Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2909/17.3T8STR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
IVA
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O IVA constituirá um prejuízo para efeitos da obrigação de indemnização nos casos em que o lesado se apresentar como consumidor final, para efeitos tributários, na aquisição de bens ou serviços supostos pela reparação; se o lesado for um sujeito passivo de IVA e este dedutível, o prejuízo não se verifica.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2909/17.3T8STR.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório.
1. (…), solteira, maior, residente na Rua dos (…), n.º 41, (…), (…), Torres Vedras, instaurou contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua (…), (…), em Lisboa, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, que no dia 31 de outubro de 2014, na Rotunda da (…), no Cartaxo, o veículo pesado de passageiros, seguro na Ré, propriedade da Rodoviária do Tejo, S.A. e conduzido por (…), embateu violentamente no veículo reboque especial para venda ambulante, estacionado no passeio da rotunda, de sua propriedade, por forma a provocar-lhe danos que impossibilitam a sua reparação e impossibilitaram a sua utilização na atividade de fabrico e venda de farturas, a que se dedica, durante os 1085 dias que mediaram entre a data do acidente e a data da propositura da ação.

O veículo valia à data do acidente € 35.565,45 e o prejuízo ocasionado pela paralisação da atividade da A., durante o referido período, ascende a € 108.500,00.

Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 144.065,00 a título de indemnização.

Contestou a Ré aceitando a responsabilidade pela reparação do acidente e impugnado os danos; argumenta essencialmente que a A. não colaborou com vista a verificação dos danos por parte do seu perito, nem permitiu a desmontagem do atrelado e que o orçamento feito à vista importou em € 728,42, que após o acidente o veículo não ficou irreparável nem deixou de ser utilizado pela A. no exercício da sua atividade profissional e que o atrelado não tinha, à data do acidente, o valor que a A. lhe atribui, nem esta sofreu os prejuízos que reclama.

Concluiu pela improcedência da ação e pede a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora.


2. Foi proferido despacho que afirmou a regularidade e validade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“ (…)

- julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 27.500,00, a que acrescem juros, desde a data da sentença, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril, ou outra taxa que lhe sobrevier, até integral pagamento;

- julgo o pedido de condenação como litigante de má-fé improcedente, absolvendo a A. do pedido.”

3. Os recursos.
A A. e a R., esta subordinadamente, recorrem da sentença e concluem, assim, as motivações dos recursos:
Conclusões da A.:

“1.º - A RECORRENTE NÃO SE CONFORMA COM A DOUTA SENTENÇA QUE JULGOU A ACÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR PARCIALMENTE PROVADA E CONDENOU A R. A PAGAR À A. APENAS A QUANTIA DE € 27.500,00, ACRESCIDA DE JUROS DESDE A DATA DA SENTENÇA, À TAXA LEGAL DE 4%, NOS TERMOS DA PORTARIA Nº 291/03, DE 8 DE ABRIL, OU OUTRA TAXA QUE LHE SOBREVIER, ATE INTEGRAL PAGAMENTO;

2.º - O PRESENTE RECURSO ABRANGE TODA A SENTENÇA FINAL PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS, VERSA MATÉRIA DE DIREITO E IMPUGNA A DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO E TEM POR OBJETO A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 639.º E 640.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;

3.º - O TRIBUNAL A QUO CONSIDEROU COMO ADEQUADA A ATRIBUIÇÃO À A. DE UMA INDEMNIZAÇÃO NO MONTANTE DE € 23.000,00 PELOS DANOS DO VEÍCULO, CONDENANDO A R. NESSES TERMOS;

4.º - NO ENTANTO E ANALISADA A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, DÚVIDAS NÃO SUBSISTEM DE QUE A DECISÃO DE CONDENAÇÃO DA R. NO PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS DO VEÍCULO NO MONTANTE DE € 23.000,00 OMITINDO A CONDENAÇÃO DA R. NO PAGAMENTO DO IVA SE TERÁ DEVIDO A MERO LAPSO, POR CONTRARIAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA DO PONTO II DA DOUTA SENTENÇA, VISLUMBRANDO-SE UMA EVIDENTE OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO;

5.º - O QUE IMPÕE A ALTERAÇÃO DA SENTENÇA NESTE PONTO COM A CONDENAÇÃO DA R. A PAGAR À A., PELOS DANOS NO VEÍCULO, A QUANTIA DE € 23.000,00 ACRESCIDA DE IVA À TAXA LEGAL;

6.º - NO QUE SE REFERE AOS MELHORAMENTOS FEITOS NO VEÍCULO ROULOTTE, IMPUGNA-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO DECONSIDERAR NÃO CONCRETAMENTE APURADO O MONTANTE DA VALORIZAÇÃO DO VEÍCULO DA A. POR TER SIDO INCORRECTAMENTE JULGADA E SE MOSTRAR EM CONTRADIÇÃO COM A PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS;

7.º - A TESTEMUNHA (…), COMPANHEIRO DA A., OUVIDO EM 21/05/2018, CONFORME GRAVAÇÃO INICIADA AO MINUTO 13.29 A 21.08, SOBRE QUEM É QUE CONSTRUIU A ROULOTTE, AFIRMOU “FOI AS CARROÇARIAS (…)”, PERGUNTADO SE CONSTRUÍRAM TUDO, RESPONDEU “NÃO, FOI LÁ MANDADA FAZER O CAIXOTE TODO DA ROULOTTE E DEPOIS O RESTO EU FIZ POR DENTRO, OS BALCÕES, A ELECTRICIDADE … O RESTO DEPOIS EU CONSTRUÍ”;

8.º - A REFERIDA TESTEMUNHA EXPLICOU E CONFIRMOU QUE A PARTE DOS INTERIORES FOI TODA FEITA POR SI E PAGOS OS MATERIAIS E QUESTIONADO SE A VALORIZAÇÃO DA ROULOTTE POR VIA DOS MELHORAMENTOS POR SI EFECTUADOS NO INTERIOR DA MESMA SE TRADUZEM NA QUANTIA DE € 13.000,00, JUSTIFICOU QUE “FOI DA MINHA MÃO DE OBRA EM SI E DOS MATERIAIS, QUE FUI FAZENDO AOS BOCADOS … SEI QUE ESTIVE LÁ MUITAS HORAS, É TRABALHO PARA MAIS DE DOIS MESES, EM FACTURAS DE MATERIAIS TENHO DOIS MIL E TAL EUROS, PERTO DE TÊS MIL EUROS … ALGUM MATERIAL FOI SEM FACTURA”.;

9.º - A CONFIRMAR O DEPOIMENTO DESTA TESTEMUNHA, O TRIBUNAL A QUO DEU COMO PROVADO QUE “11 - OS MELHORAMENTOS FEITOS NA ROULOTTE MOSTRAM-SE DESCRITOS NO ORÇAMENTO JUNTO PELA A. A FLS. 24-25, COM DATA DE 19 ABRIL 2013 (SEXTA FEIRA), O QUAL APRESENTA UM VALOR TOTAL DE € 28.915,00, ACRESCIDO DE IVA, NUM TOTAL DE € 35.565,45 (ARTºS 45º E 46º DA CONTESTAÇÃO)”;

10.º - EM CONSONÂNCIA COM O REFERIDO, O RELATÓRIO DE PERÍCIA COLEGIAL JUNTO AOS AUTOS NÃO CONTABILIZOU OS APARELHOS ELÉCTRICOS, NEM A PUBLICIDADE, OS QUAIS, COMO SUPRA REFERIDO, CONSTITUÍRAM MELHORAMENTOS REALIZADOS PELA TESTEMUNHA NUNO, COMPANHEIRO DA A., O QUE SE APLICA AO CUSTO DETALHADO DOS MATERIAIS, TAMBÉM ELES ADQUIRIDOS AO LONGO DO TEMPO;

