Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
610/11.0TBFAR-A.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PRAZO PRESCRICIONAL
Data do Acordão: 02/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DE FARO – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário:
1 - No que se refere aos danos causados ao cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, na medida em que decorre de violação de dever jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes.
2 – Consequentemente, o prazo de prescrição a considerar quanto aos eventuais direitos emergentes da violação dos deveres contratuais em causa é o prazo ordinário de vinte anos, previsto no art. 309º do CC, e não o prazo de três anos estabelecido no art. 498º do mesmo diploma para os casos de responsabilidade extracontratual.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório
FS instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra AC, pedindo a condenação deste a pagar-lhe indemnização no valor de € 600.000 pelos diversos danos que lhe terá causado enquanto seu advogado.
Alegou o A., em síntese, que contratou o R., em 1995, para que este, no exercício da advocacia, deduzisse oposição nuns autos de execução fiscal que contra ele corriam, e que o R. não o fez, tendo apenas apresentado essa oposição em data muito tardia, altura em que foi rejeitada por intempestiva; e que além disso o R. não mais solicitou ou prestou informações relativamente a esse processo, pelo que o A. só veio a saber da referida falta por ulteriores contactos seus com o referido processo. Conclui o A. que da conduta do R. lhe resultaram danos, que quantifica, pelo que para seu ressarcimento peticiona a indemnização já referida.
Devidamente citado, o R. contestou, tanto por excepção, alegando a prescrição do eventual direito do A. nos termos do art. 498º do Código Civil, como por impugnação, narrando os factos relativos à falta de dedução atempada de oposição de modo diferente do A. e invocando a ausência de nexo de causalidade entre os danos alegados e a pretensa falta por si praticada.
Realizada audiência preliminar e proferido despacho saneador, foi neste decidido julgar improcedente a excepção deduzida e organizados os factos assentes e a base instrutória, para prosseguimento do processo.
É do seguinte teor a decisão tomada quanto à invocada prescrição:

“Veio o Réu, no articulado de contestação, excepcionar a prescrição do direito que o Autor pretende ver reconhecido, alegando, em resumo, que os factos em que o Autor sustenta a sua pretensão ocorreram em 1995, tendo decorrido desde então o prazo de três anos previsto no artigo 498°, ns. 1 e 2 do Código Civil, que, no seu entender é aplicável aos casos de responsabilidade civil por incumprimento contratual.
O Autor não respondeu à excepção.
Vejamos. (….)
O prazo geral de prescrição é de vinte anos, conforme estatui o artigo 309° do Código Civil.
Nos termos do disposto no artigo 498°, n.° 1 do Código Civil, aplicável à responsabilidade civil por actos ilícitos, ou extracontratual (cfr. o título da subsecção do Código Civil em que se insere tal preceito) o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
A natureza contratual ou extracontratual da obrigação de indemnizar não é uma discussão teórica pois são diferentes os dois regimes em questões tão importantes como, por exemplo, quanto ao ónus da prova (artigos 799° e 487° do Código Civil) e à prescrição (artigos 309° e 498°, ambos do mesmo Código).
No caso dos autos está em causa a responsabilidade civil por acção ou omissão no exercício da profissão de advogado.
O dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual como da extracontratual, pressupõe, de um modo geral, a coexistência dos seguintes requisitos: a) A ilicitude do facto danoso; b) A culpa, sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto; c) O dano; e d) O nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
No domínio da responsabilidade contratual a ilicitude de um facto danoso resulta da desconformidade entre o comportamento devido pelo seu autor (a prestação debitória) e o comportamento observado; daí também o chamarem-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional. A este tipo de responsabilidade subjaz uma relação intersubjectiva entre lesante e lesado e um desvio unilateral e por vezes bilateral do modo como aquela se devia processar, geralmente já na vigência do contrato.
Tem-se discutido se a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou mista.
No nosso entender, se se trata de caso em que o profissional não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, como no caso dos autos, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele.
O prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos, é, pois, ressalvado o muito e devido respeito por entendimento diverso, o de vinte anos previsto no artigo 3090 do Código Civil e que, atenta a circunstância de os factos em que o Autor sustenta a sua pretensão terem ocorrido desde o ano de 1995, não se mostra ainda decorrido.
Em face do exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais, julgo a excepção de prescrição improcedente por não provada.”

