Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
53/18.5GCLLE.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
DOLO
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
No caso de serem descritos na acusação factos que integram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente, os elementos atinentes ao dolo, poderá haver convolação, em sede de julgamento, para a imputação do mesmo crime base, a título de negligência, por via da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos previstos no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.2. Nestes autos de processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, n.º 53/18.5GCLLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 3, foi submetido a julgamento, o arguido (...), melhor identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público da prática, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do CP.
1.2. Na audiência de julgamento, produzida a prova, foi comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP, ao que o defesa declarou nada ter a opor ou a requerer (cf. ata de fls. 349).
1.3. Foi proferida sentença, em 14/05/2021, depositada nessa mesma data, na qual se decidiu condenar o arguido pela prática, em autoria material e a título de negligência, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 15º, al. a), 26º, 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), todos do CP, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €70,00, à qual se descontou um dia pelo período de detenção sofrido à ordem dos autos (artigo 80º, n.º 1, do CP) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
1.4. Inconformado com o decidido recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões:
«I) Analisados os factos presentes na acusação e a factualidade julgada provada na sentença recorrida, conclui-se que a acusação não contém elementos de facto suscetíveis de integrar o elemento intelectual do nexo de imputação subjectiva crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em qualquer das variantes legalmente possíveis;
II) Ademais, e como bem refere o Acórdão nº 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20/11/14 e publicado em DR, I série, de 27/1/15, o qual uniformizou jurisprudência: «“A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”».
III) Assim como é referido no parecer da Sra. Procuradora-Geral Adjunta, no âmbito do Ac. N.º 576/15.8GCFAR.E1 que citamos de seguida: «A falta de indicação de factos integradores, seja do tipo objectivo de ilícito, seja do tipo subjectivo de ilícito, implicando assim o não preenchimento, a perfeição, do tipo de ilícito incriminador, deve, forçosamente, conduzir à absolvição do arguido, se verificada em audiência de julgamento” (sublinhado nosso).
IV) Ora, a douta acusação não apresenta quaisquer factos concretos que preenchem o tipo subjetivo de ilícito, nem tão pouco foram apresentados quaisquer factos que poderiam provar a culpa do Recorrente.
V) Em suma, analisado o Acórdão n.º 576/15.8GCFAR.E1 de 29.11.2016 do Tribunal da Relação de Évora, a factualidade elencada na douta acusação, a ausência de factos e de provas que comprovem o elemento subjetivo do crime na acusação, a referência à pratica de crime a título de dolo direto apresentada pelo Ministério Público, a prova produzida em sede de julgamento, a ausência de apresentação de novos factos em sede de julgamento, e a alteração não substancial de factos decidida pelo Tribunal de 1.ª instância, somos em crer, que só com a absolvição do arguido da acusação se fará a tão aclamada justiça ;
Se assim não se entender, e por mero dever geral de patrocínio, requer-se a redução do número de dias de multas e o valor diário, por os mesmos serem manifestamente exagerados e desadequados, violando o princípio da proporcionalidade e o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal com os seguintes fundamentos:
VI) O Recorrente demonstrou arrependimento, está inserido social e profissionalmente.
VII) À hora em que conduziu não se registava praticamente trânsito na localidade nem havia peões na via pública, não tendo o arguido posto em causa a circulação rodoviária ou quem transitava na via, mostrando-se plenamente consciente.
VIII) Atentas as características do automóvel ligeiro o perigo para a sua segurança e a dos outros condutores encontrava-se substancialmente reduzido.
IX) Minutos antes da hora dos factos, o Recorrente exerceu eficientemente atividades de extrema responsabilidade, como o fecho das contas e a organização da contabilidade do restaurante e que carecem de lucidez para a sua realização;
X) À hora dos factos, o Recorrente não tinha consciência que ainda possuía uma taxa de alcoolémia tão elevada, uma vez que já tinham passado várias horas desde da última vez que tinha ingerido bebidas de baixo teor de álcool, e sentia-se plenamente capaz e consciente para praticar uma condução segura;
XI) Teve consciência que, à data dos factos, apenas necessitava de percorrer 6 kms, entre o local do seu trabalho (restaurante) e a sua residência em Portugal;
XII) Repara-se que o tempo que o álcool permanece na corrente sanguínea depende do peso, altura, idade, género e velocidade do metabolismo dos indivíduos.
XIII) Este processo é também afetado pela quantidade de alimentos ingerida, se toma ou não medicação, pelo estado de saúde do fígado e pelo tipo de álcool consumido.
XIV) Todavia, aquilo que se sabe com certeza é que em média o fígado demora uma hora a processar um grama de álcool – e que demora 5,5 horas a decompor na corrente sanguínea a quantidade que equivale ao limite legal permitido para conduzir.
XV) De acordo com a publicação britânica Metro UK, e com um estudo realizado pelo sistema de saúde britânico (NHS), o tempo médio para o corpo decompor o álcool presente em 250 mililitros de vinho, é de três horas. Já para digerir uma caneca de cerveja, o organismo leva até duas horas.
XVI) Aos olhos do Recorrente, e somos em crer que, aos olhos do homem médio, a espera de 6 horas deveriam ser suficientes para o corpo eliminar os vestígios de álcool do corpo humano;
XVII) Desde que confrontado com os presentes autos, o Recorrente redobrou os seus cuidados de condução de veículos automóveis, tendo o processo provocado um forte efeito dissuasor e mostra-se arrependido.
XVIII) A simples censura dos factos praticados pelo Arguido/Recorrente, garantem de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especiais pertinentes ao caso em apreço.
XIX) Por outro lado, uma sanção acessória mais aproximada do mínimo legal mostrar-se-á comunitariamente suportável, dentro das exigências de reafirmação dos valores violados com o comportamento do Recorrente.
XX) Sendo da experiência comum que a faculdade de conduzir é, com frequência, condição necessária para o exercício de muitas actividades remuneradas, a função ressocializadora da pena acessória de inibição de conduzir ficará tanto mais comprometida quanto mais longe for.
XXI) O Recorrente encontra-se desempregado e não aufere quaisquer rendimentos desde dezembro de 2020, pelo que o valor de multa no montante de 5.180,00€ é extremamente exagerado;
XXII) Não foi apresentada, nem pedida pelo tribunal de 1.ª instância, qualquer prova documental que aferisse a real capacidade económica do Requerente.
XXIII) No caso em apreço, a douta sentença recorrida não teve em devida conta princípios previstos no art.º 40.º do C.P., uma vez que uma pena de multa de 74 dias, pelo valor diário de 70€ totalizando o montante total de 5.180€ (cinco mil, cento e oitenta euros), e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses e 15 dias, aplicada ao arguido são manifestamente exageradas e desadequadas, não tomando em consideração a sua situação e as condições em que praticou a infracção, violando a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 71.° e 72.° do Código Penal.
XXIV) A pena principal se mostrou desproporcional e pesada face à fracção cometida.
XXV) Entende-se que perante as circunstâncias do caso em concreto, deveria ter sido aplicada uma pena, mais favorável ao Recorrente, traduzida por um número de dias de multa inferior e um valor diário inferior, àquelas que foram aplicadas, bem como um número inferior de meses de proibição de condução de veículos motorizados, aqueles que lhe foram aplicados.
XXVI) Repare-se que a douta acusação do Ministério Público acusa o Recorrente de dolo direto, alegando uma alta culpabilidade na prática do crime e propõe uma pena mais favorável ao arguido, propondo uma multa à taxa diária de € 30,00, perfazendo a quantia global de € 2.700,00, ao contrário da sentença aqui recorrida, que, condena o Recorrente ao pagamento de uma quantia global de multa no valor de 5.180,00€, mesmo que o dolo direto não tenha sido provado e o Tribunal de primeira instância tenha assumido apenas a existência de negligência consciente.
Nestes temos e nos mais de Direito, requer-se Mui Respeitosamente a V. Exa. que seja dado provimento ao presente Recurso e por via dele, seja anulada a sentença condenatória absolvendo o Recorrente do pedido ou se assim não se entender, reduzir o número de dias de multas e o valor diário por os mesmos serem manifestamente exagerados e desadequados, violando o principio da proporcionalidade e o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.»
1.5. O recurso foi regularmente admitido.
1.6. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de não dever merecer provimento e pela manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:
«1. O Recorrente insurge-se contra o facto de ter sido condenado por negligência consciente quando a acusação em processo especial sumaríssimo imputava a prática do crime de condução em estado de embriaguez a título de dolo, não havendo factos concretizadores descritos no libelo acusatório que integrem tal elemento subjectivo;
2. Conclui o recorrente que deve ser absolvido, porquanto não houve alteração não substancial dos factos, mas tão só a alteração do elemento subjectivo, havendo neste conspecto erro de julgamento.