11.º - POR SEU TURNO, A DOUTA SENTENÇA DÁ COMO PROVADO O ORÇAMENTO APRESENTADO DE € 28.915,00, ACRESCIDO DE IVA, O QUAL INCLUI OS DITOS MELHORAMENTOS;

12.º - POR SUA VEZ, A A. PAGOU ÀS CARROÇARIAS (…) € 22.588,95, SENDO € 18.365,00 RELATIVOS À CONSTRUÇÃO DA ROULOTTE E € 4.223,95 DE IVA;

13.º - ABATENDO-SE AO VALOR DO ORÇAMENTO DE € 28.915,00 (QUE INCLUI OS MELHORAMENTOS), O MONTANTE REFERENTE À CONSTRUÇÃO DA ROULOTTE PAGO ÀS CARROÇARIAS … (SEM MELHORAMENTOS) DE € 18.365,00, CHEGAMOS AO VALOR DOS MELHORAMENTOS EM SI DE € 10.550,00 QUE NÃO ESTÁ CONTABILIZADO NO RELATÓRIO DE PERITAGEM, DEVENDO A R. SER CONDENADA NO PAGAMENTO DE TAL QUANTIA À A.;

14.º - POR FIM E NO QUE SE REFERE AOS DANOS CAUSADOS COM A PARALISAÇÃO FORÇADA DA ACTIVIDADE DA A., ENTENDEU O TRIBUNAL A QUO QUE “RELATIVAMENTE À PERDA DE RENDIMENTO, FICOU DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE A A. É VENDEDORA AMBULANTE DE FARTURAS E QUE, DESDE A DATA DO ACIDENTE (31.10.2014) SE VIU IMPEDIDA DE EXERCER A SUA ACTIVIDADE DE PRODUÇÃO E VENDA DE FARTURAS COM UTILIZAÇÃO DA ROULOTTE ACIDENTADA.”, ADMITINDO QUE NÃO ERA POSSÍVEL SUBSTITUIR A ROULOTTE PELAS SUAS ESPECIFICIDADES;

15.º - JUSTIFICA A FIXAÇÃO DO PERÍODO DE INDEMNIZAÇÃO EM 150 DIAS, CONSIDERANDO QUE A A. EXCEDEU OS LIMITES DA BOA FÉ E DOS BONS COSTUMES, UMA VEZ QUE PODERIA TER DEMANDADO A R. MAIS CEDO, SENDO AQUELE O PERÍODO ADEQUADO PARA A A. DEMANDAR A R.;

16.º - NÃO OBSTANTE, TAL POSIÇÃO ESTÁ EM CONTRADIÇÃO COM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 498.º E 562.º DO CPC, BEM COMO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE;

17.º - DE REFERIR QUE A PRESENTE ACÇÃO FOI INSTAURADA EM OUTUBRO DO ANO DE 2017 E VOLVIDOS QUASE TRÊS ANOS, AINDA NÃO TEMOS UMA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO;

18.º - NA VERDADE, PARA ALÉM DOS CONSTRANGIMENTOS INERENTES À PARALISAÇÃO DE UM QUALQUER VEÍCULO AUTOMÓVEL QUE SÃO GENERICAMENTE CONHECIDOS DE TODOS, ESTA PARALISAÇÃO TEVE COMO CONSEQUÊNCIA A PARALISAÇÃO DO NEGÓCIO DE VENDA DE FARTURAS DA A., SENDO COM ESTE NEGÓCIO QUE SUSTENTA A FAMÍLIA COMPOSTA PELA PRÓPRIA, COMPANHEIRO, TRÊS FILHOS E DOIS NETOS, COMO BEM REFERIU EM DECLARAÇÕES A PRÓPRIA E TODAS AS TESTEMUNHAS QUE CONHECEM A FAMÍLIA DE HÁ MUITO;

19.º - O VALOR DIÁRIO FIXADO DE € 30,00 NÃO CUMPRE E VIOLA AS REGRAS DE RECONSTITUIÇÃO E RESSARCIMENTO DO DANO PROVADO, O MESMO SE DIGA DO PERÍODO TEMPORAL DE 150 DIAS, O QUAL NÃO COBRE, SEQUER, O PERÍODO DA PENDÊNCIA DA PRESENTE ACÇÃO;

20.º - PELO EXPOSTO E DE ACORDO COM A PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS, COM O TEMPO DE PARALISAÇÃO DA ROULOTTE DESDE A DATA DO ACIDENTE, O QUE SE ENCONTRA PROVADO NOS AUTOS E DE ACORDO COM AS REGRAS DA EXPERIÊNCIA, JULGA-SE ADEQUADO A FIXAÇÃO DO VALOR MÉDIO DIÁRIO DA PARALIZAÇÃO DA ACTIVIDADE DA A. EM € 50,00, A FIXAR E CONTABILIZAR DESDE O DIA DO ACIDENTE EM 31/10/2014 ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, NO MONTANTE DE € 99.000,00 (NOVENTA E NOVE MIL EUROS) ACRESCIDO DOS COMPETENTES JUROS DE MORA ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, ACRESCIDO DOS COMPETENTES JUROS DE MORA;

21.º - PELOS ARGUMENTOS ATRÁS EXPOSTOS IMPÕE-SE A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS TERMOS SUPRA ENUNCIADOS.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.

ASSIM SERÁ FEITA JUSTIÇA!”

Conclusões da Ré.

“1. Não assiste razão à recorrente quando pretende receber da Recorrida a quantia correspondente ao IVA devido na reparação da roulotte.

2. O IVA constitui um imposto que emerge na emissão da fatura do serviço, sem o que constituirá um enriquecimento sem causa a favor da recorrente.

3. Sendo a recorrente comerciante – ponto 19 dos factos provados -, com contabilidade organizada, conforme depoimento transcrito nas alegações deste recurso, a reparação da roulotte, por ser um bem que constitui o objeto da sua atividade comercial, beneficia da dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA.

4. Pelo que inexiste contradição entre a matéria de facto provada e a sentença, devendo a mesma manter-se inalterada.

5. O valor dos “melhoramentos” da roulotte não foram apurados em sede de prova, pois que os documentos juntos aos autos dizem respeito a um orçamento, feito por empresa da especialidade, mas que não chegaram a ser adquiridos pela recorrente.

6. Os melhoramentos foram efetuados na roulotte diretamente pela própria, com mão de obra gratuita ou desinteressada do seu companheiro, e apenas custeou algum material, em valor não apurado.

7. De todo o modo, inexistem melhoramentos a valorizar, e muito menos a condenar a recorrida no seu pagamento, pois não está em causa a perda total da roulotte.

8. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é correta, por entender viável e recomendada a reparação da roulotte, condenando a R. no pagamento desta mesma reparação, a qual, diga-se, é suficiente para repor a roulotte no estado anterior ao acidente.

9. A trave mestra da reparação do dano ao nível do direito civil rege-se pelo princípio da reposição ou reconstituição natural – artigo 562.º do Código Civil –, o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam, caso o evento lesivo se não tivesse produzido.

10. Principio esse que a sentença em crise observou.

11. A recorrente peticionou na Petição Inicial uma verba milionária por alegados lucros cessantes, sem factualizar ou comprovar minimamente esse dano.

