Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
40/01.2GCBJA.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O tribunal, perante um arguido com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, tem, necessariamente (obrigatoriamente), de apreciar da aplicação ou não do regime penal especial para jovens (D.L. nº 401/82, de 23/09).
II - Se o tribunal a quo não equacionou a aplicação do referido regime penal especial para jovens, ocorre omissão de pronúncia, o que constitui nulidade da sentença, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal.
III - Nessa situação (omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal recorrido devia conhecer), o tribunal ad quem não pode exercer o seu poder de suprimento (da nulidade em causa), pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição.
IV - Tem, por isso, de ser ordenada a baixa dos autos à primeira instância, para que aí se proceda à elaboração de nova decisão (novo acórdão) que pondere a possibilidade de aplicação do aludido regime penal especial para jovens.
Decisão Texto Integral:


Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com o nº 40/01.2GCBJA, da Comarca de Beja (Beja - Instância Central - Secção Cível e Criminal - Juiz 2), em que é arguido DGS (e outros), foi decidido nos seguintes termos (em transcrição):
“Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal de Círculo em julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
1. em absolver o Arguido JJGS da prática dos crimes de furto qualificado, na forma consumada, que lhe são imputados nos presentes autos;
2. em condenar o Arguido JJGS, como co-autor material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos art. 22º, art. 23º, art. 73°, art. 203°, nº 1, e art. 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, com referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal, na pena de um ano de prisão;
3. em suspender pelo período de três anos a execução da pena de prisão acabada de impor ao Arguido JJGS;
4. em condenar o Arguido DGS:
4.1. como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos art. 203º, nº 1, e art. 204º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alíneas a) e d), do mesmo diploma legal, na pena de três anos e seis meses de prisão;
4.2. como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
4.3. como co-autor material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos art. 22°, art. 23°, art, 73°, art. 203°, nº 1, e art. 204°, n.º 2, alínea e), do Código Penal, com referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
4.4. em cúmulo, na pena única de quatro anos e seis meses prisão.
Custas a cargo dos Arguidos, fixando-se a taxa de justiça individual em € 250 (duzentos e cinquenta euros), acrescida do adicional respectivo”.
*
Inconformado com o acórdão condenatório, dele interpôs recurso o arguido DGS, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:
“1º - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena de 4 ANOS e 6 MESES de prisão;
2ª - A razão do recurso reporta-se:
- à qualificação de 3 crimes de furto qualificado;
- à medida da pena;
- e à suspensão na sua execução;
3º - Considerando a matéria de facto dada como provada, é legítimo concluir que estamos na presença de um crime na forma continuada;
4º - Os factos ocorreram num período temporal devidamente limitado - 26, 27 e 30 de Maio de 2001 -, o ofendido, o local da prática dos actos e o modus operandi são os mesmos;
5º - Existem vários elementos unificadores, cujas actuações passam a ser consideradas como uma única resolução criminosa;
6º - Como ensina o grande Mestre: “o elemento aglutinador do crime continuado já não será o dolo unitário no crime continuado, como resolução ou decisão voluntária, mas a previsão e planeamento das várias violações, isto é, o elemento aglutinador transpõe-se do elemento volitivo para o elemento intelectual da vontade - de alguma sorte, para o fim proposto na sucessão de violações da lei penal” (Profº Cavaleiro Ferreira – Lições de Direito Penal – pag. 545).
