Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
270/17.5GBABF.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: CRIMES CONTRA A HONRA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – Atentas as circunstâncias de tempo e lugar em que o arguido imputou à ofendida a prática de crimes no exercício da sua profissão de advogada, a reiteração da conduta, por vários meses, causando-lhe duradouramente sofrimento pelo ataque ao seu bom nome profissional,em termos de equidade, justifica-se a elevação do montante atribuído por danos não patrimoniais para € 5.000,00 (cinco mil euros).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo comum singular n.º 270/17.5GBABF, do Tribunal judicial da Comarca de Faro, foi proferida sentença a condenar o arguido CC pela prática de um crime de injúria agravada do art. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa; pela prática de um crime de difamação agravada dos arts. 180º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa; em cúmulo jurídico na pena única de 240 (duzentos e quarenta), à taxa diária de € 5 (cinco euros).

Foi o mesmo arguido ainda condenado a pagar à demandante MM indemnização no valor de € 2.000 (dois mil euros) e juros de mora desde a data da decisão até integral pagamento.

Inconformada com o decidido, recorreu a assistente, concluindo:

“A) O presente recurso é interposto da douta sentença na parte em que condenou o arguido a pagar à Recorrente indemnização no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), por se discordar do valor fixado pelo Tribunal a quo.

B) A Recorrente considera que o quantum indemnizatório fixado ao Recorrido é muito inferior ao que corresponde aos danos não patrimoniais por si sofridos e, devidamente provados.

C) A Recorrente considera que houve uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no Art. 483º, 496º n.º 1 e n.º 2, 1ª parte e, Art. 494º, todos do Código Civil.

D) A Recorrente considera que, atenta a matéria de facto provada (provando-se ao preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime de que o Recorrrido vinha acusado), atenta a prova quanto ao elevado grau de censurabilidade da conduta do Recorrido e, sua culpabilidade, a decisão quanto à matéria da responsabilidade civil, além de incorrecta, encerra um grau de contradição, na medida em que, embora não seja objectivamente possível quantificar os danos não patrimoniais, era exigível, desde logo perante as norma legais aplicáveis, a fixação de quantum indemnizatório correspondente aos danos sofridos e, não inferior aos mesmos.

E) O Recorrido vinha acusado da prática de: - um crime de injúria agravada, previsto e punido pelo Art 181º n.º 1 184º, por referência ao Art. 132º n.º 2 al. l), do Código Penal, pelo qual foi condenado, na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa e, - um crime de difamação agravada, praticado na forma continuada, previsto e punido pelo Art. 180º n.º 1, 183º n.º 1 al. a) e 184º, por referência ao Art.132º n.º 2 al. l), todos do Código Penal, pelo qual foi condenado, na pena parcelar de 200 (duzentos) dias de multa; Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).

F) A matéria de facto provada em sede audiência de discussão e julgamento e, que condenação supra referido em matéria criminal, impunha uma condenação superior em sede de responsabilidade civil.

G) Realizada a audiência de discussão e julgamento, com relevo para a decisão, foram dados como provados os seguintes factos: (…)

H) Em sede de motivação da decisão quanto aos factos, o Tribunal a quo, baseou-se na apreciação crítica da prova produzida em audiência de julgamento, ponderada à luz das egras da experiência comum, em conjugação com a prova documental existente nos autos, designadamente: declarações da assistente MM, testemunhos de CMR, NC, RA, MS, MF e, Documentos de fls. 3, 12, 15, 24 a 42, 52 a 54, 95 a 99, 268 a 270, 407, 408 e 431, tendo considerado que, os relatos da assistente e das testemunhas foram merecedores de juízos positivos quanto à sua credibilidade, sendo favoráveis os juízos de fiabilidade sobre o seu conteúdo.

I) O Tribunal a quo que refere ter ficado convencido que a Recorrente pretendeu prestar declarações rigorosas e, que o fez e, que no seu depoimento não pareceu pretender prejudicar artificialmente a posição do arguido.