O R. deduziu então o presente recurso, impugnando a decisão acima transcrita.
Apresentou alegações onde formulou as seguintes conclusões:

“A - O R. é advogado e terá sido mandatado pelo A em 1995 para elaborar uma oposição a uma execução fiscal que contra este corria termos.
B - Alegadamente terá o R. apresentado tal oposição extemporaneamente, pelo que a mesma terá sido indeferida com tal fundamento, vindo o A. aos autos peticionar ao R. uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos.
C - O R. defendeu-se na sua contestação invocando a excepção da prescrição por aplicação do art° 498°, n° 1 e 2, que no seu entender pode aplicar-se aos casos de responsabilidade civil por incumprimento contratual.
D - Foi realizada audiência preliminar e elaborado despacho saneador, fixando a matéria assente, elaborando a base instrutória e julgada improcedente a aludia excepção invocada pelo R.
E - Levantando desde logo, o douto tribunal a quo a questão da responsabilidade civil profissional do advogado e de qual será o regime aplicável se o da responsabilidade civil contratual ou extra contratual.
F - Entendeu o douto Tribunal a quo se se tratar de um caso em que o profissional não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele.
G - Ou seja, sem mais, entendeu o douto tribunal a quo que os deveres e obrigações resultantes da celebração do mandato forense a cargo do advogado decorrem desse mesmo contrato.
H – Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podemos equiparar os deveres e obrigações do mandatário em geral previstas no art° 1161 ° do CC com as que resultam para o mandatário forense.
I - Aliás, as mesmas nem sequer lhe poderiam ser aplicadas atenta a sua natureza, pois que não poderia o mandatário forense estar dependente das instruções do mandante, nos termos aí previstos.
J - As obrigações e deveres do advogado enquanto profissional resultam da sua condição de advogado e das regras deontológicas a que está obrigado enquanto tal.
L - Não resultam, portanto, da celebração de qualquer contrato de mandato sem mais.
M - Independentemente de o celebrar com o cliente, não será daí que, no caso dos autos, decorrem os seus deveres e obrigações, sob pena destes terem que corresponder aos que vêm previstos no art° 1161 ° do CC.
N - O advogado que no exercício da sua profissão violar as obrigações e deveres que lhe advêm dos seus deveres e obrigações deontológicos ainda que no incumprimento do contrato de mandato celebrado com o cliente, poderá estar antes a cometer um facto ilícito.
O - Ora, no caso dos autos o R. defendeu-se também por impugnação alegando que, no seu entender a oposição pretendida pelo A. não teria fundamento.
P - Que o terá aconselhado a contratar um colega, familiar do A que exercia a sua profissão em Mirandela, local onde decorria o processo de execução fiscal em apreço, ao que o A terá acedido e terá levado o processo.
Q - Que ainda assim, na altura em que apresentou a oposição foi a pedido do A.
R - Sendo certo que serão tudo factos ainda por provar, o que é certo é que da sua prova ou ausência da mesma poderá resultar ou não que o caso dos autos deverá seguir o regime da responsabilidade civil contratual ou extracontratual com as inerentes diferenças substanciais de regime/aplicáveis.
S - O A., por um lado alega a violação do contrato de mandato, por outro alega a violação de deveres profissionais, o que, desde logo determina a hipotética aplicação de ambos os regimes de responsabilidade civil.
T - No modesto entender do R., dúvidas não restam de que no caso dos autos sempre deverá aplicar-se o regime previsto no art° 498° e consequentemente julgar-se procedente a excepção da prescrição.
U - No entanto, admitindo o R. toda a controvérsia doutrinal e jurisprudencial existente em torno de tal questão, sempre deveria o douto tribunal a quo ter relegado para final a decisão de tal questão atenta a matéria de facto ainda por provar, mormente a causa de pedir em concreto, da qual poderá resultar uma posição clara e devidamente fundamentada sobre o regime de responsabilidade civil aplicável.
v - Não deveria o Douto tribunal a quo sem qualquer fundamentação relegada ao caso concreto ter decidido pela aplicação do regime da responsabilidade civil contratual.
Termos em que se requer a V. Exas. Venerandos Desembargadores desta Relação que seja anulada a presente decisão, optando-se pela aplicação ao caso do disposto no art° 498° do Código Civil, julgando-se procedente a invocada excepção da prescrição, ou caso assim não se entenda, atenta a matéria de facto por provar da qual poderá resultar a causa de pedir da presente acção, se na violação do contrato de mandato se na violação de deveres profissionais, de onde resultará a aplicarão de um ou de outro regime de responsabilidade civil, relegando-se para final a decisão sobre o mérito da aludida excepção.”

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando o Autor pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Os Factos
A factualidade a ter em conta na apreciação do recurso é a que acima foi exposta: o A. demandou o R. alegando que constituiu este seu advogado, passando-lhe procuração, para que este deduzisse oposição numa execução fiscal que contra si corria; o R. apresentou essa oposição fora de tempo, pelo que a mesma foi rejeitada; daí resultaram danos para o A., que ele enuncia e quantifica (não relevando para a questão aqui a decidir a discussão sobre a existência ou não de nexo de causalidade entre a omissão e os danos, ou a prova ou não prova dos referidos danos, questões essas que têm a sua sede própria).
Em face do pedido e da causa de pedir, o tribunal entendeu que estava perante responsabilidade contratual e que havia de aplicar-lhe o correspondente regime legal de prescrição, pelo que a excepção invocada pelo R. não ocorria, o que este contesta.
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III – O Direito
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 660.º, n.º 2, e 684.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil.
A questão a decidir no presente recurso, como resulta do que ficou dito atrás, é a da natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil que nos presentes autos o A. pretende fazer valer contra o R., advogado.
Na verdade, daí decorre como consequência a aplicação de um ou outro dos regimes legais da prescrição; e optando-se pelo prazo curto previsto no art. 498º do CC esta estaria consumada, enquanto a aplicar-se o prazo mais longo previsto no art. 309º do mesmo diploma não se verificaria a alegada excepção, como o tribunal decidiu.
Subsidiariamente, pede o recorrente que a não se entender, como ele, que a prescrição já ocorreu, ainda assim haveria lugar a alguma dúvida pelo que na ausência da necessária certeza jurídica seria caso de remeter a decisão para o julgamento final e não para decidir no saneador.
Deste modo, a discordância do recorrente tem por objecto, muito concretamente, o segmento da decisão impugnada onde o tribunal recorrido escreveu o seguinte:
“No nosso entender, se se trata de caso em que o profissional não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, como no caso dos autos, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele.
O prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos, é, pois, ressalvado o muito e devido respeito por entendimento diverso, o de vinte anos previsto no artigo 3090 do Código Civil e que, atenta a circunstância de os factos em que o Autor sustenta a sua pretensão terem ocorrido desde o ano de 1995, não se mostra ainda decorrido.”
Diremos desde já que acompanhamos o entendimento do tribunal recorrido.
Com efeito, a situação em apreço, tal como resulta dos termos em que é colocada pelo autor, permite considerar sem margem para dúvidas que a responsabilidade que vem invocada é realmente a responsabilidade decorrente do contrato que existiu entre as partes.
Não faz sentido argumentar, como o faz o réu nas suas conclusões, que o ilícito que lhe vem imputado traduz-se no incumprimento dos seus deveres estatutários como advogado, e não do contrato que celebrou. A seguir-se tal caminho ainda se chegaria à conclusão, inaceitável, que o advogado só estaria vinculado pelos deveres decorrentes do seu estatuto profissional e portanto que do próprio contrato de mandato não resultariam obrigações para o mandatário quando este fosse advogado, dada a especificidade das suas funções.
Como também é inaceitável a pretensão de aplicar à responsabilidade contratual o regime de prescrição contido no art. 498º do CC, o qual está manifestamente previsto para o campo de aplicação que a própria inserção sistemática define, que é o da responsabilidade extracontratual.
Em suma, na situação em apreço, tendo em conta que se trata de um litígio entre as partes contratantes, cliente e advogado, e tendo presente o pedido e a causa de pedir, não é possível senão concluir que estamos perante a invocação de responsabilidade contratual: o autor pretende ver responsabilizado o réu por este ter violado as obrigações assumidas no âmbito do contrato que livremente celebrou.
E não havendo margem para dúvidas sobre essa questão bem andou o tribunal em tomar posição sobre ela logo no saneador, em vez de relegar a decisão para o julgamento final.
