Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
378/20.0T8ABT.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: FALTA DE CONTESTAÇÃO
EFEITOS
ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO
CIRCUNSTÂNCIAS DO CONTRATO
BOA-FÉ
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Quando se consideram confessados os factos, por falta de contestação, a causa é julgada “conforme for de direito” e esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da ação, já que há confissão dos factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semipleno.

2 - Podendo tais factos revelarem-se insuficientes, no momento da subsunção, tendo em vista a procedência do pedido.

3 - Na avaliação do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio insere-se uma ponderação à luz dos princípios da boa fé e dos riscos próprios do negócio, considerando a remissão do art. 252º, 2 CC para o art. 437º,1 do mesmo Código.

4 - Esse apelo do legislador aos princípios da boa fé reflete a necessidade de uma contra atuação minimamente diligente por parte do declarante, necessária para o proteger, só podendo falar-se de erro quando o ato enganoso está fora da sua esfera de cognoscibilidade.

5 - Quando um declarante, acompanhado de mandatário, firma uma transação, com isso pondo fim a um litígio judicial, tendo num passado recente, posto fim a um outro litígio judicial pela mesma via, com a mesma pessoa, e essa outra transação não foi cumprida, era conhecedor do risco de incumprimento que a segunda transação representava, considerando o antecedente de incumprimento anterior.

6 - O seu erro tem uma confiança excessiva. Se confiou não o devia ter feito à luz de um declaratário medianamente prevenido.

7 - Vir invocar esse erro depois do conhecimento que tinha, e pedir a anulação da transação depois de ter obtido cerca de 10 meses antes, o pagamento, ainda que coercivo, de todo o capital transacionado e juros, afigura-se uma invocação e um pedido abusivos por contenderem com o princípio da boa fé.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:


I

M…, residente em… Abrantes, intentou a presente ação de processo comum contra M… - Associação …, com sede no … Abrantes, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €26.556,14 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

Alega, em síntese, que a Autora resolveu o contrato de trabalho com justa causa por falta culposa de pagamento pontual das remunerações e por lesão culposa de interesses patrimoniais sérios e face ao não reconhecimento pela Ré da justa causa invocada a Autora instaurou contra a Ré o Processo nº 61… que terminou com a transação homologada por sentença, sendo que, por essa via reduziu o pedido de €41.566,14 para €15.000.

Mais alega que a Ré ludibriou a Autora a fazer o acordo homologado por sentença, convencendo-a que iria cumprir pontualmente o acordado, agindo de má fé, com reserva mental, no entanto a Ré não cumpriu a transação homologada por sentença, dissipou património, após o que, a sentença homologatória foi objeto de execução e, posteriormente julgada extinta com transito em julgado por pagamento integral; no entanto, a Autora entende que ao transigir perdeu a chance de o processo ser julgado pelo Tribunal e obter uma decisão favorável com a procedência total do valor peticionado, pelo que requer a anulação da transação judicial e a condenação da Ré a pagar-lhe a diferença entre o valor inicialmente peticionado e o valor constante da transação.

Por despacho prolatado a 30.06.2021 foi declarada sem efeito a defesa apresentada pela Ré com fundamento na falta de constituição de Advogado, nos termos do disposto no Artº 41º do Código de Processo Civil, tendo sido determinado o desentranhamento da contestação.

Pelo que, considerou e bem o tribunal a quo que, porque o Réu, apesar de regularmente citado, não contestou, consideravam-se confessados os factos articulados pela Autora, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do CPC.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2, do mesmo Código pugnando a Autora pela procedência da ação.

No momento próprio foi proferida sentença que julgou ação totalmente improcedente e, consequentemente, decidiu absolver a Ré de todos os pedidos.

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

1. A não apresentação de contestação conduz à confissão dos factos alegados na petição inicial – efeito cominatório semipleno (artigo 567.º, n.º 1, do CPC);

2. O tribunal a quo estava obrigado a dar por provados factos alegados pela Recorrente que não constam da matéria de facto provada, obrigando a um veredicto favorável à Recorrente;

3. Os factos dados por provados pelo tribunal a quo chegavam e sobejavam, por força do efeito cominatório semipleno, para que a sentença desembocasse na produção de um aresto favorável à Recorrente;

4. O tribunal a quo compreendeu, ainda que parcialmente, a versão dos factos apresentada pela Recorrente;

5. O tribunal a quo não inteligiu que, ao ludibriar a Recorrente, a Recorrida não tivesse intenção de cumprir a transação;

6. A Recorrente alegou na petição inicial que a ali Ré enganou a ali Autora, porque se aproveitou de todas as condicionantes que fragilizavam a posição da Recorrente e produziu uma declaração que sabia que não iria cumprir;