J) Ficou pois o Tribunal a quo convencido, designadamente, de que: “…o arguido, desagradado com o desfecho de um processo judicial de divórcio e inventário no qual a assistente interveio como advogada da contraparte, decidiu manifestar publicamente o seu desagrado; Fê-lo essencialmente através de “manifestações” na via pública, à porta do edifício onde a assistente tem escritório, exibindo cartazes e abordando transeuntes; Em algumas ocasiões dirigiu missivas escritas À assistente e a pessoas do mesmo edifício; Fez ainda, posteriormente, manifestações semelhantes, na rua, nas imediações do Tribunal de Albufeira e até numa movimentada rotunda da terra.”

“Os factos respeitantes ao sofrimento psicológico causado na assistente pela conduta do arguido decorrem da ponderação dos testemunhos de MS, e MF, coerentes tanto com o teor das declarações da assistente com o que é o resultado normal daquela atuação segundo as regras da experiência comum.”

K) Em sede de subsunção dos factos ao Direito, o Tribunal a quo considerou que:

A)- Quanto ao crime de injúria agravado “Considerados os factos provados verifica-se o preenchimento do tipo objectivo do crime matricial de injúria. Com efeito, o arguido apelidou directamente a assistente de “vigarista” e “burlona” e, além disso, inscreveu em cartazes, que foram vistos por aquela, que a mesma era responsável por crime, roubo, abuso de poder, burla e trabalho sujo, palavras todas elas carregadas de um desvalor objectivamente ofensivo da honra de qualquer pessoa. A previsão normativa do ilícito agravado também tem sustento nos factos apurados: o arguido injuriou a assistente por causa das suas funções de advogada. Os factos provados sustentam, por fim, o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito: o arguido sabia que ofendia a honra da assistente e actuou daquela forma porque assim quis. Indiciada a ilicitude da conduta do arguido pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito-típico, não se apuraram factos justificativos da sua actuação. A actuação do arguido foi contrária ao dever – ser jurídico-penal e é passível de censura ética. Verificadas a tipicidade e a ilicitude da conduta e a culpa do arguido, conclui -se que cometeu, nos termos previstos e punidos pelo artº 181º nº 1 e 184º do Código Penal, um crime de injúria.”

B)- Quanto ao crime de difamação agravada “Os factos apurados sustentam também a prática deste segundo crime. Com efeito, dos factos decorre que o arguido, dirigindo-se a terceiros – qualquer transeunte que passasse no local onde exibia os cartazes de que se fazia acompanhar – imputou à assistente (facto 4) a responsabilidade por crime, roubo, abuso de poder, burla e trabalho sujo; São imputações que, evidentemente, ferem a honra de qualquer pessoa. Também aqui se verifica o aparecimento do ilícito na sua forma agravada: o arguido difamou a assistente por causa do seu trabalho como advogada num processo judicial. Os factos sustentam igualmente o preenchimento do tipo subjectivo do crime, uma vez que o arguido conhecia o quadro fáctico da sua actuação e agiu em acordo com o que era a sua vontade. Não se apuraram factos justificativos da sua actuação, que foi contrária ao dever ser jurídico-penal e é passível de censura ética. Verificadas a tipicidade e a ilicitude da conduta e a culpa do arguido, conclui-se que cometeu, um crime de difamação, previsto e punido pelos artºs 180º nº 1 e 184º do Código Penal.”

L) Quer quanto ao crime de injúria gravada, quer quanto ao crime de difamação agravada, no caso concreto, resultaram provados quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo, sendo que o arguido, quer num caso, agiu com dolo e directo e, na sua modalidade mais grave, inexistindo quaisquer factos que justifiquem a actuação do Recorrido, que excluam a ilicitude da sua conduta e a sua culpa.

M) A tipicidade, a ilicitude da conduta e a culpa do Recorrido estão provadas, quanto aos dois ilícitos criminais de que vinha acusado e, por cuja prática foi condenado, de forma clara e fundamentada, sem qualquer margem para dúvida.

