Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1497/14.7TBLLE-B.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
ADVOGADO
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O meio processual próprio para a parte reagir contra uma nulidade processual é a reclamação perante o tribunal que, no seu entendimento, a cometeu, e não o recurso da sentença por aquele posteriormente proferida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1497/14.7TBLLE-B.E1

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Por apenso à acção executiva instaurada pela Caixa Económica Montepio Geral contra (…), (…) e (…), Lda., (…), (…), (…), (…) e (…), o Banco Comercial Português, S.A. reclamou créditos sobre os executados (…) e (…) nos montantes de € 1.069.081,37 e € 65.199,41.

Atenta a ausência de impugnação dos créditos reclamados, foi imediatamente proferida sentença, na qual o tribunal a quo reconheceu os mesmos créditos e os graduou com o da exequente.

Os reclamados recorreram da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Em 21 de Fevereiro de 2018, foi o Exmo. Sr. Dr. (…) notificado das reclamações de créditos apresentadas pelo apelado Banco Comercial Português, S.A..

II. À data, o Dr. (…) tinha a respectiva inscrição na Ordem dos Advogados suspensa, conforme se afere do documento junto em anexo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (Doc.1).

III. A referida suspensão foi deferida com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2018 (cfr. Doc.1).

IV. A suspensão da inscrição implicou necessariamente o fim do mandato forense que lhe havia sido conferido.

Pelo que,

V. À data da supra referida notificação, o Dr. (…) não era mandatário do ora apelantes.

VI. Os apelantes não tinham mandatário constituído em causa em que a constituição de advogado é obrigatória.

Pelo que,

VII. A referida notificação não pode considerar-se válida.

VIII. Nem pode produzir efeitos.

IX. Não tendo sido notificados pessoalmente, nem estando acompanhados por advogado, os apelantes não tiveram (nem tinham) forma de impugnar os créditos reclamados.

X. Deveriam ter sido notificados para, sob cominação legal, para constituírem mandatário, o que não sucedeu.

XI. Só no dia 24 de Maio de 2019, quando lhes foi entregue a notificação (esta sim dirigida à sua pessoa) contendo o saneador-sentença, é que o ora apelantes tiveram conhecimento da existência da reclamação de créditos.

Nessa medida,

XII. Não só o Tribunal a quo não deveria ter proferido o saneador-sentença a julgar verificados os créditos reclamados, como se impunha a notificação das partes nos termos do disposto no artigo 41º do Código de Processo Civil com vista à constituição de mandatário, após o que ordenaria a notificação de mandatário e/ou patrono das reclamações de crédito apresentadas para que pudessem ser objecto de impugnação, se assim o considerassem.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V/ Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser a decisão do tribunal revogada e substituída por uma outra que ordene a notificação das partes e da patrona para, querendo, impugnar os créditos reclamados.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.


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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. “Caixa Económica Montepio Geral” intentou contra (…), “(…) e (…), Lda.”, (…), (…), (…), (…) e (…) acção executiva sob a forma de processo comum, a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o número 1497/14.7TBLLE.

2. Nos autos de execução referidos em 1, foi penhorada fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na R. de (…), Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…), pertencente aos executados (…) e (…).

3. A penhora referida em 2 foi registada pela Ap. (…) de 09 de Outubro de 2014.

4. Sobre a fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na Rua de (…), em Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…) incide uma hipoteca voluntária a favor da «Caixa Económica Montepio Geral», inscrita pela apresentação n.º (…) de 2011/08/12, para garantia de abertura de crédito concedida à sociedade “(…) e (…), Lda.”, sendo o montante máximo assegurado de € 398.450,00.

5. Para além da penhora referida em 2, sobre a fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na Rua de (…), em Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…), incide uma penhora efectuada nos autos n.º 3486/16.8T8LLE onde é exequente o «Banco Comercial Português, S.A.» e executados (…) e (…), assumindo a quantia exequenda o montante de € 64.816,00, penhora essa inscrita pela Ap. (…) de 2015/07/07.

6. O «Banco Comercial Português, S.A.» instaurou contra (…) e (…), acção executiva, a qual corre termos sob o n.º 3846/16.8T8LLE, assumindo a quantia exequenda o montante de € 64.911,62.

7. Nos autos de execução n.º 3846/16.8T8LLE o senhor agente de execução sustou a execução relativamente à fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na Rua de (…), Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…), lavrando o escrito que faz fls. destes autos, datado de 13/09/2017.