3. Salvo melhor e mais avalizada opinião, em sede de inquérito, após investigação dos factos, a dedução da acusação tem que ter em conta os indícios recolhidos, que consubstanciem a imputação do elemento objectivo e subjectivo do tipo; todavia, a prova dos factos que integram os elementos objectivos e subjectivos faz-se em sede de julgamento, não sendo possível a dedução de acusações subsidiárias imputando a título principal o dolo, em qualquer das suas modalidades e subsidiariamente, caso resulte da prova em julgamento nesse sentido, a negligência ou inimputabilidade, sob pena de violação do principio constitucional do acusatório e do contraditório.
4. Ora, vindo o arguido acusado do crime de condução em estado de embriaguez, a título de dolo directo, e sendo condenado, pelos mesmos factos que vinham descritos na acusação, mas a título negligente, representa um “minus” ou seja uma imputação subjectiva menos gravosa do crime em causa, pelo que há, efectivamente uma alteração não substancial dos factos e uma, consequente, alteração da qualificação jurídica, com importância essencial para a decisão, razão pela qual a lei impõe que se cumpra o disposto no supra citado artigo 358º do CPP, o que o Tribunal a quo, fez.
5. Conclui-se, portanto, para que haja a alteração da qualificação jurídica dada na acusação – dolo directo – para negligência consciente, de que o arguido foi condenado, terá que a douta sentença sustentar-se em factos que, de acordo com o principio da livre apreciação da prova – artigo 127º do CPP –, consubstanciem a prática do crime a título de negligência, representando um “minus” – um crime menos gravoso.
6. Uma vez que foi cumprido o disposto no artigo 358º nº 1 do CPP, nada tendo requerido o arguido, foi escrupulosamente cumprida, pelo Tribunal “a quo”, a lei processual penal, não merecendo qualquer censura.
7. O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada, fazendo-o apenas com base na sua interpretação dos depoimentos prestados pelas declarações do próprio arguido, concatenadas com os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação e de defesa e que resultaria, no seu entender, que o recorrente nem sequer representou a possibilidade de deter uma TAS criminosa ao empreender a sua condução, posto caso contrário, nem sequer teria arriscado.
8. Toda a prova documental, conjugada entre si, com os depoimentos prestados pelas testemunhas ed acusação, com excepção do depoimento do próprio arguido, relativamente à inexistência do elemento volitivo, considerada artificiosa, conveniente e contrária às regras da experiência comum de vida, e por isso não valorada como verosímil, que mereceram, pela forma segura, serena e coerente como foram prestadas, credibilidade vieram ainda de harmonia com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, confirmar os factos descritos na douta sentença.
9. Por outro lado, da análise atenta e ponderada do texto da douta sentença recorrida, não se vislumbra, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que a mesma esteja impregnada de algum dos vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a), b) ou c) do CPP.
10. Assim, verificando-se que os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência e existente nos autos, não existem razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelos recorrentes.
11. A apreciação conjunta das provas produzidas em audiência, que o tribunal efectuou no âmbito dos poderes que legalmente lhe são atribuídos pelo art. 127 do CPP, permitiu dar como definitivamente assentes os factos constantes da decisão, o que resulta claramente explanado na fundamentação da sentença recorrida.
12. A decisão em apreço, não violou qualquer princípio processual penal, designadamente da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, nem enferma de qualquer vício, tal como defende o recorrente.
13. Quanto ao facto de o recorrente se insurgir contra as penas aplicadas, considerando-as exageradas, uma vez que a pena proposta pelo MP em sede de inquérito, em processo especial sumaríssimo, é menos gravosa, atenta a imputação a título doloso, e as fixadas em sentença, atenta a imputação a titulo negligente, violando assim o disposto nos artigos 70º e 71º do CP.
14. Acontece, que compulsada a douta acusação em processo especial sumaríssimo, o MP propôs a pena principal de 90 dias à taxa diária de €30,00, atendendo as condições pessoais e económicas conhecidas do arguido; realizado o julgamento, provaram-se condições económico financeiras milionárias do arguido e, por isso, lançando-se mão do disposto nos artigos 70 e 71 do Código Penal, e valorando e sopesando os elevados rendimentos e despesas, o Tribunal fixou a pena em 74 23 dias de multa à razão diária €70,00, o que entendemos adequado, justo e proporcional à medida da culpa negligente dada como provada.
15. O mesmo se diga da pena acessória que foi reduzida de 6 meses a 4 meses e 15 dias de proibição de conduzir, uma vez que o recorrente, no hiato temporal de 3 anos após trânsito em julgado da última condenação de condução em estado de embriaguez, reincidiu no mesmo crime, ainda que a título de negligencia consciente, pelo que neste conspecto nenhuma censura merece a douta sentença.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso interposto, mantendo-se, na integra, a douta sentença recorrida.
Vossas Excelências, porém, decidirão, como é de JUSTIÇA!»
1.7. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
1.8. Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.
1.9. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum[1], bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas:
- Da ilegalidade da alteração não substancial de factos descritos na acusação a que o tribunal a quo procedeu;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 2. e 3., por erro de julgamento;
- Excessividade da medida concreta da pena de multa e do montante da taxa diária.
- Excessividade da medida concreta da pena acessória.

2.2. Sentença recorrida
É do seguinte teor a sentença recorrida:
«(…)
II. Fundamentação.
1. Matéria de facto provada (com relevo para a decisão da causa):
1. No dia 15 de julho de 2018, pelas 05:10h, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…) na Estada Nacional 125-3, junto à Estação de Boliqueime, com uma taxa de álcool no sangue de 1,43 g/l, correspondente à taxa de 1,51 g/l registada pelo alcoolímetro quantitativo deduzido do erro máximo admissível de 5%.
2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l, e conhecia as características da via e do veículo.
3. O arguido representou a possibilidade de ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, conduziu o referido veículo na via pública, não se conformando com essa possibilidade.
4. O arguido não procedeu com o cuidado e diligência a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de era capaz.
5. Agiu livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
2. Provou-se ainda que (contestação do arguido, com relevo para a decisão da causa):
6. O arguido é sócio e administrador do restaurante (…);
7. O restaurante (…) é explorado pela empresa (…) e é controlada em 60% pela empresa (…),
8. A empresa (…) é sócia da (…) e pertence ao arguido;
9. Na noite de 15 de julho de 2018, o arguido foi alvo de uma Operação Stop efetuada pela Guarda Nacional Republicana às 05h:10m, na Estrada Nacional 125 -3, Largo da estação de Boliqueime;
10. Nessa noite, o arguido estava a deslocar-se do seu local de trabalho (Restaurante …) para a sua residência temporária sita Rua do (…)
11. No momento da Operação Stop o arguido havia percorrido cerca de 3,1kilometros;
12. O arguido ingeriu bebidas de teor alcoólico (vinho), no início da noite, durante o jantar, por volta das 21.30H;
13. O arguido aguardou até ao fecho do restaurante para se dirigir para casa.
14. O arguido é relações públicas e gerente, sendo da sua responsabilidade acompanhar os clientes.
15. Minutos antes da hora dos factos, o arguido exerceu funções como o fecho das contas, organização da contabilidade do restaurante, pelo que, se considerava capaz de conduzir e na plenitude das suas funções cognitivas.
16. À hora dos factos, o arguido estava acompanhado pela sua esposa.
17. À hora dos factos, o arguido apresentava uma condução regular, não efetuou nenhuma transgressão ao código da estrada, nem colocou em perigo terceiros, apenas foi, aleatoriamente, mandando parar numa Operação Stop efetuada pela GNR;
18. O arguido está inserido na sociedade, exerce uma atividade profissional estável e de grande responsabilidade;
19. Gere vários restaurantes em distritos diferentes (Algarve e Lisboa), e necessita constantemente de se deslocar entre os referidos distritos.
20. Para além das bebidas alcoólicas consumidas ao jantar o arguido ingeriu água com gengibre, limão e hortelã e sentiu-se capaz de realizar uma condução segura antes de iniciar a condução.
3. Mais se provou (com relevo para a decisão da causa):
21. O arguido é administrador societário na área da hotelaria e eventos.
22. O arguido tem 47 anos, e auferiu rendimentos como administrador até 12/2020, na ordem mensal dos €6.000,00 brutos.
23. Atualmente não tem rendimentos e subsiste de poupanças, que estimou no montante agregado de €250.000,00.
24. É titular de património imobiliário com um valor global de pelo menos €600.000,00.
25. Vive sozinho em casa arrendada por €3.000,00 mensais.
26. Tem dois filhos menores, de 17 e 13 anos, que residem consigo em semanas alternadas, tendo a sua guarda partilhada com a progenitora.
27. Paga pensão de alimentos €1.000,00, para além das despesas escolares e de outra natureza relativas aos filhos.
28. Suporta despesas mensais correntes na ordem dos €7.000,00 a €8.000,00.
29. Está habilitado academicamente com um curso superior e pós-graduação na área da hotelaria e marketing.
30. O arguido averba os seguintes antecedentes criminais:
a. Por sentença proferida a 6 de maio de 2014, e transitada em julgado a 5 de junho de 2014, no processo 726/11.3PHSNT, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa pela prática, a 19 de Maio de 2011, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
b. Por sentença proferida a 17 de junho de 2014, e transitada em julgado a 18 de Fevereiro de 2015, no processo 516/14.1SILSB, foi o arguido condenado na pena de 50 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor por 3 meses, pela prática, a 23 de Maio de 2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
2. Matéria de facto não provada (da contestação do arguido):
31. À hora dos factos o arguido estava em plenas condições psico-motoras para o exercício de uma condução segura.

3. Motivação da matéria de facto.
A convicção do tribunal fundou-se nas declarações do arguido, que confessou parcialmente e com reservas a matéria que constava da acusação pública, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas e no teor da prova pericial/documental coligida nos autos, a saber: Auto de notícia de fls. 8 e ss.; Talões de alcoolímetro de fls. 12; Cópias de certificados de verificação de fls. 13 e ss.
A concreta TAS detetada resultou da prova pericial cujo suporte consta dos talões de fls. 12 e respetivos certificados de verificação de fls. 13, tendo o arguido requerido a contraprova em aparelho diverso, e acusado a TAS descrita na acusação.
O arguido começou por dizer que cometeu o crime e pedir desculpa pelo sucedido. De seguida, afirmou ser gerente de um restaurante com uma frequência de 300 a 400 pessoas todos os dias no período do Verão. Recusou estar embriagado (quando tal sucedia, pedia a terceiros que o conduzissem a casa). Mas admitiu ter bebido durante o jantar anterior à fiscalização 3 a 4 copos de vinho (11% a 12% de concentração alcoólica), seguindo-se a ingestão de uma água com gengibre, limão e gelo durante o resto da noite até à saída do restaurante que aconteceu após o fecho, já de madrugada. Há pelo menos 10 anos que gere investimentos de restauração e conhece a incidência de operações STOP. Na noite em causa, disse estar certo de que seria fiscalizado, dada a assiduidade de operações de fiscalização aleatória na área onde explorava o seu restaurante.
Estava ciente de havia consumido bebidas alcoólicas, mas, atento o decurso de pelo menos 4/5horas desde a ingestão, acreditou que não acusaria qualquer TAS contraordenacional ou criminosa, mormente porque não notava qualquer diferença na capacidade de condução. Tanto assim foi que agiu, sabendo que seguramente iria ser fiscalizado. Até à sua saída do restaurante estava ciente das suas capacidades cognitivas, pois realizou o fecho de caixa e demais tarefas administrativas.
Explicou ainda que realizou dois testes (despiste qualitativo e quantitativo), que conduziu cerca de 1Km até ser fiscalizado, e que não esteve envolvido em acidente de viação, nem realizou qualquer manobra perigosa (parou na operação STOP de fiscalização aleatória).
O militar da GNR, (…), explicou que se tratou de uma fiscalização aleatória, e que realizou a despistagem qualitativa, que deu positivo e por isso realizou-se o teste no posto para verificar quantitativamente a concreta TAS. Informou que o arguido requereu a contraprova, o que foi autorizado. Lembrou-se que o arguido se mostrou-se surpreendido, dizendo aos militares que não tinha bebido muito durante a noite. O arguido foi colaborante aquando da detenção. No momento da fiscalização exibia condução regular, sem indícios de manobras perigosas ou acidente de viação. O militar não sentiu forte odor a álcool, nem outros indicadores de estado de embriaguez. Confirmou a autoria do auto de fls. 8.
O militar da GNR (…), corroborou na íntegra o depoimento do militar (…). Acrescentou que o arguido foi colaborante e que não se recorda de sinais exteriores de embriaguez forte. Tratou-se de uma fiscalização aleatória, sendo quase todos os condutores parados naquele local.
A testemunha (…), é assalariada da sociedade gerida pelo arguido e desempenha funções no Restaurante (…). Na noite de 14 para 15.7.2021, a testemunha estava a trabalhar no restaurante, conjuntamente com o arguido, proprietário do estabelecimento. Normalmente, devido à afluência de clientes, o restaurante fecha às 3h, mas antes das 4h as equipas não abandonam o local. Na noite em apreço, não sabe dizer se o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas. Mas afirmou que era hábito do arguido beber 2, 3 ou 4 copos, ao confraternizar com os seus clientes (o que sucede amiúde no negócio). Teve certeza ao dizer que quando o seu patrão estava muito bêbado, não conduzia. Contudo, depois de beber 2 ou 3 copos, era seu hábito conduzir, mas sempre pelo menos 4 a 5 horas depois da ingestão das bebidas. Em tudo o mais, o relato da testemunha revelou-se meramente opinativo ou conclusivo.
Em suma, e concluindo:
1. Quanto ao elemento objetivo da conduta, dúvidas não restam, de acordo com a confissão do arguido, prova pericial e documental, que o mesmo conduzia a viatura automóvel descrita na acusação, na via pública, com uma TAS superior a 1,2g/L.
2. Quanto ao elemento subjetivo da conduta, mormente elemento intelectual do tipo negligente, entendemos que as declarações do arguido foram artificiosas e convenientes, merecendo-nos pouca credibilidade no ponto em que refere não ter representado a possibilidade de acusar uma TAS criminosa.
3. Desde logo, o arguido já averba um antecedente criminal pela prática do mesmo crime, pelo que saberia, necessariamente, à data dos factos que a ingestão (confessa) de 3 a 4 copos de vinhos (de grau de 11% a 12%), cerca de 5 a 7 horas antes da condução poderiam resultar na TAS detetada [veja-se como a notificação feita nos termos do art. 154.º do Código da Estrada refere um impedimento de condução por período de 12horas].
4. Note-se ainda que a reafirmada e reiterada capacidade, alegadamente sentida pelo arguido, para a condução à data e hora dos factos nada releva: de acordo com a prova científica essa mesma perceção ou sentimento já estava influenciado pela anterior ingestão de bebidas alcoólicas (confessada).
5. Questão diversa é a da direção da vontade do arguido em face dessa possibilidade de realização do resultado criminoso. Conformou-se, ou seja, aceitou que iria conduzir com TAS criminosa ou não acreditou, logo, não se conformou com essa possibilidade? Cremos que neste ponto as suas declarações foram lineares, diretas, assertivas e coerentes com a demais prova.
6. O arguido não estava em estado de intoxicação agudo (aliás, a TAS confirma tal realidade, bem, como o depoimento dos dois militares inquiridos), sentia-se capaz de exercer a condução, até à hora do fecho de restaurante tinha exercido funções que exigiam capacidades cognitivas, bebeu água com limão e gengibre até ao fecho.
7. Logo, em face de toda essa dinâmica e apesar da ingestão de vinho, confiou que não apresentaria TAS criminosa, apesar de estar, necessariamente, ciente dessa possibilidade.
8. Neste sentido, veja-se o depoimento de (...) indicando como sendo hábito do arguido, mesmo após ingerir 2 ou 3 copos de vinho, após confraternização com os amigos, conduzir após o fecho do restaurante, o que demonstra que, também quanto aos factos em questão, apesar de toda a dinâmica descrita pelo arguido após a ingestão do vinho, este não agiu de acordo com o dever de cuidado e diligência que se lhe impunha, de modo a afastar o perigo abstrato de uma (representada como tal) possível condução com TAS criminosa, abstendo-se de exercer a condução.
9. Um indício evidente dessa falta de conformação ou da recusa volitiva da efetivação da possibilidade de acusar TAS criminosa resultou de o facto afirmado pelo arguido de saber que seria seguramente fiscalizado em operação STOP, dada a frequência e assiduidade de tais operações no período em apreço.
10. E daí a conclusão (que implicou alteração não substancial dos factos descritos na acusação) de que o arguido não agiu com dolo necessário ou eventual, mas outrossim em negligência consciente, cometendo o ilícito por violação de um dever de cuidado e diligência de que era capaz à data e hora dos factos, ou seja, evitar a condução após ter ingerido bebidas alcoólicas.
No que concerne à factualidade dada como não provada o Tribunal sopesou a prova pericial constante dos autos: ainda que o arguido se sentisse seguro para a condução, na verdade exercia a mesma com uma TAS criminosa donde se conclui, necessariamente, que não estava em condições plenas de segurança para o exercício da condução.