N) Em sede de escolha e medida concreta das penas a aplicar ao Recorrido, o Tribunal a quo, considerou que:

“…dos factos provados desde logo resulta que a imagem global dos crimes é significativamente grave, sendo elevadas tanto as exigências preventivas de ordem geral como o juízo de censura merecido pela conduta do arguido. Tanto a injuria como a difamação foram perpetradas junto à porta do edifício Altis onde a ofendida tem o seu escritório de advogada. Ora, sabendo que ambos os crimes foram praticados por causa das funções de advogada da ofendida e levadas a cabo a imputação de crimes no exercício dessas funções, é patente o potencial danoso da conduta ilícita. O local físico em que os crimes ocorreram e as concretas imputações feitas à ofendida maximizam a probabilidade de que as mesmas causem na sua clientela um sentimento de desconfiança, o que evidentemente é apto a trazer consequências graves para o exercício da actividade profissional da vítima. E, em decorrência, é tanto maior também o potencial de criação de danos psicológicos para esta: se injuria e difamação são, só por si, aptos a gerar angústias e inquietações, se levadas a cabo num contexto capaz de ter consequências profissionais negativas então tanto maiores serão as consequências psicológicas para a vitima.

E não fique por dizer: os factos assinalam, de forma muito evidente, que esta maximização de danos foi o desiderato específico do arguido; Mesmo que estivesse convencido da justiça do seu “protesto” e pretendesse tornar conhecida do público a sua situação pessoal, seguramente há locais em Albufeira muito mais movimentados do que a porta do edifício do escritório da ofendida. Mais foi aí, especificamente aí, que decidiu exibir os cartazes injuriosos e difamatórios de que se fez acompanhar. Não o fez por acaso. Numa primeira conclusão, os factos assinalam uma injuria e uma difamação de contornos sérios, sendo por isso elevados os cuidados preventivos gerais, e é muito censurável a conduta do arguido.” – bolt nosso

O) Face ao supra referido, a Recorrente discorda da decisão proferida quanto à matéria de responsabilidade civil, no que ao quantum indemnizatório se refere.

P) A matéria provada quanto aos factos e, quanto ao pedido cível, supra identificada, impunham uma condenação mais expressiva e, consequente em matéria de responsabilidade civil.

Q) Pela ocorrência dos factos denunciados e, que se vieram integralmente a provar em sede de audiência de discussão e julgamento (sendo que os fatos não provados não são impeditivos do juízo formulado pelo Tribunal a quo, nem colocam em causa a sua convicção, nem a fundamentação quanto à análise da prática dos crimes em causa e, condenação proferidas), a Recorrente deduziu pedido de indemnização cível, alegando danos de natureza não patrimonial sofridos em consequência directa e necessária da conduta do Recorrido, peticionando uma compensação justa, que estimou e estima em € 20.000,00 (vinte mi l euros).

R) A decisão quanto à matéria de responsabilidade criminal demonstra a existência de factos culposos e ilícitos praticados pelo Recorrido e, que tais factos causaram, directa e necessariamente, danos não patrimoniais à Recorrente, dando assim por provado o necessário nexo causal, considerando que tal ofensa é grave e merece tutela do direito.

S) À luz das disposições legais aplicáveis e, da gravidade dos factos em causa, a medida indemnizatória fixada não reveste carácter equitativo.

T) Dispõe o Art. 483º n.º 1 do Código Civil que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

W) Trata-se de norma jurídica que define o regime da responsabilidade civil por factos ilícitos, geradora de obrigação de indemnizar, sendo que, no caso concreto estão plenamente verificados todos os pressupostos legais que constituem o Recorrido na obrigação de indemnizar a Recorrente: prática de factos, culposos e ilícitos, causadores do dano alegado e provado e, prova do respectivo nexo de causalidade.

U) A Recorrente alegou e peticionou indemnização por danos não patrimoniais de montante não inferior a €20.000,00 dada a gravidade da situação e, o que com a mesma sofreu a nível psicológico, a angústia que sentiu.

