Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
864/21.4T8STR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO (ART.S 98.º-B E SEGS DO CPT)
DESPEDIMENTO VERBAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, previsto no art. 98.º-C do Código de Processo do Trabalho é uma forma especial de ação que apenas pode ser utilizada quando (i) haja uma comunicação por escrito da entidade patronal ao trabalhador; (ii) que essa comunicação se reporte a uma decisão de despedimento individual; e (iii) que esse despedimento individual tenha por fundamento facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
II – A declaração de situação de desemprego remetida pela entidade patronal ao IGFSS não constitui, em si mesma, uma decisão de despedimento, desde logo, porque não se dirige ao trabalhador despedido.
III – Quando há erro na forma do processo, como o formulário que dá início à ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento não consubstancia uma petição inicial, uma vez que não contem a narração quer dos factos essenciais quer das razões de direito que fundamentam tal ação, nenhum ato pode ser aproveitado, o que implica a nulidade de todo o processado e consubstancia uma exceção dilatória insuprível, levando ao consequente indeferimento liminar do referido formulário.
IV – Um despedimento verbal difere de um despedimento por escrito, por no primeiro ser muito mais exigente e insegura a própria prova da existência do despedimento.
V – O legislador entendeu que apenas nas situações de despedimento inequívoco formalmente assumidos pela entidade empregadora, e ainda assim apenas só perante determinadas causas de despedimento, se poderia ter a possibilidade de recorrer a um processo especial caracterizado quer por uma maior urgência quer por um menor formalismo. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A… (Autor) intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “Transportes Vieira Vacas, Lda.” (Ré), ambos devidamente identificados nos autos, tendo na parte referente a “Junta: Decisão de despedimento” feito constar “(Decisão verbal – Entrega apenas de comunicação ao IGFSS pela EP)”.
Por sua vez, o documento junto reporta-se ao comprovativo da declaração de situação de desemprego entregue na Segurança Social, onde se fez constar nos motivos de cessação de contrato de trabalho a “inadaptação ao posto de trabalho”.
Em 10-04-2021, foi proferido o seguinte despacho judicial:
Â… veio, mediante formulário próprio, instaurar ação especial de impugnação de licitude e regularidade do despedimento contra TRANSPORTES VIEIRA VACAS, LDA., tendo em vista opor-se ao seu despedimento promovido por esta.
A acompanhar o referido formulário juntou um comprovativo da Declaração da situação de desemprego da Segurança Social.
Cumpre proferir despacho liminar.
Dispõe o artigo 98.º-C, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho que “Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Na ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento exige-se que a declaração de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho seja inequívoca e esteja incorporada num documento escrito, quer se trate de despedimento por facto imputável ao trabalhador, de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação (neste sentido v. Ac. TRL de 19/04/2017, P. 32017/16.8T8LSB.L1-4, disponível emwww.dgsi.pt).
Fora do âmbito de aplicação desta ação ficam os demais casos de despedimento individual, nomeadamente aqueles em que embora haja um documento escrito do empregador ao trabalhador comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho, nessa comunicação não é assumida a existência de despedimento, mas antes outro qualquer fundamento, bem assim aqueles outros casos em que há um despedimento de facto ou por mera declaração verbal (cf. Ac. TRL de 22/05/2012, Proc. n.º 403/12.8TTFUN.L1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, no caso, o documento junto com o formulário não constitui uma comunicação ao trabalhador de despedimento, mas um mero comprovativo que foi comunicada à Segurança Social o despedimento do trabalhador, por motivo de inadaptação, o que não cumpre a exigência legal acima descrita.
Assim, se quiser invocar o despedimento efetuado verbalmente não é esta a forma processualmente correta, devendo, para o efeito recorrer à ação declarativa com processo comum.
Conclui-se, assim, que existe um erro na forma de processo, o qual é de conhecimento oficioso e conduz, nesta fase, ao indeferimento liminar do requerimento inicial, porque não se vislumbra possibilidade de aproveitamento dos atos praticados, por estarmos perante uma exceção dilatória insuprível, que é de conhecimento oficioso – cf. art.º 577.º al. b), 278.º, nº 1, al. b), 193.º, 196.º e 590.º, nº 1, todos do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) e 98.º-F, n.º 1, todos do Código de Processo de Trabalho.
Em face da evidência do supra exposto, afigura-se manifestamente desnecessária a audição prévia da parte (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
DECISÃO:
Em face do exposto indefere-se liminarmente a presente ação.
Custas a cargo do autor.
Fixa-se à ação o valor de € 5 000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
Registe e notifique.
*
Comunique-se à(ao) autor(a) que a(o) mesmo dispõe do prazo de um ano a contar da data da comunicação da resolução do contrato para instaurar a ação – artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho – e se o fizer no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão beneficiará do estatuído no artigo 279.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Não se conformando com tal despacho, veio o Autor Â… interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho do tribunal a quo, o qual indeferiu liminarmente o requerimento/formulário próprio apresentado pelo Recorrido com vista a opôr-se ao despedimento promovido pela entidade patronal, porquanto se entendeu ter o trabalhador incorrido em erro sobre a forma de processo ao ter lançado mão da Acção Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, prevista no Art.º 98.º -C ss. Código do Trabalho, ao invés de haver recorrido à acção comum.
B. Entende-se não assistir razão ao Tribunal a quo, ainda que com assento na jurisprudência citada, na interpretação que faz da norma do Art.º 98.º-C do CPT no sentido de que tal normativo exige uma decisão escrita e formal, contendo de forma inequívoca a decisão de despedimento.
C. O legislador pretendeu, ao introduzir a utilização do formulário previsto no Art.º 98.º-C do CPT, fazer incluir neste tipo de procedimento todas as decisões de despedimento em que resultasse inequívoco a cessão do vínculo laboral por iniciativa da entidade patronal.
D. Tendo o A. trabalhador preenchido o formulário próprio, e tendo junto a única comunicação que lhe foi entregue pela entidade patronal, corporizada no print informático na comunicação da entidade patronal ao IGFSS da cessação do contrato de trabalho, tendo por motivo a “inadaptação do trabalhador”, foi cumprido o ónus a cargo do trabalhador de impugnar judicialmente aquele despedimento nos termos do Art.º 98.º-C CPT.