Quanto à factualidade relativa às condições pessoais do arguido, o Tribunal baseou-se nas declarações do próprio, não havendo elementos nos autos que permitam infirmar o respetivo teor.
As condenações penais anteriores resultam do CRC atualizado junto aos autos.

*
4. Fundamentação jurídica.
A. Enquadramento jurídico-penal.
Nos termos do preceituado no art. 292º, nº1 do Cód. Penal, incorre na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, quem, pelo menos por negligência, conduzir veiculo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
Impõe-se, por conseguinte, determinar o que deve entender-se por conduta negligente, e, subsequentemente, determinar quais as condições da sobredita imputação.
Conforme dispõe o art. 15.º, do Código Penal:
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstâncias está obrigado e de que é capaz:
a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização.
b) Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto.”
Na primeira hipótese, estamos no domínio da negligência consciente, no qual o agente ainda admite como possível a verificação do resultado típico no sentido de tomar a sério a possibilidade de ofensa ou violação de bens jurídicos, embora actue confiando que o mesmo não ocorrerá; e na segunda encontra-se caracterizada a negligência inconsciente, hipótese em que o agente nem sequer admite a possibilidade de ocorrência do evento típico.
Elemento essencial do tipo de ilícito é, por conseguinte, a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objetivamente devido.
Por sua vez o tipo de culpa consubstancia-se na violação do cuidado que o agente é capaz de prestar, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar.
O conceito de negligência previsto no citado artigo consubstancia a violação de um dever objetivo de cuidado, ou seja, traduz-se na omissão ou no esquecimento de uma precaução reclamada pela prudência, cuja observância teria evitado o facto correspondente ao tipo de crime, sendo certo que para aquela sobrevir, é necessário que se esteja ante uma situação em que, para determinado bem jurídico, é objectivamente previsível o perigo de uma determinada acção ou omissão.
Com efeito, apenas a previsibilidade objectiva do perigo da acção, ou da omissão, pode criar no agente um determinado dever de agir ou de se abster, sendo necessário que uma pessoa de capacidade média, perante a mesma situação, pudesse prever o perigo de determinada acção ou omissão, assim como a sua evitabilidade em concreto.
Ademais, é necessário a inobservância do cuidado adequado a impedir a ocorrência do resultado típico.
A conduta negligente tem como substracto a ausência, isto é, a omissão do cuidado que, efectivamente, teria a virtualidade de impedir o evento que a própria norma pretende prevenir.
Haverá comportamento negligente, numa perspectiva objectiva, quando o cumprimento do dever de cuidado teria, com efeito, aumentado as probabilidades de evitar uma determinada lesão, devendo o dever de cuidado ser entendido como o cuidado objectivamente adequado a impedir a ocorrência do evento.
Volvendo ao caso dos autos, verificamos que o arguido representou a possibilidade de acusar uma TAS criminosa.
Em face dessa possibilidade de realização do resultado criminoso, o arguido não acreditou, logo, não se conformou com essa possibilidade, acabando por conduzir, confiando que tal resultado não se verificaria devido ao decurso do tempo desde a sua ingestão e estado de capacidade cognitiva que se atribuía no momento em que iniciou a condução.
Como vimos, o arguido não estava em estado de intoxicação agudo (aliás, a TAS confirma tal realidade, bem, como o depoimento dos dois militares inquiridos), sentia-se capaz de exercer a condução, até à hora do fecho de restaurante, tinha exercido funções que exigiam capacidades cognitivas e bebeu água com limão e gengibre até ao fecho. Logo, em face de toda essa dinâmica e apesar da ingestão de vinho, confiou que não apresentaria TAS criminosa, apesar de estar, necessariamente, ciente dessa possibilidade.
Logo, o arguido não agiu de acordo com o dever de cuidado e diligência que se lhe impunha, de modo a afastar o perigo abstrato de uma (representada como tal) possível condução com TAS criminosa, abstendo-se de exercer a condução após a ingestão de bebidas alcoólicas.
Um indício evidente dessa falta de conformação ou da recusa volitiva da efetivação da possibilidade de acusar TAS criminosa resultou de o facto afirmado pelo arguido de saber que seria seguramente fiscalizado em operação STOP, dada a frequência e assiduidade de tais operações no período em apreço.
E daí a conclusão (que implicou alteração não substancial dos factos descritos na acusação) de que o arguido não agiu com dolo necessário ou eventual, mas outrossim em negligência consciente, cometendo o ilícito por violação de um dever de cuidado e diligência de que era capaz à data e hora dos factos.
Face à matéria de facto provada, não há duvidas que o arguido conduzia um veículo automóvel na via pública, que o fazia voluntariamente, de modo negligente, como não há duvidas também que o fazia com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
Tinha também o conhecimento de que não podia conduzir após ter ingerido bebidas alcoólicas, o que tinha feito previamente ao ato de condução: representou a possibilidade de acusar uma TAS superior a 1,2g/L, mas atuou não se conformando com tal possibilidade.
Não existem causas de exclusão da ilicitude ou de exclusão da culpa.
Praticou, pois, o ilícito previsto no tipo em causa, face à subsistência dos elementos objetivos e subjetivo do mesmo.
Nos termos do art. 69º, nº1, al. a) do Cód. Penal, incorre ainda o arguido na condenação numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período que vai de três meses a três anos.
B. Natureza e medida da pena
Aqui chegados, urge proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de que vem acusado e que resultou provado.
O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Do regime legal subjacente a tal diploma, resulta que o critério de escolha da pena e a determinação da respetiva medida - cfr. arts. 70º e 71º - se valida no princípio de que o legislador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.
Este princípio significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar a cada crime concreto, ou seja, a culpa é o pressuposto de validade e o limite da pena em relação a cada crime.
Na determinação da medida da pena há que ter em conta a moldura penal abstrata aplicável ao caso, bem como os critérios constantes dos arts. 71º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal, isto é, há que atender à culpa do agente e exigências de prevenção e ainda às circunstâncias do caso que deponham a favor ou contra ele, designadamente o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e gravidade das consequências, a intensidade do dolo, os motivos determinantes do crime e a conduta anterior e posterior ao facto.
Entendemos que a medida da pena a encontrar terá como limite máximo e inultrapassável aquela que corresponder à culpa do agente, visando-se primordialmente a tutela das expectativas da comunidade que confia na manutenção da norma jurídica violada, procurando-se sempre a reinserção do agente na sociedade.
Atendendo a que o crime pelo qual o arguido vem acusado e se mostra provado, prevê a aplicação alternativa de prisão ou de multa, desde já se dirá que, apesar da existência de um antecedente criminal pela prática do mesmo crime (sentença transitada em 2015), em rigor, a taxa de álcool no sangue que apresentava não se afastava do patamar mínimo a partir do qual a conduta é criminosa, o arguido não exibia sinais de condução perigosa aquando da fiscalização, não esteve envolvido em acidente de viação, foi colaborante com as autoridades e, como vimos, supra, cometeu o crime de modo negligente, ou seja, não agiu com o dever de cuidado que se impunha, o que importa a consideração de um grau de ilicitude diverso do cometimento do crime a título doloso, ainda que eventual.
Assim sendo, a aplicação de uma pena não privativa da liberdade ainda é, em nossa opinião, suficiente para promover a recuperação social do arguido e satisfazer as exigências de reprovação e prevenção do crime, ou seja, para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já supra enunciadas, pelo que optamos pela aplicação de pena de multa, a título principal.
Cumprido o primeiro momento da determinação da moldura penal aplicável, há que prosseguir com a determinação da pena a aplicar concretamente ao crime, dentro dos limites referidos na disposição legal em apreço.
Em primeiro lugar, relativamente à culpa e ao papel que desempenha na determinação concreta da pena, se é certo que o arguido atuou em negligência consciente, o que minora o grau de culpa.
O arguido cometeu o crime de modo negligente, ou seja, não agiu com o dever de cuidado e diligência que se lhe impunha, o que importa a consideração de um grau de ilicitude diverso (mais reduzido) do cometimento do crime a título doloso, ainda que eventual.
Decorre com transparência dos factos provados que o seu modo de execução não foi particularmente hábil ou insidioso, pois que o trânsito no interior de uma malha urbana fica particularmente exposto a fiscalização e, consequentemente, é menos propenso a impunidade.
O grau de ilicitude do facto também é mediano, em face da TAS detetada.
De destacar, igualmente, que a interceção do arguido ocorreu no âmbito de uma fiscalização de rotina e que o mesmo não esteve envolvido em qualquer acidente de viação e conduziu por cerca de 1 a 3 Km até ser fiscalizado.