V) É preciso não perder de vista, tal como se refere na douta sentença, o Recorrido agiu de forma premeditada, intencional, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

X) O Recorrido decidiu praticar os crimes em causa – injúria agravada e difamação agravada – junto à porta do edifício onde a Recorrente tem o seu escritório, imputando -lhe a prática de crimes no exercício da sua profissão de advogada.

Y) Decidiu também praticar igual conduta junto à porta do Tribunal de Albufeira, onde diariamente a Recorrente se desloca e, onde é sobejamente conhecida.

Z) Decidiu ainda praticar igual conduta num local público, central, perto do escritório da Recorrente e, onde diariamente circulam milhares de viaturas.

AA) E fê-lo diariamente e, ininterruptamente, por um largo período de tempo: provou-se que o fez desde 22 de Janeiro a Junho de 2017, até, pelo menos 14 de Julho de 2017; mais de meio ano.

AB) Distribuiu por todos os condóminos do edifício onde trabalha a Recorrente, cartas com os dizeres injuriosos e difamatórios da honra e consideração da Recorrente e, bem assim do seu profissionalismo. Trata-se de um edifício de escritórios/serviços, onde a Recorrente é conhecida há mais de vinte anos.

AC) Foi um verdadeiro massacre psicológico para a Recorrente.

AD) É, inequivocamente, evidente o carácter danoso da continuada conduta ilícita do Recorrido.

AE) Quer o local físico onde os crimes foram perpetrados, quer as concretas imputações feitas pelo Recorrente à Recorrida, potenciam ao máximo quer o sofrimento da Recorrente, de angústia, preocupação, impotência, revolta, elevado ao mais alto grau também quer as graves consequências para o exercício da sua profissão, provocando desconfiança e falta de segurança na clientela da Recorrente e, na potencial clientela, com a necessária perda de clientela e, consequente angústia e sofrimento.

AF) Como se refere na douta sentença: foi essa a intenção do Recorrido ao agir como o fez: premeditou a maximização dos danos à Recorrente e, logrou-o.

AG) É pois, especialmente gravosa e censurável a conduta do Recorrido, pelo que, merece pois maior tutela o direito da Recorrente.

AH) Razões de facto, pelas quais de discorda da decisão proferida sobre a matéria de responsabilidade civil se refere, no que toca ao quantum indemnizatório.

AI) Dispõe o Art. 496º n.º 1e 2 do Código Civil que: “ 1- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2- O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”

AJ) As circunstâncias referidas no Art. 494º do Código Civil remetem para um montante indemnizatório inferior ao que corresponderia aos danos, em caso de mera culpa, desde que o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e, as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

AK) Salvo devido respeito por melhor opinião, ao caso concreto não tem aplicação o disposto no Art. 494º do C.C. e, a indemnização à Recorrente deveria ter sido fixada na exacta medida o que aos danos corresponde , não num montante inferior.

AL) Não é objectivamente quantificável o valor dos danos não patrimoniais e, a lei de facto, não prevê uma fórmula para proceder à sua medição e cálculo.

AM) Porém, a lei fixa critérios para determinar o quantum indemnizatório em mais ou em menos (Art. 496º e 494º do CC) e, tendo em consideração tais critérios e, bem assim a matéria de facto e de direito provada nos presentes autos, não pode a Recorrente deixar de discordar do quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, considerando-o bastante inferior aos que aos efectivos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder, numa situação em que é directo o dolo, é elevado o grau de culpabilidade do Recorrido, em que as circunstâncias em concreto relativas à prática dos factos, supra referidas, são especialmente censuráveis do ponto de vista jurídico –penal e, em que nada na situação económica do Recorrido justifica a fixação de um quantum indemnizatório inferior ao que ser devido aos dano causados.

AN) Devia o Tribunal a quo ter interpretado as normas jurídicas supra referidas, aplicáveis ao caso em concreto, no sentido de considerar que, atento o elevado grau de culpabilidade do Recorrido, atenta a especial censurabilidade das circunstâncias do caso, supra descritas e, que aqui se dão pro reproduzidas para os devidos efeitos legais e, inexistindo qualquer prova e insuficiência económica por parte do Recorrido, devia o Recorrido ser condenado no quantum indemnizatório correspondente aos danos efectivamente causados à Recorrente, devidamente provados, nesse sentido,

AO) Devia pois, o Recorrido ter sido condenado em pagar à Recorrente quantia não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, assim se fazendo a correcta tutela do direito na Recorrente no caso concreto.