E. Face à tipologia de despedimento em causa corporizada no documento entregue ao trabalhador – despedimento por inadaptação, ex vi Art.º 374.º ss. CT – constitui ónus da entidade patronal fundamentar e justificar o despedimento,
F. Nos termos do Art.º 98.º-C do CPT preceitua-se que “1 - Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
G. O art. 387. n. 2 do CT prescreve que o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte.
H. O A. aqui recorrente alega que foi despedido em 10/03/2021, com base na comunicação da entidade empregadora que juntou, e da qual resulta, ter, inequivocamente, ocorrido um despedimento classificado pela entidade patronal como sendo por inadaptação.
I. O formulário e a decisão da empregadora juntos consubstanciam os elementos suficientes e necessários para este tipo especial de ação, posto que dali resulta a vontade unilateral, clara e inequívoca desta em fazer cessar o contrato de trabalho, e é manifesto que existe a aparência de um despedimento, a apurar na ação, tornando-se pois necessário que os autos prossigam a sua tramitação normal, a fim de que seja apreciado o mérito da pretensão do Autor - declaração da ilicitude e irregularidade do despedimento, conforme previsto no Art.º 98.º-C do CPT.
J. Constando do documento junto ao formulário a inquívoca intenção concretizada de efectuar um despedimento, foi tal carácter inequívoco, unilateral e irretractável que levou a que se considerasse que o processo especial de impugnação judicial da regularidade do despedimento é o meio idóneo para o trabalhador exercer os seus direitos,
K. A desconsideração do teor do documento junto pelo despacho recorrido, mormente da causa de despedimento – inadaptação do trabalhador – levou a uma equiparação da suposta inidoneidade do documento à sua falta de apresentação, constituindo tal, excepção dilatória insuprível, o que originou o indeferimento liminar de que ora se recorre.
L. A decisão recorrida faz impender sobre o trabalhador despedido um ónus desmesurado, não equitativo e desproporcionado, ao conduzi-lo para a acção comum,
M. Sendo a causa do despedimento a inadaptação, cabe à entidade patronal fundamentar o despedimento operado, justificando em juízo, nomeadamente, o cumprimento do procedimento previsto no Código de Trabalho para o Despedimento por Inadaptação, de acordo com a decisão recorrida, tal ónus passa a impender sobre o A. trabalhador no âmbito de uma acção comum,
N. A interpretação do despacho recorrido, além de violar o espírito e a letra do Art.º 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, viola frontalmente os Art.º 53.º e 20.º, n.º 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, sendo além do mais, inconstitucional, por violação mormente, do princípio da proibição do despedimento sem justa causa, e bem assim o direito a um processo judicial equitativo e à tutela efectiva na defesa desses direitos, princípios constitucionais que expressamente se invocam.
O. A lei processual é bastante clara a enunciar os requisitos formais do formulário para início do Processo Especial ora em causa, sendo um deles, nos termos do Art.º 98.º-C CPT, a junção da decisão de despedimento, suficientemente corporizada e expressa no print informático junto.
P. Na situação sub judice trata-se de um inequívoco despedimento comunicado por via da entrega ao trabalhador da comunicação enviada pela entidade patronal ao IGFSS, dela constando como causa expressa: “Despedimento por inadaptação”.
Q. Na presente situação, e com suporte na doutrina, a situação é bem diversa no que toca à forma e conteúdo da comunicação da situação de desemprego ao trabalhador, quando comparada com o simples despedimento oral – é que neste, a entidade patronal limita-se a efectuar uma comunicação verbal ao trabalhador, nenhum documento sequer lhe entregando; na situação presente, foi entregue ao trabalhador um documento onde, inequivocamente, se põe termo ao vínculo laboral, e se redige a sua causa : ”despedimento por inadaptação”.
R. Defende ainda a doutrina4 que :“Todavia, se o empregador remeter ao trabalhador aquela declaração de situação de desemprego juntamente com uma comunicação escrita a ele dirigida, ainda que da mesma não resulte de forma totalmente evidente a manifestação da vontade de despedir, poder-se-á entender que a declaração para efeitos de obtenção de subsídio de desemprego constitui um elemento intepretativo da declaração dirigida ao trabalhador. Nestas circunstâncias, da interpretação conjugada dos dois documentos, poderá resultar a verificação da existência de uma inequívoca vontade de despedir, caso em que será aplicável a acção especial.”
4 Cfr. Cadernos de Formação do Centro de Estudos Judiciários, A AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO 35_50 CEJ, pp. 40.
S. No caso dos autos, a entrega da declaração para efeitos de obtenção de subsídio de desemprego, apenas não foi enviada por carta, antes entregue em mão; porém, e como decorre do raciocínio doutrinal acima exposto, ainda que o tivesse sido por carta, não teria tal carta que conter sequer a inequívoca intenção de despedimento – porém, mesmo esta, está nitidamente nela expressa.
T. Trata-se de descentrar o acento tónico da forma de comunicação, recentrando-o no carácter inequívoco da intenção do despedimento, posto que, pela tipologia que a entidade patronal fez constar, mais do que permite o recurso ao Processo Especial, posto que depende, inclusivamente, de procedimento prévio que, obviamente, não foi observado; tal é, porém, matéria a apreciar pelo tribunal a quo após a fase dos articulados, e de que aqui não se cuida.
U. A lei processual laboral não exige sequer a junção de decisão de despedimento inequívoca – se bem que, definitivamente, esta o seja - mas tão-só, a junção da decisão de despedimento.
V. Não se alcança nem concebe que o despacho recorrido não constate um litígio quanto à subsistência ou não do vínculo laboral, e quanto à sua efectiva cessação pelo motivo indicado pela entidade patronal.
W. Consequentemente, impõe-se a revogação do despacho recorrido - que determina a procedência da excepção dilatória insuprível - por outro que determine o prosseguimento dos autos para os ulteriores termos do processo, mormente, a designação de data para a audiência de partes, a que alude o Art.º 98.º-F CPT.
A Ré “Transportes Vieira Vacas, Lda.” não apresentou contra-alegações.
Admitido o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, subiram os autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.
Não foram apresentadas respostas ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, dispensados os vistos legais por acordo, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
- Erro na forma do processo; e
- Inconstitucionalidade da interpretação que considera existir erro na forma do processo.
III – Matéria de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do presente relatório para o qual se remete.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) existe erro na forma do processo; e (ii) se a interpretação que leva a considerar existir erro na forma do processo é inconstitucional.