Com efeito, em situações como a vertente nem sequer tem pertinência a discussão teórica sobre a natureza extracontratual ou contratual da responsabilidade civil do advogado. Se diferentes entendimentos existem na jurisprudência eles referem-se a outras situações, com contornos bem diferentes da que nos ocupa (é fácil compreender que se alguém demanda um advogado pretendendo responsabilizá-lo por danos que lhe causou no exercício de mandato judicial mas esse alguém é um terceiro em relação a esse mandato, e não o cliente, dificilmente poderá invocar a seu favor a figura da responsabilidade contratual).
De qualquer modo, e para o que aqui interessa, surge-nos como pacífica a solução seguida pelo tribunal recorrido.
Veja-se a este respeito o que, de forma brilhante, diz o Ac. da Relação de Coimbra de 8-9-2009, publicado em www.dgsi.pt:
“Como se sabe, paira alguma discussão sobre a natureza da responsabilidade civil dos advogados, apesar de ser largamente maioritária a corrente que lhe atribui natureza mista (contratual e extracontratual, conforme as circunstâncias).
Entre nós, parece que, apenas, o Sr. Dr. António Arnaut defende a natureza extracontratual da responsabilidade dos advogados, baseado em três ordens de razões: a primeira, a de o artigo 1161.º do Código Civil (de futuro, CC), que estabelece as obrigações do mandatário, não se aplicar, manifestamente, ao mandatário forense, a segunda, a de a fonte das obrigações contraídas pelo advogado perante o cliente não ser o instrumento de representação, mas a violação dos deveres deontológicos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante, EOA), e a terceira, a de ser a advocacia uma actividade de eminente interesse público, pelo que a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos em nome de tal interesse.
Reconhece, no entanto, este ilustre jurista que a maioria dos autores propende para a teoria da concorrência de responsabilidades (Iniciação à Advocacia, 7.ª edição, páginas 131 e seguintes).
É o que, realmente, sucede, entre diversos outros autores, com Moitinho de Almeida (Responsabilidade Civil dos Advogados, página 13), Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, volume XII, edição de 1937, página 762) e Orlando Guedes da Costa (Direito Profissional do Advogado, 6.ª edição, páginas 395 e seguintes).
De modo que, no domínio da tese mista, haverá responsabilidade contratual sempre que o advogado não cumprir (incumprimento em qualquer das modalidades que o conceito comporta, desde a impossibilidade do cumprimento à simples mora, passando pelo cumprimento defeituoso) as obrigações emergentes do contrato de mandato e responsabilidade extracontratual quando incorra na prática de facto ilícito lesivo dos direitos do seu constituinte, mas fora, como é óbvio, das obrigações geradas pelo falado contrato.
No acórdão do Supremo de 02.02.1995, por exemplo, considerou-se haver responsabilidade extracontratual da parte de causídico que, tendo recebido de arguido acusado por crime de emissão de cheque sem cobertura diversas quantias que entregou ao seu cliente, portador dos cheques em causa, nada disse em audiência de julgamento, quando o cliente declarou nada ter recebido do arguido (CJ do STJ, Ano III, Tomo I, página 191).
A questão não é despicienda, pois que, se são comuns alguns dos aspectos dos regimes jurídicos de ambas as formas de responsabilidade, mormente a obrigação de indemnizar e os pressupostos da sua verificação (ilicitude, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano), há, também, diferenças fundamentais com reflexos a vários níveis, como acontece com o ónus da prova da culpa (na responsabilidade extracontratual, cabe ao lesado e, na contratual, ao devedor), com a solidariedade (é regra, na extracontratual, e excepção, na contratual), com a responsabilidade por facto de outrem (na contratual, pode ser convencionalmente excluída ou limitada), com a extensão do dano a indemnizar (na extracontratual, pode ser inferior ao dano causado), com a prescrição (cujo prazo ordinário é de vinte anos, na contratual, e de três, na extracontratual) e com a competência do tribunal (na contratual, é o lugar do cumprimento da obrigação, na extracontratual, o do lugar do facto) – Orlando Guedes da Costa, ob. cit., páginas 395/396).
No âmbito da relação advogado/cliente, a responsabilidade do advogado não pode ser senão contratual, como salienta, ainda, este autor, uma vez que resultará do incumprimento de uma das obrigações decorrentes do contrato de mandato.
