Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
701/16.1T8PTG-C.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: VENDA EXECUTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Efectuada a venda judicial de um imóvel em processo executivo e verificando-se que existe uma hipoteca registada com data anterior ao arrendamento de tal imóvel, o dito arrendamento caduca com a referida venda, por força do estipulado no artigo 824.º, n.º 2, do C.P.C., cujo escopo é o de que os bens vendidos judicialmente devem ser transmitidos livres de quaisquer ónus ou encargos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 701/16.1T8PTG-C.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de execução em que é credor reclamante o Banco (…) Português, S.A., exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…) e executado (…), veio o agente de execução proceder, oportunamente, à venda do imóvel que se encontrava penhorado nos autos, venda essa efectuada a favor do credor reclamante acima referido, o qual tinha já hipoteca do referido bem a seu favor.
Após registar o imóvel em seu nome, constatou o referido credor reclamante que existia um registo de arrendamento sobre o dito imóvel, o qual era posterior à hipoteca.
Veio então o credor reclamante requerer o cancelamento de tal registo, ao abrigo do estipulado no art. 824º, nº 2, do Cód. Civil, sendo que o Julgador “a quo” proferiu decisão a indeferir o solicitado, dizendo que não estávamos em presença de um direito real, mas apenas de um direito pessoal de gozo.

Inconformado com tal decisão dela apelou o credor reclamante, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A. O Recorrente é Credor Reclamante nestes autos, pelos quais reclama do Executado (…) a quantia de € 105.431,80 (cento e cinco mil e quatrocentos e trinta e um euros e oitenta cêntimos) proveniente de dois contratos de mútuo com hipoteca as quais foram atribuídos os n. º (…) e (…), melhor descritos na Reclamação de Créditos apresentada.
B. A presente ação executiva deu entrada em 25 de Maio de 2016 sendo que foi efetuada penhora sobre o bem imóvel hipotecado ao credor – prédio urbano situado na Rua (…), Lote 92, freguesia de Crato e Mártires, concelho de Crato, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Crato sob o n.º (…) – em 27 de Maio de 2016.
C. O Recorrente foi citado para reclamar créditos em 29 de Agosto de 2016, tendo apresentado a respetiva reclamação de créditos em 20 de Setembro de 2016.
D. O crédito reclamado foi devidamente reconhecido e graduado em primeiro lugar por sentença datada de 10 de Fevereiro de 2017, em virtude da sua natureza garantida, conferida pelas hipotecas voluntárias registadas em 13 de Agosto de 2007 conforme se poderá constatar pela Certidão do Registo Predial junta ao auto de penhora.
E. Efetuadas as demais diligências processuais, o referido bem imóvel foi objeto de venda através de leilão eletrónico, o qual terminou em 28 de Novembro de 2018, com a adjudicação do bem ao credor hipotecário aqui Recorrente pelo valor de € 100.300,00 – conforme se poderá constatar pela certidão do leilão junta aos autos em 28 de Novembro de 2018 e da respetiva decisão de adjudicação junta aos autos em 21 de Janeiro de 2019.
F. Em face dessa adjudicação, procedeu o credor à liquidação das obrigações fiscais e pagamento das custas processuais, tendo assim o Sr. Agente de Execução procedido à emissão do título de transmissão apresentado o respetivo registo de aquisição a favor do adquirente – vide documentos juntos aos autos pelo Senhor Agente de Execução em 26 de Fevereiro de 2019.
G. Sucede que, efetuado o registo de aquisição a favor do credor hipotecário, entendeu a Conservatória não cancelar todos os ónus que se encontravam registados.
H. Nomeadamente, não procedeu a Conservatória ao cancelamento do arrendamento que incidia sobre o bem imóvel e registado em 13/10/2015 – conforme se poderá confirmar pela certidão predial do imóvel.
I. Entendeu a Conservatória que sendo o registo de penhora sobre o imóvel de 27 de Maio de 2016, ou seja, posterior ao arrendamento registado em 13/10/2015, tal ónus não caduca com a venda judicial do bem imóvel, pelo que se mantém registado.
J. Ora, não se conformando o credor com tal decisão da Conservatória, efetuou requerimento aos autos a expor a situação e a requerer ao Tribunal “a quo” que ordenasse o cancelamento do ónus registado sobre o imóvel – conforme requerimento efetuado em 26 de Fevereiro de 2019.