12. Razão pela qual o Tribunal convidou a recorrente a aperfeiçoar o seu articulado, o que esta fez no requerimento de 8 Fevereiro 2018, mantendo a deficiência na prova dos factos que ali alegou.

13. O ónus da alegação e prova dos factos respeitantes aos prejuízos decorrentes da paralisação da roulotte competia, exclusivamente, à autora recorrente, nos termos do artigo 342.º CC, como facto constitutivo do seu direito.

14. Sendo a recorrente comerciante, dedicando-se a venda de farturas, tinha obrigação de dar a conhecer os custos da sua atividade, os quais, aliás, existiam na sua contabilidade, conforme foi assim referido em sede de prova testemunhal, cuja transcrição consta nas alegações deste recurso.

15. Sem dar a conhecer os custos da atividade, não é possível obter o volume de vendas, nem o lucro/prejuízo daí resultante.

16. Não colhendo a justificação de falta de rigor contabilístico para a atividade ambulante da recorrente, pois se essa falta de rigor a beneficia com o não pagamento de impostos e outros encargos obrigatórios para todos os demais cidadãos, não pode viver o melhor de dois mundos, obtendo exorbitantes lucros cessantes, não demonstrados nem justificados, de uma atividade que é exercida à margem da lei fiscal.

17. É que € 30,00 dia corresponde a um lucro líquido de € 900,00 mês, o que, para além de não ter sido minimamente demonstrado, é um valor excessivo numa atividade sazonal e irregular, como o é a venda ambulante de farturas.

18. Acresce que a decisão recorrida alude aos depoimentos da recorrente e sua filha, que se referem à manutenção da atividade comercial através do recurso a meios alternativos de venda ambulante, que solucionou a falta da roulotte original.

19. Também a recorrente não fez prova dos proveitos que retira desta sua atividade na roulotte mais pequena, comparativamente com a roulotte anterior, sendo errada a fixação de um lucro de € 30,00 dia, por recurso a uma equidade que não tem fator de referência credível.

20. A decisão em crise fez errada apreciação da prova, pois inexistindo prova dos custos/proveitos da recorrente, enquanto comerciante, não poderia ter sido considerado como provado a perda de lucros da sua atividade.

21. E, não se provando os alegados € 30,00, mais distante e infundado estará o pretendido dano de € 50,00 por lucros cessantes.

22. Doutro modo, beneficiar-se-ia a recorrente de um manifesto enriquecimento sem causa, o que é contrário à lei.

23. Devendo o Facto Provado 21 ser eliminado, por manifesto erro na apreciação da prova produzida.

24. Em consequência, deve a sentença ser revogada no que diz respeito aos lucros cessantes fixados, absolvendo-se a recorrida do seu pagamento.

25. Sem conceder, vem ainda a recorrente insurgir-se sobre o número de dias a ter em conta na paralisação da roulotte, conjugando-os com o valor de lucros cessantes arbitrados, o que resulta, novamente, num absurdo pedido milionário.

26. A recorrente não logrou justificar a razão da demora na interposição da presente ação judicial, demora essa invocada na contestação da ré, a propósito do descomedido exagero que os pretendidos lucros cessantes se transformaram, através da inércia da recorrente.

27. Tão pouco neste recurso apresenta a recorrente qualquer argumento atendível para justificar porque razão demorou três anos para interpor a ação judicial, bastando-se com o prazo prescricional concedido por lei.

28. O que, obviamente, não é argumento admissível, nem atendível, para o que se está a discutir neste recurso.

29. Decorre dos factos provados que a autora negou autorizar a desmontagem da roulotte, ato prévio e necessário para a peritagem da totalidade dos danos, e bem assim,

30. Resultou provado que a recorrente recusava que a mesma viesse a ser reparada na oficina onde a tinha colocado, ou em qualquer outra oficina.

31. Nesse sentido os vários documentos juntos aos autos, e invocados na sentença, bem como o depoimento da testemunha (…) e do perito orçamentista, cuja transcrição consta das alegações deste recurso.

32. Os factos provados 27 a 33 e 37, não postos em crise pela recorrente, ditam a responsabilidade exclusiva da recorrente em recusar facilitar a orçamentação dos danos da roulotte.

33. Ou seja, mostra-se suficientemente provado que a paralisação da roulotte, sem reparação ou definição de perda total, só à recorrente responsabiliza, face à sua recusa em permitir desmontar a roulotte para uma correta peritagem dos danos sofridos, e apuramento da conexão dos mesmos com o acidente de viação.

34. Essa peritagem só teve lugar na pendência desta ação, com a Peritagem Colegial ordenada pelo Tribunal.

35. A recusa de desmontagem da roulotte por parte da recorrente, fez inverter o ónus da obrigação da seguradora para aquela, e a mora da paralisação da roulotte correu, assim, por sua exclusiva responsabilidade.

36. Face aos Factos Provados, que estão definitivamente fixados, é inequívoco que a paralisação da roulotte decorre exclusivamente de comportamento da recorrente, e em consequência, é-lhe imputável em exclusivo a culpa pelo agravamento da extensão do dano de privação.

37. Manda o artigo 570.º CC que, quando um facto culposo do lesado (aqui recorrente), tenha contribuído para o agravamento dos danos, deve o Tribunal determinar, com base na gravidade da culpa de ambas as partes e nas consequências que dela resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

38. Atento os factos provados a este respeito, a sentença recorrida concluiu, e bem, pela responsabilidade exclusiva da paralisação da roulotte recair na própria recorrente, que assim agravou esse dano deliberadamente.

39. Contudo, em circunstâncias normais, o orçamento deveria ter sido encerrado no máximo de 5 dias úteis, e o tempo de reparação, apesar de não ter sido fixado pelas circunstâncias de inexistir orçamento, não deveria ser superior a 10/20 dias, o máximo.

40. Donde, deve a decisão ser corrigida, com fixação de um período de paralisação da roulotte, por 30 dias, por razoável e equitativo.

41. Não assiste qualquer razão à recorrente no seu recurso de apelação, e se alteração haja de ocorrer na decisão, sempre seria por excesso de benevolência para com esta.

42. Razão pela qual a recorrida, apesar de ter aceite a sentença proferida, acatando-a caso a recorrente não houvesse interposto o presente recurso, vem, subordinadamente, pôr à apreciação deste Venerando Tribunal os erros de apreciação de prova cometida no Tribunal a quo, requerendo a revogação parcial da mesma, através da eliminação do Facto Provado 21, e bem assim, sem conceder, de uma substancial redução do período a considerar de paralisação da roulotte, por a mesma se ter prolongado para além de 30 dias, por exclusiva culpa e responsabilidade da recorrente.

43. A sentença recorrida errou na apreciação da prova produzida no que ao pedido de lucros cessantes e paralisação diz respeito, com o que viola o artigo 342.º e artigo 570.º CC, devendo manter-se inalterada relativamente à condenação proferida a título de reparação da roulotte.

NESTES TERMOS E NO DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, COM EXCEPÇÃO DA MATÉRIA OBJECTO DE RECURSO SUBORDINADO, TAL COMO VERSADO NAS CONCLUSÕES. COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!”

Admitidos os recursos e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto dos recursos
Tendo em conta que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, são as seguintes as questões a decidir:
- no recurso da A.: (i) a impugnação da decisão de facto, (ii) se a condenação deverá ser retificada/alterada por forma a acrescer Iva à indemnização pela reparação da roulotte, (iii) se a indemnização pelos lucros cessantes deve ser fixada em € 99.000,00;
- no recurso da R: (i) impugnação da decisão de facto, (ii) se o período de paralisação da atividade económica da A. relevante para efeitos de indemnização deverá ser fixado em 30 dias.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:
1 - No dia 31 de Outubro de 2014, pelas 18,30 horas, na Rotunda da (…), em Cartaxo, ocorreu um acidente de viação (artigo 1.º da petição inicial).

