram incapazes de atribuir uma quantia a cada bem furtado, fornecendo, em nosso ver, estimativas, que, sem mais, não permitem considerá-las como fidedignas, pelo que não se apuraram em concreto os valores dos bens subtraídos”.

Todavia, ouvido o depoimento do ofendido, conjugando-o com o constante do referido auto de notícia, sabendo-se que a atribuição desse valor não depende de qualquer prova específica, descortina-se que apresentou valores aproximados no tocante à máquina de barbear e ao numerário, que a experiência consente, no caso, aquela de valor não inferir a € 150,00 e este de valor não inferior a € 50,00.

Por isso, a conclusão de que a prova nesse aspecto não tivesse existido não merece concordância.

Ao invés do sufragado na sentença, aqueles valores devem passar a ser considerados no facto provado em 2).

Relativamente, ora, à análise da questão da autoria dos factos, que o tribunal entendeu que a prova não permitia imputar ao arguido, o recorrente manifesta, fundadamente, opinião diversa.

Assim, bem sublinha que as declarações dos ofendidos colocam em crise a fundamentação de facto, no segmento em que coloca hipóteses alternativas para o surgimento da impressão palmar do arguido no corrimão da varanda, já que tal impressão era evidente a olho nu, logo, recente, e estava aposta na varanda por onde ocorreu o escalamento e que dá directamente para o quarto que foi assaltado, sendo que não é de somenos atentar em que, em sintonia, a fotografia n.º 8 de fls. 11 aponta, inequivocamente, para que o vestígio fosse efectivamente muito recente.

Ainda, esse vestígio palmar, conforme se apurou através da perícia respectiva, cujo relatório consta de fls. 24 a 27, corresponde à região hipotenar da palma da mão esquerda do arguido, com grau de certeza bastante, alicerçado nos treze pontos de coincidência.

Aliás, o tribunal, não por acaso, formulou a dúvida de que “Poderíamos questionar a preservação das impressões digitais para considerar a forte probabilidade de o arguido ter sido o autor do furto” e a conclusão de que “a impressão digital encontrada coloca o arguido no local”, mas enredou-se, entretanto, no suscitar de hipóteses, aparentemente suportadas em tratar-se de um estabelecimento hoteleiro e na circunstância de “Como explicar que não se tenham obtido impressões digitais no acto de subida e inclusive no interior do apartamento, mas apenas a meio do caminho?”, para não chegar à conclusão de que o arguido tivesse sido quem praticou os factos.

No entanto, afigura-se que não enveredou pela hipótese mais provável segundo as regras da experiência e, neste sentido, incorreu em erro notório na apreciação da prova nesse âmbito.

Na verdade, por um lado é de sublinhar a validade daquele meio de prova, ou seja, a recolha de vestígios (palmar e digital), acto contínuo à prática dos factos, logrando a identificação do recorrente como sendo a pessoa que ali deixou o vestígio palmar, o que reveste a natureza de prova pericial e, como tal, suportada em juízo técnico-científico (art. 151.º do CPP), com a especial relevância que o art. 163.º do CPP consagra.

Como método de investigação criminal, o relevo dessa recolha de vestígios radica na reconhecida circunstância das impressões digitais serem universais (porque comuns a todas as pessoas), permanentes (porque imutáveis desde que surgem, só desaparecendo com a putrefacção cadavérica), singulares ou inconfundíveis (porque únicas, jamais idênticas em dois indivíduos), indestrutíveis (porque não modificáveis, nem pela acção do sujeito, nem patologicamente, nem por falsificação) e mensuráveis (porque susceptíveis de comparação).

Em razão dessas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:

a) a aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão;

b) mas, se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão, ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional);

c) apesar de não fazer prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital constitui um forte indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.

Deste modo, com vista a obter-se uma certeza resultante de convicção fundada e segura, a sua conjugação com outra prova, mesmo que também indiciária, torna-se necessária.

Sem que, contudo, dada a especificidade daquela, sobretudo a sua singularidade e a sua inconfundibilidade, não se aceite que se desvalorize a sua correspondência a determinada pessoa, e só a ela, o que constitui, em si mesmo, prova cabal de que, na situação, o vestígio é unicamente do arguido, atentando que nada contende com a forma e com a metodologia que presidiram à elaboração do inerente relatório, com recolha de vestígio que ocorreu no mesmo dia em que se deu o desaparecimento dos objectos e que concluiu pela existência daqueles treze pontos característicos coincidentes com o dactilograma respeitante àquele, tecnicamente conferindo certeza absoluta nessa identificação.