K. Sucede, porém, que também o Tribunal entendeu que o arrendamento não devia ser cancelado: “pois pese embora constitua um ónus sobre o prédio alienado, constitui um direito pessoal de gozo e não um direito real para efeitos do previsto pelo artigo 824º, nº 2, do CC” – conforme despacho de 27 de Fevereiro de 2019.
L. Ora é precisamente deste despacho que ora se recorre, pois não pode o credor hipotecário se conformar com tal decisão.
M. É entendimento doutrinal e jurisprudencial que o contrato de arrendamento do bem imóvel com hipoteca registada em data anterior (como é o caso), caduca com a venda judicial, aplicando-se, por analogia o disposto no nº 2 do artigo 824º do C.C.
N. Dispõe o nº 2 do artigo 824º do C.C. que:” Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.”
O. Entendeu o Tribunal “a quo” que o arrendamento é um direito pessoal de gozo e não um direito real, motivo pelo qual o nº 2 do artigo 824º do C.C. não tem aplicação ao presente caso.
P. Com o devido respeito pela posição assumida pelo Tribunal, não pode o credor concordar com tal decisão, sendo que, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem decidido de forma inversa à vertida no despacho de que se recorre.
Q. A orientação unânime do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver nomeadamente nos seus acórdãos de 5/2/2009 (João Bernardo), 7/5/2010 (Álvaro Rodrigues), 9/7/2015 (João Camilo), 22/10/2015 (Pires da Rosa) e 15/02/2018 (Roque Nogueira), todos disponíveis em www.dgsi.pt é no sentido de que com a venda judicial do imóvel, existindo hipoteca registada com data anterior ao arrendamento, este último caduca com a referida venda.
R. Nem se poderia admitir que não fosse este tal entendimento, considerando que, à data do registo das hipotecas voluntárias – 2007 – não existiam quaisquer ónus ou encargos – sendo que o Credor constituiu como garantia dos valores mutuados esse imóvel e nesse pressuposto (livre de ónus e encargos), não podendo agora, considerando o incumprimento por parte dos executados, ser obrigado a adquirir o bem imóvel que financiou, com um ónus de arrendamento registado 8 anos depois das suas hipotecas voluntárias.
S. Seria de tudo incomportável para os credores hipotecários verem os seus direitos decorrentes das hipotecas registadas prejudicados em prol de meros contratos de arrendamento celebrados pelos executados, os quais não raras as vezes, apenas o seriam na perspetiva de prejudicar o referido credor.
T. A jurisprudência tem seguido o entendimento do Acórdão do STJ, de 16/9/14, o qual pela sua importância e relevância para o caso, se transcreve, quando refere:
U. “Por isso, como se escreve na mesma obra (pág. 242), citando A. Luís Gonçalves (“Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, RDES, ano XXXX (XII, da 2ª Série), nº1, pg.98) e Henrique Mesquita (RLJ, A.127º, 223), o contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia”. Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza socioeconómica, que não, necessariamente, no sentido técnico jurídico da integração de lacuna – artigo 10º-1 do Código Civil; cfr. ac. STJ de 27/5/10-Proc. 5425/03.7TBSXL.S1 – deverá entender-se que “a referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objeto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.
V. Mais se diga, na sequência do excerto agora transcrito, que o Credor hipotecário, apresentou proposta pelo valor de € 100.300,00 no pressuposto que o arrendamento, que sabia existir, caducaria com a respetiva venda judicial.
W. Constituindo o arrendamento um ónus sobre o imóvel, não fosse tal pressuposto, o credor nunca apresentaria proposta por tal valor, pois em virtude desse ónus o valor da avaliação do imóvel era, como é óbvio, substancialmente inferior.
X. Pelo que, tem de obrigatoriamente que se concluir que o contrato de arrendamento registado em 13 de Outubro de 2015 e que recai sobre o bem hipotecado, caducou pela venda judicial, por força do disposto no nº 2, do art.824º, do C.C, considerando o registo das hipotecas voluntárias a favor do credor reclamante que adjudicou o referido bem em 13 de Agosto de 2007.
XI. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim a decisão do Tribunal a Quo ser anulada e substituída por outra que determine que se ordene à Conservatória que proceda ao cancelamento do arrendamento registado sobre o imóvel adjudicado ao credor hipotecário, pois só assim se fará a costumada Justiça.
Não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo credor reclamante, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o contrato de arrendamento que recaiu sobre o bem hipotecado, estando aquele registado em data posterior à hipoteca, caducou ou não pela venda judicial efectuada no processo executivo, por força do disposto no artigo 824º, nº 2, do Cód. Civil.

Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa dizer a tal respeito que a mesma foi já amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência, sendo que, de forma uniforme (pelo menos nos últimos dez anos) tem vindo a sustentar o entendimento de que, com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, o direito do respectivo locatário caduca, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.
Ora, é também esse o nosso entendimento, pelo que sufragamos, por inteiro, o que é afirmado no Ac. do STJ de 15/2/2018, disponível in www.dgsi.pt, o qual, desde já, passamos a transcrever:
- (…) Como se diz no Acórdão do STJ, de 22/10/15, in www.dgsi.pt, o Supremo, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo, uniformemente, que, com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do citado artigo.
Na verdade, até cerca do ano de 2007, o STJ encontrava-se dividido quanto a essa questão, embora maioritariamente se inclinasse no sentido da caducidade do arrendamento celebrado nas circunstâncias atrás referidas.
Assim, durante esse período, defendeu-se tal caducidade, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 29/10/98, 3/12/98, 6/7/00, 20/11/03, 9/10/03, 31/10/06 e 15/11/07 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, excepto o de 6/7/00, este in CJ, Ano VIII, tomo II, 150).
A não caducidade foi sustentada, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ, de 7/12/95, 19/1/04, 20/9/05, 27/3/07 e 17/4/07 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, excepto os de 20/9/05 e 27/3/07, estes in CJ, Ano XIII, tomo III, 29 e Ano XV, tomo I, 146, respectivamente).
A partir de 2007, a jurisprudência encontrada do STJ sobre a questão em análise é, uniformemente, no sentido da caducidade do arrendamento (cfr. os Acórdãos do STJ, de 5/2/09, 27/5/10, 19/5/11, 16/9/14, 9/7/15, 22/10/15 e 9/1/18, este último ainda inédito, proferido no proc. nº 732/11.8TBPDL, subscrito como adjunto pelo ora relator).
Tem sido, também, neste último sentido o entendimento geral da doutrina (cfr. Oliveira Ascenção, in ROA, nº 45, 363 e segs., Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223, Romano Martinez, in «Da Cessação do Contrato», pág. 321, A. Luís Gonçalves, in RDES, Ano XXXX – XII da 2ª série – nº1, pág. 98, e Ana Carolina Sequeira, «A Extinção de Direitos por Venda Executiva», in «Garantias das Obrigações», págs. 23 e 43).
Por nossa parte, não vemos razões substanciais para divergir do entendimento que vem sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, com base, fundamentalmente, nos argumentos aduzidos no atrás citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, in CJ, Ano XXII, tomo III, 43.
Deste modo, não obstante se entender que o arrendamento não assume a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art. 824º, nº 2, do C.Civil, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.
Concorda-se, pois, em geral, com o exarado no citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, quando aí se refere:
«Assim sendo, ter-se-á por afastada a taxatividade das causas de caducidade do contrato de arrendamento com assento no art. 1051º C. Civil, considerando que o mesmo também pode caducar, entre outras causas – atente-se, v.g., no caso de impossibilidade da prestação (art. 795º CC), como apreciado no ac. desta Conferência de 08/5/2013 – proc. 9304.6YYPRT-A.P1.S1) – por via da aplicação do art. 824º-2 citado, bem como a regra emptio non tolli locatum, que o art. 1057º, também do C.Civil, acolhe ao prever, ipso jure, a transmissão da posição jurídica do locador para o novo adquirente quando se transmita o bem com base no qual foi celebrado o contrato, inaplicável em caso de venda executiva.