7. A Recorrente alegou na petição inicial que o intento da Recorrida era não pagar nada à Recorrente;

8. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré, quando negociou o acordo que pôs termo ao processo n.º 61…, o fez já com o intento de beneficiar com o fim da litígio, mas nada pagar à Autora;

9. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré emitiu, de má-fé, e em sede de transação judicial, uma declaração negocial que sabia que não iria cumprir;

10. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré, através desse artifício, logrou em obter a fixação de um valor indemnizatório inferior ao que era pedido pela Autora, reduzindo os eventuais impactos de uma cobrança coerciva, e engendrou medidas para que esta não conseguisse, através do processo executivo, fazer-se ressarcir.

11. Os factos supra alegados não tocam em matéria que só pode ser provada por documento exigível pela lei e são considerados confessados por decorrência das regras processuais aplicáveis;

12. Por força do efeito cominatório semipleno, resulta provado que houve reserva mental e dolo por parte da Recorrida;

13. Ocorre reserva mental sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário;

14. Quando alguém se confessa devedor de uma quantia e garante que a vai pagar em prestações mas não tem quaisquer intenções de pagar, pretendendo enganar a outra parte negocial e extrair vantagens de uma redução de valores a custear, está a emitir uma declaração contrária à sua vontade real;

15. Constitui dolo o facto da Recorrida utilizar artifícios e aproveitar-se da situação de fragilidade da Recorrente para a levar a aceitar um acordo que aquela não queria cumprir, acrescida do intuito de diminuir os riscos desse incumprimento;

16. A atuação com reserva mental e com dolo é ilícita só por si, independentemente de outras consequências que possa trazer em termos de validade das declarações negociais;

17. A Recorrida, de má-fé, dolosamente e com reserva mental, convenceu a Recorrente a transigir;

18. A Recorrida sabia e valeu-se do facto de que a Recorrente estava numa situação de fragilidade e de carência económica;

19. A situação de fragilidade e de carência económica da Recorrente foram essenciais para levar a Recorrente a aceitar a proposta de redução;

20. A Recorrente esta estava de boa-fé e plenamente convicta de que haveria cumprimento por parte da Recorrida;

21. Resulta provado dos autos a intenção de enganar da Recorrida e o sucesso nesse enganar, bem como os atos de materialização do seu intento torpe;

22. O tribunal a quo não dá por provado, mas reconhece que a Recorrida convenceu deliberada e ativamente a Recorrente e se aproveitou da sua condição de fragilidade;

23. Estão igualmente preenchidos os pressupostos do erro-vício ou erro-motivo;

24. A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são;

25. A vontade da Recorrente não foi livre e esclarecida, nem ponderada e formada de um modo julgado normal e são;

26. Se alguém soubesse que outrem estava deliberadamente a tentar chegar a um acordo tirando vantagem da situação pessoal da outra parte e que não pretendia cumprir o acordado, não faria negócio;

27. O erro foi causado e perpetuado pela Recorrida, destinatária da declaração, que não poderia desconhecer a sua existência nem a sua essencialidade;

28. Toda a prova da Recorrente foi feita por força da revelia operante que ocorreu nos presentes autos;

29. Nunca houve uma contraversão atendível por parte da Recorrida que autorizasse ao tribunal a quo a considerá-la merecedora de mais crédito ou até concluir de maneira divergente das versões apresentadas;

30. O tribunal decisor não se pode afastar do iter lógico apresentado pela Autora, aqui Recorrente;

31. Atendendo ao todo que é a Petição Inicial e aos factos dados por provados resulta manifesto que a Recorrida conhecia a situação periclitante da Autora e o que a motivaria a aceitar o acordo;

32. Estão preenchidos os pressupostos do erro-vício;

33. Havendo dolo e reserva mental, e uma situação de erro-vício, estão reunidos os pressupostos de ilicitude que justificam a aplicação das regras da responsabilidade civil;

34. O tribunal a quo pronuncia-se sobre mais do que lhe foi pedido;

35. O dolo é o erro provocado por terceiro e não pelo próprio sujeito enganado;

36. O dolo permite não só a anulação ou invalidação da transação, mas permite estabelecer a ocorrência de um ilícito eventualmente indemnizável;

37. A obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade do negócio, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do direito de anular ou este já tenha caducado;

38. A decisão proferida pelo tribunal a quo vai contra a jurisprudência mais do que consolidada no nosso ordenamento jurídico;

39. A Recorrente pediu expressamente que a Recorrida fosse condenada a indemnizar a Recorrente pelos danos causados pela sua conduta dolosa;

