Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
163/11.0T2SNS.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da incapacidade, decorrente das lesões sofridas pela vítima por causa de acidente de trabalho, podendo o juiz afastar-se do laudo dos peritos médicos, desde que estes tenham fundamentado as respostas e deixem claro qual foi o raciocínio lógico que empreenderam, de modo a poder ser entendido e analisado criticamente pelo juiz.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 163/11.0T2SNS.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: BB (sinistrado)
Apelados: CC, SA, e DD (responsáveis).
Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, Sines, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho, J1.

1. O autor intentou ação emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra CC, SA, EE, SA e DD pedindo a condenação:
1. Da 1.ª R. no pagamento ao A. da quantia de € 10.434,30 a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas em consequência do acidente ocorrido e da quantia de € 5.080,84 como pensão anual e vitalícia, a partir do dia seguinte ao da alta definitiva;
2. Do R. DD no pagamento ao A. da quantia de € 8.501,69, a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas em consequência do acidente de trabalho ocorrido, em face da impossibilidade de pagamento da sociedade EE, SA, em virtude da situação de insolvência.
3. A título subsidiário do pedido (2), da 2.ª R. no pagamento da quantia de € 8.501,69, a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas em consequência do acidente de trabalho, bem como da quantia de € 4.139,79 como pensão anual e vitalícia, a partir do dia seguinte ao da alta definitiva.
Alegou, em síntese, que trabalhou para a EE, SA, que veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 03.11.2010.
Esta sociedade havia transferido para a 1.ª R. a responsabilidade por acidentes de trabalho, na totalidade anual retributiva de € 11.677,54 (14 x € 834,11 RM), por contrato de seguro celebrado entre ambas.
No dia 09.12.2009, pelas 06h30, foi vítima de acidente automóvel, quando conduzindo veículo automóvel, este foi embatido frontalmente por outro veículo ligeiro passageiros que invadiu a faixa de rodagem pela qual circulava.
No momento, deslocava-se para o seu local de trabalho, ao serviço de EE, SA, agindo sob a sua autoridade e direção, exercendo as atividades de mecânico.
Em consequência direta e necessária do acidente sofreu lesões e sequelas que lhe determinaram períodos de incapacidade temporária (ITA de 446 dias e ITP a 50% de 27 dias) e, bem assim, uma IPP de 47,51%, desde 28.03.2011, data da alta.
Auferia a retribuição mensal de € 834,11, acrescida de ajudas de custo na média mensal de € 579,36 e de subsídio de refeição no valor médio mensal de € 24,00, ambos auferidos com caráter de regularidade, tudo perfazendo o montante anual de € 18.893,86. Tinha ainda direito, a título particular, a utilizar o veículo automóvel que conduzia, incluindo o direito de abastecimento, no valor mensal de € 208,92, perfazendo o valor anual de € 2.298,12, correspondendo assim á retribuição anual global de € 21.191,98. Não se encontrando transferida para a 1.ª R. a responsabilidade correspondente à totalidade da retribuição, e encontrando-se a empregadora impossibilitada de efetuar o pagamento, deverá o R. FAT assumir o pagamento da quantia correspondente à diferença salarial.

Regularmente citadas, a 1.ª R. e o réu DD contestaram a ação.
A ré seguradora invocou não lhe ter sido participado o acidente pela entidade empregadora e impugou por desconhecimento as quantias alegadamente auferidas pelo autor, com exceção do montante do salário base, não concordando com as incapacidades temporárias sofridas e com o grau de IPP que afeta o sinistrado, aceitando que o acidente tenha ocorrido por culpa do condutor do outro veículo. Concluiu dever ser a ação julgada de acordo com os factos que aceita e com os que se vierem a provar mediante a justa valoração de todos.
O réu DD impugnou os factos por desconhecimento, suscitou o incidente de intervenção principal provocada de FF, SA, dado que dos documentos juntos aos autos resulta a ligação do sinistrado a essa entidade, à qual pertencia o veículo que aquele conduzia e que foi interveniente no acidente de viação, desconhecendo assim qual a relação existente entre o sinistrado e essa sociedade. Mais invocou não aceitar o montante da retribuição alegadamente auferida pelo autor, já que as ajudas de custo não integram a retribuição, cabendo ao sinistrado demonstrar este caráter e não fazendo parte da retribuição o montante alegadamente recebido pelo autor referente a abastecimentos de combustível.
O autor pugnou pela inadmissibilidade do chamamento.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi indeferida a intervenção requerida pelo FAT, por inadmissibilidade legal, procedeu-se à organização da matéria de facto assente, bem como à organização da base instrutória e ordenou-se a organização do apenso para fixação da incapacidade.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e posteriormente foi lida a resposta à matéria de facto.
De seguida, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Por tudo quanto se deixa exposto, o tribunal julga a ação procedente e, em consequência, condena:
a) A ré “CC, S.A.” a pagar ao autor a quantia de € 10 331,47 (dez mil, trezentos e trinta e um euros e quarenta e sete cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o fim do mês em que cada parcela deveria ter sido liquidada até efetivo e integral pagamento;
b) A ré “CC, S.A.” a pagar ao autor, a partir de 29 de março de 2011, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 2 360,32 (dois mil trezentos e sessenta euros e trinta e dois cêntimos), capital ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até efetivo e integral pagamento;
c) O réu DD a pagar ao autor a quantia global de € 233,57 (duzentos e trinta e três euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, em substituição da entidade empregadora EE em virtude da situação de insolvência desta;
d) O réu DD a pagar ao autor, a partir de 29 de março de 2011, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 53,36 (cinquenta e três euros e trinta e seis cêntimos), em substituição da entidade empregadora EE em virtude da situação de insolvência desta.
Valor da causa: € 36.499,93 (trinta e seis mil quatrocentos e noventa e nove euros e noventa e três cêntimos) cfr. art.º 120.º do Código de Processo do Trabalho.

2. Inconformado, veio o sinistrado interpor recurso de apelação motivado e conclusões, nos seguintes termos:
I - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e da douta decisão proferida no Apenso “A” de fixação da incapacidade para o trabalho;
II – Tem como objeto a matéria de facto constante dos pontos 7.º e 9.º dos factos provados, relativamente às seguintes duas questões, com o julgamento das quais o recorrente não se conforma:
- o valor da retribuição do sinistrado, objeto de julgamento nos autos principais; e
- a existência ou inexistência de incapacidade para o exercício do trabalho habitual resultante do acidente, objeto de julgamento no apenso “A” e que determinou a matéria considerada como provada em 9.º de factos provados.
III – Os recibos de vencimento do recorrente, constantes dos autos a fls. 298 e fls. 310 a 321, não foram impugnados, pelo que tais documentos fazem prova plena;
IV – O tribunal a quo, quer na decisão sobre a matéria de facto, quer na sentença final, não consideraram como retribuição o valor mensal variável auferido pelo recorrente e denominado nos recibos como “ajudas de custo”, a que se refere o ponto 7.º dos factos provados, devendo tê-lo feito;
V – O valor de tal prestação mensal variável paga ao autor consta dos autos, designadamente dos mencionados recibos e da própria fundamentação da decisão da matéria de facto, pelo que deveria constar da matéria de facto dada como provada a título de retribuição variável e pela quantia anual de € 6.448,20, correspondente ao valor médio mensal de € 537,35;
VI - Considerando o disposto nos artigos 344.º n.º 1 e 350.º do Código Civil e no artigo 258.º n.º 3 do Código do Trabalho, presume-se que tais quantias mensais pagas são retribuição, pelo que incumbia às rés a alegação e prova de que as quantias recebidas pelo autor sob a nomenclatura “ajudas de custo” o eram efetivamente, visando ressarcir quaisquer despesas efetuadas ao serviço ou no interesse da empresa;
VII – Pelo contrário, não foi alegado pelas rés, nem está provado, qualquer facto de onde resulte que as quantias pagas ao autor, com a denominação “ajudas de custo”, visaram ressarci-lo de despesas efetuadas ao serviço ou no interesse da empresa, pelo que o referido valor constitui retribuição;