A hipoteca, não impedindo, embora, o poder de disposição dos bens, mediante alienação ou oneração, faculdades que decorrem da respectiva inoponibilidade ao credor hipotecário, na medida em que este goza da preferência que lhe é concedida pela prioridade do registo, não deixa de produzir limitações de vária ordem ao direito de propriedade do hipotecador a quem fica vedado praticar livremente actos que ponham em causa o valor da coisa hipotecada, estando limitado aos actos que caibam nos poderes de administração ordinária – arts. 686º, 695º, 700º e 701º C.Civil (vd. M. Isabel H. Menéres Campos, «Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos», 232 e segs.).
A finalidade da hipoteca é, lembra-se, a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é elemento fundamental na atribuição do empréstimo e na determinação do respectivo quantitativo, sendo que, como refere na obra acabada de citar, «as instituições de crédito, aquando da concessão, avaliam fundamentalmente o valor que, na venda em execução, pode alcançar o imóvel, e não há dúvidas que um dos factores que pode influir nesta avaliação é a situação arrendatícia da coisa. Um prédio arrendado tem um valor, um prédio devoluto tem outro.
Se o prédio está arrendado, o credor hipotecário não pode desconhecer esse facto, pelo que o mesmo é-lhe oponível. Pelo contrário, se a coisa que se hipoteca está livre, a existência de um arrendamento posterior coloca a difícil questão de harmonizar os distintos interesses em jogo (…)», o do proprietário, o do arrendatário e o do credor que se vê confrontado com uma desvalorização do imóvel decorrente do, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade, arrendamento que, por sua vez, o arrendatário sabe ou pode saber (desde logo pela publicidade registral) ter por objecto bem hipotecado sujeito a execução.
Por isso, como se escreve na mesma obra (pág. 242), citando A. Luís Gonçalves (“Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, RDES, ano XXXX (XII, da 2ª Série), nº 1, pág. 98) e Henrique Mesquita (RLJ, A. 127º, 223), o contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia”.
Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza sócio-económica, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacuna – artigo 10º-1 do Código Civil; cfr. ac. STJ de 27/5/10-Proc. 5425/03.7TBSXL.S1 – deverá entender-se que “a referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.
Não se trata, portanto, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto no artigo 824º-2 a direitos de crédito, naturalmente de eficácia relativa e, nessa medida, inoponíveis a terceiros, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade, “possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção” (Ana Carolina S. Sequeira, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43).
Sairá, assim, objectivamente penalizado o arrendatário, mas não pode esquecer-se que, como acima já notado, no jogo de interesses em confronto, fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado (vd. ac.STJ, de 02/02/98, BMJ, 482º-224)».
Por isso, sendo o arrendamento posterior ao registo da hipoteca, não pode deixar de considerar-se que caducou, automaticamente, por aplicação do citado artigo 824º, nº 2, com a venda do imóvel arrendado na acção executiva.

Ora, voltando agora ao caso em apreço, verifica-se que, conforme se pode constatar pela leitura da certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos, as hipotecas a favor do credor, aqui recorrente, foram registadas em 13/08/2013, ou seja, em data anterior ao registo do arrendamento.
E, a hipoteca constituída e registada em data anterior ao contrato de arrendamento impõe, em caso de venda judicial do imóvel ao credor hipotecário, a caducidade de tal contrato, em face do disposto no art. 824º, nº 2, do Código Civil.
Com efeito, dispõe a referida norma que “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.
Deste modo, por analogia, deverá entender-se que a lei, ao referir “demais direitos reais”, inclui aqui o arrendamento, pois a ratio de tal preceito legal é a de que os bens vendidos judicialmente devem ser transmitidos livres de quaisquer ónus ou encargos.
Assim sendo, “in casu”, resulta claro que, estando em causa a venda do imóvel locado, atendendo ao disposto no citado art. 824º, nº 2, são inoponíveis ao comprador do mesmo (o aqui apelante) as relações locativas constituídas posteriormente ao registo de qualquer arresto, penhora ou garantia (v.g. hipoteca).
Nestes termos, forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, determina-se que, após a baixa dos autos à 1ª instância, seja oficiado à respectiva Conservatória do Registo Predial no sentido de proceder ao cancelamento do registo relativo ao arrendamento que se mostra registado sobre o imóvel identificado nos autos, o qual foi adjudicado ao credor hipotecário, aqui apelante.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Sem custas.
Évora, 30 de Maio de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás


__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).