40. Se o tribunal a quo considerasse alguma insuficiência de alegação teria de haver convidado a Recorrente a aperfeiçoar o seu articulado, não o fazendo, tal redundaria na obrigação de anular a sentença recorrida nos termos do artigo 662.º n.º 2, al. c), do C.P.C..;

41. A Recorrente considera que, atendendo à atuação ilícita da Recorrida, perdeu uma oportunidade extremamente forte de obter uma quantia manifestamente superior àquela que acabou por obter por via da transação discriminada nos autos;

42. Para haver indemnização por perda de chance, é necessário, mais que o nexo de causalidade, existir uma vantagem que, probabilisticamente falando, alguém teria a oportunidade de obter se não fosse a atuação ou a omissão que lesou essa chance;

43. Idealmente, também deve haver uma função sancionatória e tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade;

44. A Recorrida agiu ilicitamente e de má-fé, com dolo e manifestando reserva mental, procurando reduzir os riscos do seu intuito ludibriador e furtando-se ao pagamento de uma dívida em cobrança coerciva;

45. Os aspetos sancionatórios de quem viola as expectativas de outrem e age de forma ético-moralmente condenável estão devidamente preenchidos;

46. Existe um claro e inequívoco nexo de causalidade, porque foi o comportamento capcioso e silingórnio da Recorrida que promoveu a perda da aludida oportunidade ao induzir a Recorrente em notório erro e a laborar para a manutenção desse erro;

47. O tribunal a quo dá por provados os factos-fundamento que tutelavam a ação de condenação proposta pela Recorrente contra a Recorrida, demonstrando que se estava perante uma oportunidade real;

48. A oportunidade perdida é um direito em si mesmo que foi violado pela Recorrida e que privou a Recorrente de um proveito futuro que, pela gravidade da conduta da Recorrida, implicaria a condenação desta pelos valores peticionados;

49. A Recorrente reputa de mais do que preenchidos os fundamentos de direito para aplicação desta figura;

50. O tribunal a quo alega que não houve culpa da Ré, não sendo exigido que a Ré agisse de outra forma, ao arrepio quer da teoria da perda de chance quer do próprio bom senso e da boa fé negocial;

51. O tribunal a quo faz da representação em juízo da Recorrente por advogado fator para exonerar a Recorrida das suas responsabilidades;

52. O tribunal a quo deve ater-se aos factos que comprovam o comportamento capcioso da Recorrida e que a Recorrente foi enganada por tal comportamento;

53. O papel dos advogados não foi alegado ou contra-alegado, nem teria de ser;

54. O tribunal a quo confunde a parte com o seu mandatário e confunde o alcance do mandato judicial;

55. O mandato judicial é um mandato representativo típico, assente na atribuição de um poder geral para pleitear em juízo e, se expresso, de poderes especiais para confessar, transigir ou desistir em qualquer causa, o que permite o mandatário judicial realizar, em nome da parte, todos os atos ordinariamente compreendidos na tramitação dos processos judiciais;

56. O mandatário judicial não é nem pode ser considerado um representante legal da parte, nem o mandato judicial serve para suprir qualquer incapacidade técnica das próprias partes, não competindo ao mandatário judicial qualquer dever de assistência ou garantir o pleno exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres;

57. O mandatário judicial não atribui à parte poderes de onmisciência nem capacidade de prognose para, antecipadamente, perceber o animus da parte contrária, se tem ou não intenção de cumprir um contrato ou se, sequer, existe uma vontade negocial real;

58. Aos mandatários foi atribuído um papel meramente instrumental na medida em que concretizaram a transação, que não foi mais do que um (des)encontro de intenções das próprias partes.

A final requer que seja revogada a decisão recorrida e condenada a Ré na totalidade do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II

É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo:

1- A Autora trabalhou para a Ré, sob autoridade, direção e fiscalização desta, desde 1980 até 21 de Agosto de 2018.

2- A Ré, por sua vez, é uma Associação …, constituída em …, e cujos estatutos, registados em …, constam do Livro das Associações ….

3- Correu termos no Juiz 1 do Juízo do Trabalho …, o processo declarativo de condenação n.º 210…, que opôs a Autora à Ré, e que terminou, por transação das partes, homologada por sentença datada de 15/3/2018.

4- Na ação referida em 3), a Autora peticionou que a Ré fosse condenada a atualizar a retribuição global da Autora, de modo a que correspondesse à sua categoria profissional e que fosse condenada a pagar as quantias em atraso que, ao longo dos anos, lhe eram devidas pelo facto de estar a ser remunerada em quantias inferiores às que tinha direito.