7º - Temos assim de concluir que estamos na presença de um único crime de furto qualificado, na forma continuada;
8º - À data dos factos o Arguido tinha 20 anos de idade e era primário;
9º - Os factos ocorreram há mais de 14 anos;
10º - Estamos na presença de um jovem Arguido que se iniciou na prática de actos ilícitos e por consequência merecia um tratamento mais favorável no âmbito da medida da pena e na aplicação do regime dos jovens – Dec. Lei 401/82 de 23/09;
11º - Nos critérios decorrentes dos artsº 70º e 71º do Código Penal, a pena também tem uma finalidade preventiva e não apenas repressiva;
12º - A curta história social e criminal do Arguido não é compatível com um perigoso delinquente, que exija do sistema judiciário fortes e duradouras grades para que a comunidade viva em paz;
13º - Tudo ponderado, e considerando as disposições conjugadas dos artsº 22º, 23º, 30º, 70º, 71º, 73º, 203º, nº 1, 204º nº1 al. a e nº 2 al. e) todos do C. Penal e artº 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, o Arguido deve ser condenado na pena única de 2 ANOS e 6 MESES de prisão;
14º - Nos termos do artº. 50º, nº 1, do C. P., o Tribunal deve suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição;
14º - A jurisprudência tem assim vindo a acentuar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado – Ac. do STJ de 2002/jan/09 - Recurso nº 3026/01-3ª;
15º - Como Como ensina Jescheck, citado no Ac. do STJ de 30/6/93 - BMJ nº 428, pág. 353 -, “A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executada no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas, se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um “in dubio contra reo”;
16º - A simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
17º - Termos em que entendemos adequado a suspensão da execução da pena por igual período, 2 anos e 6 meses, associado a um regime de prova;
18º - Violou por isso a douta decisão recorrida as normas constantes dos artsº 22º, 23º, 30º, 50º, nº 1 e 2, 70º, 71º, 73º, 203º, nº 1, 204º, nº 1, al. a), e nº 2, al. e), todos do Código Penal e artº 4º do Dec. Lei nº 401/82, de 23/9.
NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso e alterar-se a douta sentença recorrida”.
*
O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo do seguinte modo (em transcrição):
“1 - Não se vislumbrando na matéria de facto provada nenhuma circunstância exterior que, facilitando a actuação do arguido, propicie a repetição dos crimes e reduza sensivelmente a sua culpa, falha um dos pressupostos da continuação criminosa.
2 - O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, em virtude de não se pronunciar sobre a possibilidade de aplicação do regime penal especial previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, ao arguido DGS.
3 - Estando decorridos cerca de 14 anos sobre a prática dos factos e tendo o arguido praticado os crimes quando tinha 20 anos de idade e era primário, a pena única de prisão deve ficar suspensa na sua execução”.
*
Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, concordando, no essencial, com a posição assumida pelo Ministério Público em primeira instância, e concluindo também que deve haver lugar à anulação da decisão recorrida, por omissão de pronúncia.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada resposta.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, e acima enunciadas, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são três, em breve síntese, as questões que vêm suscitadas no presente recurso:
1ª - A recondução dos factos à figura do crime continuado (conclusões 1ª a 7ª).
2ª - A aplicação do regime penal especial para jovens (D.L. nº 401/82, de 23/09) e a redução da medida concreta das penas (conclusões 8ª a 13ª).
3ª - A suspensão da execução da pena (única) de prisão (conclusões 14ª a 17ª).


2 - A decisão revidenda.

O acórdão proferido nos autos é do seguinte teor (integral - com exceção do “dispositivo”, que já foi acima transcrito -):

Acordam os Juízes do Círculo Judicial de Beja:
Com base nos factos que constam de fls. 162 a 165 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, o Ministério Público, em processo comum, acusa
- JJGS (….);
- DGS (….),
pela prática, em co-autoria material
- de um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alíneas a) e d), do mesmo diploma legal;
- de um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal;
- de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos art. 22°, art. 23°, art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal.
Os Arguidos não contestaram.
Procedeu-se a julgamento, com inteira observância do formalismo que a lei impõe.
Não correm quaisquer questões prévias ou incidentais que cumpra agora apreciar e que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
*
Estão provados os seguintes factos:
a)
No dia 26 de Maio de 2001, no período compreendido entre as 11H50 e as 14H15, o Arguido DGS dirigiu-se à residência de AJPS, sita na Quinta da Abóbada, em Beja.
Tinha o Arguido o propósito de se apoderar de bens e de valores que encontrasse no interior da referida residência.
Na concretização de tal propósito, o Arguido destruiu parcialmente a porta que dá acesso ao interior da residência e por aí se introduziu.