E este é, igualmente, o entendimento do nosso mais alto Tribunal, como se pode ver, a título de mero exemplo, dos acórdãos de 24.11.1987, 30.05.1995 e 27.05.2003, publicados no BMJ 371, página 444 e na CJ de acórdãos do STJ, Ano III, Tomo II, página 119, e Ano XI, Tomo II, página 78, respectivamente.
Revertendo ao caso que ora nos ocupa, dúvidas não subsistem, tendo em conta o teor da alegação inserta na petição inicial e o que da mesma resultou provado, de se estar no domínio de relação estabelecida entre advogado e cliente, o que nos remete para a responsabilidade contratual.
O que, rigorosamente, se discute é o cumprimento ou o incumprimento das obrigações derivadas do contrato de mandato, à luz da diligência exigível de quem assume a prática de um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (artigo 1157.º do CC).
Configure-se o mandato judicial ou forense como um verdadeiro contrato de mandato, na modalidade de mandato com representação, como é o caso de Moitinho de Almeida e do referido acórdão do STJ de 27.05.2003, ou como um contrato inominado ou atípico, regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao advogado, tanto pelo interesse público da profissão, como pelo dever de independência, como sugere Orlando Guedes da Costa, o advogado está obrigado a tratar com o maior zelo a causa que lhe foi confiada, recorrendo a todos os meios para o bom desempenho da sua missão, incorrendo, se o não fizer, em responsabilidade contratual ou obrigacional, prevenida no artigo 798.º do Código Civil (aresto antes mencionado).
Na sua execução, como é apanágio dos direitos de crédito em geral (mas extensivo a todos os domínios onde exista uma especial relação de vinculação entre duas ou mais pessoas, como se escreveu no acórdão do STJ, de 26.01.1994, devem as partes proceder de boa fé (artigo 762.º CC), sendo-lhes exigível, portanto, que pautem a sua conduta pelos valores da fidelidade, da lealdade, da honestidade e da confiança na cabal realização do negócio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, página 4).
“Regra de ouro do patrocínio judiciário é a da confiança e da lealdade do advogado para com os clientes” (acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 11.05.1985, ROA 45, página 330, citado por António Arnaut na sua obra Estatuto da Ordem dos Advogados, 9.ª edição, página 114).
Por isso que, nas relações com o cliente, deve o advogado, para além do mais, dar opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que ele invoca e prestar-lhe informação sobre o andamento das questões que lhe foram confiadas, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que é incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, e não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas [alíneas c), d) e j) do artigo 83.º do EOA, aprovado pelo DL 84/84, em vigor à data da ocorrência dos factos].
A obrigação do advogado é, neste conspecto, de meios, que não de resultado; cumpre-lhe fazer todos os esforços para obter ganho de causa, que será a pretensão última do cliente, mas sem garantir o resultado efectivo, que depende, via de regra, de circunstâncias a que é alheio (a diferente opinião jurídica do julgador, v.g.).
Como escreve Antunes Varela, quando o advogado se obriga a patrocinar certa causa, não se compromete a ganhar a questão; obriga-se, tão-somente, a empregar a diligência requerida para defender os legítimos interesses do mandante, à semelhança do que sucede com o médico, relativamente ao tratamento e cura do enfermo, ou com o depositário, no que tange à conservação da coisa depositada; adverte, no entanto, que a distinção não pode ser levada demasiado longe, porque “se o advogado perdeu a acção, porque negligentemente perdeu um prazo ou deixou extraviar documentos, é evidente que não há cumprimento das obrigações assumidas, porque estas se encontram sujeitas, como todas as demais, ao dever geral de diligência (artigo 762.º, n.º 2)”
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Naquelas situações em que o advogado omite a prática de acto que é condição, senão do vencimento da acção, pelo menos, da apreciação do seu mérito (sem o que não pode haver ganho de causa, como é óbvio), como, por exemplo, instaurar a acção, contestá-la, arrolar prova, recorrer ou alegar, deixando precludir o direito de o praticar, por via do esgotamento do prazo, pode falar-se em verdadeira obrigação de resultado (a obrigação de propor a acção ou de apresentar a peça processual devida), cujo incumprimento desencadeia directamente a responsabilidade civil perante o cliente.
De acordo com o disposto no artigo 798.º do CC, aplicável à responsabilidade contratual, como acima se disse, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Para além da douta exposição transcrita, veja-se de igual modo o que com toda a pertinência pode ler-se no Ac. da Relação de Lisboa de 15-5-2008, também publicado em www.dgsi.pt:
“Nos presentes autos requer o Autor a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da violação pela Ré dos deveres profissionais, no âmbito da relação de mandato forense relativa a um processo judicial no qual o Autor foi Réu e a Ré sua advogada.
Na contestação, a Ré invocou a excepção peremptória da prescrição, alegando que decorreram mais de três anos desde a data do facto gerador do dano cuja indemnização o Autor peticiona.
No saneador, foi julgada improcedente a excepção, por se considerar que o prazo prescricional é o ordinário, dada a responsabilidade civil contratual da advogada perante o mandante.
A Ré discorda exactamente da decisão, pois que, em seu entender, quando um advogado assume o patrocínio de alguém a responsabilidade civil em que possa incorrer por eventual incumprimento dos seus deveres é extracontratual.
Neste circunstancialismo, para a resolução da questão suscitada pela Recorrente, importa qualificar a responsabilidade civil em causa, ou seja, analisar quais as regras aplicáveis à responsabilidade do advogado pelos danos que causar no exercício das suas atribuições.
O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus actos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
A actividade do advogado transcende a simples delimitação conceitual da profissão, alcançando carácter de múnus público.
No entanto, a relevância do mister que desempenha não deve ser vista como salvo – conduto para o mau profissional agir ao arrepio da lei.
Assim, deve o advogado responder pelos actos ilícitos que praticar no exercício das suas funções, seja no âmbito penal, caso cometa crime, seja no âmbito civil, assunto que iremos tratar, in casu.
A distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual não é despicienda, cabendo destacar a relevante consequência da adopção de uma ou outra modalidade. Enquanto na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado demonstrar a existência dos pressupostos que a caracterizam, na contratual há uma inversão do ónus da prova, pois, uma vez provado o incumprimento de dever contratual, cabe à parte infractora demonstrar que não agiu culposamente, evidenciando a razão jurídica de seu facto ou invocando causa excludente da responsabilidade.
É evidente que, por força da actuação do advogado, podem resultar danos ao seu constituinte ou a terceiros.
A resposta à questão colocada exige, assim, que se diferenciem os prejuízos causados ao seu cliente daqueles suportados por terceiros.
Quanto ao último caso, não seria possível cogitar de responsabilidade contratual, já que, evidentemente, inexiste relação negocial entre o juiz e o causídico ou entre este e qualquer outro sujeito processual que não seja o seu cliente. Assim, são aplicáveis a tais hipóteses as regras pertinentes à responsabilidade extra – contratual, que decorre da violação de dever jurídico previsto em lei.
Nesse sentido, deve realçar-se a circunstância de que o advogado, além de observar as normas a que está sujeito o cidadão comum, vincula-se às disposições específicas do seu estatuto profissional.
Ademais, incumbe ao lesado a prova dos elementos caracterizadores da responsabilidade, razão pela qual deve demonstrar o dano que sofreu, o nexo de causalidade e a actuação culposa do agente, uma vez que a responsabilidade em questão é subjectiva.
Ao invés, no que se refere aos danos causados ao cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, na medida em que decorre de violação de dever jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes.
Ao proferir a decisão, a Ex.ma Juiz considerou a alegação do Autor, segundo a qual a Ré não havia comparecido à audiência de julgamento agendado sem justificação e, apesar de ter recorrido da sentença, não apresentou as respectivas alegações, razão por que o recurso foi julgado deserto, transitando a sentença, daqui decorrendo os danos patrimoniais invocados pelo Autor.
Torna-se, assim, evidente que os factos em evidência são susceptíveis de recondução à responsabilidade civil contratual, pelo que, em conformidade com o preceituado no artigo 309º do Código Civil, o prazo de prescrição é o ordinário, ou seja o de 20 anos.”
Se nos alongamos nas transcrições é para demonstrar à saciedade a sem razão do recorrente, e o acerto da decisão recorrida. Cremos ter deixado clara a questão; e resta então julgar improcedente o recurso, confirmando o que vem impugnado.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo apelante.
Évora, 16-02-2012
José Lúcio
Maria Alexandra Moura Santos
João Gonçalves Marques