AP) O Tribunal a quo, em sede de decisão sobre a matéria de responsabilidade civil, no que à fixação do quantum indemnizatório se refere, andou mal, tendo decidido incorrectamente a matéria em causa, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso.

AQ) A decisão em causa, na parte em que da mesma se recorre, violou pois, o disposto no Art. 483º, 496º n.º 1 e n.º 2 , 1ª parte e, Art. 494º, todos do Código Civil.

AR) Tal como refere a douta sentença, os factos assinalam uma injuria e uma difamação de contornos sérios, sendo por isso elevados os cuidados preventivos gerais, e é muito censurável a conduta do arguido, pelo que elevado, em valor não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euro s) – deveria ter sido o quantum indemnizatório, no qual o Recorrido devia ter sido condenado, o que se requer.”

Não houve respostas ao recurso.

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta referiu não se pronunciar sobre o objecto do recurso atenta a natureza cível da questão colocada e a circunstância de recorrente e recorrido se encontrarem assistidos por advogados(s).

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. A assistente MM exerce actividade profissional como advogada, tendo escritório na cidade de Albufeira.

2. A assistente foi mandatária de RA, ex-esposa do arguido CC, tendo-a representado nuns autos de divórcio.

3. Descontente com o sucedido nesses autos o arguido, que considera ter sido vítima de injustiça, decidiu manifestar-se publicamente.

4. No dia 22 de Janeiro de 2017, pelas 9 h, o arguido encontrava-se à porta do edifício onde a assistente tem o seu escritório, no edifício …, em Albufeira, sentado numa cadeira, exibindo cartazes com as seguintes inscrições:

“Fui vítima de crime
roubo abuso de poder
burla trib. Portimão
juíza e adv. R.
adv. de Ex MM
sem sem abrigo por
roubo trabalho sujo
MM”
“luto até ao fim/ estou
doente duro de 1 a 3 meses
não admito esta humilhação
a justiça é factos de verdade reais /
não pode ser atos de roubo burla /
bem evidente aos valores divididos
Eu rua / por abuso da própria justiça juíza
advogados do processo”
“sou sem abrigo
por injustiça / o trabalho
sujo, desonesto foi juíza
trib Portimão / E advogas R. (Faro) olhão
e MM
me fizeram de escravo
denhmei a justiça popre e verda
de factos reais”.

5. A assistente viu os mencionados cartazes.

6. De modo a pôr cobro a este cenário a assistente solicitou a comparência da GNR; Em momento não concretamente apurado o arguido de viva voz, dirigindo-se à assistente, apelidou-a de “vigarista” e “burlona”.

7. Desde 22 de Janeiro de 2017 até pelo menos Junho de 2017, o arguido deslocou-se para a porta do escritório da assistente várias vezes, em número concreto não apurado, mas pelo menos uma vez por semana, e em várias semanas mais do que uma vez.

8. Nessas ocasiões o arguido sentou-se numa cadeira, rodeado de cartazes alusivos à situação em que sentia ter sido injustiçado, mas de teor concreto não apurado.

9. Nessas ocasiões o arguido abordou pessoas que passavam junto ao edifício ou se dirigiam ao seu interior, falando-lhes do assunto que motivava a sua presença.

10. No mencionado período, quando se ausentou da porta do edifício onde a assistente tem escritório, o arguido deixou em várias ocasiões no local o seu veículo automóvel; Nas janelas do veículo deixou cartazes, de modo a que os mesmos se encontrassem permanentemente em exposição, que eram alusivos à situação em que sentia ter sido injustiçado mas cujo teor concreto não foi apurado.

11. Em data não concretamente apurada o arguido posicionou-se com cartazes, alusivos à situação mas de teor concreto não apurado, exibindo-os, junto ao Tribunal de Albufeira.

12. Depois de Junho de 2017, em datas não concretamente apuradas, o arguido voltou a colocar cartazes, alusivos à situação mas de teor concreto não apurado, à porta do edifício onde a assistente tem escritório e na Rotunda dos Relógios em Albufeira.

13. Em data não concretamente apurada, mas em 2017, e antes de 23 de Fevereiro de 2017, o arguido colocou um escrito numa caixa de correio do edifício onde a assistente tem o seu escritório, cujo teor é o do documento de fls. 12 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual escreveu que a assistente é uma burlona.

14. Em data não concretamente apurada, mas em 2017, e antes de 14 Julho de 2017, o arguido voltou a colocar um escrito numa caixa do correio do condomínio onde a assistente tem o seu escritório, cujo teor é o do documento de fls. 95 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

15. Os cartazes manuscritos pelo arguido e colocados na via pública foram vistos por pessoas que, nesses momentos, passaram nos mencionados locais.

16. A assistente sentiu-se vexada e humilhada com o sucedido, tanto com as palavras que lhe foram directamente dirigidas, como com aquelas que a visavam nos escritos produzidos pelo arguido.

17. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

DO PEDIDO CÍVEL
18. A demandante representou a ex-esposa do arguido também nos autos de inventário que correu termos por apenso ao supra referido processo de divórcio.

19. A demandante apenas conhecia o demandado dos mencionados autos de divórcio e inventário.

20. A demandante sentiu angústia e amargura por causa das acusações feitas pelo demandado.

21. Consequentemente, a demandante andou inquieta e nervosa.

22. A demandante desde há mais de vinte anos exerce a sua profissão em Albufeira e comarcas limítrofes.

DA AUDIÊNCIA
23. O arguido aufere pensão de velhice no valor mensal de € 211,80.

24. O arguido padece de diabetes, que equilibra regularmente com o emprego de insulina, e de insuficiência renal crónica que implica hemodiálise regular.

25. O arguido não regista antecedentes criminais.”

E a fundamentação (de direito) da decisão em matéria cível foi a seguinte:
“MM deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido. Em síntese, alegou que por causa da conduta do mesmo sofreu danos de natureza não patrimonial — sofrimento psicológico — cuja compensação justa estima em € 20.000. Concluiu pedindo a condenação do demandado ao pagamento de tais importâncias, acrescidas de juros de mora.

A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações e pode ter por base a prática de factos lícitos ou ilícitos. No caso dos autos está em causa a responsabilidade civil por factos ilícitos, também conhecida por aquiliana ou delitual, figura jurídica cujo regime é regulado nos arts. 483º e seguintes do Código Civil (CC).

Dispõe o art. 483º do CC no seu nº 1, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

A doutrina identifica como constitutivos da obrigação de indemnizar os seguintes pressupostos: a existência de um facto, culposo e ilícito, a existência de um dano e, por fim, a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano13.

O dano indemnizável é qualquer prejuízo, qualquer perda que o lesado sofreu, por virtude do facto do lesante. O dano tanto significa a própria deterioração concreta que aconteceu no interesse (material ou moral) do lesado (o chamado "dano real", como a destruição de um bem, os ferimentos na pessoa, etc.) como os reflexos dessa deterioração na situação patrimonial daquele (o chamado "dano patrimonial", isto é, as despesas que o lesado suportou consequentes do facto e os proventos que deixou de ganhar).

Para além dos danos patrimoniais, prevê ainda a lei que se compense os danos de carácter não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CC). A doutrina identifica como exemplos possíveis de danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas ou as angústias justificadas e graves, e que não resultem de um excesso de sensibilidade do lesado. A medida destes últimos não é quantificável de forma objectiva, pois eles não são mais que uma forma, que o Direito considera justa, de compensar o lesado. Dispõe a lei que a compensação destes danos se fixa através da equidade, atentas as circunstâncias do caso concreto (arts. 496º nº 3 e 494º do CC).