1) Erro na forma do processo
Considera o Apelante que inexiste erro na forma do processo ao ter optado por recorrer à ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista no art. 98.º-C e seguintes do Código de Processo do Trabalho, uma vez que, tendo juntado ao formulário um print informático referente à comunicação da entidade patronal ao IGFSS da cessação do contrato de trabalho, indicando como motivo a “inadaptação do trabalhador”, print esse cuja cópia a entidade patronal lhe entregou, cumpriu o ónus que se encontra a cargo do trabalhador para impugnar judicialmente o despedimento nos termos do art. 98.º-C do Código de Processo do Trabalho.
Considera ainda que tal comunicação da entidade patronal ao IGFSS constitui uma vontade unilateral, clara, inequívoca e irretratável daquela em fazer cessar o contrato de trabalho.
Apreciemos.
Dispõe o art. 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que:
1 - Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Por sua vez, dispõe o art. 98.º-E do Código de Processo do Trabalho que:
A secretaria recusa o recebimento do formulário indicando por escrito o fundamento da rejeição quando:
a) Não conste de modelo próprio;
b) Omita a identificação das partes;
c) Não tenha sido junta a decisão de despedimento;
d) Não esteja assinado.

Conforme resulta do citado art. 98.º-C, n.º 1, esta forma especial de ação apenas pode ser utilizada quando:
- haja uma comunicação por escrito da entidade patronal ao trabalhador;
- que essa comunicação se reporte a uma decisão de despedimento individual; e
- que esse despedimento individual tenha por fundamento facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
Por sua vez, da conjugação dos citados artigos resulta que a presente ação se inicia com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sendo apenas admitido tal requerimento pela secretaria se constar de modelo próprio, identificar as partes, juntar a decisão de despedimento e se encontrar assinado.
No caso em apreço, e apesar de o requerimento apresentado pelo Autor não ter sido rejeitado pela secretaria, designadamente por nele não constar a decisão de despedimento, a divergência jurídica existente entre Apelante e o tribunal a quo decorre do enquadramento jurídico a dar ao documento apresentado pelo Apelante como constituindo a decisão de despedimento.
Conforme bem refere Pedro Furtado Martins em Cessação do Contrato de Trabalho[2]:
O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
[…]
O despedimento é uma declaração vinculada, constitutiva, recipienda: vinculada, porque a validade do ato extintivo está condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera justificativos da cessação da relação laboral; constitutiva, porque o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, o que significa que o despedimento é uma forma de cessação de exercício extrajudicial.
[…]
A qualificação do despedimento como uma declaração de vontade recipienda significa que ela só é eficaz depois de recebida pelo destinatário, isto é, pelo trabalhador.