O arguido não exibia sinais de condução perigosa aquando da fiscalização, não esteve envolvido em acidente de viação, e foi colaborante com as autoridades
Por outro lado, o arguido tem averbado no seu registo criminal duas condenações penais anteriores, sendo uma delas pela prática do mesmo crime (transito em julgado de 2015, por factos de 2014), pelo que fica demonstrado que as carências de ressocialização se encontram compartimentadas num nível alto quanto à prática do crime em questão nestes autos.
Ainda sobre as necessidades de prevenção especial, não resultou demonstrado em julgamento a contextualização do arguido num ambiente de marginalidade (rodoviária ou outra), pelo que se reforça a ideia de não termos por evidenciados especiais cuidados sobre a integração do arguido no contexto jurídico-social. Pelo contrário, o arguido demonstrou ser pessoa perfeitamente inserida em termos sociais, familiares e profissionais.
Assim, tomando em consideração a opção feita pela aplicação de uma pena de multa e uma vez ponderadas as agravantes e atenuantes, efetuado um juízo de culpa e atentas as exigências de prevenção geral e especial, entendemos ser de aplicar ao arguido, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº1, a título negligente, art. 15.º, al. a) do Cód. Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa.
Já o quantitativo diário da pena de multa deverá atender à situação económico-financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, sendo que deverá constituir sempre um sacrifício para que o arguido lhe reconheça dignidade e a valorize como pena (artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal).
Tendo em conta a sua situação financeira apurada e considerando que o arguido possuí um acervo de bens multimilionário (poupanças no valor de €250.000,00 e imobiliário no valor de €600.000,00) e considerando que o seu valor agregado de despesas mensais (na ordem dos €7.000,00, que mantém atualmente apesar de afirmar não ter rendimentos da exploração dos seus restaurantes), considero necessário, justo e adequado fixar o montante diário da pena de multa em €70,00 (setenta euros).
Nos termos do art.º 80.º, n.º 1 do Código Penal, será feito o desconto de um 1 dia, por conta do período de detenção sofrida nestes autos.
- Da pena acessória nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
Incorre ainda o arguido na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de três meses a três anos, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
Nos termos do artigo 65.º, n.º 1 do Código Penal: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. E diz o seu n.º 2: “A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões.”
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/95, de 15 de Março de 1995, publicado no DR II Série, de 20 de Junho de 1995, É certo que o juiz, caso haja lugar a aplicação da pena principal, não pode deixar de aplicar também a inibição (…) bem se compreende que, em certas infracções com a natureza daquela a que se reportam os autos, o legislador preveja a aplicação da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir como de uma pena principal se tratasse: isto é, a aplicação da pena resulta da prova da prática do facto ilícito e da culpa, sem necessidade de se provarem factos adicionais.”
Pela sua pertinência citamos o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.º 236/18.8PCPDL.L1-3, datado de 20-02-2019, consultado in www.dgsi.pt:
“(…) A pena acessória é aplicada e determinada a sua medida concreta tendo em conta as circunstâncias que influíram na determinação da pena principal, em função de razões de prevenção especial e geral e de culpa pela prática de um comportamento censurável na condução automóvel (artigos 65º, 69º nº 1 e 71º do Código Penal).
A questão já foi resolvida por diversas vezes pelo Tribunal Constitucional, sempre com o mesmo sentido: a aplicação da pena acessória imposta por lei e fixada pelo juiz não corresponde a uma “aplicação automática da pena”. Salienta-se, por se nos afigurar particularmente clara, parte da fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional 53/97:
Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei (...).
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibi­ção de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mes­mos critérios de graduação previstos para esta última.
Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais.
É Figueiredo Dias, o ideólogo de lege ferenda desta concepção de pena acessória de proibição de conduzir, que afirma que “uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável… Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
Do supra exposto resulta que a aplicação da pena acessória de cinco meses de proibição de conduzir não implica qualquer violação aos art.s 18º nº 2 e 30º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, nem ao art. 65º nº 1 do Código Penal (…)”.[sublinhado nosso].
Nos termos do art. 69º, nº1, al. a) do Cód. Penal, impõe-se ainda a condenação do arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período que vai de três meses a três anos.
A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal nos termos elencados nas diversas alíneas do n.º 1, do citado preceito, e no pressuposto material de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal.
Atentas as circunstâncias em que ocorreram os factos, a TAS com que exercia a condução e aos antecedentes criminais àquela data, mormente a existência de antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, tendo sido aplicada ao arguido uma pena acessória anteriormente, mas considerando a inserção profissional do arguido e a afirmada necessidade de deslocação automóvel para fins profissionais, decide-se condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias.
De notar que à luz do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 4/2017, de 4 de Maio de 2017 não há que descontar na sanção acessória ora aplicada qualquer período de inibição ou proibição de condução aplicado e efetivado anteriormente a título injuntivo, ao abrigo do instituto da suspensão provisória do processo.
(…)

2.3. Conhecimento do recurso
2.3.1. Da ilegalidade da alteração não substancial de factos descritos na acusação a que o tribunal a quo procedeu
Defende o recorrente que na sentença recorrida foi dada como provada matéria factual atinente à negligência, tratando-se de factos novos, que não podiam ser servir de base à condenação do arguido, não podendo ser objeto da alteração não substancial de factos a que o tribunal a quo procedeu, ao abrigo do disposto no artigo 358º do CPP, por não constar da acusação factos atinentes «ao elemento intelectual do nexo de imputação subjetiva do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em qualquer das modalidades legalmente possíveis».
Assim e na senda da jurisprudência uniformizada pelo STJ, no AUJ n.º 1/2015, de 20/11/2014, não podiam aqueles factos, atinentes ao elemento subjetivo do tipo, ser integrados em julgamento, por via de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos previstos no artigo 358º do CPP.
Embora sem invocar expressamente a nulidade da sentença recorrida, o arguido/recorrente aduz fundamentos que, em abstrato, seriam passíveis de integrar a causa de nulidade da sentença, prevista no artigo 379º, n.º 1, al. b), do CPP.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade da sentença.
Vejamos:
Sobre a nulidade da sentença, na parte que para o caso vertente releva, dispõe o artigo 379º, nº. 1, al. b), do CPP: «É nula a sentença: Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.
Com a cominação da nulidade da sentença prevista na al. b) do nº. 1 do artigo 379º, visa-se a salvaguarda da estrutura acusatória do processo penal, com consagração no artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe: «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio ao princípio do contraditório».
Por força da referida estrutura acusatória do processo, o juiz de julgamento encontra-se tematicamente vinculado, em relação ao objeto do processo (thema decidendem), aos poderes de cognição (thema probandum) e aos limites da decisão, pela acusação ou pela pronúncia[2], o que constitui, para o arguido, uma garantia de defesa, na qual se inclui claramente o princípio do contraditório.
Tal implica, conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[3], nomeadamente, a proibição de condenação por crime diverso do da acusação ou pronúncia, sem o arguido ter podido contraditar os respetivos fundamentos.
É à luz da preservação das garantidas de defesa, constitucionalmente reconhecidas ao arguido (cfr. artigo 32º, nº. 1, da CRP), que se justificam os cuidados postos pelo legislador nas situações de alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, quer a nível substancial (artigo 359º da CRP), quer não substancial (artigo 358º do CPP), equiparando a esta última a alteração da qualificação jurídica dos factos (nº. 3 do artigo 358º do CPP).
Nos artigos 358º e 359º do C.P.P. é regulado o procedimento a observar pelo tribunal no caso de, na audiência de julgamento, se verificar uma alteração não substancial (artigo 358º) ou uma alteração substancial (artigo 359º) dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
A definição de “alteração não substancial de factos” mostra-se consignada na al. f) do artigo 1º do C.P.P., como sendo aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
No que ao presente caso importa, se é certo que como refere o recorrente, de harmonia com a jurisprudência fixada no AUJ n.º 1/2015, de 20/11/2014[4], não podem os factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo, quando não sejam descritos na acusação, ser integrados, em julgamento, por via de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos previstos no artigo 358º do CPP, também não é menos certo, que, no caso de serem descritos na acusação factos que integram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente, os elementos atinentes ao dolo, poderá haver convolação, em sede de julgamento, para a imputação do mesmo crime base, a título de negligência, por via da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos previstos no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP[5].
Assim, no caso de o arguido vir acusado por um determinado tipo de crime, na sua forma dolosa, pode ser condenado pelo mesmo crime, na sua forma negligente, não se verificando, nessa situação, uma alteração substancial dos factos constantes da acusação – na definição constante do artigo 1º al. f), do CPP –, pois da qualificação jurídica dos factos feita na sentença, resultou uma imputação subjetiva menos grave do crime em causa, estando-se antes perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e uma, consequente, alteração da sua qualificação jurídica, que deve ser comunicada ao arguido, em observância do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP.
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso concreto, temos que:
A. Na acusação, imputou-se ao arguido, a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, doloso, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do CP, sendo aí descritos os seguintes factos atinentes aos elementos subjetivos do tipo:
«2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinaria uma taxa de álcool no sengue igual ou superior a 1,20g/l, e conhecia as características da via e do veículo.
3. Não obstante, quis conduzir o referido veículo na via pública, e realizou tal propósito.
4. Agiu livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
B. Na audiência de julgamento, produzida a prova, o tribunal a quo procedeu à comunicação de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e respetiva qualificação jurídica, em termos poderem integrar a prática, pelo arguido, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na forma negligente, p. e p. pelos artigos 15º, al. a), 26º e 292º, n.º 1, do CP.
C. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos, referentes aos elementos subjetivos do tipo:
«2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l, e conhecia as características da via e do veículo.
3. O arguido representou a possibilidade de ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, conduziu o referido veículo na via pública, não se conformando com essa possibilidade.
4. O arguido não procedeu com o cuidado e diligência a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de era capaz.
5. Agiu livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
Confrontando os factos por que o arguido/recorrente vinha acusado, surge destituída de qualquer fundamento a alegação do recorrente, no sentido de que a acusação não conteria a descrição de factos atinentes ao elemento intelectual do nexo de imputação subjetiva do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em qualquer das modalidades legalmente possíveis, quando resulta clarividente que a acusação deduzida pelo Ministério Público contém a descrição de factos que integram os elementos subjetivos do crime cuja prática é imputada ao arguido, designadamente, os respeitantes ao dolo, sendo que com referência ao elemento intelectual consta da acusação «O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinaria uma taxa de álcool no sengue igual ou superior a 1,20g/l, e conhecia as características da via e do veículo
Por outro lado, vindo o arguido acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na forma dolosa, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do CP tendo o tribunal a quo procedido a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, em termos de imputar ao arguido a prática desse mesmo crime, mas na forma negligente, tendo comunicado ao arguido essa alteração, em observância do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, não existia qualquer impedimento legal a que o arguido fosse condenado, como o foi, na sentença, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na forma negligente.
Concluímos, assim, que não ocorre o fundamento da nulidade da sentença invocado pelo arguido/recorrente.
Improcede, por conseguinte, nesta vertente, o recurso.

2.3.2. Da impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 2. e 3., por erro de julgamento
Sustenta o arguido/recorrente que não foi produzida prova de que permitisse dar como provados os factos vertidos nos pontos 2. e 3.
Defende o arguido/recorrente que as declarações que prestou, em julgamento, conjugadas com os depoimentos das testemunhas (…), invalidam a raciocínio seguido pelo Tribunal a quo que o levou a concluir que o arguido representou a possibilidade de acusar uma TAS igual ou superior a 1,2g/l, ainda que não se conformasse com essa possibilidade e impunham que a ilação a extrair fosse no sentido de que o arguido não representou sequer a possibilidade de apresentar uma TAS igual ou superior a 1,2g/l e, consequentemente, que fossem dados como não provados os factos constantes dos pontos 2 e 3 da matéria factual provada.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que o Tribunal a quo apreciou corretamente as provas produzidas, relacionando-as entre si, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, com recurso a critérios objetivos e suscetíveis de motivação e controlo, não merecendo qualquer censura, pelo que, deve ser mantida a decisão.
Vejamos:
O erro de julgamento, reportado à previsão do artigo 412º, n.º 3, do CPP, ocorrerá quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado como não provado ou quando se deu como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
O recorrente impugna a factualidade dada como provada nos pontos 2. – «O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, e conhecia as caraterísticas do veículo e da via» – e 3. – «O arguido representou a possibilidade de ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, conduziu o referido veículo, na via pública, não se conformando com essa possibilidade.» –, por, em seu entender, não ter sido produzida prova que permitisse ao Tribunal a quo dar como provada essa matéria factual, antes pelo contrário, as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos das testemunhas (…), impunham decisão em sentido diverso, dando aqueles factos como não provados.
Na motivação da decisão de facto exarada na sentença sob recurso, no segmento relativo à factualidade a que ora nos reportamos, consignou-se o seguinte:
«(…)
Quanto ao elemento subjetivo da conduta, mormente elemento intelectual do tipo negligente, entendemos que as declarações do arguido foram artificiosas e convenientes, merecendo-nos pouca credibilidade no ponto em que refere não ter representado a possibilidade de acusar uma TAS criminosa.
3. Desde logo, o arguido já averba um antecedente criminal pela prática do mesmo crime, pelo que saberia, necessariamente, à data dos factos que a ingestão (confessa) de 3 a 4 copos de vinhos (de grau de 11% a 12%), cerca de 5 a 7 horas antes da condução poderiam resultar na TAS detetada [veja-se como a notificação feita nos termos do art. 154.º do Código da Estrada refere um impedimento de condução por período de 12 horas].
4. Note-se ainda que a reafirmada e reiterada capacidade, alegadamente sentida pelo arguido, para a condução à data e hora dos factos nada releva: de acordo com a prova científica essa mesma perceção ou sentimento já estava influenciado pela anterior ingestão de bebidas alcoólicas (confessada).
5. Questão diversa é a da direção da vontade do arguido em face dessa possibilidade de realização do resultado criminoso. Conformou-se, ou seja, aceitou que iria conduzir com TAS criminosa ou não acreditou, logo, não se conformou com essa possibilidade? Cremos que neste ponto as suas declarações foram lineares, diretas, assertivas e coerentes com a demais prova.
6. O arguido não estava em estado de intoxicação agudo (aliás, a TAS confirma tal realidade, bem, como o depoimento dos dois militares inquiridos), sentia-se capaz de exercer a condução, até à hora do fecho de restaurante tinha exercido funções que exigiam capacidades cognitivas, bebeu água com limão e gengibre até ao fecho.
7. Logo, em face de toda essa dinâmica e apesar da ingestão de vinho, confiou que não apresentaria TAS criminosa, apesar de estar, necessariamente, ciente dessa possibilidade.
8. Neste sentido, veja-se o depoimento de (...) indicando como sendo hábito do arguido, mesmo após ingerir 2 ou 3 copos de vinho, após confraternização com os amigos, conduzir após o fecho do restaurante, o que demonstra que, também quanto aos factos em questão, apesar de toda a dinâmica descrita pelo arguido após a ingestão do vinho, este não agiu de acordo com o dever de cuidado e diligência que se lhe impunha, de modo a afastar o perigo abstrato de uma (representada como tal) possível condução com TAS criminosa, abstendo-se de exercer a condução.
9. Um indício evidente dessa falta de conformação ou da recusa volitiva da efetivação da possibilidade de acusar TAS criminosa resultou de o facto afirmado pelo arguido de saber que seria seguramente fiscalizado em operação STOP, dada a frequência e assiduidade de tais operações no período em apreço.
10. E daí a conclusão (que implicou alteração não substancial dos factos descritos na acusação) de que o arguido não agiu com dolo necessário ou eventual, mas outrossim em negligência consciente, cometendo o ilícito por violação de um dever de cuidado e diligência de que era capaz à data e hora dos factos, ou seja, evitar a condução após ter ingerido bebidas alcoólicas.
(…)
Resulta do segmento da motivação da decisão de facto acabado de transcrever que as declarações do arguido, na parte em que referiu «não ter representado a possibilidade de acusar uma TAS criminosa», «foram artificiosas e convenientes», merecendo pouca credibilidade ao Tribunal a quo.
Como vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores a atribuição, ou não, de credibilidade à prova por declarações ou testemunhal, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar se for contrária às regras da experiência comum e lógica[6], ou seja, se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum e da lógica racional.
E não existe qualquer impedimento a que o julgador possa atribuir credibilidade a parte de um depoimento e de umas declarações e não a atribuir noutra parte, desde que devidamente fundamentada essa decisão[7].
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
No caso vertente, o arguido, ora recorrente, não põe em causa o sentido das declarações que prestou na audiência de julgamento, nem o sentido dos depoimentos das testemunhas (…), que vêm resumidamente enunciados na motivação da decisão de facto, limitando-se a criticar a valoração dessas provas feita pelo Tribunal a quo, defendendo que deveriam levar a que se desse como não provado que o arguido representou a possibilidade de a quantidade de álcool que admitiu ter ingerido lhe poderia determinar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.
Está em causa matéria factual atinente aos elementos subjetivos, que se prendem com a representação mental do resultado e com a conformação, ou não, com este, por parte do agente.
Tratam-se de elementos que pertencem ao foro íntimo do agente e cuja prova, na ausência de confissão do arguido, terá de ser feita por recurso a ilações ou inferências, isto é, terá que resultar da conjugação da prova dos factos objetivos respeitantes à conduta assumida pelo arguido com as regras de normalidade e da experiência comum[8].
Assim, no caso vertente, tendo o arguido negado que tivesse representado a possibilidade de apresentar uma TAS igual ou superior a 1,2g/l, quando decidiu exercer a condução automóvel, referindo que se representasse essa possibilidade, não teria arriscado, porque sabia que à hora em questão e no percurso que iria fazer iria ser fiscalizado, em operação STOP, o Tribunal a quo, ante o comportamento objetivo assumido pelo arguido, que resultou provado, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, procedido a essa operação, inferiu que o arguido representou a possibilidade de apresentar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, mas não se conformou com essa possibilidade, dando esse facto como provado.
As ilações extraídas pelo Tribunal a quo que o levaram a dar como provada a factualidade vertida nos pontos 2. e 3. não nos merecem censura, porque consentâneas com as regras da experiência comum e conformes aos princípios da lógica racional.
Desde logo, importa fazer notar que embora o arguido referisse que bebeu durante o jantar 3 a 4 copos de vinho (que teria 11% a 12% de graduação alcoólica), seguindo-se a ingestão de água com gengibre, limão e gelo, durante o resto da noite, até à saída do restaurante, após o fecho, já de madrugada, as declarações do arguido, quanto ao tipo de bebidas alcoólicas que ingeriu e respetiva quantidade, não só não foram corroboradas por qualquer prova produzida, como, ainda que o arguido não precisasse se ingeriu ou não outras bebidas alcoólicas, nas 12 horas que antecederam a fiscalização de pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado, a que foi submetido, pelas 05h:10m, quando, na sua versão já haviam decorrido 4 a 5 horas sobre a ingestão dos referidos copos de vinho, apresentando uma TAS de 1,43g/l – deduzido o EMA à taxa registada de 1,51g/l – é impossível que, no período das 12 horas que antecederam a fiscalização, tivesse ingerido apenas 3 a 4 copos de vinho, para mais com uma graduação alcoólica como aquela que referiu.
De acordo com estudos científicos realizados, neste domínio, o pico máximo da TAS é, por norma, atingido cerca de 1 hora após a ingestão das bebidas alcoólicas, tendendo a partir daí a haver a diminuição da TAS, sendo que essa diminuição (o mesmo é dizer a eliminação do álcool pelo organismo), embora seja variável de pessoa para pessoa – estando essa diminuição dependente da velocidade de degradação do álcool no fígado e das caraterísticas de cada individuo[9] –, é, em média, 0,10 g/l de álcool no sangue, por hora[10], pelo que, para apresentar um TAS da ordem daquela que apresentou, caso estivesse, como pretendeu fazer crer ao Tribunal, durante cerca de 4 a 5 horas que antecederam a fiscalização, sem ingerir bebidas alcoólicas, a TAS que teria apresentado em momento anterior àquele em que foi fiscalizado teria de ser ainda superior àquela que registou e uma TAS dessa ordem nunca poderia ser determinada pela ingestão de 3 a 4 copos de vinho.
Quanto à alegação do recorrente no sentido de que sabia que iria ser fiscalizado, em operação STOP, dada a assiduidade de operações de fiscalização aleatória na área onde explorava o seu restaurante, tal não leva a afastar que o arguido representasse a possibilidade de apresentar uma TAS igual ou superior a 1,2g/l no sangue, desde logo, por que como é sabido e foi referido pelo próprio arguido, as fiscalizações realizadas, no âmbito de que se trata, são aleatórias e, sendo-o, existia a hipótese do arguido, não ser fiscalizado e, por isso, decidiu exercer a condução automóvel, nas circunstâncias em que o fez.
E os depoimentos das testemunhas (…), sendo os dois primeiros militares da GNR que efetuaram a ação de fiscalização e a última funcionária de uma sociedade gerida pelo arguido, ao contrário do que o recorrente sustenta, em nada corroboram as declarações do arguido, quanto ao tipo e quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu em momento anterior a ter iniciado a condução automóvel e o que levou a que decidisse exercer essa atividade, nas circunstâncias em que o fez.
Em face do exposto e sem necessidade de maiores considerações, contrariamente ao que defende o recorrente a prova produzida e que convoca não impunha decisão em sentido diverso da proferida pelo tribunal a quo, dando como provados os factos vertidos nos pontos 2. e 3., mostrando-se as ilações extraídas pelo Tribunal a quo, consentâneas com as regras da experiência comum e princípios da lógica racional, não merecendo qualquer censura, pelo que, não se verifica erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova a que o tribunal a quo procedeu.
Nesta conformidade, improcedendo a impugnação da matéria de facto, mantém-se inalterada a factualidade fixada na 1ª instância.

2.3.3. Da medida concreta da pena de multa
O arguido/recorrente pugna pela redução da medida concreta da pena de multa e da respetiva taxa diária, que foram fixadas pelo Tribunal a quo, em 75 dias e em €70,00.
Reputa, o recorrente, de manifestamente exagerados e desadequados o número de dias de multa e o respetivo quantitativo diário fixados, na 1ª instância, tendo em conta as circunstâncias em que ocorreram os factos, atuando o arguido com negligência e tendo, após ser confrontado com o presente processo redobrado os seus cuidados na condução automóvel, encontrando-se arrependido e atenta a sua condição sócio económica, estando desempregado, não auferindo rendimentos desde dezembro de 2020, apresentando despesas bastante mensais avultadas, pagando €1.000,00 de pensão de alimentos à sua ex-mulher e tendo a guarda partilhada de dois filhos menores, sendo responsável por todas as suas despesas e vivendo em casa arrendada.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, defende a manutenção da pena de multa aplicada.
Apreciando:
No que concerne às finalidades das penas dispõe o artigo 40º, do Código Penal, que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
E estatui o n.º 1 do artigo 70º que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[11], sendo tal principio expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 40º do C.P.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
E de harmonia com o disposto no artigo 71º, n.º 2, do C.P., na determinação concreta da pena o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, modo de execução deste, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando esta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de multa, a moldura penal abstrata aplicável ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo arguido, é a de 10 a 120 dias (cfr. artigo 292º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do CP).
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 47º do C.P., cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Cumpre, pois, apreciar se a medida concreta da pena de multa aplicada ao arguido e a taxa diária fixada, pelo tribunal a quo, se mostram excessivos.
Relativamente à medida concreta da pena de multa, o Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua determinação:
«(…)
Em primeiro lugar, relativamente à culpa e ao papel que desempenha na determinação concreta da pena, se é certo que o arguido atuou em negligência consciente, o que minora o grau de culpa.
O arguido cometeu o crime de modo negligente, ou seja, não agiu com o dever de cuidado e diligência que se lhe impunha, o que importa a consideração de um grau de ilicitude diverso (mais reduzido) do cometimento do crime a título doloso, ainda que eventual.
Decorre com transparência dos factos provados que o seu modo de execução não foi particularmente hábil ou insidioso, pois que o trânsito no interior de uma malha urbana fica particularmente exposto a fiscalização e, consequentemente, é menos propenso a impunidade.
O grau de ilicitude do facto também é mediano, em face da TAS detetada.
De destacar, igualmente, que a interceção do arguido ocorreu no âmbito de uma fiscalização de rotina e que o mesmo não esteve envolvido em qualquer acidente de viação e conduziu por cerca de 1 a 3 Km até ser fiscalizado.
O arguido não exibia sinais de condução perigosa aquando da fiscalização, não esteve envolvido em acidente de viação, e foi colaborante com as autoridades
Por outro lado, o arguido tem averbado no seu registo criminal duas condenações penais anteriores, sendo uma delas pela prática do mesmo crime (transito em julgado de 2015, por factos de 2014), pelo que fica demonstrado que as carências de ressocialização se encontram compartimentadas num nível alto quanto à prática do crime em questão nestes autos.
Ainda sobre as necessidades de prevenção especial, não resultou demonstrado em julgamento a contextualização do arguido num ambiente de marginalidade (rodoviária ou outra), pelo que se reforça a ideia de não termos por evidenciados especiais cuidados sobre a integração do arguido no contexto jurídico-social. Pelo contrário, o arguido demonstrou ser pessoa perfeitamente inserida em termos sociais, familiares e profissionais.
Assim, tomando em consideração a opção feita pela aplicação de uma pena de multa e uma vez ponderadas as agravantes e atenuantes, efetuado um juízo de culpa e atentas as exigências de prevenção geral e especial, entendemos ser de aplicar ao arguido, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº1, a título negligente, art. 15.º, al. a) do Cód. Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa.»
Merece-nos concordância a ponderação feita pelo Tribunal a quo dos critérios a atender na determinação da medida concreta da pena de multa.