5- Na decorrência da transação, além da fixação de uma nova categoria profissional, a Ré atualizou a remuneração base da Autora, a que acresceram outras remunerações devidas a título de diuturnidades, de abono para falhas e de subsídio de alimentação.

6- A Autora reduziu o pedido para a quantia de 8.377,42 (oito mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e dois cêntimos) ilíquidos, sendo que a Ré se confessou devedora desse valor, comprometendo-se a pagar até ao dia 15 de Junho de 2018.

7- A Ré não realizou o pagamento da quantia em dívida no dia 15 de Junho de 2018.

8- A Autora interpelou a Ré no dia 18 de Junho de 2018, para proceder ao pagamento, o que não fez.

9- A Autora instaurou a ação executiva, em 6 de Julho de 2018, que correu termos por apenso aos autos do processo declarativo, sob o n.º 210….

10- Desde a propositura da ação executiva, a Ré, por retaliação, não mais pagou salários à Autora, sugerindo a extinção do seu posto de trabalho, que esta recusou.

11- A 21 de Agosto de 2018, a Autora resolveu o contrato de trabalho com justa causa, por falta culposa de pagamento pontual das remunerações referentes aos meses de Junho e Julho de 2018, bem como pelo não pagamento atempado da retribuição por férias e do subsídio de férias e por lesão culposa de interesses patrimoniais sérios.

12- Face ao não reconhecimento pela Ré da justa causa invocada, Autora intentou contra a Ré novo processo judicial que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Tomar do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, sob o n.º 61… .

13- A Autora e Ré terminaram o litígio por transação, homologada por sentença datada de 8 de Abril de 2019, estando ambas as partes representadas por Advogado, na qual as partes transigiram nos seguintes termos:

"I - A Autora reduz o pedido para a quantia de quantia esta que a Ré se compromete a pagar a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação e execução do contrato de trabalho;

II - O pagamento da quantia acima referida será efetuado pela Ré à Autora, mediante 38 (trinta e oito) prestações mensais, as primeiras 37 (trinta e sete) no valor de 400€ (quatrocentos euros) cada e, a 38.º (trigésima oitava) no valor de 200 € (duzentos euros), vencendo-se a primeira no dia 20 de abril de 2019 e as restantes no mesmo dia dos meses seguintes;

III - O pagamento das referidas prestações será efetuado pela Ré por transferência bancária para o IBAN da Autora PT 50 ….;

IV - Com o pagamento da mencionada quantia, as partes declaram nada mais ter a haver uma da outra, seja a que título for, com respeito ao objeto deste processo;

V - As custas são em partes iguais, prescindindo as partes das de parte;

VI - As partes declaram prescindir desde já do prazo de recurso.”

14- A Ré apenas procedeu a um pagamento, intempestivamente, da primeira prestação, o que motivou a Autora a propor ação executiva que correu termos por apenso ao processo identificado em 12), sob o n.º 61…, para pagamento da quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral e pontual pagamento, e custos prováveis de processo.

15- No âmbito do processo executivo n.º 210…, foi penhorado um direito de crédito da Ré, correspondente às rendas que a mesma auferia da Caixa Económica Montepio Geral, no montante mensal de 1.456,93 a agência bancária do Montepio Geral, e que serve de sede da Ré, sito no …, Abrantes.

16- O processo executivo referido em 15) foi declarado extinto em 01 de Agosto 2019, por pagamento integral da quantia exequenda e custas processuais, sendo que se procedeu à penhora do montante das rendas auferidas pela Ré até Abril de 2019, data da última entrega de resultados à Autora.

17- A agência bancária do Montepio Geral permaneceu, e permanece, em funcionamento no mesmo local, sendo que a referida renda só voltou a ser penhorada a partir de 03 de Setembro de 2019.

18- Desde Abril de 2019 até Setembro de 2019, a Ré continuou a auferir, mensalmente e sem quaisquer descontos, as rendas provenientes da Caixa Económica Montepio Geral.

19- O blogger C, autor do blog «…!», abriu um escritório no imóvel correspondente ao nº…., imóvel propriedade da Ré.

20- Através da página https://... é possível para qualquer pessoa, ainda que sem conta nas respetivas redes sociais, ser reencaminhada para publicações on-line nas quais o Sr. … fotografa o imóvel pertença da Ré e o identifica como o seu novo escritório, nomeadamente: no Facebook, publicação do dia 30/7 (doc. 8);• no Facebook, publicação do dia 01/08 (doc. 9);• no Instagram, publicação do dia 01/7 (doc. 10);• no Instagram, publicação do dia 27/7, (doc. 11).

21- O Sr… paga renda à Ré pelo imóvel descrito em 20).

22- Em 06 de Agosto de 2019, a Ré apresentava um saldo bancário de apenas 1.233,85€.

23- A primeira publicação do Sr. … data de 1 de Julho de 2019 e desde essa data o mesmo paga uma renda pelo arrendamento do espaço que a Ré recebeu desde Abril de 2019.

24- A Ré tem recebido e depositado montantes numa conta que não pertence à própria, mas que pertence aos próprios membros da Comissão de Gestão da Ré, ou de terceiros, como forma de dissipar e dissimular património dos seus credores.

25- A Ré, em 15/11/2018, vendeu o prédio urbano sito na Rua …em Abrantes (São João), na união de freguesias de …, do concelho de Abrantes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n….

26- De acordo com a escritura de compra e venda, os compradores pagaram à Ré a quantia de oitocentos e setenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), por transferência bancária, para uma conta desconhecida, com o IBAN n.º PT500 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …; montante que apesar de transferido para uma conta bancária que não a da Ré, a mesma declarou expressamente ter recebido.

27- A Ré convenceu a Autora a transigir, reduzindo o valor do pedido, com o argumento de receber o dinheiro mais cedo, evitando gastos de tempo e de dinheiro com recursos e cumprindo pontualmente o acordado.

28- A Autora, no âmbito do processo n.º 61…, deduziu um pedido indemnização calculado em €41.556,14 (quarenta e um mil quinhentos e cinquenta e seis euros e catorze cêntimos) e aceitou reduzir esse pedido para €15.000 (quinze mil euros) acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral e pontual pagamento.

29- A Autora reduziu esse pedido de modo a evitar que o processo se eternizasse em recursos, podendo ser indemnizada mais celeremente.

30- A Autora beneficiou de subsídio de desemprego no valor mensal de €475,50 (quatrocentos e setenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), correspondentes à quantia diária de €15,85 (quinze euros e oitenta e cinco cêntimos), importância inferior ao que a Autora auferia de salário, e que cessará em 16/12/2021.

31- Atenta a idade da Autora, a Ré sabia que teria muitas dificuldades em ser empregada, pelo que o acordo, estabelecendo uma prestação de 400 euros mensais, lhe garantiria um complemento ao subsídio de desemprego.

32- Os factos que antecedem eram do conhecimento da Ré e contribuíram para a Autora chegar a acordo e aceitar a redução do seu pedido.

33- A Autora não contava com mais um incumprimento, depois de a Ré ter sido alvo de uma execução no processo n.º 210….

34- A Autora formulou os seguintes pedidos no Processo nº 61…:

- Pagar à Autora a quantia de €5.277,43 (cinco mil, duzentos e setenta e sete euros e quarenta e três cêntimos) que se decompunham em €5.149,88, a título de créditos salariais, mais €127,55 (cento e vinte e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos) de juros moratórios calculados, desde 30/05/218 (início da mora) até à data da propositura da ação, à taxa legal em vigor para os juros civis;

- Pagar uma indemnização por resolução com justa causa no valor de €41.556,14 (quarenta e um mil, quinhentos e cinquenta e seis euros e catorze cêntimos), que se decompunham em €40.938,05 (quarenta mil, novecentos e trinta e oito euros e cinco cêntimos), correspondentes 45 dias de retribuição base e diuturnidades relativos a 37 anos completos de trabalho e ao fracionamento do ano de 2018, que é calculado proporcionalmente, acrescidos de €628,09 (seiscentos e vinte e oito euros e nove cêntimos), a título de juros moratórios calculados, desde 21 de Agosto de 2018 até à data da propositura da ação, à taxa legal em vigor para os juros civis;

- Pagar os juros moratórios que se vencerem desde a citação até ao integral pagamento das quantias aqui demandadas.

35- A Autora sustentou a causa de pedir no Processo identificado em 34) na falta culposa de pagamento pontual das remunerações referentes aos meses de Junho e Julho de 2018, bem como no não pagamento atempado da retribuição por férias e do subsídio de férias e por lesão culposa de interesses patrimoniais sérios.

36- Desde a propositura da primeira ação executiva, em 6 de Julho de 2018, a Ré, por retaliação, não mais pagou salários à Autora, alegando que não o poderia fazer porque as suas contas se encontravam penhoradas, no entanto a penhora de contas só ocorreu em 18 de Julho de 2018, após o início do incumprimento.

37- Em 21 de Agosto de 2018, a Autora resolveu, com efeitos imediatos, o contrato de trabalho com justa causa, por falta culposa de pagamento pontual das remunerações referentes aos meses de Junho e Julho de 2018, bem como pelo não pagamento atempado da retribuição por férias e do subsídio de férias.