VIII - Ainda que tal não fosse bastante, dos autos constam os factos necessários para demonstrar que os referidos valores não visaram pagar ou ressarcir o sinistrado de qualquer despesa, pois o autor tinha ao seu dispor e utilizava diariamente uma viatura da empresa, na qual se deslocava para o trabalho; fê-lo durante 18 anos; quando pernoitava nas Minas Neves Corvo, fazia-o nas instalações que a empresa lhe cedia para o efeito no local de trabalho; e o autor abastecia o veículo com o cartão GALP Frota da empresa;
IX – Assim, as alegadas “ajudas de custo” não visavam pagar qualquer despesa específica e individualizada, pelo que não pode senão concluir-se que tais quantias constituem retribuição, independentemente do nome que lhes fosse dado no recibo de vencimento;
X – A retribuição variável a que nos vimos referindo deve ser tida em conta para efeitos de cálculo das indemnizações e pensões em consequência de acidente de trabalho;
XI – Deve, pois, alterar-se o facto 7.º dos factos provados, constando dos factos provados que, para além da retribuição fixa e do subsídio de refeição, já determinados, o recorrente auferia, de forma variável, o valor mensal médio de € 537,35, a que corresponde o valor anual de € 6.448,20, que integra a retribuição;
XII – Considerando o exposto e refazendo os cálculos constantes da decisão recorrida em conformidade:
- o sinistrado auferia anualmente retribuição no valor de € 18.389,74;
- o sinistrado tem direito a indemnização por ITA no valor total de € 15.769,20, sendo a recorrida seguradora responsável pelo pagamento da quantia de € 10 013,49 e o recorrido FAT responsável pelo pagamento da quantia de € 5.755.71;
- o sinistrado tem direito a indemnização por ITP no valor total de € 500,61, sendo a recorrida seguradora responsável pelo pagamento da quantia de € 317,88 e o recorrido FAT responsável pelo pagamento da quantia de € 182,73;
- o sinistrado tem direito a receber uma pensão anual e vitalícia no valor de € 3.717,03, pelo que, considerando ser obrigatoriamente remível, é da responsabilidade da recorrida seguradora o pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 2.360,32 e é da responsabilidade do recorrido FAT o pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.356,71.
XIII – Sem prejuízo do que ficou exposto, resulta da prova produzida nos autos que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima, ficou a padecer de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), pelo que deve alterar-se a matéria de facto dada como provada em 9.º da decisão recorrida tomada nos autos principais;
XIV – Não obstante constar da decisão do apenso “A”, quanto à natureza e grau de incapacidade, que o tribunal a quo tomou a decisão considerando “todos os elementos constantes dos autos e das juntas médicas da especialidade”, a decisão final foi contrária ao parecer das juntas médicas da especialidade quanto à IPATH;
XV – Considerando o parecer técnico especializado de avaliação dinâmica e ergonómica do posto de trabalho do sinistrado, elaborado pelo IEFP e constante a fls. 121 a 126 dos autos, bem como a conclusão dos senhores peritos da junta médica especializada de junho de 2015, reiterada em 2 de fevereiro de 2016, deveria o tribunal a quo ter dado como provado a incapacidade permanente que resultou para o sinistrado do acidente de trabalho objeto dos autos não lhe permite exercer a sua atividade profissional habitual;
XVI – A junta médica que teve lugar no dia 09/06/2016 e cujo auto de exame consta dos autos tinha como finalidade específica integrar/unificar o resultado das juntas médicas da especialidade e da avaliação do IEFP realizadas, estando vinculada às conclusões das juntas especializadas anteriormente realizadas;
XVII – Ainda que assim não se entendesse, as conclusões das perícias especializadas merecem maior credibilidade que as conclusões da junta médica de 09/06/2016, pois aquelas conclusões são retiradas por especialistas, ao contrário destas;
XVIII – Acresce que a argumentação na qual a junta médica de 09/06/2016 funda as suas conclusões é improcedente na sua totalidade, sendo que os médicos subscritores do auto da diligência não conhecem o posto de trabalho habitual do sinistrado, diretamente ou por transmissão deste ou até de terceiros, tendo conhecimentos muito inferiores aos técnicos do IEFP sobre a matéria sob que versa o relatório deste;
XIX - A decisão judicial, porque baseada nas conclusões da diligência de 09/06/2016, não foi a correta quanto à inexistência de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, pois tal incapacidade existe e assim deveria ter sido decidido pela 1.ª instância.
XX – Em consequência, o recorrente tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre os 50% e os 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, bem como a receber subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
XXI – Assim, o recorrente tem direito a receber uma pensão anual e vitalícia no valor total de € 10.256,88, competindo à recorrida seguradora o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 6.513,15 e ao recorrido FAT, em substituição da entidade empregadora, o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 3.743,73;
XXII – O recorrente tem ainda direito a subsídio por elevada incapacidade permanente, no valor de € 1.559,25 e pago de uma só vez;
XXIII – A responsabilidade pelo pagamento da quantia a que se refere a conclusão anterior é da recorrida seguradora;
XXIV - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 344.º n.º 1, 350.º e 376.º do Código Civil, artigos 258.º n.º 3 e 261.º n.º 3 do Código do Trabalho e artigos 1.º n.º 1, 17.º n.º 1, alínea b) e 23.º da Lei 100/97, de 13 de setembro;
XXV – A douta sentença recorrida, bem como a decisão quanto à natureza e grau de incapacidades do sinistrado tomada no apenso “A”, devem ser revogadas em tudo o que contrarie o objeto do presente recurso, substituindo-se por outras que reconheçam ao recorrente o direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que foi vítima nos termos supra expostos.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, condenando-se as recorridas a pagar ao recorrente as prestações, acrescidas de juros vencidos e vincendos, legalmente devidas para integral reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que foi vítima, nos termos da douta sentença recorrida mas com as alterações supra expostas, seguindo-se os demais termos até final.

3. A seguradora contra-alegou e concluiu que as decisões recorridas devem ser mantidas.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso do sinistrado.
O parecer foi notificado e não foi objeto de resposta.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são duas:
1.ª – Alteração de dois pontos da matéria de facto.
2.ª – Aplicação do direito aos factos após a alteração referida no ponto anterior.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1. No dia 9 de dezembro de 2009, pelas 06h30m, na Estrada Nacional 2, ao Km 620,9, em Aljustrel, Beja, o A. foi vítima de um acidente de automóvel por colisão com o veículo ligeiro de passageiros de matrícula … conduzido por FF.
2. O A. circulava no sentido Aljustrel/Carregueiro, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ….
3. Na referida data o A. trabalhava por conta, sob as ordens e direção da EE, S.A., a qual, através da apólice n.º … havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho ocorrida com o A. pelo salário base de € 834,11 x 14 meses, num total anual de € 11.677,54.
4. A Seguradora CC, S.A., no âmbito da responsabilidade civil derivada do acidente automóvel mencionado, pagou ao A. a quantia de € 417,06 a título de IPP a 50% no período de 28.02.2011 a 27.03.2011 e a quantia de € 13.985,24 relativa a ITA entre 10.12.09 a 27.02.2011, tendo por referência o valor mencionado no ponto 3.
5. A EE foi declarada insolvente por sentença proferida em 3.11.2010 no processo n.º 1288/10.4TYLSB, do 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
6. No circunstancialismo referido em 1, o A. deslocava-se para o seu local de trabalho em Minas…, ao serviço da EE (1.º).
7. O A. auferia a retribuição mensal de € 834,11, anual de € 11.677,54, acrescido de um valor mensal variável por cada dia que trabalhava deslocado de Sines, designado no seu recibo de vencimento como “ajudas de custo” e de subsídio de refeição no valor de € 24,00 e anual no valor de € 264,00 (2.º e 3.º).
8. O A. também utilizava o veículo para fins particulares (4.º).
9. Foram fixadas ao autor as seguintes incapacidades:
- Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 10.12.2009 a 27.02.2011e 27.11.2013 (441 dias);
- Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 50% entre 28.02.2011 a 28.03.2011 (28 dias);
-Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 28,875% (desde 29.03.2011) (Apenso).