2 - O veículo pesado de passageiros com a matrícula (…), conduzido por (…), motorista de profissão, bateu contra o veículo reboque especial para venda ambulante, também denominada roulotte comercial, com a matrícula L-(…), marca/modelo (…) M520, com o n.º de série …/2013, propriedade da A., que se encontrava estacionado no passeio, junto à Rotunda da (…), em Cartaxo (artigo 2.º da petição inicial).

3 - No momento do acidente, o referido veículo pesado de passageiros era propriedade da Rodoviária do Tejo, SA, com sede na Rua do (…) – Edifício (…), em Torres Novas, e conduzido pelo referido (…), por ordem e no interesse da sua entidade patronal, que era a proprietária do pesado de passageiros (artigo 3.º da petição inicial).

4 - O referido sinistro foi motivado pelo facto do veículo pesado de passageiros acima identificado que circulava na rotunda, pretendendo sair para a Rua de (…), distraído e animado de excessiva velocidade, não conseguiu efetuar a correta circulação na rotunda e, antes da dita saída, despistou-se, indo embater no veículo da A. que se encontrava estacionado no passeio, no local assinalado a azul na fotografia junta a fls. 22, sob o doc. 3 (artigo 4.º da petição inicial).

5 - O condutor do veículo (…) seguia com velocidade excessiva, atendendo às condições da via no local, às características do veículo pesado de passageiros que conduzia e intensidade do tráfico, mais tratando-se de uma rotunda, onde, por definição, tinha obrigação de moderar especialmente a velocidade, o que não fez (artigo 7.º da petição inicial).

6 - O qual se deveu, exclusivamente, à incúria do condutor do veículo seguro na Ré (artigo 14.º da petição inicial).

7 - Não tendo o condutor do veículo seguro na R. observado uma condução cuidadosa, antes conduzindo o veículo de forma distraída e em velocidade excessiva para o local, características do veículo e condições da via, foi o culpado na produção do acidente, razão por que a Ré (Seguradora), para quem foi transferida a responsabilidade civil através da Apólice n.º (…), tem obrigação de indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos (artigo 15.º da petição inicial).

8 - À data do acidente, a roulotte era nova, tinha pouco mais de um ano (artigos 9.º e 25.º da petição inicial).

9 - Foi construída, em parte, pelas “Carroçarias (…), Lda.” e entregue à A. e ao seu companheiro (…) no dia 23 de Abril de 2013, tendo estes pago àquela a quantia de € 22.588,95 (artigo 10.º da petição inicial).

10 - Após a entrega da roulotte à A. e ao seu companheiro, estes melhoraram a roulotte, tendo a A. custeado e o seu companheiro (…) construído e realizado toda a obra de iluminação, publicidade e os balcões interiores em inox, em concreto:

a) O balcão interior envolvente, totalmente fabricado em aço inox 304 com resguardo de 200 mm envolvente, altura 750 mm, 2 gavetas e portas de arrumos (Espaço para o fogão e para a arca frigorífica);

b) 1 Lavatório e uma torneira com interruptor para a bomba elétrica com água fria e quente, no painel interior direito, caldeira de 5 litros;

c) Depósitos, um de águas limpas e um de águas sujas, capacidade 80 litros aproximadamente (cada) com torneira inferior para despejar depósitos;

d) Iluminação interior com teto falso, com 32 focos de luz duplos e duas grelhas de respiração exterior;

e) Iluminação embutida nas portas basculantes com 38 focos de luz;

f) Quadro elétrico trifásico ou monofásico com interruptor geral, 3 disjuntores a dividir a carga elétrica na iluminação superior e 3 disjuntores para 4 tomadas interiores;

g) Aplicou um inox a meia altura a proteger a zona das massas, junto ao lava-loiças; o que valorizou o veículo da A. em montante não concretamente apurado (artigos 11.º e 18.º da petição inicial).

11 - Os melhoramentos feitos na roulotte mostram-se descritos no orçamento junto pela A. a fls. 24-25, com data de 19 Abril 2013 (sexta feira), o qual apresenta um valor total de € 28.915,00 acrescido de IVA, num total de € 35.565,45 (artigos 45.º e 46.º da contestação).

12 - A viatura conduzida por (…) embateu com a frente do lado direito na parte lateral da roulotte cujo taipal estava aberto e que se encontrava estacionada, a qual, com a violência do impacto, torceu sobre si própria, bem como toda a sua estrutura (artigo 5.º da petição inicial).

13 - Dado o estado em que o veículo reboque ficou na sequência do acidente, designadamente, por ter torcido a sua estrutura, o veículo da A. ficou incapacitado de funcionar como roulotte de venda de farturas, dada a impossibilidade de abertura da mesma (artigos 8.º e 12.º da petição inicial).

14 - Desde o acidente, ficou com rachas e fendas na sua estrutura e, por elas, entra água e humidade (artigo 27.º da petição inicial – parte).

15 - Por não ser possível abrir os taipais da roulotte que se encontra parada e sem funcionamento como roulotte de fabrico e venda de farturas (artigo 28.º da petição inicial).

16 – A reparação do atrelado é viável, e o custo para a sua reparação é de € 23.000,00, acrescido de IVA (artigos 31.º e 56.º da contestação).

17 - Após participação do acidente e não obstante a assunção de responsabilidade por parte do condutor do veículo, a R. em 22/12/2014 comunicou, por carta datada de 22.12.2014, de que existe cópia a fls. 26, a não assunção de responsabilidade, concluindo que “não existe prova bastante para uma eventual assunção de responsabilidade” (artigo 19.º da petição inicial).

18 - Posteriormente e mediante insistência por parte da A., veio a R. assumir a responsabilidade no acidente por comunicação de 05/02/2015, de que existe cópia a fls. 27, onde afirma: “concluímos que a responsabilidade pertence exclusivamente ao condutor do veículo que garantimos, pelo que caberá a esta Seguradora assumir o pagamento da indemnização dos danos sofridos pela viatura matrícula L-…” (artigo 20.º da petição inicial).

19 - A A. é vendedora ambulante de farturas (artigo 22.º da petição inicial).

20 - Desde o dia 31 de Outubro de 2014, viu-se impedida de exercer a sua atividade de produção e venda de farturas que exercia à data com a roulotte acidentada (artigo 23.º da petição inicial).

21 - Representando essa paralisação forçada da sua atividade um prejuízo médio de € 30,00 por dia (artigo 29.º da petição inicial).

22 - Não existem no mercado de aluguer de veículos, roulottes deste tipo para alugar (artigo 32.º da petição inicial).

23 - A R. (…) confirma a vigência do contrato de seguro respeitante ao veículo matrícula (…), titulado pela apólice (…) nos termos das Condições Particulares e outros documentos juntos a fls. … (artigo 4.º da contestação).

24 - A Ré, enquanto Seguradora, procedeu a averiguações sobre o acidente de viação, quer para apuramento de responsabilidades, quer para verificação dos danos resultantes do mesmo, tendo concluído pela aceitação da responsabilidade pelo acidente (artigo 3.º da contestação).

