Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
348/07.3GCSTR.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRAZO
PENA DE MULTA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: Os prazos contidos no artigo 47º, n. 3 do C.P. não podem ser aplicados quando é o próprio tribunal que atrasa em 18 meses a apreciação do pedido do arguido.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: 348/07.3GCSTR



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório
Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal de Santarém - Juízo Central Criminal de Santarém, J1 - e em que é arguido BB, por despacho da Mmª Juíza de 21-12-2017 foi indeferida a pretensão do arguido de converter a pena de prestação de trabalho em multa em 12 prestações.
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Inconformado o arguido interpôs recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões:
A) O recorrente não se conforma em ter sido decidido que já não lhe é permitido realizar o pagamento da multa em que foi doutamente condenado em prestações.
B) Os factos e circunstâncias temporais verificados nestes autos são as seguintes:
1 – O arguido foi condenado na pena de multa de 2.100,00€, em 16/05/2013.
2 – O douto Acórdão Condenatório transitou em julgado no dia 20/11/2014.
3 – O arguido-recorrente foi notificado para pagar a multa em 12/10/2015.
4 – Em 28/10/2015 o arguido-recorrente apresentou o seu pedido de substituição da multa por dias de trabalho.
5 – Em 8/06/2017 é proferido douto despacho que defere e determina a substituição da multa por trabalho.
C) A notificação do recorrente para pagamento da multa só ocorre em 12/10/2015.
D) O deferimento da substituição do pagamento da multa por trabalho apenas se vem a verificar em 8/06/2017.
E) Quando fez o seu pedido de substituição do pagamento da multa por trabalho, o recorrente não dispunha de qualquer meio económico próprio.
F) Há cerca de quatros meses o recorrente viu a sua situação ligeiramente alterada e para um pouco melhor.
G) Logrou obter emprego no estrangeiro, mal pago em função dos encargos que tem de suportar.
H) Não obstante, estas suas novas circunstâncias:
1 – Não lhe permitem cumprir o trabalho nos Bombeiros Voluntários;
2 – Permitem-lhe pagar a multa em prestações.
I) O recorrente tem presente o disposto nesse nº 3 do artigo 47º do Código Penal, mas interpreta-o no sentido de que o legislador terá considerado que a notificação para o pagamento da multa ocorreria logo após o transito em julgado da decisão condenatória (o que não sucedeu – antes cerca de 1 depois)..
J) E dentro do prazo legal o recorrente requereu que o pagamento da multa fosse substituído por trabalho, o que veio a ser deferido 2 anos e 7 meses após aquele trânsito em julgado.
K) Considera, muito modestamente e com todo o respeito enorme por qualquer outra doutíssima interpretação, que no caso concreto dos autos tal prazo do pagamento da multa em prestações deverá computar-se a partir da data do douto despacho que deferiu a substituição do pagamento da multa por trabalho, pois é esse o momento em que ao arguido é exigido o cumprimento da pena em que foi doutamente condenado.
L) A interpretação do artigo 47º do Código Penal realizada pelo Tribunal “a quo” é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da proibição do excesso, da proporcionalidade e da razoabilidade, decorrentes da consagração do Estado de Direito Democrático ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e desadequada a tudo quanto se passou e ocorreu nestes autos.
M) O douto despacho “sub judice” merece ser revogado, no sentido em que se permita o pagamento da multa em que o recorrente foi doutamente condenado em prestações, que pede por período de 1 ano, ou seja, 12 prestações mensais, iguais e sucessivas.
O) E é isto o que o recorrente pede a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, ou seja, que seja proferido Venerando Acórdão que revogando o douto despacho “sub judice” autorize que o recorrente pague a multa em que está doutamente condenado em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, de molde a cumprir integralmente a sua condenação (a multa e não a prisão subsidiária).
P) Decidindo de forma diferente o douto despacho “sub judice” desrespeitou a interpretação adequada aos autos do disposto nos artigos 47º e 48º do Código Penal e nos artigos 489º e 490º do Código de Processo Penal, e interpretou-os de forma inconstitucional por contrariar os princípios da proibição do excesso, da proporcionalidade e da razoabilidade próprios do Estado de Direito Democrático consignados nos artigos 2º, 9º, alínea b), e 18º da Constituição da República Portuguesa.
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A Digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido entende doutamente ser de manter o decidido, concluindo:
1. Nos presentes autos o recorrente BB foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 20.11.2014, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz o total de € 2.100,00.