Do interior de tal residência, o Arguido retirou e levou consigo:
- um fio de ouro, de malha fina, com coração e dizeres "R e T", com o valor de € 299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos);
- um fio de ouro, de malha fina, com medalha e dizeres "com um abraço de avós", com o valor de € 209,50 (duzentos e nove euros e cinquenta cêntimos);
- dois fios de ouro, um pequeno de malha grossa e outro de malha média, com os valores de € 249.40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) e de € 349, 16 (trezentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), respectivamente;
- um fio de ouro, de malha trabalhada, com coração em ouro, com o valor de € 748,20 (setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos);
- um cordão de ouro, de malha grossa, com o valor de € 1 845,55 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos);
- uma pulseira em ouro, de malha grossa em argolas, com o valor de € 897,84 (oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e quatro cêntimos);
- uma pulseira em ouro, de malha grossa com dois nós, com o valor de € 598,56 (quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta e seis cêntimos);
- uma aparelhagem de som Hi-Fi, de marca "Nevir", modelo NVR-623ND, de cor cinzenta metalizada, com o valor de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).
Agiu o Arguido DGS de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que os referidos objectos lhe não pertenciam e que agia sem o consentimento e contra a vontade do proprietário dos mesmos.
Sabia o Arguido que o seu descrito comportamento era proibido e punido por lei.
b)
No dia 27 de Maio de 2001, cerca das 17H45, o Arguido DGS dirigiu-se à residência de AJPS, sita na Quinta da Abóbada, em Beja.
Tinha o Arguido DGS o propósito de se apoderar de bens e de valores que encontrasse no interior da referida residência.
Aí chegado, o Arguido DGS viu que a porta que dava acesso ao interior da residência já se encontrava reparada.
Então, o Arguido arrancou a ripa que se encontrava junto à fechadura de tal porta, abrindo-a.
E por aí se introduziu.
Do interior de tal residência, o Arguido retirou e levou consigo:
- uma mala em napa preta, tipo executivo, com o valor de € 25,00 (vinte e cinco euros);
- um auto-rádio, com o valor de € 25,00 (vinte e cinco euros);
- uma faca, tipo punhal, com o valor de€ 10,00 (dez euros);
- uma viola acústica, de caixa de madeira, de marca "Bluebird", modelo GC-1 O, de cor acastanhada, com o valor de € 35,00 (trinta e cinco euros).
Agiu o Arguido DGS de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que os referidos objectos lhe não pertenciam e que agia sem o consentimento e contra a vontade do proprietário dos mesmos.
Sabia o Arguido que o seu descrito comportamento era proibido e punido por lei.
c)
No dia 30 de Maio de 2001, os Arguidos JJGS e DGS, e o menor ERS, acordaram entre si introduzir-se na residência de AJPS, sita na Quinta da Abóbada, em Beja, para se apoderarem de bens e valores que aí encontrassem.
Chegados à referida residência, os Arguidos destruíram a porta que dá acesso ao seu interior e por aí se introduziram.
Do interior da residência de AJPS os Arguidos nada conseguiram retirar em virtude da rápida intervenção dos agentes da autoridade que vigiavam o local.
No interior da aludida residência existiam bens de valor superior a € 79,81 (setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos).
Circunstância que era do conhecimento dos Arguidos.
Agiram os Arguidos de forma deliberada, livre e consciente.
Os Arguidos sabiam que agia sem o consentimento e contra a vontade do AJPS e que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
d)
Na sequência de intervenção policial, a aparelhagem Hi-Fi, de marca "Nevir", e a viola acústica, de marca "Bluebird", foram recuperadas e entregues ao seu proprietário.
e)
As condutas dos Arguidos foram motivadas pelo lucro.
f)
Nada consta do certificado do registo criminal dos Arguidos.