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir são as que já referimos:
1.ª - Alteração de dois pontos da matéria de facto.
2.ª - Aplicação do direito aos factos após a alteração referida no ponto anterior.

B1) Reapreciação dos dois pontos da matéria de facto
O apelante impugna a resposta dada aos factos dados como provados nos pontos 7.º e 9.º da sentença e funda a divergência, respetivamente, nos recibos de vencimento do recorrente, constantes dos autos a fls. 298 e fls. 310 a 321, e que não foram impugnados, pelo que tais documentos, em seu entender, fazem prova plena e no parecer técnico especializado de avaliação dinâmica e ergonómica do posto de trabalho do sinistrado, elaborado pelo IEFP e constante de fls. 121 a 126 dos autos, bem como a conclusão dos peritos da junta médica especializada de junho de 2015, reiterada em 2 de fevereiro de 2016, pelo que deveria o tribunal a quo ter dado como provado que a incapacidade permanente que resultou para o sinistrado do acidente de trabalho objeto dos autos não lhe permite exercer a sua atividade profissional habitual, pois, em seu entender, a junta médica que teve lugar no dia 09/06/2016 e cujo auto de exame consta dos autos tinha como finalidade específica integrar/unificar o resultado das juntas médicas da especialidade e da avaliação do IEFP realizadas, está vinculada às conclusões das juntas especializadas anteriormente realizadas.
Quanto ao ponto 7.º dos factos dados como provados:
Os documentos que o apelante indica suportam o alegado e não foram impugnados. Aliás, na fundamentação da resposta à matéria de facto, o tribunal recorrido faz menção expressa dos recibos de vencimento e discrimina a parte que aí é descrita como ajudas de custo, que foram pagas todos os meses desde 31.12.2008 até ao mês de outubro de 2009. A sua soma é de € 6.448,20.
Na fundamentação escreve-se, além do mais, o seguinte: “tal verba (as ajudas de custo) destinava-se pois a compensar o autor por cada dia de trabalho em que estivesse deslocado e daí os valores mensais não serem sempre iguais. O A. não tinha outras despesas que adiantasse por conta da sua atividade e que depois tivesse a receber do empregador, não tinha despesas com alojamento e não apresentava quaisquer faturas de despesas de refeições, nem de combustível. Com efeito, sempre que dormia em …, o alojamento era cedido pelo empregador. O autor utilizava ao serviço o veículo em que teve o acidente rodoviário e abastecia o mesmo com o cartão GALP Frota pelo que nem mesmo a este título e contrariamente ao que vinha alegado, tinha despesas de combustível”.
Assim, o ponto 7.º dos factos dados como provados na sentença é alterado e fica com a seguinte redação: “provado que o A. auferia o vencimento mensal de € 834,11, anual de € 11.677,54, acrescido de um valor mensal variável por cada dia que trabalhava deslocado de Sines, designado no seu recibo de vencimento como “ajudas de custo”, todos os meses desde 31.12.2008 até ao mês de outubro de 2009, que não se destinava a suportar o custo de despesas, e cuja soma destes meses é de € 6.448,20, e de subsídio de refeição no valor de € 24/mês e anual no valor de € 264”.
O ponto 9 dos factos dados como provados na sentença: resulta dos autos que o sinistrado foi sujeito a várias juntas médicas de diferentes especialidades, incluindo ortopedia, a qual a princípio não lhe atribuiu incapacidade absoluta para o trabalho habitual, mas que depois, após lhe ter sido apresentado o relatório elaborado pelo IEFP e constante a fls. 121 a 126 dos autos, concluiu por unanimidade e por duas vezes, tantas as que lhe foram perguntadas, que o sinistrado está incapaz para o exercício da profissão habitual, além de padecer ainda de uma incapacidade permanente parcial de 28,875% (desde 29.03.2011).