Sendo o despedimento “uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”, para que tal declaração possa permitir o recurso à ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista no art. 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tem a mesma de revestir a forma escrita.
Na presente situação, o Apelante juntou como decisão de despedimento a declaração de situação de desemprego remetida pela entidade patronal e ora Apelada, ao IGFSS, na qual consta como motivo para tal situação a “inadaptação”. Ora, daqui resulta, desde logo, a inexistência de qualquer “declaração de vontade da entidade patronal, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”, visto que a declaração apresentada pelo Apelante não lhe é dirigida, antes sim, ao IGFSS. E não é o facto de lhe ter sido entregue uma cópia, seja pela entidade patronal, seja pelo IGFSS, que altera essa realidade: a de que a entidade patronal deste trabalhador nunca lhe dirigiu, pelo menos sob a forma escrita, uma declaração de vontade destinada a fazer cessar, para o futuro, o contrato de trabalho entre eles existente.
Atente-se, aliás, que no requerimento que deu início à presente ação, o Apelante fez constar na parte referente a “Junta: Decisão de despedimento” o seguinte:
(Decisão verbal – Entrega apenas de comunicação ao IGFSS pela EP).

Daqui resulta, então, que o próprio Apelante tinha perfeita consciência que a declaração unilateral de despedimento que lhe tinha sido emitida pela sua entidade patronal era verbal, ou seja, não escrita, sendo o único documento escrito existente nesse processo o da declaração da situação de desempego entregue pela entidade patronal ao IGFSS. E não é o facto de nessa declaração de desemprego enviada ao IGFSS constar como razão para a situação de desemprego a inadaptação, ou seja, um dos motivos que esta ação especial admite, que altera a evidência de inexistir qualquer declaração escrita de despedimento comunicada pela entidade patronal ao trabalhador.
Veja-se relativamente ao documento onde se consubstancia a declaração de situação de desemprego, o acórdão do TRL, proferido em 25-05-2011[3], que se cita[4]:
Importa dizer, em primeiro lugar que o documento junto pelo Autor a fls. 4 manifestamente não constitui uma decisão de despedimento, mas tão só um declaração da Ré, para efeitos de situação de desemprego, onde, na parte respeitante ao motivo da cessação do contrato, se refere a “extinção de posto de trabalho”.