*
Com interesse para a decisão da causa não ficaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente:
- que o Arguido JJGS tenha combinado introduzir-se na residência de AJPS, sita na Quinta da Abóbada, em Beja, nos dias 26 e 27 de Maio de 2001, para se apoderar do que de valor aí encontrasse;
- que o Arguido JJGS, nos dias 26 e 27 de Maio 2001, se tenha introduzido na referida residência;
- que nos dias 26 e 27 de Maio de 2001, o Arguido JJGS tenha destruído ou ajudado a destruir a porta que dá acesso á residência de AJPS, sita na Quinta da Abóbada, em Beja;
- que nos dias 26 e 27 de Maio de 2001, o Arguido JJGS tenha retirado qualquer objecto da residência acabada de referir;
- que a aparelhagem de som Hi-Fi, de marca "Nevir", modelo NVR-623ND, de cor cinzenta metalizada, tivesse valor superior a€ 125,00 (cento e vinte e cinco euros).
*
A audiência de julgamento decorreu com o registo em fita magnética dos depoimentos e esclarecimento nela prestados.
Tal circunstância, que deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade, dispensa o relato detalhado dos depoimentos prestados.
Posto isto, procurando apenas referir os aspectos mais importantes, a convicção do Tribunal alicerçou-se:
- nos depoimentos das testemunhas inquiridas;
- no teor dos documentos que se encontram juntos ao processo.
As testemunhas AJPS, EJCR e CRPC descreveram os objectos que foram retirados, nos dias 26 e 27 de Maio de 2001, da Quinta da Abóbada, onde residiam.
Referiram, ainda, a forma como o(s) assaltante(s) se introduziram nesse local.
Particular relevo foi dado ao depoimento das testemunhas JACB e JMCR, agentes da Guarda Nacional Republicana que no dia 30 de Maio de 2001 vigiavam a Quinta da Abóbada e participaram na detenção dos Arguidos.
Destes depoimentos resulta, de forma inequívoca, que os Arguidos, acompanhados por um menor, se introduziram na residência sita na Quinta da Abóbada.
E que na sequência da actividade policial desenvolvida após a detenção, apenas, do JJGS e do referido menor no interior da dita residência, foi possível identificar o Arguido DGS como o indivíduo que acompanhava os mesmos e que se pôs em fuga quando se apercebeu da presença dos agentes da Guarda Nacional Republicana.
Abordado por agentes da Guarda Nacional Republicana, o Arguido DGS indicou o local onde se encontravam a aparelhagem e a viola furtadas, respectivamente nos dias 26 e 27 de Maio de 2001, da residência do AJPS.
Ora, na ausência de qualquer explicação credível, por banda do Arguido DGS [que não compareceu à audiência de julgamento] ou por qualquer outra pessoa, para o conhecimento da localização de objectos furtados, entendemos que tal conhecimento constitui prova bastante da prática dos crimes de furto.
Idêntica conclusão se não estende ao Arguido JJGS - porque não ficou provado que tenha revelado conhecimento da localização de qualquer dos objectos que foram recuperados nos autos, ou de qualquer outro que tenha sido furtado da residência referida.
Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de elementos probatórios que os confirmassem com um mínimo de segurança.
Neste domínio, importa referir que na determinação do valor da aparelhagem de som Hi-Fi, de marca "Nevir", modelo NVR-623ND, de cor cinzenta metalizada, se tomou em consideração o teor do auto de exame directo e avaliação constante de fls. 22 dos autos.
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Conduta do Arguido DGS:
É-lhe imputada a prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada [previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alíneas a) e d), do mesmo diploma legal], de um crime de furto qualificado, na forma consumada [previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal] e de um crime de furto qualificado, na forma tentada [previsto e punível pelos art. 22°, art. 23°, art. 203º, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202º, alínea d), do mesmo diploma legal].
Quanto aos crimes de furto qualificado, na forma consumada
Dos factos provados resulta que o Arguido DGS, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário, AJPS, se apoderou de diversos objectos a este pertencentes, assim violando a posse que sobre eles era pelo mesmo exercida, com intenção de os haver para si, integrando-os no seu património.
E para o fazer, o Arguido introduziu-se na habitação de AJPS mediante arrombamento - por duas vezes, nos dias 26 e 27 de Maio de 2001.
Os objectos de que o Arguido se apoderou, no dia 26 de Maio de 2001 [objectos em ouro e uma aparelhagem de som], tinham, no seu conjunto, o valor de € 5 322,49 (cinco mil trezentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos).
Face ao disposto no art. 202°, alínea a), do Código Penal, o valor acabado de indicar deve considerar-se elevado.
Agiu o Arguido de forma deliberada, livre e consciente e com o conhecimento de que esses seus comportamentos era proibido e punido por lei.
Posto isto, e sem necessidade de outras considerações, entendemos que o Arguido DGS cometeu os crimes de furto qualificado, na forma consumada, que lhe são imputados nestes autos.
Quanto ao crime de furto qualificado, na forma tentada
Dos factos acima relatados na alínea c) resulta que o Arguido, acompanhado pelo JJGS e pelo ERS, no dia 30 de Maio de 2001 se introduziu na residência de AJPS, mediante arrombamento.
Agiu o Arguido desta forma com o intuito de se apoderar de bens e valores existentes no interior da referida residência e que sabia serem de valor superior a € 79,81 (setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos).
Agiu o Arguido da forma referida sem o consentimento e contra a vontade do referido AJPS.
Razões alheias à vontade do Arguido e pelo mesmo não previstas - aparecimento de agentes da autoridade - impediram o mesmo de concretizar o desiderato assinalado.
Agiu o Arguido de forma deliberada, livre e consciente e com o conhecimento de que esse seu comportamento era proibido e punido por lei.
O Arguido e o JJGS agiram mediante acordo prévio e em conjugação de esforços.
Posto isto, e sem necessidade de outras considerações, entendemos que o Arguido cometeu, em co-autoria material, um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos art. 22°, art. 23°, art. 73°, art. 203°, nº 1, e art. 204°, n.? 2, alínea e), do Código Penal, com referência ao art. 202º, alínea d), do mesmo diploma legal.
Conduta do Arguido JJGS:
É-lhe imputada a prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada [previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alíneas a) e d), do mesmo diploma legal], de um crime de furto qualificado, na forma consumada [previsto e punível pelos art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal] e de um crime de furto qualificado, na forma tentada [previsto e punível pelos art. 22°, art. 23°, art. 203°, nº 1, e art. 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal, por referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal].
Quanto aos crimes de furto qualificado, na forma consumada
Dos factos provados não resulta que o Arguido JJGS tenha cometido os crimes em análise ou que tenha tido qualquer forma de participação na concretização dos mesmos.
Deve por isso, concluir-se pela sua absolvição.
Quanto ao crime de furto qualificado, na forma tentada
Dos factos acima relatados na alínea e) resulta que o Arguido, acompanhado pelo DGS e pelo ERS, no dia 30 de Maio de 2001 se introduziu na residência de AJPS, mediante arrombamento.
Agiu o Arguido desta forma com o intuito de se apoderar de bens e valores existentes no interior da referida residência e que sabia serem de valor superior a € 79,81 (setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos).
Agiu o Arguido da forma referida sem o consentimento e contra a vontade do referido AJPS.
Razões alheias à vontade do Arguido e pelo mesmo não previstas - aparecimento de agentes da autoridade - impediram o mesmo de concretizar o desiderato assinalado.
Agiu o Arguido de forma deliberada, livre e consciente e com o conhecimento de que esse seu comportamento era proibido e punido por lei.
O Arguido e o DGSagiram mediante acordo prévio e em conjugação de esforços.
Posto isto, e sem necessidade de outras considerações, entendemos que o Arguido cometeu, em co-autoria material, um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22°, art. 23°, art. 73º, art. 203°, nº 1, e art. 204°, n.º 2, alínea e), do Código Penal, com referência ao art. 202°, alínea d), do mesmo diploma legal.
*
Fixada a responsabilidade criminal, cumpre determinar as medidas das penas.
Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos dos art. 72º e art. 73° do Código Penal, permitem a atenuação especial das penas, as molduras penais abstractas que correspondem aos crimes de furto qualificado, na forma consumada, que nestes autos se apurou ter o Arguido DGS cometido, situam-se entre dois e oito anos de prisão.
Relativamente ao crime de furto qualificado, na forma tentada, a moldura penal abstracta que lhe corresponde situa-se entre um mês e cinco anos e quatro meses de prisão.
Na escolha das penas, as circunstâncias em que os crimes ocorreram e a ausência de qualquer elemento que nos permita aferir as condições de vida dos Arguidos, levam-nos a afastar a aplicação de penas não privativas de liberdade.
Na determinação das medidas das penas haverá, ainda, que ponderar a gravidade das consequências de tais crimes, o elevado grau de ilicitude dos factos, a natureza da culpa, os motivos determinantes das condutas, o carácter primário da delinquência e as necessidades de garantir a reprovação e a prevenção do crime.
Poucas palavras nos restam, nesta ocasião.
Agiram os Arguidos determinados pelo lucro e não se intimidaram com o acesso não livre ao interior da residência do AJPS.
É significativo o valor dos objectos de ouro furtados pelo Arguido DGS.
O Arguido DGS, num curto lapso de tempo, introduziu-se por três vezes na residência do AJPS.
Posto isto, entendemos dever impor ao Arguido DGS as penas de três anos e seis meses de prisão [crime de furto qualificado ocorrido em 26 de Maio de 2001], de dois anos e seis meses de prisão [crime de furto qualificado ocorrido em 27 de Maio de 2001] e de um ano e seis meses de prisão [crime de furto qualificado, na forma tentada]; e ao Arguido JJGS a pena de um ano de prisão.
Por fim, entendemos dever suspender pelo período de três anos a execução da pena imposta ao Arguido JJGS, considerando a sua idade, a ausência de antecedentes criminais, as circunstâncias em que ocorreu o crime cometido pelo mesmo e o disposto no art. 50º do Código Penal”.


3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Do crime continuado.

Alega o recorrente que a atividade por si desenvolvida (três assaltos a residências, nos dias 26, 27 e 30 de maio de 2001), estando em causa um mesmo ofendido, um mesmo local dos factos e um mesmo modus operandi, configura a prática, na forma continuada, de um só crime de furto qualificado.
Cumpre decidir.
Como claramente decorre do preceituado no artigo 30º, nº 1, do Código Penal (“o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”), o critério de distinção entre unidade e pluralidade de infrações não é um critério naturalístico mas, antes, normativo ou teleológico, que atende à unidade ou pluralidade de valores jurídicos criminais negados, expressos nos tipos legais de crimes, correspondendo à unidade ou pluralidade de juízos de censura, e tendo na base a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas.
Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores ou diversas vezes ao mesmo preceito, o juízo de censura será determinante para se saber se concretamente se verifica um ou mais crimes.
O que se vem de dizer significa que, para a existência de uma infração penal, não é bastante a antijuricidade, ou seja, a realização do tipo legal de crime; é ainda necessário que a conduta seja reprovável, isto é, passível de culpa.
E, assim sendo, poderemos dizer que há tantos crimes, na realização do mesmo tipo legal, quantas vezes a conduta se tornar reprovável. A pluralidade de infrações resulta, pois, para o mesmo tipo legal, da pluralidade de juízos de censura ou reprovação.
As normas jurídico-penais, a par da valoração objetiva da conduta humana, têm uma função de determinação, de imperativo, para agir como contramotivo no momento da resolução.
Deste modo, haverá tantas violações de norma quantas vezes ela se tornar ineficaz nessa função determinadora da vontade.
E o que indica quantas vezes se verifica essa ineficácia é a resolução.
Quantas vezes o indivíduo resolveu agir por modo contrário ao imperativo da norma, tantas vezes se verifica a sua ineficácia, ou seja, a sua violação.
Em jeito de síntese, ressalta a seguinte ideia predominante: mesmo que a atuação do agente se traduza numa pluralidade naturalística de ações, executadas em momentos separados no tempo, existe um só crime desde que aquelas estejam subordinadas a uma única resolução criminosa, sendo de esclarecer que a existência de certa conexão temporal que ligue os vários momentos da conduta do agente é um índice importante da unidade de resolução, mas não é decisivo, havendo que atender a todo o circunstancialismo fáctico revelador da forma como se desenvolveu a atividade criminosa do agente para então se chegar à aludida determinação de vontade, concreta, determinada, e não a qualquer uma resolução abstrata, geral.