25 - O assunto respeitante à colocação do atrelado (…) numa oficina, para aí serem orçamentados os danos decorrentes do acidente de viação, foram tratados diretamente com o Sr. (…), companheiro da A., e que agiu como proprietário e/ou representante do proprietário do referido atrelado (artigo 8.º da contestação).

26 - Razão pela qual foi enviada ao Sr. (…) carta a 12/11/2014, de que é cópia fls. 47, denunciando várias tentativas de contacto para marcação de peritagem dos danos do atrelado e solicitando contacto para prosseguimento do assunto (artigo 10.º da contestação).

27 - Apenas a 4 de Dezembro de 2014 a A. colocou o atrelado na oficina (…), Lda., para peritagem (artigo 11.º da contestação).

28 - Na altura a oficina não tinha condições de apresentar orçamento, nomeadamente por falta de preços do material a substituir, tendo sido agendada nova peritagem (artigo 12.º da contestação).

29 - A 09/12/2014, manteve-se a situação de falta de indicação de preços dos materiais a substituir, e novo agendamento de peritagem para 16/12/2014, reagendada, pelos mesmos motivos, para 22/12/2014, tendo sido, no entanto, fotografado o atrelado e verificados os danos visíveis (artigo 13.º da contestação).

30 - A 22/12/2014 a oficina não tinha efetuado a desmontagem das partes sinistradas e aguardava a passagem a definitivo (artigo 14.º da contestação).

31 - Razão pela qual se reagendou nova peritagem para 7/1/2015, que veio a ter lugar a 9/1/2015 (artigo 15.º da contestação).

32 - Entretanto a A. retirou o atrelado da oficina, e não mais ali o colocou para conclusão da peritagem com desmontagem (artigo 16.º da contestação).

33 - Apesar de a oficina ter assumido a responsabilidade de contactar o proprietário do atrelado, e solicitar novamente a este que autorizasse a sua desmontagem, o atrelado não voltou à oficina, obstando que a R. pudesse verificar a dimensão dos danos e valor de reparação, que eventualmente existissem para além dos danos visíveis (artigo 17.º da contestação).

34 - Este orçamento veio a ser encerrado a 18/03/2015 (artigo 18.º da contestação).

35 - A 25/03/2015 a R. enviou carta ao companheiro da A., de que existe cópia a fls. 55 verso e 56, para a morada destes, informando que o orçamento de reparação do atrelado ascendia a € 728,42 e a sua reparação teria um prazo de 3 dias, devendo aquele diligenciar a autorização de reparação junto da oficina, conforme carta que existe cópia a fls. 55 verso (artigo 19.º da contestação).

36 - Este orçamento foi elaborado com base nos danos à vista e nas fotografias que haviam sido tiradas ao atrelado no período em que este esteve a aguardar autorização de desmontagem na oficina (artigo 20.º da contestação).

37 - Os documentos ora juntos, respeitantes às sucessivas visitas do perito orçamentista à oficina, mencionam uma estimativa de reparação de € 10.000,00 e de € 18.450,00 (a partir de 22/12/2014) valores que foram considerados como meras provisões, nunca confirmadas, pois careciam de desmontagem do atrelado (artigo 27.º da contestação).

38 - A A. celebrou contrato de seguro de circulação automóvel na (…) Seguros, SA., tendo a apólice o n.º (…), com início a 03/11/2014 e termo a 02/11/2017 (artigo 33.º da contestação).

39 - Sendo certo que entre a data de início de vigência do seguro e acidente de viação dos autos medeiam dois dias úteis, inexistindo à data do acidente de viação qualquer seguro de circulação válido para o atrelado, situação, aliás, que ocorria desde a sua aquisição em Abril de 2013 (artigo 34.º da contestação).

40 - Foi celebrado novo contrato de seguro de circulação do atrelado, com inicio a 06/09/2017 e termo a 05/03/2018, com o n.º de apólice (…), também na (…) Seguros, SA (artigos 35.º e 65.º da contestação).

41 - Por sua vez, o atrelado apresenta os seguintes registos na Conservatória do Registo Automóvel, conforme se verifica na informação que se junta como doc. 21:

Em 28/10/2013, inscrição n.º (…) a favor de (…); em 14/07/2014, inscrição n.º (…) a favor da aqui A.;

Em 09/02/2015, inscrição n.º (…) a favor de (…), residente com a A., na Rua dos (…), n.º 6-B, r/c, (…), (…), Torres Vedras (artigos 36.º, 37.º e 65.º da contestação).

42 – (…) é filha da Autora (facto provado nos termos do artigo 607.º, n.º 4, CPC).

Não provado:

Da petição inicial:

13º Atendendo a que os estragos foram ao nível da estrutura do reboque, a reparação da mesma não é possível, por não permitir reparar a roulotte no seu estado anterior ao acidente.

17º O custo total da roulotte, adaptada ao comércio de produção e venda de farturas, tal como se encontrava à data do acidente, foi de € 35.565,45.

26.º Daí que a reparação da mesma não é possível, uma vez que a estrutura em fibra de vidro, isotérmico e feita em bloco, não permite que a reparação seja eficaz e coloque a roulotte no estado em que se encontrava antes do acidente.

27.º (parte) que causaram o apodrecimento dos armários.

33.º E por fim, o facto da A. se ver privada até hoje da atividade de fabrico e venda de farturas que exercia na sua roulotte, com a qual auferia o lucro médio diário de € 100,00.

37.º Na verdade, e dada a extensão dos danos provocados pelo sinistro, a particularidade de o veículo em causa ser construído em fibra de vidro, isotérmico e feita em bloco, revelou- se manifestamente impossível, a reparação em condições minimamente aceitáveis.

38.º Não é pois possível ou viável a reparação da viatura sinistrada.

40.º De toda a factualidade descrita extrai-se que o veículo acidentado ficou reduzido a um salvado.

Do requerimento de aperfeiçoamento:

1.º À data do acidente, a A. vendia diariamente, em média: a) 15 Churros, pelo preço de € 2,50 cada; b) 36 Farturas, pelo preço de € 1,00 cada; c) 30 Waffles, pelo preço de € 3,50 cada; d) e 30 Crepes, pelo preço de € 3,50 cada; e) Pelo valor global de € 283,50 diário (artigo 1.º do requerimento de aperfeiçoamento).

2.º Para os produzir, a A. necessita de 10 litros de óleo que substitui diariamente e cujo preço ronda os € 11,00 (artigo 2.º do requerimento de aperfeiçoamento).

3.º Cada quilo de farinha, que é a base da massa com que se produzem as comidas acima identificadas, tem o custo médio de € 0,42 sendo que, com um quilo de farinha, a A. consegue produzir, pelo menos: a) 15 churros; b)12 farturas; c) 15 Waffles; d) Ou 20 crepes (artigo 3.º do requerimento de aperfeiçoamento).

4.º Bem sabe a A. que outros ingredientes são necessários à produção, nomeadamente para a confeção de 30 Waffles é necessário um balde de massa com 3 litros de leite, 2 Kilos de farinha e uma dúzia e meia de ovos, cujo custo de produção não é superior a € 10,00 (artigo 4.º do requerimento de aperfeiçoamento).

5.º E os crepes rendem mais, uma vez que a massa é mais líquida e fina (artigo 5.º do requerimento de aperfeiçoamento).

6.º Para além destes produtos, a A. vendia, em média, em 20 bebidas diárias, aptas para gerar um lucro diário de € 10,00 (artigo 6.º do requerimento de aperfeiçoamento).