2. O recorrente requereu a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade por requerimento que deu entrada nos autos no dia 28.10.2015.
3. Posteriormente, quando notificado do deferimento da sua pretensão, o recorrente apresentou novo requerimento a solicitar o pagamento da multa em prestações, o qual deu entrada nos autos no dia 22.11.2017 logo, um ano após o limite do prazo fixado por lei para o seu pagamento.
4. Efectivamente, dispõe o art.º 47.º, nº 3 do CP que sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
5. Para determinação das prestações não é estabelecido qualquer critério, além do limite temporal de dois anos subsequentes à data da condenação (cfr. Código Penal Português, Anotado e Comentado, 16.ª edição, Almedina, pág. 195, de Maia Gonçalves).
6. Verifica-se, assim, que a lei estabeleceu o limite de dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
7. E, mesmo que os prazos inicialmente estabelecidos sejam alterados, o limite dos dois anos mantem-se.
8. Consequentemente, o despacho proferido que indeferiu o pagamento da multa em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.
9. Razão pela qual, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer secundando a posição do Ministério Público. Respondeu o recorrente.
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B - Fundamentação:
B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:
i. - Por factos de 2007 o arguido foi julgado e condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto no artigo 86.°, n. 1, al. c) e 3.°, n. 2, al. l) da Lei 5/06, de 23.02, na pena de trezentos (300) dias de multa, à taxa diária de sete euros (7 €), o que perfez a multa de dois mil e cem euros (2.100 €).
ii. - Tal decisão, de 16-05-2013, transitou em julgado em 20-11-2014.
iii. - Elaborada a liquidação em 09-10-2015 com um total a pagar pelo arguido de 2.100 €, na mesma data foi enviada ao arguido notificação para pagamento dessa multa.
iv. - Em 28-10-2015 o arguido veio requerer a substituição do pagamento da multa por prestação de dias de trabalho.
v. - Em 08-06-2017 o tribunal de Santarém deferiu à substituição da pena de multa em que o arguido fora condenado por 300 (trezentas) horas de trabalho, a prestar junto dos Bombeiros Voluntários de …, com início, local e datas a acordar entre a entidade beneficiária, o arguido e a DGRSP.
vi. - Em 22 de Novembro de 2017, atentas razões e circunstâncias de vida que expôs, o arguido veio requerer o pagamento de multa e que a liquidação dessa multa fosse feita através de 12 prestações, mensais, iguais e sucessivas.
vii. - O tribunal recorrido, em 21-12-2017, indeferiu o pagamento em prestações mas determinou a liquidação da multa e o seu pagamento entre 02-01-2018 e 23-01-2018.
viii. - É este o teor do despacho recorrido:
«Fls. 1063 e 55: Considerando a data do trânsito em julgado da decisão condenatória proferida (20.11.2014), revela-se inviável a pretensão do arguido no sentido de lhe ser deferido o pagamento em prestações da multa em que foi condenado, por se mostrarem já decorridos os dois anos a que alude o artigo 47°/3 do C. Penal, na sua parte final.
Em face do exposto, e concordando-se com a posição expressa na douta promoção que antecede, indefere-se o requerido pagamento fraccionado da multa aplicada ao arguido BB, por inadmissibilidade legal.
Notifique, sendo ainda o arguido para proceder ao pagamento da multa em que foi condenado, sob pena de esta poder vir a ser convertida em prisão subsidiária.
Santarém, 21.12.2017.”»
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Cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, a questão abordada no recurso pelo arguido reconduz-se a apurar se o requerido pagamento da pena de multa em 12 pretações é de deferir.
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B.2 – O recorrente suscita a questão da substituição de penas tendo por base uma alegação factual que não foi apurada pelo tribunal recorrido, que sobre a mesma não emitiu qualquer juízo.
Trata-se da alegação de que o arguido pediu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade devido ao seu desemprego – e apenas auferir um subsídio de desemprego escasso – e voltou a pedir o pagamento da multa em prestações por já estar a trabalhar na Holanda, auferindo um salário certo, tendo agora uma melhor situação económica e social.
Ditas as coisas desta forma o recorrente não parece saber o que quer! Onde está a tónica da diferença? Naturalmente no tempo. Tempo que joga aqui um papel central.
Mas não o tempo do prazo contido no artigo 47º, n. 3 do Código Penal. Os tempos relevantes são outros, mesmo que a versão do recorrente seja “estória”.