Não entendemos a razão pela qual o tribunal recorrido designou uma junta médica para emitir parecer sobre a incapacidade para o trabalho resultante do acidente de trabalho, uma vez que os peritos médicos das especialidades intervenientes já tinham respondido claramente, após pedidos de esclarecimento sobre esta matéria.
Como este coletivo de juízes-desembargadores já decidiu nos processos n.ºs 59/14.3TTPTM.E1[1] e 335/14.5TTPTM.E1, deste tribunal “a tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da incapacidade, decorrente das lesões sofridas pela vítima por causa de acidente de trabalho, podendo o juiz afastar-se do laudo dos peritos médicos, desde que estes tenham fundamentado as respostas e deixem claro qual foi o raciocínio lógico que empreenderam, de modo a poder ser entendido e analisado criticamente pelo juiz”.
O tribunal do trabalho não tem que pedir aos peritos médicos para calcularem a incapacidade atribuída por diferentes perícias médicas, uma vez que se trata de apreciar a bondade dos pareceres médicos, os quais podem ser sindicados nos termos que referimos.
Os peritos da junta médica da especialidade de ortopedia, a que o sinistrado foi submetido, fundamentaram as respostas que deram, nomeadamente ao quesito onde se perguntava se este estava incapacitado para o trabalho habitual, e consideraram, que sim, em face do relatório elaborado pelo IEFP.
Os peritos da última junta médica efetuada, desconsideraram o relatório elaborado pelo IEFP com o fundamento de que se baseava nas declarações do sinistrado. É evidente que o sinistrado foi e devia ser ouvido para descrever o seu posto de trabalho e as funções que aí executava antes do acidente de que foi vítima. O relatório foi notificado às partes e não foi impugnado. Antes pelo contrário, o sinistrado requereu que fosse apresentado à junta médica de ortopedia, o que foi deferido pelo tribunal, sem oposição, reticência ou comentário de qualquer uma das partes, e foi tido em conta por esta junta médica, de forma reiterada, como já referimos.
A junta médica realizada em 09/06/2016 não podia deixar de ter em devida conta o relatório elaborado pelo IEFP, cujo conteúdo, onde se descrevem minuciosamente as funções exercidas pelo sinistrado, não foi impugnado pelas partes e foi considerado bom pelo tribunal recorrido ao ter deferido a pretensão do sinistrado para ser apresentado à junta médica de ortopedia em datas anteriores. É o tribunal quem decide sobre a idoneidade dos documentos, pareceres ou outras provas juntas aos autos e não os médicos, os quais, esclareça-se, não têm qualquer responsabilidade, pois foi o tribunal recorrido que lhes solicitou que se pronunciassem sobre esta matéria.
O tribunal do trabalho não pode alijar a sua responsabilidade quanto à apreciação dos elementos de prova e remeter tal função jurisdicional para os médicos.
É manifestamente claro que o relatório técnico elaborado pelo IEFP é um documento idóneo e imprescindível para ser utilizado como elemento para os peritos médicos se pronunciarem sobre a incapacidade do sinistrado para o trabalho, pois descreve o posto de trabalho e as tarefas que este executa e permite aos peritos médicos responder com objetividade sobre as eventuais limitações para o sinistrado decorrentes das lesões de que padece em consequência do acidente de trabalho, nomeadamente para responder ao quesito onde se pergunta se está incapaz para o exercício da profissão habitual.
Termos em que procede a apelação quanto à impugnação da resposta à matéria de facto, revogamos a decisão do tribunal da primeira instância na parte em que fixou a incapacidade do sinistrado apenas em 28,875% para o trabalho em geral e decidimos fixar ao sinistrado uma incapacidade absoluta permanente para o trabalho habitual, acrescida de incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral de 28,875%.
Acrescentamos ainda os seguintes factos, essenciais para a fase seguinte onde se vai aplicar o direito aos factos e que resultam incontroversos dos autos:
1. O autor nasceu em 22.07.1947, conforme certidão de registo de nascimento de fls. 56.
2. O autor teve alta em 28.03.2011.

B2) - Aplicação do direito aos factos após a alteração referida no ponto anterior
No caso dos autos ocorre uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e uma incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral.