7.º Em termos de despesas, salienta-se o gaz, em média uma bilha de 13,5 Kg por semana, no valor de € 27,00, e o custo do aluguer do espaço, num valor aproximado de € 40,00 diários, sendo que alguns dos espaços são gratuitos, nomeadamente no Inverno (artigo 7.º do requerimento de aperfeiçoamento).

Da contestação:

9º Contudo, apesar de o acidente ter ocorrido a 31/10/2014, a verdade é que a A. (ou o seu representante), não diligenciaram a colocação do atrelado (…) na oficina para ser orçamentada a sua reparação (artigo 9.º da contestação).

52º Donde, se terá por normal e razoável que, fruto de negociações entre as partes, A. e empresa vendedora tenham chegado a acordo do preço final do atrelado, que não carecia de quaisquer melhoramentos por a roulotte já assim se apresentar (fazendo os mesmos parte do preço proposto), pelo valor total de € 22.588,95.

58º Ademais, e como já anteriormente se alegou, inexiste qualquer perda total que importe ser quantificada e indemnizada à A., pois o atrelado manteve-se ativo e a cumprir a sua função, apesar de outra proprietária (artigo 58.º da contestação).

61º Desde já se diga que a demora ocorrida entre 31 de Outubro e a data de fecho do orçamento em Março de 2015, apenas à A. obriga, pois a peritagem não terá sido efetuada, e a proposta de reparação apresentada nos prazos legais, por sua exclusiva responsabilidade (artigo 61.º da contestação).


1.2. Impugnação da decisão de facto
1.2.1. Impugnação da A.
Com fundamento no orçamento junto aos autos a fls. 24 e 25 impugna a A. o ponto 10 dos factos provados, na parte em que considera não resultar apurada a valorização da roulotte por efeito de melhoramentos por si custeados e realizados pelo seu companheiro, considerando que se prova uma valorização de € 10.550,00.

Argumenta que o preço base da roulotte importou em € 18.365,00 e que o orçamento da roulotte com os melhoramentos importava em € 28.915,00, correspondendo a valorização da roulotte à diferença entre estes dois valores (28.915,00 – 18.365,00), não obstante realizados por si e não pelo fabricante da roulotte.

Apreciando.

A A. alegou a perda total da roulotte e pediu a condenação da R. no pagamento de € 35.565,45 correspondente ao valor (preço base + melhoramentos) que atribuiu à roulotte; a decisão recorrida considerou que a roulotte é suscetível de reparação e condenou a R. a pagar à A. a indemnização correspondente ao valor da reparação.

O juízo sobre a possibilidade de reparação da roulotte não é questionado no recurso, o que significa que relevam para efeitos de indemnização os prejuízos decorrentes da reparação da roulotte e não os que decorreriam da perda total da roulotte, ou seja, a diferença entre o valor do salvado e o valor de substituição da roulotte no momento anterior ao acidente (nºs 2 e 3 do artigo 41.º do D.L. nº 291/2007, de 21/8).

O facto impugnado – valorização da roulotte, por efeito de melhoramentos – relevaria para efeitos do cálculo do valor de substituição do veículo, mas não releva para cálculo da indemnização pela reparação, sem prejuízo desta incidir, em concreto, sobre algum(s) dos denominados melhoramentos.

O facto impugnado não releva para a solução de direito ainda em aberto pelo recurso e, como tal, não se conhece da impugnação da decisão de facto formulada pela A..


1.2.2. Impugnação da R.
Considera a R. que não se prova o facto discriminado no ponto 21 dos factos provados; argumenta que a A. não juntou aos autos documentos contabilísticos que permitam concluir que a paralisação da roulotte lhe ocasionou um prejuízo médio de € 30,00 por dia, como se decidiu e que tal conclusão não resulta do depoimento das testemunhas.

A decisão recorrida motivou assim a resposta:

No que tange ao rendimento que a A. deixou de auferir há que salientar a parca prova apresentada pela A., que calculou o prejuízo sofrido no valor de € 108.500,00, remetendo para um valor de € 100,00 de lucro médio diário, sem qualquer sustentação para a alegação de tal valor, razão pela qual lhe foi dada oportunidade para fundamentar esse valor, o que, lamentavelmente, a A. não veio fazer, limitando-se a fornecer um conjunto de informação com a qual não é possível concluir o lucro diário de € 100,00 por dia.

Embora se compreenda que se trata de uma atividade ambulante que, em regra, não dispõe de rigor contabilístico e é de controlo fiscal difícil, quando se torna necessário demonstrar os proventos da atividade, separando o rendimento bruto e os custos de atividade, à míngua de elementos documentais, fica fragilizada a demonstração dos prejuízos. Para o efeito, a A. pretendeu fazer prova dos prejuízos por recurso à prova testemunhal, o que não se afigura possível, com o companheiro da A. a declarar fazerem em média € 300,00 por dia e a A., ouvida em declarações, a declarar que tirava em média € 300,00 por dia e que, depois do acidente tiram, em média, € 100,00 por dia, sem se conhecerem os custos de atividade. Também das declarações de IRS juntas pela A. não é possível concluir pelos valores aventados pela A., das quais resulta um rendimento bem inferior.

O que resulta patente é que a A. e o companheiro geriam a atividade sem qualquer planeamento quanto a custos/benefícios e sem organização documental, sabendo apenas que, no final, a atividade gerava rendimento, com o qual se sustentavam a si e à sua família.

Contudo, é evidente que a A. viu a sua atividade comercial diminuída, havendo que determinar o quantum com recurso à equidade e aos elementos do processo. Para o efeito, tendo por base as declarações de IRS da A., cujo rendimento anual está próximo da remuneração mínima mensal e a circunstância de se tratar de um negócio informal, entendo adequado atribuir à A. a quantia de € 30,00 por dia, tendo ainda em consideração que a atividade não é exercida todos os dias do ano, pois há que contar com deslocações e períodos de feiras e mercados.”

A decisão recorrida julgou o facto provado com fundamento nas declarações de IRS da A. e na natureza informal do negócio da A., com isto querendo dizer, segundo apreendemos, que aquelas declarações não documentam todos os rendimentos que o negócio da A. lhe proporciona.

A R. discorda deste juízo; a seu ver, os rendimentos que a A. aufere com o seu negócio são aqueles que os documentos contabilísticos expressam e como a A. não fez esta prova o facto deverá ser eliminado dos factos provados.

Segundo o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, constituindo, aliás, ónus do impugnante, de acordo com o artigo 640.º, n.º 1, alínea b), especificar os concretos meios de prova que imponham sobre os pontos da matéria de facto impugnados decisão diversa da recorrida.

Não basta, pois, que os meios de prova que fundamentam a impugnação tornem possível a solução preconizada pelo impugnante, sendo necessário que a imponham.

Como já escrevemos no Ac. desta Relação de 23/11/2017 (proc. nº 7334/16.0T8STB.E1), “a impugnação da matéria de facto não visa derrogar o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, consagrado, entre outros, no artigo 607.º, n.º 5, do CPC e, assim, a (re)apreciação da prova na 2ª instância, deve conciliar-se com este princípio, o que significa que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples evocação de uma convicção probatória formada pelo impugnante que divirja da ajuizada em 1ª instância, é necessário a especificação de concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida (artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC), o que não se verifica quando o fundamento da impugnação consiste numa avaliação diferente da prova produzida a propósito do facto impugnado”.