Por fim, de igual modo, se esclarece que mesmo na citação mencionada pelo Apelante[5] se faz expressa menção ao envio pela entidade empregadora ao trabalhador, para além da declaração de situação de desemprego, de uma comunicação escrita, na qual, ainda que nesta não resulte de forma inequívoca a evidente manifestação da vontade unilateral de despedir, possa aquela declaração de situação de desempego servir como elemento interpretativo da declaração dirigida ao trabalhador.
Uma vez que esta ação especial requer que resulte, por escrito, uma vontade unilateral e inequívoca da entidade empregadora de despedir o trabalhador, o que se permite, em tal entendimento, não é a substituição da declaração emitida pela entidade empregadora ao trabalhador a comunicar tal vontade de despedir pela declaração de situação de desemprego enviada ao IGFSS, mas sim que esta declaração possa, de algum modo, tornar inequívoca a vontade de despedir constante daquela outra declaração, onde, por falhas de linguagem, aparenta ser duvidosa.
Importa, aliás, referir que na obra do CEJ mencionada pelo Apelante, exatamente em momento anterior ao da citação que fez constar das suas alegações, consta expressamente[6]:
Esse documento, designado "Declaração de situação de desemprego" está previsto no art.º 43.º da Lei do Subsídio de Desemprego (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro48, e deve ser emitido e entregue ao trabalhador pela entidade empregadora ou pela Autoridade para as Condições de Trabalho (se a entidade empregadora se recusar ou estiver impossibilitada de o fazer, nos termos do art.º 75.º daquela lei), a fim de o trabalhador o apresentar nos serviços da Segurança Social quando requerer a atribuição do subsídio de desemprego (cfr. o art.º 73.º, n.º1, da referida lei). O mesmo documento pode ser entregue diretamente pelo empregador aos Serviços da Segurança Social, através da internet, com a autorização do trabalhador (conforme prevê o n.º 2, do art.º 73.º da citada lei). Verifica-se, assim, que a aludida declaração de situação de desemprego tem um fim específico, relativo à obtenção do subsídio de desemprego, distinto do que é próprio da comunicação de despedimento dirigida pelo empregador ao trabalhador, a qual corporiza a transmissão de uma declaração de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. Por outro lado, aquela declaração emitida pela entidade empregadora, que pode entregar ao trabalhador ou remeter diretamente à Segurança Social via internet, não configura uma comunicação escrita da decisão de despedimento que a lei (o art.º 98.º-C, n.º1, do CPT) prevê que deve ser junta com o requerimento de instauração da AIRLD, pelo que, na falta do mesmo, a própria secretaria deve recusar o recebimento do formulário, conforme impõe o art.º 98.º-E, al. c) do CPT.
A referida "declaração de situação de desemprego", da qual conste que a causa da cessação do contrato de trabalho foi um despedimento, não substitui nem equivale à comunicação por escrito ao trabalhador da decisão de despedimento, podendo, até, traduzir-se numa "declaração de favor" para efeitos de obtenção do subsídio desemprego. Pelo que, em tal eventualidade não se pode dizer que se está na presença de um despedimento inequívoco, razão pela qual não se poderá instaurar a ação especial apenas com a mencionada "declaração de situação de desemprego."

E, a ser assim, é manifesto que o despedimento efetuado pela entidade patronal a este trabalhador não cumpre os requisitos exigidos no art. 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, devendo tal situação seguir a forma do processo comum, prevista no art. 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Nesta conformidade, apenas nos resta concluir que estamos perante uma situação de erro na forma do processo, a qual é de conhecimento oficioso (art. 196.º do Código de Processo Civil).
Acresce que, apesar do disposto no art. 193.º do Código de Processo Civil, por o formulário que deu início à presente ação não consubstanciar uma petição inicial, uma vez que não contem a narração quer dos factos essenciais quer das razões de direito que fundamentam tal ação, nenhum ato pode ser aproveitado[7], o que implica a nulidade de todo o processado e consubstancia uma exceção dilatória insuprível (art. 577.º, b), do Código de Processo Civil), levando ao consequente indeferimento liminar do referido requerimento (arts. 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 98.º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho)[8].
Em conclusão, bem andou o tribunal a quo, cuja decisão não merece qualquer censura.