Assim, face ao disposto nos artigos 17.º n.º 1 alínea b) e 23.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, o trabalhador sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, bem como a um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de doze vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, pago de uma só vez.
O sinistrado destes autos auferia uma retribuição anual de € 18 389,74, estando transferida para a seguradora apenas a quantia anual de € 11 677,54, pelo que esta está apenas obrigada, por força do contrato de seguro que celebrou com a responsável direta e empregadora do sinistrado, a pagar os montantes correspondentes a esta parte da retribuição, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à data da alta (29.03.2011), até pagamento.
As demais quantias auferidas pelo trabalhador com caráter periódico e regular, nomeadamente aquelas que eram identificadas nos recibos de vencimento como ajudas de custo, dada a sua natureza e por não se destinarem a pagar despesas do sinistrado, constituem parte integrante da retribuição, pelo que serão atendidas no cálculo das incapacidades. O seu valor anual é de € 6 448,20, acrescido do montante anual de € 264, a título de subsídio de alimentação. Estes montantes não foram transferidos para qualquer seguradora, pelo que a responsabilidade pelo seu pagamento compete à empregadora.
Todavia, como esta foi declarada insolvente, é o DD que suportará o seu pagamento (art.º 1.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30.04).
Assim, considerando que: a vítima sofre de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e de incapacidade permanente parcial de 28,875% para o trabalho em geral; tinha 63 anos e oito meses de idade à data da alta, e a natureza das lesões, entendemos adequada a pensão que resulta do critério matemático.
Nestes termos, ponderando os princípios, normas e factos citados, fixamos a sua pensão anual em € 10.256,88, competindo à recorrida seguradora o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 6.513,15 e ao recorrido FAT, em substituição da entidade empregadora, o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 3.743,73;
A esta pensão acresce o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no montante de € 5 400 (€ 450 x 12 meses), correspondente a doze vezes a remuneração mensal mínima garantida mais elevada à data do acidente, a pagar pela seguradora.
O sinistrado esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 10.12.2009 e 27.02.2011 e em 27.11.2013 (441 dias) e em situação de incapacidade temporária parcial (ITP) de 50% entre 28.02.2011 e 28.03.2011 (28 dias). Considerando a alteração dos factos provados, o disposto nos art.ºs 17.º n.º 1 alíneas e) e f) da LAT, 43.º e 51.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30.04, e a retribuição do sinistrado não transferida para qualquer seguradora, o DD, em substituição da empregadora, está obrigado a pagar-lhe a quantia total de € 5.938,44, a título de indemnização por estes períodos de incapacidade temporária.
Nesta conformidade, a apelação é julgada procedente e a sentença recorrida é alterada nos termos acima referidos de modo a compaginar-se com a alteração da matéria de facto e da aplicação do direito aos factos provados e mantém-se quanto ao mais.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, alterar a sentença recorrida e condenar:
1. Os réus apelados a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor total de € 10.256,88 (dez mil duzentos e cinquenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), devida desde 29.03.2011, sendo da responsabilidade da seguradora o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 6.513,15 (seis mil quinhentos e treze euros e quinze cêntimos) e da responsabilidade do DD, em substituição da empregadora, o pagamento da pensão anual e vitalícia no valor de € 3.743,73 (três mil setecentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos).
2. A seguradora a pagar ao sinistrado a quantia de € 5 400 (cinco mil e quatrocentos euros) correspondente ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
3. O DD, em substituição da empregadora, a pagar ao sinistrado a quantia de € 5.938,44 (cinco mil novecentos e trinta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por incapacidades temporárias.
4. A ré seguradora a pagar juros de mora à taxa legal desde 29.03.2011 sobre a pensão da sua responsabilidade.
5. Manter quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas pela seguradora e pelo DD, na proporção da sua responsabilidade, sem prejuízo da isenção deste último.
Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 07 de dezembro de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes (votou a decisão)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho

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[1] Ac. RE, de 30.03.2016, processo n.º 59/14.3TTPTM.E1, www.dgsi.pt/jtre.