38- A penhora não excedeu o valor de €2.190,82 (dois mil cento e noventa euros e oitenta e dois cêntimos), o que não é impeditivo do cumprimento das obrigações legais e contratuais pela Ré.

39- A Autora fundamentou a cessação unilateral do contrato, para além do não pagamento pontual de remunerações, na lesão culposa de interesses patrimoniais sérios, o que lhe dificultou a vivência quotidiana e o custeio das suas despesas ordinárias e extraordinárias, afetando-lhe a saúde e culminando na sua baixa médica por se encontrar num estado depressivo.

40- Desde o início do ano de 2018, os pagamentos dos vencimentos eram feitos com atrasos, o que obrigava a Autora a suportar juros adicionais dos empréstimos que contratou.

41- O último vencimento recebido, foi o do mês de Maio, pago em 12 de Junho de 2018.

42- À data desse pagamento de salário, a Autora já estava em dívida com a renda da casa, pagamento de empréstimos e despesas correntes como: água, luz/gás, internet e telefone.

43- A Ré não respondeu à missiva de cessação do contrato, apenas remetendo-lhe o certificado de trabalho e os modelos RP 5044-DGSS e GD 18-DSS (declarações de situação de desemprego e de retribuições em mora) devidamente preenchidos.

44- A 27 de Novembro de 2018, a Autora começou a receber o subsídio de desemprego, numa circunstância de precariedade e perda de rendimento, lutando para custear o seu dia-a-dia.

45- Em 07 de Setembro de 2018, a Autora requereu a intervenção da Autoridade paras as Condições do Trabalho (ACT), solicitando que esta se substituísse à ex-entidade empregadora no cumprimento das obrigações legais desta, o que veio a ocorrer.

46- Interpelada pela ACT para se pronunciar sobre o requerimento da Autora, a Ré nada veio dizer, tendo a autoridade em questão emitido as respetivas declarações de situação de desemprego e de retribuições em mora, confirmando os créditos em mora e a resolução do contrato de trabalho com justa causa.

47- Em 15 de Outubro 2018, foi enviada uma carta final de interpelação para pagamento dos créditos salariais em dívida, acrescida da indemnização calculada nos termos legais.

48- Em 30 de Outubro de 2018, por intermédio do seu mandatário, a Ré respondeu, alegando que iria apresentar os documentos em falta e rejeitando pagar a indemnização requerida.

B) Factos não provados: Inexistem.

Foi a seguinte a motivação do tribunal quanto à matéria dada como provada:

Assentou na confissão dos mesmos pela Ré, atenta a sua revelia operante e o efeito cominatório da mesma.

“Esses factos surgem ainda sustentados na análise dos documentos juntos aos autos pela autora, designadamente na transação homologada por sentença no Processo nº 210… e na transação homologada por sentença no Processo nº 61…, constantes de fls 39 a 46, certidões dos respetivos processos de execução com nota de trânsito em julgado, documento emitido pela Autoridade Tributária com descrição dos imóveis propriedade da Ré de fls. 59 e 60, documentos de fls. 62 a 68 respeitante a arrendamento de imóvel da Ré, escritura de venda de imóvel propriedade da Ré de fls. 69 a 75, documento comprovativo do subsídio de desemprego da Autora de fls 76, estatutos da Ré de fls. 95 a 136, certidões dos Processos nº 210… e nº 61… das quais constam os articulados e as transações homologadas por sentença com nota de trânsito em julgado e certidões das ações executivas 210… e 61…, constante de fls. 185 a 196, 199 a 311, 316 a 317, 322 a 325.”


III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artºs. 635º, 3 e 639, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608º in fine), é a seguinte a questão a decidir:

I – Do erro na aplicação do direito

Em concreto, importa apurar se a Recorrida atuou com reserva mental aquando da transação de 04-04-2019, homologada nos autos 61…, com isso provocando uma declaração errada da parte da Recorrente, devendo a mesma ser anulada.

E, na sua dependência, se se verificam os pressupostos do dever da Recorrida de indemnizar a Recorrente, nomeadamente no âmbito da perda de chance.

É de notar que os factos foram dados como provados por aplicação dos “Efeitos da revelia” (n.º 2, in fine, do art. 567.º do CPC)

Quando se consideram confessados os factos, por falta de contestação, a causa é julgada “conforme for de direito” e esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da ação, já que há confissão dos factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semipleno.

O efeito cominatório semipleno, decorrente da situação de revelia operante, apenas determina que se devam ter por confessados os factosque tenham sido efetivamente alegados pelo demandante, os quais se podem revelar insuficientes, no momento da subsunção, tendo em vista a procedência do pedido. Neste sentido o Ac. do STJ de 18-03-2021, P.572/19.6T8OLH.E1.S1, in www.dgsi.pt.

Por outro lado, a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas ou irrelevadas do acervo factual relevante.

Passemos ao litígio em concreto.

Entendeu o tribunal a quo que:

“[a] Autora reduziu o valor do pedido na transação, porque estava convencida que a Ré cumpriria pontualmente o acordo, evitando o julgamento e eventuais recursos, e que não era necessário a Autora executar a sentença homologatória e que a Ré já sabia que não iria cumprir o acordo, agindo de má fé e de forma planeada, e a Autora até veio a apurar que a Ré dissipou património de modo a impedir a Autora de executar a sentença homologatória; no entanto, ainda que tenha havido má fé da Ré ao convencer a Autora a transigir com fundamento no seu cumprimento pontual do acordo, agindo com reserva mental, o certo é que essa reserva mental não prejudica a validade da transação, nos termos do disposto no Artº 244º, nº 2 do Código Civil.

Acresce também o facto de ambas as partes estarem representadas por Advogado e a Autora ao aceitar os termos da transação deveria ter acautelado o eventual incumprimento, tendo mecanismos para o fazer, como por exemplo exigindo o pagamento total (ao invés do pagamento em prestações) da quantia transigida pela Ré por transferência bancária, sendo que decorre das vicissitudes dos negócios que há sempre o risco de os mesmos não serem cumpridos, estando a Autora esclarecida desses riscos ao estar representada por Advogado, pesando também o facto de a Autora ter alcançado em sede de execução o pagamento integral da quantia exequenda, pelo que se torna irrelevante a dissipação de património pela Ré.

Conforme sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2012, relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível no sítio da dgsi:

a) A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são.

b) O erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexatamente representadas, não teria realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes.

c) É relevante saber se o erro foi fator determinante da declaração negocial emitida essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade.

d) A demonstração dos factos integradores da essencialidade e respetiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio constitui ónus de quem invoca o erro (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Transpondo estas linhas diretrizes para o caso vertente, em que a Autora se bate pela anulação da transação, cabia à Autora alegar e demonstrar não só a essencialidade de a transação ser pontualmente cumprida pela Ré como também provar que esse aspeto era conhecido ou não devia ser ignorado pela Ré, sendo um pressuposto essencial para a Autora transigir, no entanto esta parte final não resultou provada; resultando sim provado que a Autora acabou por conseguir que a Ré pagasse a quantia exequenda em sede de ação executiva.

Pelo que se conclui que a transação judicial também não é anulável com fundamento no facto de não se encontrarem verificados os pressupostos legais do erro, sublinhando-se que a Autora estava acompanhada de Advogado, tendo transigido livremente, sendo que se a Autora entende que fez um mau acordo isso resulta das vicissitudes dos negócios jurídicos, não resultando provado que a Autora tenha sido sujeita a coação, e também não resultou provado que tenha havido dolo, incapacidade acidental, reserva mental, nem qualquer outro vício da vontade, pelo que a transação judicial homologada por sentença é válida.»

Posição que acompanhamos no essencial.

Estamos no âmbito dos vícios na formação da vontade. Nomeadamente no âmbito da reserva mental prevista no art. 244º do CC e, no erro sobre os motivos, mais propriamente sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, previsto no art. 252º, 2 do mesmo Código.

Segundo a Recorrente, a Recorrida atuou com reserva mental quando, no âmbito da transação celebrada nos autos nº 61…, declarou que iria pagar o valor de €15.000 em 38 prestações mensais, não o querendo realmente fazer. Declaração que fora determinante para que a Recorrida aceitasse reduzir o valor do pedido, inicialmente de, €41.556,14 para €15.000. Veio-se a verificar que a sua intenção era obter aquela redução de pedido e não pagar, sendo que voluntariamente apenas pagou a primeira prestação. A Recorrida viu-se na necessidade de intentar uma ação executiva, tendo apenas nesta, obtido o respetivo pagamento.

Ou seja, não fora a reserva mental por parte da declarante Recorrida, que afirmou que iria pagar, motivo que levou a Recorrente à correspondente declaração de redução do pedido, e a Recorrente não o teria feito.

Ora, é a valoração jurídica dessa razão determinante no erro sobre os motivos ou circunstâncias que constituem a base do negócio, que importa apurar.

De modo a que sobre os factos no seu plano naturalístico recaia um juízo jurídico-conclusivo.

O que nos conduz a uma pergunta: a confiança da Recorrente na declaração da Recorrida era, face à ordem jurídica, uma confiança legítima ?

Interpretemos conjugadamente dos factos.