2) Inconstitucionalidade da interpretação que considera existir erro na forma do processo
Considera o Apelante que a interpretação do art. 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, no sentido de que estamos perante uma situação de erro na forma do processo é inconstitucional, por violação dos arts. 53.º e 20.º, nºs. 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, do princípio da proibição do despedimento sem justa causa, e do princípio do direito a um processo judicial equitativo e à tutela efetiva na defesa desses direitos, uma vez que remeter o Apelante para uma ação comum faria impender sobre o trabalhador despedido um ónus desmesurado, não equitativo e desproporcionado, passando a competir ao trabalhador o ónus da prova da justificação do procedimento levado a cabo pela entidade patronal para o despedir por inadaptação.
Decidamos.
Dispõe o art. 53.º da Constituição da República Portuguesa que:
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

Dispõe, por sua vez, o art. 20.º, nºs. 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, que:
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Entende o Apelante que a circunstância de um despedimento verbal (como o próprio Apelante referiu se ter tratado no requerimento que deu início à presente ação) por inadaptação não possuir o mesmo tratamento jurídico que um despedimento por escrito por inadaptação configura uma situação de despedimento sem justa causa e põe em causa o direito a um processo judicial equitativo e à tutela efetiva na defesa desse direito.
Em primeiro lugar, importa referir que um despedimento verbal difere de um despedimento por escrito, designadamente por no primeiro ser muito mais exigente e insegura a própria prova da existência do despedimento.
O legislador entendeu, por isso, que apenas nas situações de despedimento inequívoco formalmente assumidos pela entidade empregadora[9], e ainda assim apenas só perante determinadas causas de despedimento, se poderia ter a possibilidade de recorrer a um processo especial caracterizado quer por uma maior urgência quer por um menor formalismo (daí poder se iniciar mediante a apresentação de um mero formulário de oposição ao despedimento, apenas se exigindo a junção da decisão de despedimento). Daí que faça sentido que nas ações em que a decisão de despedimento é duvidosa ou em que se encontre o próprio despedimento em litígio, não seja possível recorrer a esta especial forma de ação particularmente simplificada.
Ora, tal opção legislativa não contende nem com o princípio constitucional de proibição de situações de despedimento sem justa causa, visto que o trabalhador verbalmente despedido pode recorrer à ação que se mostra prevista nos arts. 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho; nem com o princípio constitucional do direito a um processo judicial equitativo e à tutela efetiva na defesa desse direito, visto que as garantias de equidade entre as partes se encontram igualmente previstas na ação declarativa comum.
Na realidade, a única situação cuja prova se torna desnecessária, em sede de ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista no art. 98.º-C e seguintes do Código de Processo do Trabalho, é a de existência de um despedimento individual por parte da entidade empregadora com base em facto imputável ao trabalhador ou em extinção do posto de trabalho ou em inadaptação, e tal apenas ocorre porque tal ação de despedimento se encontra expressa inequivocamente por escrito pela entidade empregadora.
Pelo exposto, por inexistir qualquer violação dos citados princípios constitucionais na ação declarativa comum prevista no Código de Processo do Trabalho, improcede a invocada inconstitucionalidade.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 16 de dezembro de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] 4.ª edição, Principia, pp. 147/148 e 151.

[3] No âmbito do processo n.º 26940/10.0T2SNT.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.

[4] Ressalva-se apenas que, aquando da prolação deste acórdão, ainda não se encontrava em vigor a atual redação do art. 98.º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, onde expressamente se prevê o indeferimento liminar neste tipo de ações.

[5] Cadernos de Formação do Centro de Estudos Judiciários, A ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, Abril de 2015, CEJ, p.40.

[6] Obra citada, pp. 39 e 40.

[7] Veja-se o acórdão do TRG, proferido em 25-06-2020, no âmbito do processo n.º 283/20.0T8VRL.G1, consultável em www.dgsi.pt.

[8] Veja-se o acórdão do TRE, proferido em 20-06-2013, no âmbito do processo n.º 57/13.4TTFAR.E1, consultável em www.dgsi.pt.

[9] Vejam-se os acórdãos do TRL, proferido em 11-04-2018, no âmbito do processo n.º 19367/17.5T8SNT.L1-4; e do TRC, proferido em 17-01-2013, no âmbito do processo n.º 625/11.9TTAVR-C.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.