O arguido praticou factos ilícitos em 2007, foi condenado por decisão de 16-05-2013, que transitou em julgado em 20-11-2014.
foi elaborada a liquidação em 09-10-2015 (no mínimo 10 meses depois) com um total a pagar pelo arguido de 2.100 €. Em 28-10-2015 o arguido veio requerer a substituição do pagamento da multa por prestação de dias de trabalho. em 08-06-2017 (oito meses depois) o tribunal de Santarém deferiu à substituição da pena de multa.
Em 22 de Novembro de 2017 o arguido requereu o pagamento de multa e que a liquidação dessa multa fosse feita através de 12 prestações, mensais, iguais e sucessivas e em 21-12-2017 o tribunal indeferiu tal pagamento em prestações.
De facto, só em atrasos do tribunal decorreram 18 meses, praticamente a totalidade do prazo de dois anos previsto no n. 3 do artigo 47º do C.P..
Quase dois anos para apreciar uma simples substituição de penas é um exagero, independentemente de saber das razões que estiveram na sua base, de que este tribunal não cura. Na prática significou o decurso da totalidade do prazo legal pós trânsito.
Como afirma o Prof. Figueiredo Dias a propósito de outro instituto legal “se a decisão for inadmissivelmente tardia, isso pode constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas”. [1]
E, no caso, a decisão é inadmissivelmente tardia e o decurso do prazo é-lhe imputável (note-se que não é a decisão recorrida que, por si, é culpada pelo atraso. Mas é tardia porque o atraso é anterior. E a culpa é funcional – é do serviço “Tribunal” - e deve ser assacada ao tribunal recorrido no seu todo).
Esta razão é suficiente para afastar a ideia de imputação do atraso ao arguido recorrente, que nem revela culpa, nem tinha a obrigação de não emigrar e de mudar a sua condição económica e social.
É claro que se desconhecem as razões por que a pena de trabalho, em concreto, não foi cumprida, mas é certo que o arguido apresentou razões e o tribunal não juntou elementos ao recurso que permitam concluir diferentemente.
Resta, pois, saber se o prazo de dois anos contido no artigo 47º, n. 3 do C.P assume o carácter imperativo que lhe parecem atribuir o tribunal recorrido e a Digna magistrada do Ministério Público.
Dispõe o dito:
«3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.»
Ora, considerando que tal prazo foi quase completamente esgotado pelo próprio tribunal - que tinha prazos apertados para decidir - e tendo presente que o preceito pretende, precisamente, evitar que o arguido condenado possa arrastar o pagamento da pena de multa por tempo excessivo, não se vê como negar ao arguido um direito que apenas se retardou por factos imputáveis a quem tinha o dever de acautelar o não arrastamento do cumprimento da pena.
É que, negar o direito ao arguido constitui, para o tribunal, um venire contra factum proprio.
Neste mesmo sentido, em caso inclusivé menos gravoso em termos de atraso judicial (“apenas” um ano), decidiu a Relação de Lisboa em acórdão de 04-06-2013, relatado pela Srª Desemb. Alda Tomé Casimiro, nos seguintes termos:
I. Face ao estatuído no artº 47º, do CP, a possibilidade de autorização do pagamento da multa em prestações pressupõe que o pagamento da última prestação não ocorra passados mais de 2 anos sobre a data do trânsito em julgado da condenação.
II. Porém, aquela norma não contemplou a hipótese de, por alguma inércia e excesso de zelo, o Tribunal demorar mais de um ano a decidir um requerimento. O espírito do preceito é não deixar arrastar no tempo o pagamento em prestações de uma multa, de molde a não possibilitar pagamentos parciais de tal modo insignificantes que deixem de conferir o efeito dissuasor e preventivo que a multa, como qualquer pena, tem em vista.
III. No caso, considerando que o pagamento da multa em prestações foi requerido cerca de um ano após o trânsito em julgado da decisão, o pedido respectivo deverá ser deferido, não só porque a situação económica e financeira do condenado o justifica, mas também porque este não pode prejudicado pelo facto o Tribunal ter demorado a apreciar o seu requerimento.
Ou seja, o recurso é totalmente procedente.
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C - Dispositivo:
Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora concedem provimento ao recurso, autorizando o pagamento da multa em 12 (doze) prestações mensais e sucessivas.
Notifique.
Sem tributação.
Évora, 12 de Julho de 2018
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso

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[1] - In “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pag. 358.