Entre Recorrente (Autora) e Recorrida (Ré) decorreram dois litígios de âmbito laboral.

O primeiro, que deu lugar ao P.210…, terminou por transação da partes homologada judicialmente em 15-03-2018.

Nele a Recorrente reduziu o pedido para €.8.377,42, a Recorrida confessou-se devedora, comprometeu-se a pagar até 15-7-2018 mas, não o fez.

Por via disso a Recorrente viu-se na necessidade de instaurar uma ação executiva, o que fez em 06-07-2018, dando origem ao apenso P.210…1.

Em 01-08-2019 foi declarada a extinção integral dos autos por pagamento integral da dívida (capital e juros).

O segundo litígio surge em 21-01-2018, ou seja, enquanto o primeiro não estava ainda definitivamente resolvido, nem sequer transacionado.

Nessa data a Recorrente resolve o contrato de trabalho por falta de pagamento de remunerações, férias e subsídios de férias.

A Recorrente intentou então uma nova ação, a ação do P.61…. E novamente Recorrente e Recorrida terminaram o litígio por transação, em 08-04-2019. Tendo nesta a Recorrente reduzido o pedido de €41.556,14 para €15.000.

Uma vez mais a Recorrida incumpriu.

Sendo esta a transação em causa neste litígio e que a Recorrente pretende anular.

Nessa transação a Recorrente estava acompanhada de mandatário judicial.

Quando tal transação ocorre, decorria ainda a execução do P. 210…, estando a ser penhorado o direito de crédito da Recorrida a rendas por si auferidas.

Tudo factos do conhecimento da Recorrente.

A Recorrente propôs ação executiva para pagamento dos €15.000 mais juros vencidos e vincendos e custos e, obteve esse pagamento. O processo executivo foi declarado extinto em 01-08-2019, por pagamento integral da quantia exequenda e custas processuais.

Em 04-06-2020 intentou a presente ação, pretendendo obter a diferença entre o valor de €41.556,14 e o valor de €15.000.

Ora, considerando o histórico do relacionamento laboral e negocial entre Recorrente e Recorrida, nomeadamente o facto de, a Recorrida na anterior transação não ter cumprido o pagamento acordado, tendo o pagamento sido obtido por via executiva, disso tendo perfeita consciência a Recorrente, o mínimo que se poderá dizer é que o erro da Recorrente, tem um grau de confiança excessiva se não mesmo de negligência da sua parte, o que tem implicação jurídica.

Vejamos.

Dispõe o art. 252 do CC (Erro sobre os motivos) que:

«1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.»

Está em causa um erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, no caso, a presença de reserva mental da parte do declaratário (Recorrida).

Dispõe o art. 437º nº 1 do CC para o qual aquele remete que:

“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”

Nesse apelo do legislador aos princípios da boa fé insere-se também a ponderação de uma atuação minimamente diligente por parte do declarante, necessária para o proteger, só podendo falar-se de erro quando o ato enganoso está fora da esfera de cognoscibilidade do mesmo, no caso, da Recorrente.

Ora, a Recorrente quanto firmou a transação, era conhecedora do risco que tal representava, considerando os antecedentes de incumprimento anteriores e contemporâneos. Estando acompanhada de mandatário que melhor a aconselharia.

O seu erro tem uma confiança excessiva. Se confiou não o devia ter feito à luz de um declaratário medianamente prevenido.

Vir invocar esse erro depois do conhecimento que tinha, e pedir a anulação da transação depois de ter obtido cerca de 10 meses antes, o pagamento, ainda que coercivo, de todo o capital transacionado e juros, afigura-se uma invocação e um pedido abusivos por contenderem com o princípio da boa fé.

Na linha do que preceitua o artigo 334.º do Código Civil - (Abuso do direito):

«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»

A Recorrente não tem o direito anulatório que pretende.

Do que resulta prejudicado o conhecimento do pedido indemnizatório pretendido, nomeadamente com base numa alegada perda de chance, por não ter prosseguido com o processo para julgamento.

Aqui se acolhendo um argumento mais, de reforço, da sentença recorrida:

«Descendo ao caso sub judice, face à matéria de facto provada e resultando que a transação judicial homologada por sentença é válida por não se verificarem os pressupostos legais dos vícios da vontade, entendemos que a Autora não perdeu nenhuma oportunidade em ter celebrado o acordo nos termos em que o outorgou, sendo admitido pela própria Autora que também não tem a certeza que no caso de o processo ter avançado para julgamento, obteria em sede de sentença a procedência total da ação”.

O recurso improcede na sua totalidade.


IV

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Évora, 09 de junho de 2022

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Maria Adelaide Domingos

José António Penetra Lúcio