Nos termos do que supra se expendeu a propósito da responsabilidade criminal ficou já demonstrada a existência de factos (a injúria e a difamação perpetradas) culposos (isto é, passíveis de censura) e ilícitos (contrários à lei e ao dever-ser jurídico) praticados pelo demandado.

Os factos provados permitem concluir pela causação de danos não patrimoniais indemnizáveis: a ofensa psicológica causada na demandante (factos 16, 20 e 21) assume gravidade suficiente para ser merecedora da tutela do direito. É igualmente de concluir que aquele dano não patrimonial é decorrência directa dos factos ilícitos praticados pelo demandado e ocorreram em virtude da sua conduta, ou seja, que existe um nexo de causalidade entre os factos ilícitos e os danos verificados.

De concluir, pois, que estão verificados todos os pressupostos para a constituição da obrigação de indemnização na esfera jurídica do demandado, devendo este compensar a demandante na medida justa.

Quanto à medida indemnizatória, dos factos conclui-se que os danos não patrimoniais sofridos pela demandante foram assinaláveis.

Por um lado, as ofensas na sua honra foram cometidas de forma a que as respectivas consequências psicológicas fossem duradouras. Os factos que o arguido imputou à demandante não são um mero insulto imediato, cujo potencial ofensivo se esgota instantaneamente quando são percebidas pela vítima ou por terceiros, nem imputações que de forma rápida ou fácil se afastam ou esclarecem.

Por outro lado, como se disse supra, as angústias sofridas pela demandante foram potenciadas precisamente porque a difamação de que foi vítima foi apta a contender com o exercício da sua profissão.

Pesado o que antecede, afigura-se-nos equitativa uma indemnização compensatória no valor de € 2.000.

Face ao disposto nos arts. 804º e 805º nº 1 e nº 2 al. b) e 806º do CC, caberá ainda condenar o demandado ao pagamento de juros de mora.

Tendo a demandante peticionado o pagamento de juros moratórios sem ter indicado qualquer taxa de contagem, e sabendo que o art. 1º da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, estatui que a taxa anual dos juros legais e dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo é fixada em 4%, haverá pois que condenar o demandado ao pagamento de juros contados à taxa de 4% ao ano.

Por fim, uma vez que os juros em questão são respeitantes a indemnização por danos não patrimoniais, devem contar-se somente a partir da data da presente decisão.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar circunscreve-se ao cálculo do montante indemnizatório. Na ausência de problemas de conhecimento oficioso, mormente de nulidades de sentença ou de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (arts. 403º e 412º nº1 do CPP e AFJ nº 7/95 de 19.10.95), a decisão em matéria de facto e em matéria de direito à excepção do quantum indemnizatório é de considerar definitivamente estabilizada.

A recorrente demandante impugna o valor arbitrado na sentença considerando-o manifestamente insuficiente para compensar os seus danos não patrimoniais (os únicos peticionados no pedido cível), os quais estimou (e estima) em 20.000,00 €. Os danos foram avaliados na sentença em 2.000,00 €.

A decisão em matéria cível (transcrita em 2.) mostra-se globalmente correcta na identificação e interpretação das normas legais aplicáveis, bem como na selecção dos factos que constituem a base factual da decisão em matéria cível, designadamente no que respeita ao dano, sem prejuízo de consentir a correcção a que se procederá.

Há que reconhecer que julgar (avaliar, mesurar) de acordo com juízos de equidade comporta uma relativa imprecisão e um incontornável grau de subjectividade. Imprecisão e subjectividade que se pretendem ver reduzidas ao mínimo, mas que são impossíveis de erradicar totalmente.

Mesmo o apoio importante do “referente jurisprudencial”, a que se deve sempre atender, particularmente quando está em causa a fixação de valores tão difíceis de concretizar, tem as limitações decorrentes das especificidades de cada caso. Esse referente jurisprudencial permite estabelecer alguns padrões de avaliação do dano não patrimonial. Mas não elimina a natureza única e irrepetível de cada caso concreto.