Entendimento que resulta, aliás, com mais propriedade, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004 [Diário da República n.º 129/2004, Série II de 2004-06-02], ao expressar: “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”

No caso, a divergência centra-se na valoração da prova, ou seja, a Ré perante a prova produzida adquiriu uma convicção diferente da convicção do julgador; não se questionando a liberdade da R. formar uma convicção própria sobre a prova e até de seccionar esta por forma a reter aquela que melhor se ajusta à defesa dos seus pontos de vista, há-de concordar-se, que uma tal convicção, em si, é irrelevante para impor a alteração que preconiza, uma vez que a convicção não é prova produzida, mas tão só uma das suas possíveis leituras.

As razões que fundamentam a impugnação não impõem, a nosso ver, decisão diversa da recorrida, razão de improcedência da impugnação da Ré.

2. Direito
2.1. Se a sentença deverá ser retificada/alterada na parte em que não condenou a R. a pagar Iva

Considera a A. que a sentença recorrida enferma de lapso e encerra uma oposição entre os fundamentos e a decisão, na parte em que omitiu a condenação em IVA sobre a quantia de € 23.000,00 destinados à reparação dos danos da roulotte, uma vez que segundo os factos provados “a reparação do atrelado é viável e o custo para a sua reparação é de € 23.000,00, acrescido de IVA” (ponto 16).

Sobre a retificação de erros materiais o artigo 614.º do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte:

“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.”

Os lapsos em vista da norma são os evidenciados pelo contexto da própria decisão, ou seja, aqueles em que a decisão manifesta que o juiz queria dizer uma determinada coisa e disse coisa diferente.

“Os erros ou inexatidões a que se refere o preceito são apenas aqueles que respeitam à expressão material da vontade do julgador, e não os erros que possam ter influído na formação daquela vontade.”[1]

A configuração do lapso que a A. aponta à sentença não reúne, nos termos configurados, estes predicados e isto porque a circunstância de se haver dado como provado que ao custo da reparação da roulotte acresce IVA (ponto 16) não significa, só por si, a formação da vontade da condenação abranger o IVA, pois pode muito bem acontecer que apesar de à reparação acrescer IVA este não constitua um prejuízo para a A. que a R. deva indemnizar.

A decisão não evidencia a formação de uma qualquer vontade de condenação em IVA, razão pela qual a omissão da respetiva condenação no dispositivo da sentença não pode considerar-se um lapso e muito menos um lapso manifesto como se exige para efeitos de retificação.

Prossegue a A. argumentando que a decisão está em oposição com os fundamentos, uma vez que condena a Ré no pagamento de € 23.000,00, omitindo o IVA, depois de julgar provado que “a reparação do atrelado é viável e o custo para a sua reparação é de € 23.000,00, acrescido de IVA”, daqui extraindo que a sentença deve ser alterada por forma a condenar a Ré no pagamento do IVA sobre a referida quantia.

A contradição, a existir, implicaria a nulidade da sentença [artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC] e não, necessariamente, a sua alteração por forma a observar a pretensão da A., ou seja, a A. pretende a alteração da sentença com fundamentos cuja procedência determinariam a sua nulidade sem suscitar esta e colocada assim a questão, o conhecimento do recurso poderia quedar-se por evidenciar que o fundamento invocado pela A. não justifica a preconizada alteração da decisão.

Dir-se-á, ainda assim, que o IVA é um imposto indireto que se aplica desde a produção e transformação dos bens até ao consumo, sendo liquidado e pago por cada um dos agentes intervenientes no circuito económico, por forma a repercutir-se exclusivamente sobre o consumidor final.

No plano estritamente tributário, seguindo o Ac. do STJ de 12-10-2017, “o IVA opera pelo chamado método do crédito de imposto (ou subtrativo indireto) em que o sujeito passivo assume a qualidade de devedor ao Estado «pelo valor do tributo que fatura aos seus clientes, nas vendas efetuadas ou nos serviços prestados em determinado período (imposto liquidado ou imposto a favor do Estado) e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nos seus inputs, no mesmo período. Dito de outra forma, o sujeito passivo é devedor do montante do tributo faturado (contribuinte de direito), mas assume igualmente as vestes de credor do imposto suportado nas aquisições realizadas». A entrega nos cofres do Estado resume-se ao diferencial encontrado e, embora o mesmo seja entregue pelo sujeito passivo de IVA, é o consumidor final quem suporta o tributo (contribuinte de facto).”[2]

Por isto que o IVA constituirá um prejuízo para efeitos da obrigação de indemnização se e quando o lesado se apresentar como consumidor final, para efeitos tributários, na aquisição de bens ou serviços supostos pela reparação; se o lesado for um sujeito passivo do IVA e a operação sujeita a IVA dedutível, o prejuízo não se verifica.

“A não ser que uma empresa demonstre que o não reembolso do IVA se deveu a facto não lhe imputável, nas operações inerentes à atividade empresarial, o IVA nunca é custo para a empresa que o paga e, portanto, dano indemnizável, pois, a final, tem direito à respetiva dedução.”[3]

No caso, a A. não colocou esta questão em 1ª instância nem pediu a condenação da R. em Iva, mas os elementos constantes nos autos permitem afirmar que a atividade da A. está sujeita a Iva [artigo 2.º, nº 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26/12, com alterações] e que o imposto que venha a pagar para reparação (bens ou serviços) da roulotte confere-lhe o direito de o deduzir [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do referido Código] razão pela qual a liquidação de tal imposto para efeitos de reparação da roulotte não constituirá, para si, um prejuízo indemnizável.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2.2. Se a indemnização pelos lucros cessantes deve ser fixada em € 99.000,00

A A. pediu uma indemnização de € 108.500,00 para ressarcimento dos lucros que deixou de obter na sua atividade de venda de farturas com a paralisação da roulotte e a decisão recorrida fixou em € 4.500,00 o valor desta indemnização.

Ajuizou, designadamente, assim:

Para o efeito, haverá que considerar que, após a carta datada de 25.03.2015, com a qual a R. fixou a indemnização em € 728,42, valor relativo à reparação da roulotte, nada propondo quanto à paralisação, a A. estava em condições de demandar a R., caso pretendesse fazer valer os seus direitos. Assim, a fixação da indemnização deverá ter por limite o período de 150 dias, período que se reputa de adequado para a A. demandar a R.

Deste modo, sabendo-se que não era possível substituir a roulotte e que a A. utilizava no exercício da sua atividade de venda ambulante, a sua paralisação causou-lhe um prejuízo médio de € 30,00 por dia, por um período de 150 dias, o que perfaz o montante de € 4.500,00, a título de perda de rendimento.”

A A. questiona os pressupostos deste cálculo argumentando que a justificação encontrada pela decisão recorrida – exceder os limites da boa-fé e dos bons costumes a circunstância de a A pretender fazer valer o seu direito à indemnização por um período alargado – para fixar em 150 dias o período em que ocorreu prejuízo para o exercício da sua atividade comercial está em contradição com lei, que lhe confere o prazo de três anos para exercer o direito e não cobre sequer o período de pendência da presente ação e considera “adequado a fixação o valor médio diário da paralisação da atividade da A. em € 50,00, a fixar e contabilizar desde o dia do acidente em 31/10/2014 até ao trânsito em julgado da sentença no montante de € 99.000,00, acrescido dos competentes juros de mora até integral pagamento”.

2.2.1. Prova-se que a partir de 31/10/2014, data do acidente, a A viu-se impedida de usar a roulotte para produzir e vender farturas e que a paralisação forçada desta atividade causou à A. um prejuízo médio de € 30,00 por dia (ponto 21 dos factos provados).

A A. não impugnou este facto, ou seja, conformou-se com a decisão de facto na parte em julgou provado o prejuízo médio diário de € 30,00 decorrente do não uso da roulotte no exercício da sua atividade; o facto, aliás, foi impugnado pela Ré, embora sem êxito.