Assim:
O grau de ilicitude do facto, é mediano, tendo em conta o valor da TAS que o arguido/recorrente apresentava, 1,43g/l, com inerente risco que representa para o exercício da condução, resultando de estudos científicos realizados nesse âmbito que os condutores com TAS de 1,2 g/l têm 8,9 vezes mais risco de ter um acidente e nos condutores com uma TAS de 1,5 g/l esse risco aumenta para 22,1 vezes[12];
O arguido atuou com negligência consciente, que se revela de intensidade mediana, sabendo o arguido que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para lhe poder determinar uma TAS igual ou superior a 1,2g/l, ainda que não se conformasse com a possibilidade de apresentar uma TAS desse valor e, decidindo, ainda assim, “arriscar”, conduzindo um veículo automóvel, nas circunstâncias em que o fez;
As condições pessoais e a situação económica do arguido/recorrente, que resultaram provadas, sendo que possui, como habilitações literárias, um curso superior e uma pós-graduação na área de hotelaria e marketing, exerce a atividade de administrador societário na área da hotelaria e eventos, gerindo vários restaurantes no Algarve e em Lisboa e tem dois filhos menores, de 17 e 13 anos de idade, cuja guarda é partilhada com a progenitora.
O arguido regista antecedentes criminais pela prática de crime de ofensa à integridade física simples e pela prática de crime da mesma natureza daquele por que é condenado nos autos, este último praticado em 2014, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado em 18/02/2015, na pena de 50 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 3 meses.
As exigências de prevenção especial são medianas, tendo em conta que o arguido já regista antecedentes criminais pela prática de crime de condução em estado de embriaguez e exercendo a sua atividade profissional na hotelaria e eventos, gerindo vários restaurantes no Algarve e em Lisboa, esse é um ambiente propício ao convívio e confraternização com outras pessoas e à ingestão de álcool, o que representa algum risco de reiteração de factos de idêntica natureza.
Importa considerar, ainda, as exigências de prevenção geral, que são elevadas, em relação ao crime de que aqui se trata, face aos elevados índices de sinistralidade que se registam nas estradas portuguesas, para os quais contribui significativamente a condução em estado de embriaguez, com as consequências terríveis daí decorrentes, em termos de perda de vidas humanas e de sequelas com que ficam muitos dos sinistrados sobreviventes, com os elevados custos sociais e económicos que acarretam.
Ponderando todos estes fatores, consideramos que a pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa aplicada pelo tribunal a quo, se mostra justa e adequada, às necessidades de prevenção geral e especial, sem exceder a culpa do arguido/recorrente, pelo que, se decide mantê-la.
No que tange ao quantitativo diário da multa:
O Tribunal a quo fixou-o, em €70,00, numa moldura que tem como limite mínimo €5,00 e como limite máximo €500,00 (cf. artigo 47º, n.º 2, do CP):
Importa fazer notar que, na determinação do quantitativo diário da multa, não há que atender à culpa do agente, a qual foi considerada, como tinha de o ser, na parte da decisão relativa ao quantum da pena de multa.
Para a fixação da taxa diária da multa, apenas releva, como expressamente prevê o n.º 2 do artigo 47º do CP, a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.
Como se refere no Ac. da RC de 05/11/2008[13]
«I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna.
II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.»
Nesta linha de entendimento, vem sendo jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores[14], que o montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena e a frustrar a finalidade da punição.
Assim, no caso dos autos, tendo em conta a situação económica e financeira do arguido, ora recorrente e os encargos que suporta, que resultaram apurados [sendo administrador societário na área da hotelaria e eventos, gerindo vários restaurantes no Algarve e em Lisboa; auferido, como administrador, até dezembro de 2020, rendimentos na ordem mensal dos €6.000,00 ilíquidos; à data do julgamento – maio de 2021 – não tinha rendimentos, subsistindo de poupanças, que estimou no montante de €250.000,00; é titular de património imobiliário com um valor global de, pelo menos, €600.000,00; vive sozinho, em casa arrendada, pagando a renda mensal de €3.000,00; tem dois filhos menores, de 17 e 13 anos de idade, com guarda partilhada com a progenitora; paga pensão de alimentos de €1.000,00, para além de despesas escolares e de outra natureza relativas aos filhos; tem despesas mensais correntes na ordem dos €7.000,00 a €8.000,00], conseguindo amealhar poupanças que estimou em €250.000,00, isto sem esquecer o património imobiliário que possui, ainda que estivesse sem auferir rendimentos desde dezembro de 2020, situação transitória, a que não terá sido alheia a Pandemia COVID 19 e o ramo de negócios em que o recorrente exerce a sua atividade, conseguindo o recorrente, não obstante essa situação continuar a suportar encargos superiores a €10.000,00 mês, entendemos que se mostra ajustado e proporcional às exigências a acautelar com a aplicação da pena, o valor da taxa diária da multa fixado pelo Tribunal a quo, pelo que, também neste ponto, não merece censura a sentença recorrida.

2.3.4. Da medida da pena acessória
Pugna a recorrente para que a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos que lhe foi aplicada em 1ª instância, fixada em 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, seja reduzida.
Para fundamentar a sua pretensão aduz o recorrente, que as exigências de prevenção geral e especial não justificam a concreta medida da pena acessória em que foi condenado.
O Ministério Público, defende a manutenção da medida concreta da pena acessória aplicada.
Vejamos:
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez por que o arguido foi condenado, é punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses a três anos, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a), do C. Penal.
Á aplicação de uma pena acessória, tal como como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da pena acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
A prevenção geral, a acautelar, com a aplicação da pena acessória de que se trata, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias visa a pena acessória em apreço prevenir a perigosidade do agente. Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cf. Ata n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).
Corresponde a uma necessidade de política criminal, que se prendem com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez.
Revertendo ao caso dos autos, na graduação da medida concreta da pena acessória, importa considerar os fatores que foram ponderados na determinação da pena principal de multa e que se deixaram enunciados supra, designadamente, a culpa do arguido/recorrente e as exigências de prevenção geral e especial que no caso de evidenciam.
Assim, atendendo, designadamente, ao valor da TAS que o arguido apresentava (1,43 g/l); a que o arguido agiu com negligência consciente; às prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, neste domínio; às exigências de prevenção especial, que se apresentam como medianamente acentuadas, pelas razões que supra aludimos, registando o arguido, ora recorrente, já uma condenação pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sem que se possa deixar de referir que a circunstância de o arguido necessitar de conduzir, para efetuar deslocações no âmbito da sua atividade profissional, entre Lisboa e Algarve, deveria reforçar a contra motivação para que se abstivesse de adotar a conduta que adotou, o que não aconteceu, sopesando todas estas circunstâncias, entendemos que a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada ao arguido/recorrente, fixada em 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, não se mostra excessiva, desadequada ou desproporcional, antes pelo contrário, se peca é por defeito, pelo que se decide mantê-la.
Improcede, pois, também este segmento do recurso.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido (...) e, em consequência, confirmar, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (arts. 513º, nº. 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique.

Évora, 09 de novembro de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
__________________________________________________
[1] Cfr. Ac. do STJ n.º 7/95, in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual.
[2] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 65.
[3] In Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 523.
[4] Publicado in DR, I-Série, de 27/01/2015, no sentido de que «A falta de descrição na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.»
[5] Neste sentido, cfr., entre outros, Ac. da RC de 22/05/2013, processo 387/10.7PBAMD.C1 e Ac. da RE de 23/02/2021, proc. 1901/15.7TDLSB.E1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da R.L. de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
[7] Cfr., entre outros, Ac. da RG de 14/12/2005, proc. 1559/05-1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, cfr. Ac. da RE de 20/01/1087, in BMJ n.º 365, pág. 713, em cujo sumário - citado pelos Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, Vol. I, 4ª edição, 2014, Rei dos Livros, pág. 246-247 - se escreve: «A representação mental do resultado e a conformação com ele pertencem ao foro interno do agente, devendo o julgador partir de factos materiais consumados e daí retirar o grau de pré-figuração do resultado pelo agente, segundo a experiência comum.»
[9] Cfr. Sónia Maria Marques Teixeira Mendonça Gouveia, Avaliação de efeitos do álcool no tempo de reacção, FEUP 2010, pág. 11, acessível in https://repositorio-aberto.up.pt
[10] Cfr. Álcool Verdades e Mitos, Ministério da Saúde, disponível in https://ucccb.pt/wp
[11] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[12] Cf. P.R.P. Álcool - Prevenção Rodoviária, acessível em https://prp.pt/prevencao-rodoviaria/fatores-de-risco/alcool/
[13] Proferido no proc. 329/06.4TAMLD.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[14] Cfr., entre muitos outros, Ac. desta RE de 03/11/2015, proc. n.º 104/13.0TAFAR.E1, acessível in www.dgsi.pt.