Se assim é quanto a essa prova, a mesma surge complementada, no caso, pelos esclarecimentos dos ofendidos, em conjugação com o normal acontecer, na esteira do que o recorrente, acertadamente, invoca, na ausência de prova directa de que o arguido praticou os factos, mas configurando pluralidade de indícios que conflui para o colocar na autoria dos mesmos.

O recorrente refere-se, pois, e bem, à conjugação dos seguintes indícios: (i) existência de impressão palmar e digital, sendo a primeira inquestionavelmente do arguido, no corrimão da varanda da fracção assaltada, que se situa num primeiro andar; (ii) localização dessa impressão, na varanda, junto à porta que foi forçada para permitir o acesso aos bens furtados, sugerindo que o arguido se apoiou aí para aceder à dita varanda por escalamento; (iii) pré-existência daquela impressão em relação ao momento da queixa e presença recente dos indícios no local, dado que, tratando-se de um espaço exterior, tal não permitiria que perdurassem muito tempo.

A que acresce, como ainda alude, (iv) inexistência de relação entre o arguido e os ofendidos, que desse qualquer explicação alternativa para a presença daquela impressão e (v) inexistência de qualquer explicação alternativa dada pelo arguido para a existência da impressão naquele local, visto que o mesmo não compareceu em julgamento, sem descurar que o vestígio palmar se harmoniza, pela sua nitidez, com acto de agarrar, compatível com o escalamento da varanda.
Esses indícios comportam prova indirecta, através da qual se deve considerar, pela sua pluralidade, congruência e concordância, que o arguido não pode ver-se afastado dos factos, contrariamente ao que o tribunal entendeu, mediante mera suposição de hipóteses sem suporte e sentido lógicos, que não têm qualquer virtualidade para o infirmar.

Já Vaz Serra salientava, in “Provas (Direito Probatório Material)”, BMJ n.º 110, pág. 190, que Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência.

Trata-se, pois, de apelar, a presunção subjacente ao raciocínio que deve imperar.

Ou seja, que, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação, produzidos através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Perante os dados objectivos de que dispunha, não se descortina motivo razoável para que o tribunal tivesse fundamentado a valoração da prova do modo como o fez.

Afigura-se, ao invés do motivado, que melhor avaliação da prova conduz à aludida participação do arguido nos factos, através da análise mais consentânea com os apontados factores e, além do mais, com os legais critérios, mediante lógica inferência, conducente, ainda que por via indirecta, a conclusão assente nas regras da experiência.

Deste modo, os factos provados em 1) a 4) - o facto provado em 5) decorre dos anteriores - têm de ser modificados, para deles constar que foi o arguido quem efectivamente incorreu na subtração dos bens e, assim, também o facto não provado em c) não pode persistir.

Em sintonia, a matéria de facto, nos pontos que são indicados, altera-se para:

Dos factos provados:
1) No período compreendido entre as 22h do dia 29 e as 0h do dia 30 de Agosto de 2008, o arguido introduziu-se no apartamento L … da Quinta Pedra dos Bicos, em Albufeira, onde os ofendidos AL e MR se encontravam no gozo de férias, tendo para o efeito escalado a varanda e arrombado a janela do quarto principal.

2) Daí, o arguido retirou e fez seus:

i) cartões multibanco da Caixa Geral de Depósitos;
ii) um bilhete de identidade de AL;
iii) um bilhete de identidade militar de AL;
iv) um cartão Interpass;
v) uma máquina de barbear, de valor não inferior a € 150,00;
vi) outros cartões;
vii) uma quantia em numerário, não inferior a € 50,00;
viii) e um telemóvel da marca Sony Ericsson.

3) Desta forma, o arguido causou aos ofendidos prejuízo correspondente ao valor dos bens subtraídos.

4) Ao agir da forma descrita, o arguido quis introduzir-se na referida habitação, sabendo que para tal não estava autorizado, para daí retirar e fazer seus todos os objectos e valores do seu interesse, o que logrou conseguir, tendo conhecimento que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo dos ofendidos.

Dos factos não provados:
a) Que foi retirada da habitação descrita em 1) uma mala tipo tira colo de cor cinzenta.

Ficando eliminado o ponto c) dos factos não provados.

Ainda, embora referido pelo recorrente, não se vê que o certificado do registo criminal do arguido pudesse contribuir para a visada modificação dos factos, uma vez que não se trata de meio de prova atendível para outra finalidade senão o comportamento anterior do arguido, não a sua culpabilidade.

Se bem que assim seja, não deixando, por isso, de se tornar relevante, tendo o tribunal mencionado que “Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal formou a sua convicção com base no teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos”, não se reportou, certamente por lapso, à condenação a que o recorrente se refere, constante de fls. 207.

Por isso, adita-se à matéria de facto provada:

7) (…)

ii) Por sentença transitada em julgado em 4 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º ---/11.5PLSNT, que correu termos no Juízo Local Criminal de Sintra, foi o arguido julgado por dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, praticados em 13 de Junho de 2011, e condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução por igual período, com regime de prova.

No restante não indicado, a matéria de facto mantém-se.

B) - da consequente condenação do arguido:
Assente a matéria de facto nos termos que ficaram descritos, após a modificação que sofreu, a absolvição do arguido não pode subsistir.

Foi-lhe imputada a prática de crime de furto qualificado, p. e p. pela alínea e) do n.º 2 do art. 204.º do CP.

Tal como aduzido na sentença:
Conforme resulta do disposto no referido artigo 203.º n.º 1 do Código Penal, o crime de furto tem como elementos constitutivos a ilegítima intenção de apropriação, a subtracção de coisa móvel alheia, elementos expressos aos quais há ainda que acrescentar, segundo o entendimento de Faria Costa, in oh. e loco cit. (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 31 e ss) o implícito elemento do valor patrimonial da coisa.

Por ilegítima intenção de apropriação entende-se a particular intenção do agente aquando da realização do facto típico, usualmente designada por dolo específico ou especial elemento subjectivo da ilicitude, que faz do crime de furto, quer na forma simples quer na qualificada, um crime intencional. Este elemento, nas palavras de Faria Costa, in oh. e loco cito pág. 33, "deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá- la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, uma intenção de (des) apropriar terceiro" sendo também indispensável, na determinação global do elemento, uma intenção de possuir para si.

A subtracção caracteriza-se pela finalidade prosseguida de fazer entrar no domínio de facto do agente as utilidades derivadas da coisa, que anteriormente eram fruídas pelo sujeito que as detinha de modo legítimo. Portanto, como conditio sine qua non para a realização desta finalidade, a subtracção traduz-se num desapossamento logo seguido de outro apossamento, em virtude de uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor.

Assim, tal subtracção deverá incidir sobre uma coisa, entendida como "tudo o que, gozando de autonomia e utilidade, é susceptível de dominação exclusiva pelo homem" - Carlos Alegre, in Crimes Contra o Património, Revista do Ministério Público, 3.° caderno, pág. 23.

Tal coisa, sendo móvel, deverá ainda revestir carácter alheio, ou seja, pertencer a outrem que não o agente.

No que respeita ao preenchimento do tipo subjectivo de ilícito, não obstante haver no crime de furto uma dimensão subjectiva na intenção de apropriação, exige-se essencialmente uma conduta dolosa, nos termos gerais dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal, assim acontecendo sempre que o agente tenha actuado com conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito. E para que se verifique um crime de furto qualificado, por força das alíneas dos nºs 1 e 2 do artigo 204.º do Código Penal, importa ainda que o agente tenha uma representação global e um querer que abarque os diversos elementos dessas circunstâncias agravantes.

Inequivocamente preenchidos os elementos típicos do furto, a sua qualificação por via da alínea e) do n.º 2 do art. 204.º também não merece dúvida.

Com efeito, tendo-se provado que o arguido escalou a varanda para aceder ao apartamento, sito no 1.º andar, ali entrando sem autorização, penetrou em habitação, por escalamento, na noção dada pelo art. 202.º, alínea e), do CP.

Como tal, a sua condenação, pelo imputado crime, impõe-se.

Procede-se, ora, à devida aplicação da pena, já que, minimamente, existem dados para o efeito.

Parte-se da moldura abstracta de prisão de dois a oito anos.

Não obstante o arguido, à data dos factos, fosse jovem, contando então dezoito anos de idade, não se lhe concede atenuação especial da medida da pena, por via dos arts. 9.º do CP e 4.º do Dec. Lei n.º 401/82, de 23.09.

A aplicação do regime ali previsto, vocacionado para jovens maiores de 16 anos e menores de 21, permitindo a atenuação especial da pena “nos termos dos arts. 73.º e 74.º do Código Penal” - a que actualmente correspondem os arts. 72.º e 73.º - depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (acórdão do STJ de 07.11.2007, no proc,. n.º 07P3214, rel. Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt).

Sem perder de vista exigências de prevenção geral, são sobretudo exigências de prevenção especial que presidem à aplicação, ou não, do regime, ou seja, através da aferição das circunstâncias atinentes à pessoa do agente, que redundarão, ou não, em que o julgador conclua pela existência de “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Tudo dependerá do juízo de prognose, assente nas condições de vida do jovem, bem como na análise global da sua personalidade, que permitam perceber se o seu desenvolvimento sócio-psicológico ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como uma vantagem para a sua reinserção social ou, ao invés, se qualquer intervenção desse tipo já é tardia, perante o quadro de desenvolvimento da sua personalidade, revelando claro discernimento.

E as razões sérias residem, por um lado, em saber se a criminalidade em que se envolveu o jovem radica, de algum modo (e de algum modo a explicam), naquela fase especialmente difícil que é o trânsito da fase juvenil para a fase adulta e, por outro, em não tolher, de forma irremediável (devido à especial protecção de que carece), a reinserção social do jovem condenado com a aplicação de penas que nele fazem repercutir de forma especialmente nefasta os efeitos criminógenos da prisão e obstaculizam o seu regresso à vida social, com quebra dos laços de sociabilidade, em cujo fortalecimento se enraíza um crescimento sadio (acórdão do STJ de 12.03.2009, no proc. n.º 08P3773, rel. Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt).

Na situação em análise, para além de serem relativamente escassos os elementos atinentes às condições pessoais do arguido, dada a ausência em julgamento, as suas condenações, se bem que posteriores à data dos factos, denotam percurso que coloca inevitavelmente prementes reservas quanto à sua reinserção e impõe acrescida necessidade de responder às exigências de prevenção especial que se fazem sentir, afigurando-se, pois, que a prática de ilícitos já verificada tende para concluir que a intervenção no âmbito em causa não se justifica.

Quanto à pena concreta a aplicar, é determinada, dentro dos limites legais em apreço, em sintonia com as finalidades previstas no art. 40.º, n.º 1, do CP.

Essas finalidades - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime, devendo levar-se em conta que, conforme ao n.º 2 desse art. 40.º, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Segundo Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Conforme Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, em Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pp.25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

De qualquer modo, por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui aquele limite inultrapassável; como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Ainda, acompanhando Figueiredo Dias, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias editorial, 1993, págs. 231 e 214.

Em síntese, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Dentro de todo este cenário que norteia qualquer pena, entende-se, no caso, que as finalidades de prevenção, na sua globalidade, se revelam medianas, além de que a culpa, considerada a ponderação conjunta de todas as circunstâncias, se coloca a nível idêntico.

O grau da ilicitude dos factos configura-se como de algum relevo, atentando na forma como o arguido se dispôs a atingir, por escalamento, o 1.º andar e, ainda, a arrombar a janela, apesar de que o valor dos bens de que se apropriou não tivesse sido de especial monta.

Revelou- se, o dolo, na modalidade de directo e de intensidade não reduzida.

Não são de descurar as referidas condenações que posteriormente veio a sofrer, sendo a mais recente por delitos de natureza idêntica.

Em favor do arguido apenas milita, por referência à data dos factos, a aludida juventude e a ausência de antecedentes criminais.

As exigências de prevenção geral reflectem a necessidade de que comportamentos, como o do arguido, cada vez mais frequentes, lesivos da propriedade e perturbadores da tranquilidade alheia, sejam devidamente censurados.

A que acrescem as exigências de prevenção especial atendendo ao que se conhece do seu percurso delituoso.

Justifica-se, assim, a aplicação da pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Afigura-se, contudo, que a sujeição a prisão não se mostra necessária.

Ao abrigo do art. 50.º, n.º 1, do CP, confere-se prevalência à medida substitutiva, no caso, a suspensão da sua execução.

Consubstancia medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que tem a virtualidade, além do mais, de dar expressão a que a prisão (e sua execução) constitui ultima ratio da punição, apesar de limitada pela salvaguarda das referidas finalidades punitivas.

Envereda-se pela sua aplicação com fundamento, sobretudo, no tempo decorrido desde os factos e em que, à data, o arguido não tinha antecedentes criminais.

Admite-se, pois, que venha a revelar postura que demonstre que mereceu tal suspensão, se bem que, mais recentemente, tenha denotado que subsistirá algum risco de que a medida logre sucesso.

Ainda assim, assume-se o risco, já que a aplicação de prisão com carácter efectivo redundaria excessiva.

A pena fixada será suspensa na execução por período de igual duração (n.º 5 do art.º 50) e acompanhada de regime de prova (n.º 3 do art. 53.º do CP)

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, assim,

- determinar a modificação da matéria de facto nos termos sobreditos e, por isso,

- revogar a sentença quanto à absolvição do arguido;

- em substituição:
- condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 240.º, n.º 2, por referência ao art. 202.º, alínea e), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na execução por período de igual duração, acompanhada de regime de prova;

- condenar o arguido nas custas, com taxa de justiça de 3 UC.

Processado e revisto pelo relator.

24.setembro.2019

(Carlos Jorge Berguete)

(João Gomes de Sousa)