E sempre reafirmando o modelo de recurso – o recurso-remédio – também em matéria de fixação de indemnizações o Supremo Tribunal de Justiça tem insistido que “não cabe ao STJ, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exactos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados” e que “a sua apreciação cingir-se-á ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” (por todos, Acórdão do STJ de15-09-2016, Rel. Joaquim Piçarra).

Ou seja, por via do recurso, de um recurso-remédio, mostrando-se cumpridas as normas e princípios legais aplicáveis ao caso, não se justificarão correcções traduzidas em pequenas alterações de valores, sendo de reconhecer, ao juiz de julgamento em primeira instância, alguma margem de liberdade que integra o acto de julgar.

Assim, e mau grado essa margem de liberdade, bem como a “fluidez” da matéria em apreciação, cumpre apreciar se o valor fixado na sentença é realmente de aceitar, e, logo, de manter.

Olhando o recurso, constata-se que o valor nele peticionado se afigura manifestamente exagerado, desde logo porque desenquadrado do referente jurisprudencial. Ele ultrapassa, por exemplo, valores que têm vindo a ser atribuídos como compensação pela perda (morte) de entes queridos e familiares próximos (por exemplo, no acórdão desta Relação de 18.10.2018, que teve a mesma relatora do presente, e num caso de morte de familiar, considerou-se que “os valores de € 12 500 pelo sofrimento psicológico causado a cada um dos demandantes, atentas as circunstâncias concretas do caso mostram-se dentro dos padrões normais estabelecidos de acordo com juízos de equidade e de equilíbrio, inexistindo um fundamento sério que conduza à sua redução”).

Aceita-se contudo que, no caso presente, os critérios de equidade permitem chegar a um valor algo superior ao fixado na sentença.

A demandante destacou em recurso a circunstância de o arguido ter praticado os crimes junto ao seu escritório, imputando-lhe a prática de crimes no exercício da sua profissão de advogada; de os ter praticado também junto à porta do Tribunal de Albufeira onde vai diariamente e onde é conhecida; ainda num outro local público, central, perto do escritório da Recorrente e, onde diariamente circulam milhares de viaturas; tendo-o feito com alguma regularidade durante mais de meio ano.

Destaca ter ainda o arguido distribuído por todos os condóminos do edifício onde trabalha a Recorrente há mais de vinte anos, cartas com os dizeres injuriosos e difamatórios da sua honra e do seu profissionalismo. Refere “o verdadeiro massacre psicológico” de que foi vítima, argumentando que a reiteração dos comportamentos, o local físico onde ocorreram, as concretas imputações feitas, “potenciam ao máximo quer o sofrimento da recorrente, de angústia, preocupação, impotência, revolta”, “quer as graves consequências para o exercício da sua profissão”.

A argumentação desenvolvida encontra inteira correspondência na base factual de decisão. E justifica efectivamente uma mensuração mais expressiva na quantificação do dano não patrimonial.

Pense-se que o exercício da advocacia pressupõe uma relação de confiança entre o advogado e o cliente, à qual não é alheia a qualidade e o prestígio granjeados pelo advogado. Os factos danosos, do modo e na frequência como foram perpetrados, maximizaram efectivamente o dano da recorrente, causando-lhe duradouramente esse sofrimento e angústia acrescidos, ao ver particularmente atingido (também) o seu “bom nome profissional”. Nome que terá naturalmente vindo a edificar ao longo de vinte anos.

Por último, de recordar que a indemnização civil reveste natureza mista, como seja a de compensar os danos e, simultaneamente, a de reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente. Também por isso, não deve ser miserabilística sob pena de incumprir as suas finalidades.

De tudo ser retira que, avaliadas as circunstâncias do caso concreto e de acordo com as regras de equidade (arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC), o valor arbitrado na sentença a título de danos não patrimoniais deve ser elevado para 5.000,00 € (cinco mil euros).

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, fixando-se em 5.000,00 € o valor da indemnização, confirmando-se em tudo o mais a sentença.

Custas cíveis na proporção do vencimento.
Évora, 08.10.2019

(Ana Maria Barata de Brito)
(António João Latas)