O direito deve ser aplicado aos factos discriminados como provados e a decisão constitui o corolário lógico desta operação (artigo 607.º do CPC), se o juiz na sentença se serve de factos que não se mostram provados ou julga em contradição com os factos que se provam incorre em erro de julgamento; a pretensão da A., a ser acolhida, resultaria num manifesto erro de julgamento, uma vez que o cálculo dos lucros cessantes à razão diária de € 50,00, não decorreria dos factos provados e, pelo contrário, estaria em oposição com eles.

O recurso assenta, nesta parte, em factos que não se provam, razão da sua improcedência.

2.2.2. O segundo termo do cálculo reporta-se ao período de tempo durante o qual a Ré se mostra obrigada a reparar o prejuízo sofrido pela A. por efeito da impossibilidade de uso da roulotte no exercício da sua atividade; a A. quantificou esse período em 1085 dias correspondentes ao período que decorreu entre o acidente e a data em que propôs a ação e a decisão recorrida fixou-o, por adequado, em 150 dias, na essencial consideração que a pretensão da A. excedia os limites da boa-fé e dos bons costumes, uma vez que estava em condições de demandar a R. após 25/3/2015, data em que a Ré lhe fez uma proposta de € 728,42 para regularização do sinistro e veio a intentar a ação em 22/10/2017.

A A. discorda argumentando que, de acordo com a lei, dispunha do prazo de três anos para exercer o direito, razão pela qual o prejuízo relevante para efeitos de indemnização abrange este período e que o período fixado pela decisão recorrida não cobre sequer o período de pendência da presente ação.

Iniciando por este último argumento, releva dizer que a A. não formulou nenhum pedido de lucros cessantes vincendos durante a pendência da ação; prova-se que os prejuízos se mantiveram durante a pendência da ação (pontos 13, 14 e 20 dos factos provados), o que significa que a A. tinha fundamento para formular um tal pedido, mas o certo é que não o fez e nesta fase processual mostra-se precludido o direito de unilateralmente alterar o pedido (artigo 265.º do CPC).

Inócua também, a nosso ver, a sua argumentação, na parte em que faz coincidir o prazo para o exercício do direito com o período de tempo durante o qual o prejuízo é devido, pela confusão que estabelece entre a verificação ou existência do direito e o prazo para o seu exercício.

Segundo o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (artigo 498.º, n.º 1, do CPC), o que significa que decorrido o prazo de três anos após o lesado ter conhecimento do seu direito, o obrigado tem a faculdade de recusar a reparação do dano (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil), seja por reconstituição natural da coisa, seja em forma de indemnização em dinheiro sempre a reconstituição não seja possível.

Este prazo para o exercício do direito supõe, naturalmente, que o direito exista, ou seja, não estabelece uma medida do direito, estabelece um prazo máximo para o seu exercício.

A medida do direito encontra-se pela medida da obrigação que lhe corresponde e esta, a obrigação de indemnizar, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil).

O obrigado à indemnização não responde por todos os danos do lesado posteriores à lesão, mas tão só por aqueles que o lesado não teria sofrido se a lesão não houvesse ocorrido, ou seja, entre o dano e a lesão tem que existir uma conexão que permita afirmar que o primeiro é imputável ao autor da segunda.

No caso, o acidente ocorreu em 31/10/2014 e em 25/3/2015 a R. apresentou à A. uma proposta para regularização do sinistro no montante de € 728,42 (pontos 1 e 35 dos factos provados), a partir desta data a A. estava em condições de exercer o seu direito em juízo - nada se prova ou alega em contrário – tanto mais que a proposta de regularização do sinistro apresentada pela R estava longe de corresponder às expetativas da A..

A ação veio a ser proposta em 22/10/2017, ou seja, mais de dois anos e meio após a proposta (claramente insuficiente) de regularização do sinistro; os danos ocorridos neste (longo) período seriam evitados com a propositura da ação após o conhecimento da proposta da R. e assim tais danos não podem haver-se como danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, uma vez que o facto impeditivo da sua verificação – a propositura da ação contra a R. – dependia da iniciativa da A. e não do autor da lesão.

A partir de 25/3/2015 a A. estava em condições de exercer o direito à indemnização e, assim, os prejuízos que a partir daí a A. alega haver sofrido com a paralisação da sua atividade não são imputáveis ao autor da lesão, são imputáveis à A. que não instaurou a ação em prazo razoável, vindo a demandar a Ré, em 22/10/2017, a cerca de um mês do termo do prazo de prescrição.

Improcede assim a argumentação da A., assente na ideia que os prejuízos ocorridos no prazo para o exercício do direito são necessariamente indemnizáveis.

2.3. Se o período da paralisação da atividade económica da A. relevante para efeitos de indemnização deverá ser fixado em 30 dias

A Ré discorda também do período julgado relevante para cálculo da indemnização pelos lucros cessantes; alega que a A. se negou a autorizar a desmontagem da roulotte necessária para a peritagem da totalidade dos danos, assim contribuindo para o agravamento da extensão do dano de privação da roulotte e defende que este deverá ser fixado por um período de 30 dias.

Argumenta, de direito, com a disciplina do artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

A decisão recorrida não dá a conhecer, tanto quanto apreendemos, a razão pela qual fixou em 150 dias o período relevante para cálculo dos lucros cessantes, mas se atentarmos na data do acidente, 31/10/2014, e na data da formulação da proposta de regularização do sinistro, 25/3/2015, encontramos o período de cerca de 125 dias e se a este acrescentarmos o tempo necessário para a propositura da ação, os 150 dias encontrados pela decisão recorrida para cálculo da indemnização dos prejuízos sofridos pela A. com o não uso da roulotte afiguram-se-nos adequados.

Em desabono, argumenta a Ré que o decurso deste longo prazo é culpa da A..

Os factos provados revelam, é certo, algumas dificuldades de concretização da peritagem da roulotte imputáveis à A. (v.g. pontos 26 a 33 dos factos provados) mas demonstram igualmente que a Ré não fez uso da diligência e lisura a que estava obrigada com vista à regularização do sinistro; iniciou por descartar a responsabilidade pela reparação dos danos, não obstante o lesante assumir a responsabilidade pelo acidente (ponto 17 dos factos provados), só em 5/2/2015 assumiu tal responsabilidade (ponto 18 dos factos provados) e formulou uma proposta de indemnização de € 728,42, numa altura em que já sabia que só reparação da roulotte custaria entre € 10.000,00 a € 18.450,00 (pontos 35 e 37 dos factos provados), o que revela que a culpa pela extensão dos danos, de acordo com os factos provados, mostra-se dividida entre a A. e a R..

Não se encontram razões para alterar o juízo da decisão recorrida quanto ao período de tempo relevante para cálculo dos lucros cessantes.

Improcede o recurso da R..


3. Custas
Vencidas nos recursos, incumbe às Recorrentes o pagamento das custas a que respetivamente deram causa (artigo 527.º, nºs 1 e 3, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência dos recursos, em confirmar a decisão recorrida.
As Recorrentes pagarão as custas do recurso a que respetivamente deram causa.
Évora, 25/2/2021
Francisco Matos
José Tomé Carvalho
Mário Branco Coelho


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[1] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. 3º, 3ª ed., pág. 193.
[2] Proferido no proc.4523/06.0TVLSB.L2.S1 e disponível em www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ de 12-09-2013 (proc. 372/08.9TBBCL.G1.S1), in www.dgsi.pt