8. Para além da penhora referida em 2, sobre a fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na Rua de (…), em Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…), incide uma penhora efectuada nos autos n.º 124/14.7T8LLE onde é exequente o «Banco Comercial Português, S.A.» e executados (…) e (…), assumindo a quantia exequenda o montante de € 952.203,29, penhora essa inscrita pela Ap. (…) de 2017/03/23.

9. O «Banco Comercial Português, S.A.» instaurou contra (…) e (…), acção executiva, a qual corre termos sob o n.º 124/14.7T8LLE, assumindo a quantia exequenda o montante de € 952.203,29.

10. Nos autos de execução n.º 124/14.7T8LLE, o senhor agente de execução sustou a execução relativamente à fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano sito na Rua de (…), Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº …/20081114 e inscrito na matriz sob o artigo (…).


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Os recorrentes sustentam, em síntese, que a sua notificação das reclamações de créditos não é válida porquanto foi efectuada na pessoa do seu advogado em 21.02.2018 e a inscrição deste na Ordem dos Advogados foi suspensa com efeitos a partir de 01.02.2018, suspensão essa que determinou o fim do mandato forense que lhe havia sido conferido; em face disso, o tribunal a quo, em vez de proferir sentença de verificação e graduação de créditos, devia ter ordenado a notificação dos recorrentes nos termos do artigo 41.º do CPC, seguindo-se a notificação do novo mandatário ou patrono das referidas reclamações, para que pudessem ser objecto de impugnação.

Sendo esta, no essencial, a argumentação dos recorrentes, coloca-se a questão de saber se a interposição de recurso da sentença constitui o meio processual adequado para a invocação, seja da nulidade da notificação das reclamações de créditos, seja da nulidade decorrente da omissão da notificação prevista no artigo 41.º do mesmo código.

Em bom rigor, os recorrentes insurgem-se, não directamente contra o conteúdo da sentença, mas sim contra a prévia omissão, pelo tribunal a quo, de um acto processual que, no seu entendimento, a lei impunha, a saber, a sua notificação nos termos do artigo 41.º do CPC, seguida da notificação do novo mandatário ou patrono das reclamações de créditos deduzidas, para que pudessem ser objecto de impugnação. Tudo isto tendo como pressuposto a nulidade da notificação daquelas reclamações que foi efectuada.

Ou seja, os recorrentes estão a invocar nulidades processuais, como decorre do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, segundo o qual, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Note-se que a sentença recorrida nada decidiu sobre as nulidades processuais invocadas pelos recorrentes, o que é natural dado que as mesmas não foram arguidas antes da sua prolação.

Sendo assim, o meio processual próprio para os recorrentes reagirem contra a alegada nulidade da notificação das reclamações de créditos e a subsequente nulidade decorrente da omissão da notificação prevista no artigo 41.º do CPC não é o recurso da sentença proferida, mas sim a reclamação perante o próprio tribunal a quo, nos termos do artigo 199.º do CPC. Tal reclamação teria de ser apreciada pelo tribunal a quo, nos termos do n.º 3 do artigo 200.º do CPC, e apenas dessa decisão, caso fosse desfavorável aos ora recorrentes, caberia recurso.

É este o sistema estabelecido pela nossa lei processual civil em matéria de articulação entre a reclamação por nulidade processual e o recurso, usualmente expresso através do aforismo “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Sistema esse que se harmoniza com a regra, básica em matéria de recursos ordinários, segundo a qual estes têm como função o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, não suscitadas neste último, embora sem prejuízo do conhecimento, pelo tribunal ad quem, das questões que o devam ser oficiosamente – cfr. o disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC.

No caso dos autos, os recorrentes não reclamaram, em devido tempo, perante o tribunal a quo, das nulidades processuais por este alegadamente cometidas. Consequentemente, por um lado, o tribunal a quo não proferiu decisão sobre essa matéria e, por outro, ficou precludido o direito de arguição das mesmas nulidades. Em vez da dedução da referida reclamação, foi interposto recurso de apelação da sentença com fundamento, não no conteúdo desta, mas nas referidas nulidades processuais. Como resulta da exposição anterior, o recurso não constitui o meio processual próprio para esse efeito. O mesmo é dizer que estamos perante matéria de que o tribunal ad quem não pode conhecer. O recurso terá, pois, de improceder.


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Sumário: (…)

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Decisão:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.


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Évora, 16 de Janeiro de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata