Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2311/18.0T8PTM-F.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
FÉRIAS JUDICIAIS
SUSPENSÃO DE PRAZO
TAXA DE JUSTIÇA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Em férias judiciais não se praticam atos processuais, salvo nos casos previstos no artigo 137.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, suspendendo-se o prazo que se encontre em curso.
II – A suspensão dos prazos em férias judiciais aplica-se a todos os prazos processuais, sejam progressivos (contagem para a frente) ou regressivos (contagem para trás).
III – Em caso de uma audiência final marcada para várias sessões, a possibilidade de apresentação de documentos “até 20 dias antes da audiência final”, conta-se em relação à primeira sessão.
IV – Tendo a audiência final o seu início em 12.09.2022, a documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022 não pode considerar-se tempestivamente efetuada, e ser admitida com base na exceção prevista no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, porquanto aquele prazo já tinha terminado quando o requerimento foi atravessado no decurso das férias judiciais.
V – Ultrapassado o referido limite temporal, não tendo a requerente invocado qualquer fundamento para demonstrar que não a pode oferecer com a petição inicial ou em momento posterior até ao termo do prazo concedido no n.º 2, a documentação cuja junção foi requerida não podia igualmente ser admitida ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC.
VI – Justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, quando apesar do elevado valor da causa estamos perante recurso de decisão interlocutória relativa a junção de documentos aos autos, que não integrou a apreciação de questões com complexidade superior à que habitualmente envolve a apreciação da admissibilidade de meios de prova, independentemente do valor da causa, e a instância recursiva se desenvolveu estritamente de acordo com o figurino previsto, verificando-se assim a desproporcionalidade que funda a possibilidade de aplicação daquele inciso normativo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2311/18.0T8PTM-F.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. FUNDBOX SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., Ré nos autos acima identificados e entidade gestora e liquidatária do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado PORTUGAL RETAIL EUROPARK FUND (doravante “PREF”), extinto em 29 de maio de 2018, também demandado como Réu nos presentes autos, nos quais é Autora AIG EUROPE LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL, notificada do despacho proferido em sede de audiência de julgamento, no passado dia 12.09.2022, no qual foi (novamente) admitida a junção aos autos dos 9 documentos apresentados pela Autora, em 19.08.2022, e não se conformando com a referida decisão, interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho, proferido no início da audiência de julgamento, no dia 12.09.2022, pelo qual o Tribunal a quo admitiu a junção aos autos de 5546 páginas de documentos apresentados pela Autora, aqui Recorrida, no dia 19.08.2022[3].
2. Resulta claramente da letra da lei, sendo, de resto, confirmado pelo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC é um “prazo regressivo” ou “com contagem regressiva”, ou seja, um “prazo que se conta para trás por referência a certa data ou que tem como termo ad quem uma data futura.”.
3. Para a determinação do cômputo do prazo regressivo previsto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, cumpre ter em consideração que este está sujeito às regras gerais do n.º 1 do artigo 138.º, o que implica nomeadamente que se suspenda em férias judiciais, de modo que os 20 dias se contam excluindo-as.
4. A data a partir da qual se começa a contar o prazo regressivo de 20 dias é o da efetiva realização da primeira sessão da audiência de julgamento.
5. A primeira sessão da audiência de julgamento do presente processo realizou-se no dia 12.09.2022, pelo que, iniciando-se as férias judiciais no dia 16.09.2022, estendendo-se até ao dia 31.08.2022, o prazo de 20 dias antes da audiência de julgamento terminou no dia 07.07.2022.
6. Assim sendo, tendo os documentos em apreço sido apresentados no dia 19.08.2022, resulta evidente que a junção dos mesmos é manifestamente extemporânea, não podendo ser admitidos, nomeadamente ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, conforme requerido pela Recorrida e decidido pelo Tribunal a quo.
7. Após os referidos 20 dias anteriores à data de início da audiência final, a parte só pode apresentar documentos em caso de superveniência (objetiva ou subjetiva) dos documentos (cuja apresentação anterior foi impossível) ou em caso de ocorrência posterior que tenha tornado necessária a apresentação dos documentos (cf. artigo 423.º n.º 3 do CPC).
8. Pese embora a Recorrida não tenha requerido a junção ao abrigo no n.º 3 do citado preceito legal, nem o Tribunal a quo decidido a admissão com base no mesmo, desde já se adianta que os documentos nunca poderiam ser admitidos ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
9. A impossibilidade de junção anterior não foi sequer invocada e não se encontra minimamente substanciada (nem, muito menos, demonstrada), não se sabendo qual a razão da sua junção tardia.
10. A Recorrida está, pelo menos, desde 13.09.2021, a dizer que iria juntar “centenas de documentos” (cf. ata da audiência prévia de 13.09.2021 e requerimento de 16.01.2022, ambos acima transcritos), o que apenas fez em 19.08.2022, decorridos cerca de 4 anos desde a instauração da ação, 11 meses desde a audiência prévia e a escassos dias da primeira sessão de julgamento, quando procedeu à junção do referido acervo documental composto por 5546 páginas.
11. Grande parte do acervo documental junto pela Recorrida é datado de 2012 / 2015, não se tratando, por conseguinte, de documentos posteriormente emitidos ou de que a Recorrida só tenha tido conhecimento posteriormente, não sendo justificável a atitude de falta de cooperação com o Tribunal demonstrada pela Recorrida.
12. Os 9 documentos juntos no dia 19.08.2022 mesmo visavam fazer “prova da matéria alegada nos arts. 60.º a 94.º da sua p.i.”, pelo que não se verifica qualquer “ocorrência posterior”, tal como previsto no n.º 3 do 423.º do CPC, que poderia legitimar a entrada de documentos no porquanto tal conceito não respeita a factos que constituam fundamento da ação (factos essenciais, na letra do artigo 5.º do CPC), não estando, assim, reunidos os pressupostos que possibilitam a junção de documentos ao abrigo do citado preceito legal.
13. O protelamento para o último momento da junção de documentos relevantes que a parte tivesse já em seu poder pode constituir má-fé processual, nos termos do disposto da alínea c) ou d) do artigo 542.º do CPC, tal como foi invocado e requerido pela Recorrente no requerimento apresentado em 09.09.2022 - pedido que aqui se renova para todos os efeitos legais – devendo, também por essa razão, ser rejeitada a junção dos documentos remetidos aos autos a 19.08.2022 pela Recorrida, mormente ao abrigo do n.º 3 do citado preceito legal.
14. Em face do exposto, andou mal o Tribunal a quo ao admitir a junção aos autos da documentação em apreço, tendo em conta que não estavam reunidos os pressupostos de admissão previstos no n.º 2 do artigo 423.º do CPC (nem do n.º 3, acrescentamos nós).
15. Termos em que deverá o despacho de 12.09.2022, de admissão dos documentos juntos pela Recorrida a 19.08.2022, ser revogado e substituído por Acórdão não admita a junção dos referidos documentos e ordene o seu desentranhamento dos autos, o que se requer para todos os efeitos legais.
16. Deverá ainda ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela presente apelação, ou, pelo menos, reduzido, porquanto encontram-se verificados os pressupostos de dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP – o presente recurso não reveste especial complexidade, apenas se circunscrevendo a uma questão restrita de admissibilidade de prova e, atendendo ainda, à conduta processual da Recorrente, o que se requer para todos os efeitos legais.
17. A tributação do recurso de apelação por intermédio da aplicação tabelar do RCP e a consequente exigência de um pagamento que ascenderia a um valor de mais de € 78.000,00, implica uma oneração excessiva e desajustada das partes (artigo 20.º da CRP)..

2. A Autora não apresentou contra-alegações.

3. Cumpre apreciar e decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões colocadas no presente recurso de apelação são as de saber: i) se deve ou não manter-se o despacho que admitiu, no início da audiência de julgamento que teve lugar no dia 12.09.2022, a junção aos autos dos documentos apresentados pela Apelada em 19.08.2022; ii) em qualquer caso, se deverá ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
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III – Fundamentos
III.1. – A tramitação processual relevante para apreciação do recurso é a seguinte:
1. Em 15.09.2018, a Autora, AIG EUROPE LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL (AIG), intentou a presente a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra a aqui Apelante FUNDBOX – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. (“FUNDBOX”), entidade gestora e liquidatária do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado PORTUGAL RETAIL EUROPARK FUND (“PREF”), extinto em 29 de maio de 2018, também demandado como 1.º Réu, e contra a Central DSTORE – RETAIL, S.A. (“DSTORE”), pedindo a condenação dos Réus, para o que ora releva, no pagamento da quantia de € 13.033.750,62 (treze milhões, trinta e três mil, setecentos e cinquenta euros e sessenta e dois cêntimos) que a Autora alegou ter satisfeito ao Continente, “por conta dos danos e prejuízos indicados no presente articulado” que invocou ter sofrido em resultado do incêndio que teve lugar nas instalações do RETAIL PARK de Portimão em 23.09.2012, “no âmbito dos contratos de seguro titulados pela apólice ...25”.
2. Com a petição inicial juntou 2 documentos: o “Contrato de Utilização de Espaço Integrado em Parque Comercial”, e uma carta expedida por correio registado com aviso de receção, comunicando a transmissão da propriedade do Portimão Retail Park, da sociedade comercial Oxmor – Compra e Venda e Investimos Imobiliários, S.A., para a ora Apelante FUNDBOX.
3. Em 28.12.2018, a FUNDBOX apresentou contestação na qual, para além do mais, pugnou pela improcedência da ação, e pela sua absolvição e do (extinto) PREF de todos os pedidos, invocando desde logo nesse articulado que:
“2.º Segundo a Autora, o montante referido na alínea a) do artigo anterior corresponde à indemnização que pagou ao respetivo segurado, o lojista CONTINENTE, a título de danos emergentes da ocorrência do Incêndio e a título de lucros cessantes.
3.º Invoca a Autora, em síntese:
a) Falta de condições construtivas e de compartimentação ou falta de medidas alternativas de compensação, que, na tese da Autora, permitiram que o Incêndio se propagasse, causando, como consequência direta, vários danos e prejuízos ao CONTINENTE.
b) Falta de conformidade com os requisitos de segurança contra incêndios, designadamente, e segundo a Autora, falta de medidas de autoproteção.
4.º Tais alegados ilícitos são imputados de forma genérica e indistinta a todos os Réus, numa petição inicial não raras vezes difícil de acompanhar, essencialmente genérica e conclusiva, na qual a Autora relata os (escassos) factos como entende que estes tiveram lugar, aplicando o Direito como lhe convém, sem deixar claros os argumentos que pretende retirar dos factos, e sem os subsumir às normas legais que vai invocando.
5.º Acresce que a Autora não apresenta qualquer prova, nomeadamente documental, para os factos que, de forma vaga e genérica, vai elencando.
6.º Com efeito, a Autora parece transcrever e reproduzir, de forma truncada, ao longo de toda a petição inicial diversos documentos que não identifica cabalmente nem junta ao processo, mas dos quais aparenta pretender retirar factos para sustentar a sua argumentação.
7.º Ora, nos termos do artigo 423.º do CPC, “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que aleguem os factos correspondentes.”
8.º Ademais, é fundamental à defesa dos Réus a integral compreensão dos documentos cujo conteúdo é parcialmente transcrito e invocado no texto da petição inicial.
9.º Como tal, requer-se a este Tribunal a notificação da Autora a apresentar cópia completa dos documentos cuja transcrição parcial integra o texto da petição inicial e que aparenta pretender utilizar como meio de prova (cf. artigo 423.º e 417.º do CPC), após o que poderão os Réus pronunciar-se sobre o seu conteúdo”. (o sublinhado é de origem).
4. Na ata da audiência prévia, cuja primeira sessão teve lugar no dia 13.09.2021, consta que “foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário da autora, e sendo-lhe concedida, no seu uso disse requer a junção aos autos de um documento denominado como articulado superveniente (com 5 páginas), bem como a junção de inúmera outra documentação (centenas de documentos), pelo que requer que lhe seja concedido prazo para o efeito.
5. Tendo os Ilustres mandatários dos réus e interveniente principal requerido a suspensão da diligência a fim de se pronunciarem relativamente à apresentação do articulado superveniente, pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
“Face ao exposto e dada a posição expressa pelos mandatários das partes, suspendo a presente diligência, designando para a sua continuação o próximo dia 17 de janeiro de 2022, pelas 10H, intervindo os senhores mandatário através da plataforma webex, tal como requereram.
Determino que o ilustre mandatário da autora apresente, no dia de hoje, o seu articulado superveniente de forma a que o mesmo fique a constar do processo eletrónico e que os autos me sejam conclusos.”
6. A Autora apresentou o articulado superveniente nesse mesmo dia 13.09.2021, não tendo apresentado com o mesmo qualquer documento.
7. No dia 16.01.2022, véspera da data designada para a continuação da audiência prévia, a Autora veio apresentar requerimento de junção de 10 documentos (entre os quais a apólice de seguro e relatórios técnicos), tendo então aduzido ainda que: “A ora A., face à extensão dos danos alegados e respetiva prova a produzir em sede de audiência final e que estão suportados em centenas de documentos, está ainda a diligenciar pela obtenção de todos os documentos de suporte junto do Continente (segurado), pelo que se requer a este douto tribunal, nos termos e para os efeitos dos arts. 423º e segs. do CPC, se digne conceder um prazo de 30 dias para proceder à sua junção”.
8. Na ata da continuação da audiência prévia que teve lugar em 17.01.2022, quanto à “Prova por documentos”, consta: “A apreciar logo que juntos os requerimentos via citius a que os Ilustres Mandatários fizeram referência”.
9. Na audiência prévia foi designada a data da audiência final, nos seguintes termos: “Em vista da dificuldade de conciliação de agendas, a audiência terá início no próximo dia 12 de setembro, com o agendamento acordado, seguindo-se outros dias (…)”.
10. Em 19.08.2022, a Autora apresentou requerimento com o seguinte teor:
“AIG EUROPE LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL, A. nos autos supra identificados vem, designadamente para prova da matéria alegada nos arts 60º a 94º da sua p.i e nos termos e para os efeitos do art. 423º/2 do CPC, requerer a junção aos autos dos seguintes documentos:
- Doc. 1: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º a 64º da p.i.;
- Doc. 2: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º, 65º a 67º e 94º da p.i.;
- Doc. 3: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º, 68º, 69º, 70º e 94º da p.i.;
- Doc. 4: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º, 68º, 69º, 71º, 72º e 94º da p.i.;
- Doc. 5: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º e 68º, 69º, 73º, 74º e 94º da p.i.;
- Doc. 6: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º e 68º, 69º, 76º a 81º e 94º da p.i.;
- Doc. 7: Para prova dos factos constantes dos arts. 60º, 61º, 62º e 68º, 69º, 82º a 93º da p.i.; e
- Doc. 8: Registos de Incêndio, Planta de Emergência e de Implantação da loja Continente.
JUNTA-SE: 8 (oito) Documentos.
NOTA: Todos os documentos acima identificados serão apresentados nos autos através do presente requerimento e sucessivos requerimentos avulsos, dada a sua extensão superior a 10MB”.
11. Os indicados artigos da petição inicial referem-se, em síntese, aos invocados danos e prejuízos suportados pelo CONTINENTE.
12. Por requerimento apresentado em 31.08.2022 a co-Ré AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., respondeu, dizendo que “vem impugnar os mesmos, porquanto a interveniente não interveio na sua elaboração, desconhece se os factos alegadamente neles relatados são ou não reais, pois não são do seu conhecimento pessoal, para além de versarem sobre matéria controvertida.”
13. Em 05.09.2022, no que ora releva, foi proferido o seguinte despacho:
“Prova documental entretanto junta: Fique nos autos.
Vai a autora “AIG EUROPE LIMITED” condenada em multa de três UCs pela apresentação tardia (19 de agosto) dos documentos – arts. 423.º do Código de Processo Civil e 27.º do Regulamento das Custas Processuais.(…)”
14. Em 09.09.2022, a Ré FUNDBOX SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., ora Apelante, apresentou nos autos requerimento, com fundamentação no essencial coincidente com a que expendeu no presente recurso, onde peticionou ao tribunal a quo para:
“(i) não admitir a junção dos documentos juntos aos autos com os 12 (doze) requerimentos de 19 de agosto de 2022;
(ii) subsidiariamente, ter tais documentos por impugnados nos termos e para os efeitos do artigo 415.º do Código de Processo Civil; e
(iii) condenar a Autora em multa e indemnização nos termos conjugados dos artigos 542.º e 543.º do Código de Processo Civil em resultado da omissão grave do dever de cooperação que sobre ela impendia ao ter junto aos autos um acervo documental de 5546 (cinco mil quinhentas e quarenta e seis) páginas desconexo, desorganizado e repetitivo.”
15. No início da primeira sessão da audiência final, que teve lugar no dia 12.09.2022 (e que ainda decorre no Tribunal a quo), na parte que ora importa, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“PROVA DOCUMENTAL – requerimento de 9 de setembro, ref. ª 10438425: -
Os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Este é o regime regra, a que alude o disposto no art. 423.º n.º 1, do Código de Processo Civil.
Há exceções, nomeadamente as previstas no n.º 2 e no n.º 3 do mesmo preceito legal. Neste caso, independentemente de decorrerem ou não mais de vinte dias, ainda que durante as férias judiciais, sobretudo, tendo em conta a complexidade dos autos e também os sucessivos requerimentos de alteração de prova que se foram sucedendo das várias partes, o Tribunal entendeu aplicar o n.º 2 do artigo 423º, admitindo a apresentação dos documentos, por pertinentes, condenando a apresentante em multa porque não provou que não tivesse podido oferecer aquela prova com o articulado.”
16. Após, a co-Ré DSTORE, S.A., pediu a palavra, e sendo-lhe concedida pelo Tribunal a quo, ditou para a ata requerimento arguindo “a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal em 5.9.2022 (referência Citius 125358298), que admitiu a junção aos autos dos 9 documentos apresentados pela Autora AIG em 19.08.2022.”
17. As restantes Rés, e concretamente a aqui Apelante, não se opuseram ao pretendido no requerimento, tendo de imediato sido proferido o seguinte despacho:
“Da nulidade: -
Tem razão a requerente quanto à apreciação precoce da apresentação da prova documental motivada pela tentativa de aglomerar no processo todos os elementos relevantes no início da audiência, incluindo os documentos juntos pela autora.
No entanto e, como resulta do despacho proferido já hoje, depois de decorridos os 10 (dez) dias para as partes, querendo, se pronunciarem sobre a respetiva admissão, o Tribunal reafirmou a admissão da prova, pelo que qualquer invalidade está agora sanada.
Tem direito a requerente a pronunciar-se sobre os mesmos, no prazo de 20 (vinte) dias contados do dia de hoje, o qual é extensivo às restantes partes, sem prejuízo de se admitir os requerimentos de impugnação apresentados por algumas delas, tudo tendo em conta o número e a complexidade dos elementos.“
18. A Ré DSTORE RETAIL, S.A. apresentou igualmente recurso do despacho a que se alude em 5, que constitui o apenso E)[5].
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Da junção de documentos
Pretende a Apelante que a apresentação de documentos feita pela Apelada nos autos, em 19.08.2022, quando a audiência de julgamento se encontrava designada para o dia 12.09.2022, foi intempestiva, por não ter observado o prazo regressivo previsto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, e por também não ser aplicável a exceção prevista no n.º 3 daquele artigo.
Como decorre do ponto 5., o Tribunal a quo fundamentou a admissão do acervo documental em causa (mais de 5000 páginas), precisamente nas exceções ao n.º 1 do artigo 423.º do CPC, referindo concretamente que “[h]á exceções, nomeadamente as previstas no n.º 2 e no n.º 3 do mesmo preceito legal. Neste caso, independentemente de decorrerem ou não mais de vinte dias, ainda que durante as férias judiciais, sobretudo, tendo em conta a complexidade dos autos e também os sucessivos requerimentos de alteração de prova que se foram sucedendo das várias partes, o Tribunal entendeu aplicar o n.º 2 do artigo 423º, admitindo a apresentação dos documentos, por pertinentes, condenando a apresentante em multa porque não provou que não tivesse podido oferecer aquela prova com o articulado.”
Apreciando.
É consabido que os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efetuada na fase instrutória da causa, nos momentos que atualmente se mostram previstos no artigo 423.º do CPC.
Efetivamente, em face do preceituado no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes».
Assim, «em regra, os documentos são – e devem ser – anexados ao articulado em que se referem, seja como fundamento da acção, seja como fundamento da defesa, os factos dele constantes. (…) Dois pontos cumpre salientar em tal regime. Por um lado, não é no período de instrução, mas na fase inicial dos articulados, que normalmente se insere a produção da prova documental.
Por outro lado, os actos de proposição, admissão, preparação, produção e assunção da prova, em que analiticamente se desdobram os diversos procedimentos probatórios, aparecem singularmente concentrados, quanto à prova documental, no acto de junção do documento aos autos, mediante anexação ao respectivo articulado.»[6]
Este regime regra decorre do princípio da audiência contraditória, visando que a parte contrária possa, desde logo, contestar, no articulado ou em resposta subsequente, quer a admissibilidade quer a autenticidade e força probatória material do documento apresentado.
Não obstante, a apresentação da prova documental com o articulado respetivo não configura um ónus, e atento o interesse público no apuramento da verdade material, o n.º 2 do citado preceito possibilita que a parte possa ainda apresentar documento que não juntou com o articulado respetivo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo porém condenada em multa pela apresentação tardia, exceto se provar que não pôde oferecer o documento oportunamente, podendo ainda efetuar a sua apresentação após aquele limite temporal mas apenas quando se verifique alguma das situações excecionais previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
Na espécie, conforme decorre do iter processual acima elencado, tendo a Autora alegado na petição inicial os factos atinentes aos alegados danos e prejuízos pelo seu segurado, que satisfez e cujo pagamento reclama das Rés nos presentes autos, não juntou nesse momento processual os documentos. E, apesar do teor da contestação da Ré, ora Apelante, não o fez nos sucessivos momentos processuais posteriores, e designadamente na audiência prévia, pelo que, importa verificar se o fez nos termos consentidos pelo n.º 2 do citado preceito, de acordo com cuja estatuição “se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pode oferecer com o articulado”.
Vejamos, pois, se os documentos podem considerar-se como tendo sido apresentados dentro do prazo de 20 dias prévio à audiência final, que a lei lhe conferia para o efeito.
Contando para trás 20 dias corridos antes da data da primeira sessão da audiência final, que estava designada desde 17 de janeiro, e que teve efetivamente lugar no dia 12.09.2022, o dia 19.08.2022, data em que os documentos em causa foram apresentados, é anterior aos ditos 20 dias antes da audiência final.
Acontece que, o processo em apreço não é um processo urgente e o ato foi praticado no dia 19.08.2022, portanto, em plenas férias judiciais, que têm lugar entre o dia 16 de julho e o dia 31 de agosto, nos termos previstos no artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
Ora, como decorre do disposto no artigo 138.º, n.º 1, do CPC, na parte que ora importa considerar, não sendo a requerida junção de documentos um “ato a praticar em processo urgente”, o prazo processual estabelecido por lei é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais.
A questão que se coloca na presente situação é a de saber se a suspensão dos prazos em férias judiciais se aplica a todos os prazos processuais, sejam progressivos (contagem para a frente) ou regressivos (contagem para trás).
Afirmou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019[7], que: «por regressivo” ou “por “prazo regressivo” ou “com contagem regressiva” se entende o prazo que se conta para trás por referência a certa data ou que tem como termo ad quem uma data futura. São exemplos deste tipo de prazos os fixados nos artigos 423.º, n.º 2, e 598.º, n.º 2, do CPC (…). Quando o legislador estabeleceu nas normas (equivalentes ou com idêntica redacção) do n.º 2 do artigo 423.º ou no n.º 2 do artigo 598.º do CPC que o acto deve ser praticado “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, aquilo que visou foi evitar o protelamento ou a inoportunidade da apresentação de documentos e de alteração / aditamento do rol de testemunhas e a consequente perturbação que lhe é inerente ou, pela positiva, estabilizar estes meios de prova com certa antecedência em relação à realização da audiência final. (…)
Analisando (…) o disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CPC de um ponto de vista formal, verifica-se que se trata de uma regra de alcance geral, integrada nas disposições comuns relativas aos actos processuais. Logo, ela é, em princípio, aplicável a todo o tipo de prazos. O certo é que nada na letra da lei impõe ou sequer sugere que ela se circunscreva aos prazos progressivos / exclua os prazos regressivos, não se vendo argumentos textuais para uma interpretação restritiva. (…)».
LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[8], em comentário ao artigo 423.º do CPC, afirmam que “[o] cômputo do prazo do n.º 2, idêntico ao estabelecido para o aditamento ou alteração do rol de testemunhas (art. 598-2), está sujeito às regras gerais dos arts. 138 a 140, o que implica nomeadamente que se suspenda em férias judiciais (art. 138-1), de modo que os 20 dias se contam excluindo-as. (…) A razão de ser do prazo estipulado (a preparação, nas melhores condições, da audiência final), conduz a esta interpretação.”
Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.04.2021[9], se considerou que “durante as férias judiciais (que decorreram de 22/12 a 3/1) todos os prazos processuais, incluindo os regressivos, se encontram suspensos (conforme estatui a lei – v. nº1, do art. 138º –, apenas com a ressalva dos aí expressamente consagrados: prazos de duração igual ou superior a seis meses e relativos a processos que a lei considere urgentes).”
Ao contrário da unanimidade a que se refere este aresto, a questão da relevância da contagem do prazo regressivo e da prática de um ato em férias judiciais não tem sido absolutamente unânime na doutrina e jurisprudência.
Na verdade, o citado aresto do STJ foi tirado em revista excecional, admitida precisamente por contradição de acórdãos (quanto à concreta questão decidenda[10], que não é a dos nosso autos), e foi comentado por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[11], defendendo que “[o] art. 138.º, n.º 2, CPC contém uma norma de protecção da parte: a parte não está obrigada a praticar o acto durante as férias judiciais. Mas desta regra de protecção da parte não pode ser retirado algo que desfavorece a parte: a irrelevância da prática de um acto durante as férias judiciais. A parte não tem o ónus de praticar o acto em férias, mas não está proibida de o fazer. Portanto, o acto praticado em férias deve ser considerado como qualquer outro acto”.
A posição assumida pelo Ilustre Mestre mereceu comentário discordante do Conselheiro URBANO A. LOPES DIAS[12], precisamente a respeito do aspeto que ora nos preocupa, ou seja, “na validade ou não validade do acto praticado por uma das partes em plenas férias judiciais e quando estava precludido o direito da mesma a praticar o mesmo”. Adaptando ao caso em presença a posição ali expressa, o que releva in casu é saber se a parte que apresenta o requerimento para junção de documentos em férias pode beneficiar da contagem desse prazo em dias corridos, caso no momento dessa apresentação já tenha sido ultrapassado o prazo processual com o limite de 20 dias de antecipação relativamente à audiência final, que vem previsto no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil.
Prosseguindo, refere cristalinamente o Senhor Conselheiro: “[a] nossa resposta, servindo-nos aqui de IHERING, é negativa: com efeito, o respeito pelos prazos fixados (aspecto formal) é o inimigo do arbítrio. (…)
A concessão, ainda que de um dia, a uma das partes para além do estatuído legalmente, desequilibra a função do juiz, favorecendo uma em prejuízo da outra. Não pode ser!
ALBERTO DOS REIS esclarece, a este respeito, que “os actos judiciais não podem ser praticados em qualquer tempo; há dias e épocas em que é vedada a prática deles”, adiantando até que a contravenção a esta regra importa a nulidade do acto.
E, mais à frente, citando CARNELUTTI, conta que o prazo “tem dois extremos, que são precisamente dois pontos, isto é, dois dias: o dia do início ou da partida (dies a quo) e o dia do termo ou do vencimento (dies ad quem); a distância entre os dois pontos marca a sua duração.”
Com efeito, explicita, “em férias judiciais não se praticam actos judiciais, excepção feita aos casos supra mencionados (artigo 137.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
E, caso o prazo para a sua realização já esteja a correr antes de férias, suspende-se durante o período de tempo das mesmas, voltando a correr até ao seu terminus”.
E isto é assim tanto quanto o dies a quo da contagem do prazo é o ponto de partida para diante, ou seja, quando a contabilização do prazo se faz em sentido progressivo, como quando, é o dies ad quem do prazo que está marcado. Sendo esse dia o termo, a contagem do prazo concedido à parte faz-se desse dia para trás, daí ser denominado prazo regressivo, porque a sua contabilização se efetua regressivamente a partir de um momento temporal futuro.
Acresce que, igualmente subscrevemos o entendimento expresso inter alia no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2021[13], de que “[o] prazo regressivo de 20 dias mencionado no artigo 423º, nº 2 do Código de Processo Civil, conta-se, no caso de uma audiência final marcada para várias sessões, em relação à primeira sessão, e não em relação a cada sessão”, sendo consequentemente irrelevante para que os documentos apresentados pela Autora possam ser considerados tempestivos relativamente à antecedência legalmente prevista, que aquando da audiência prévia tivessem sido designadas outras sessões da audiência de julgamento.
Revertendo ao caso em presença, tendo a audiência final tido o seu início na data agendada, ou seja, em 12.09.2022, efetuando a referida contagem em sentido regressivo, decorreram 11 dias até ao dia 01.09.2022, suspendendo-se o prazo entre o dia 31.08.2022 e 16.07.2022, e voltando a contabilizar-se os restantes nove dias, também regressivamente, desde 15.07.2022, inclusive, verificamos que a apresentação dos documentos teria que ser efetuada até ao dia 06.07.2022[14].
Consequentemente, a documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022 não pode considerar-se tempestivamente efetuada, com base na exceção prevista no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, porquanto este prazo já tinha terminado quando o requerimento foi por si atravessado no decurso das férias judiciais.
Não pode, pois, subsistir o despacho recorrido na parte em que convocou este fundamento.
Vejamos, finalmente, se a junção dos documentos pela Autora encontra arrimo no n.º 3 do artigo 423.º, que a primeira instância igualmente mencionou, e que dispõe: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Ultrapassado o referido limite temporal, como salientam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[15], “apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento”.
Também LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[16], referem que “[a]pós os referidos 20 dias (anteriores à data da audiência final), a parte pode ainda apresentar o documento na 1.ª instância, mas só em caso de superveniência (objetiva ou subjetiva) do documento (que foi impossível apresentar antes) ou em caso de ocorrência posterior que tenha tornado necessária a apresentação do documento (…)”, e até ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância, momento tendencialmente preclusivo e circunscrito apenas àqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
Porém, conforme tem sido entendimento jurisprudencial que cremos pacífico, cabe à parte que pretende prevalecer-se de um dos fundamentos excecionais legalmente previstos para justificar a junção tardia de documento, alegar e demonstrar a verificação de um desses pressupostos alternativos legalmente desenhados como justificando a sua apresentação fora do momento regra de apresentação da prova com os articulados, previsto nos artigos 421.º, n.º 1, 552.º, n.º 2, e 572.º, alínea d), do CPC[17].
E, como se referiu no citado aresto do Tribunal da Relação de Lisboa “isto tem que ser feito no próprio requerimento e não mais tarde (…). Na indagação da admissibilidade do documento, quando invocada a “impossibilidade da prévia apresentação” ou a verificação de “ocorrência posterior”, o seu fundamento haverá de ser apreciado segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência, que será aquela para que aponta o art. 487º, nº 2 do Cód. Civil: a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso”, o que bem se compreende se tivermos presente que a admissibilidade da junção de prova documental para além dos momentos assinalados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 423.º do CPC, constitui possibilidade excecional que, por isso, tem que ser justificada pela parte a quem a sua junção aproveita.
In casu, como resulta do iter acima transcrito, com o requerimento apresentado a Autora apenas mencionou os artigos da petição inicial que pretendia provar com os documentos cuja junção requereu, não tendo invocado qualquer fundamento para demonstrar que não pode oferecer com a petição inicial ou em momento posterior a documentação em causa, apenas referindo que o fazia para “prova da matéria alegada nos arts 60º a 94º da sua p.i e nos termos e para os efeitos do art. 423º/2 do CPC”, o que bem se compreende se atentarmos que se trata de documentos emitidos entre 2012 e 2014.
Consequentemente, a documentação cuja junção foi requerida, não podia igualmente ser admitida ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC.
Pelo exposto, conclui-se, tal como no aresto hoje proferido no apenso E), que deve ser revogado o despacho recorrido, ser indeferida a junção aos autos da documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022, e ser ordenado o seu desentranhamento dos autos.
Vencida, a Apelada suporta as custas recursivas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 e do CPC.
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III.2.2. – Da dispensa do remanescente da taxa de justiça
Defende a Apelante que deverá ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela presente apelação, ou, pelo menos, reduzido, porquanto encontram-se verificados os pressupostos de dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que o presente recurso não reveste especial complexidade, apenas se circunscrevendo a uma questão restrita de admissibilidade de prova e, atendendo ainda, à conduta processual da Recorrente, considerando que a tributação do recurso de apelação por intermédio da aplicação tabelar do RCP e a consequente exigência de um pagamento que ascenderia a um valor de mais de 78.000,00€, implica uma oneração excessiva e desajustada das partes (artigo 20.º da CRP).
Pese embora a Apelante não tenha decaído, e as custas sejam a cargo da Apelada, trata-se de questão que ao Tribunal incumbe conhecer, em qualquer caso, o que fará.
Vejamos.
Com a redação introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro ao citado artigo 6.º, n.º 7, do RCP, estatui o preceito que «nas causas de valor superior a 275 000,00€ o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Conforme afirma o Conselheiro SALVADOR DA COSTA[18], há situações em que o valor da taxa de justiça devida a final poderá não coincidir com o que foi inicialmente pago, tanto por se encontrarem no caso da Tabela II anexa ao RCP, e a taxa de justiça ser autoliquidada pelo valor mínimo, como por respeitarem a acção declarativa de valor superior a 275.000,00€ (linha 13 da Tabela I), (…) mas o juiz poderá dispensar o pagamento do remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC. – artigo 6.º, n.º 7, do RCP».
Deste modo, consagrou-se legalmente a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correção dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa, intervenção judicial essa que mesmo antes desta alteração já era preconizada pela jurisprudência, designadamente do Tribunal Constitucional.[19]
Na verdade, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15-07-2013, decidiu «Julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título»[20].
Em fundamento de tal juízo, aduziu-se que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito».
Portanto, uma interpretação conforme à Constituição da legislação ordinária que regula sobre as custas processuais, nelas se incluindo as taxas de justiça, há-de sempre reger-se pelos princípios da igualdade, da causalidade e da proporcionalidade, encontrando-se este na ponderação, por um lado, de qual o valor da ação, e, por outro, de que o custo a suportar pela prestação do serviço público de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado.
Como à guisa de introdução, já salientava o Conselheiro SALVADOR DA COSTA aquando da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais «o conceito de custas é agora pensado na tríplice vertente de taxa de justiça, encargos e custas de parte. A taxa de justiça continua a ser a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço»[21].
Esta ideia de contrapartida e de proporcionalidade tem sido também evidenciada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao afirmar que «atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício e obedecer, além do mais, aos critérios previstos nos artigos 530º nº 7 do CPC e 6º nº 7 do RCP», por isso que, «perante o valor da acção, o grau de complexidade dos autos e o comportamento processual das partes, poderá dispensar-se, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final»[22].
Deste modo, dir-se-á que quando, mercê do pagamento da taxa de justiça remanescente se verificar a ocorrência de «uma desproporção que afete claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente», impõe-se nesse caso ao Juiz o uso da faculdade que atualmente lhe é conferida pelo n.º 7, do artigo 6.º, do RCP com vista a dispensar, total ou parcialmente, o pagamento dessa taxa de justiça[23].
Ora, no caso em apreço, o valor da ação é de 13.033.750,62€, pelo que, seria ainda devido o remanescente (que neste caso ascende a mais de 70.000,00€).
Tudo sopesado, tendo presente que apesar do elevado valor da causa estamos perante recurso de decisão interlocutória relativa a junção de documentos aos autos, que não integrou a apreciação de questões com complexidade superior à que habitualmente envolve a apreciação da admissibilidade de meios de prova, independentemente do valor da causa[24]; que o comportamento processual das partes se desenrolou na mais completa normalidade e sem justificar qualquer reparo, porquanto a Apelante se limitou a impugnar, com correção e sinteticamente, os fundamentos pelos quais dissentia do despacho recorrido; que a Apelada, que fica vencida, nem sequer apresentou resposta, temos de concluir que a instância recursiva se desenvolveu estritamente de acordo com o figurino previsto, verificando-se a desproporcionalidade que funda a possibilidade de aplicação daquele inciso normativo.
Assim, em função dos princípios orientadores supra referidos e na ponderação de todos os referidos fatores, julgamos ser de determinar a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, conforme previsto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, e 570.º, n.º 7, a contrario sensu.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em revogar o despacho proferido na ata de audiência final do dia 12.09.2022 intitulado “PROVA DOCUMENTAL- requerimento de 9 de Setembro, ref.ª 10438425”, que se pronunciou sobre a admissão nos autos da documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022, e, em substituição do tribunal recorrido, indeferir a junção aos autos de tal documentação, por extemporânea, determinando o seu desentranhamento e entrega à apresentante.
Custas pela Apelada, dispensando-se a mesma do pagamento correspondente ao valor total da taxa de justiça remanescente.
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Évora, 30 de março de 2023
Albertina Pedroso [25]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Retificou-se o ano nos locais onde, por lapso evidente, constava 2021 em vez de 2022.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Consigna-se que os apensos de ambos os recursos subiram em momentos diferentes, tendo sido inviável suscitar a sua apensação.
[6] Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 528 e 529.
[7] Proferido no processo n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 241.
[9] Proferido no processo n.º 903/18.6T8PNF-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.. Este mesmo entendimento foi adotado no acórdão hoje proferido no apenso E) dos autos.
[10] Estava em causa a apresentação do aditamento do rol de testemunhas e, portanto, o disposto no n.º 2 do artigo 598.º do CPC.
[11] Em paper publicado no Blog do IPPC em 02.10.2019.
[12] In Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, publicado em 16.10.2019, no Blog do IPPC, disponível em https://blogippc.blogspot.com.
[13] Proferido no processo n.º 5984/18.0T8FNC-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, com profusa citação de jurisprudência e convocando ainda “as palavras de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 499,” quando referem que a tal entendimento conduz “a teleologia do preceito, que visa evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos”.
[14] Tal como igualmente se concluiu no acórdão hoje tirado no apenso E). Nestes precisos termos, pode ainda ver-se a contagem do prazo que foi efetuada no mencionado Comentário, pelo Conselheiro URBANO A. LOPES DIAS.
[15] In Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração, Vol. I, Almedina, 2019, pág. 499.
[16] Obra citada, pág. 239.
[17] Cfr. citado Ac. TRL, e jurisprudência mencionada, e ainda os Ac. TRL de 06/12/2017 (Proc.º n.º 3410/12TCLRS-A.L1-6) e 08/02/2018 (Proc.º n.º 207/14.3TVLSB-B.L1-6), mencionados no aresto hoje proferido no apenso E), que igualmente acompanhou essa posição jurisprudencial e doutrinária.
[18] In Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2017, publicado em 14.01.2018, no Blog do IPPC, disponível em https://blogippc.blogspot.com.
[19] Cfr. Guia Prático sobre Custas, Centro de Estudos Judiciários, 4.ª edição, pág. 87.
[20] Diário da República, 2.ª série, N.º 200, de 16 de Outubro de 2013, págs. 31096 a 31098.
[21] Cfr. Regulamento das Custas Processuais, 5.ª edição, Almedina 2010, págs. 6 e 7.
[22] Cfr., por todos, o Acórdão do STJ de 22-11-2016, proferido no processo n.º 200/14.6T8LRA-A.C1.S1, e mais recentemente o comentado, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. neste sentido, o citado Ac. TRL de 21-04-2015.
[24] Como se salienta no aresto proferido no apenso E), o critério da complexidade da causa pode ser retirado do artigo 530º, nº 7, do CPC, enquanto a conduta processual das partes deve ser orientada pelo disposto nos artigos 7º, nº 1 e 8º do mesmo diploma (cfr. neste sentido o acórdão da Relação de Coimbra de 11.07.2015, proferido no processo nº 342/09.0TBCTB-H.C1.
[25] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos juízes desembargadores que compõem esta conferência.