Contudo, o comando do nº 1 do artigo 30º do Código Penal sofre, com cobertura da lei, duas importantes restrições: os casos de concurso legal ou aparente (onde pontificam as regras da especialidade, da consunção e da subsidiariedade) e de crime continuado.
Esta figura, a do crime continuado, constitui uma excepção à regra do concurso em caso de pluralidade de infrações, consentida graças à concorrência de determinados requisitos mitigadores, enunciados no nº 2 do mesmo artigo 30º do Código Penal, a saber:
- Plúrima realização do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico.
- Homogeneidade da forma de execução, o chamado injusto objetivo da ação.
- Lesão do mesmo bem jurídico, ou seja, a unidade de injusto de resultado.
- Situação exterior propiciadora da execução e susceptível de diminuir consideravelmente a culpa.
Porventura o requisito mais problemático de toda esta plêiade de pressupostos cumulativos será o último: saber, em cada caso concreto, quando é que podemos afirmar que houve, de modo exterior ao agente, um condicionalismo que facilitou a sua ação e, consequentemente, degradou a respetiva culpa.
Tem-se por adquirido que o fundamento da aludida minorização da culpa há-de ir buscar-se em algo que, de fora, isto é, alheio ao agente, e de modo considerável, ou seja, significativamente, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o Direito.
Por conseguinte, a pedra de toque deste requisito será sempre um condicionalismo exógeno ao agente que lhe facilita a recaída e o torna, na circunstância, menos culpado.
Assim, se o agente concorre, minimamente que seja, para que esse quadro exterior se desenhe, não pode obviamente aproveitar-se das condições que criou e ver configurada uma situação de continuação criminosa.
Dito de outro modo: quando as circunstâncias exógenas (ou exteriores) não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa, não pode entender-se existir um só crime (praticado na forma continuada).
Feito este excurso dogmático, e retomando o caso concreto destes autos, a pura objetividade dos factos dados como provados (e não questionados na motivação do recurso) revela-nos que, nos atos realizados pelo recorrente nos dias 27 de maio de 2001 e 30 de maio de 2001, foi formulada pelo mesmo uma nova resolução criminosa, diferente da anterior (a do dia 26 de maio de 2001), isto é, o acervo factológico provado não permite formular outra conclusão que não seja a de que, em cada uma das duas ações desenvolvidas posteriormente à primeira, foi renovado o processo volitivo do recorrente, tendente à subtração de bens do interior da residência em questão.
No caso em apreço, e a nosso ver, não existem dúvidas quanto à verificação dos três primeiros pressupostos da figura do crime continuado (por nós supra enunciados).
Com efeito, é de admitir que o recorrente atuou de forma homogénea, dentro de uma linha psicológica continuada, e que, além disso, lesou sempre o mesmo bem jurídico.
Todavia, perante os factos provados, não existe, no caso concreto, a necessária situação exterior apta a proporcionar as subsequentes repetições e a facilitar a reiteração da atividade criminosa, por forma a que a culpa do recorrente se tenha de haver como consideravelmente diminuída.
No processo de motivação (ou de vontade) do ora recorrente não avulta um arrastamento para o crime por força de qualquer disposição exterior para o facto.
Bem pelo contrário, foi sempre o próprio recorrente que criou as condições necessárias para a repetição criminosa, formulando e concretizando, em momentos subsequentes, as respetivas resoluções criminosas, e agindo em função de cada situação concreta, adaptando, pois, o modus operandi às circunstâncias específicas dos seus desígnios.
Em suma: apesar de o recorrente ter praticado o mesmo tipo de crime (furto) em três ocasiões cronologicamente próximas (com apenas alguns dias de distância umas das outras), e tendo por objeto a mesma moradia, não se vislumbra a existência (na matéria de facto dada como provada no acórdão revidendo) de nenhuma circunstância exterior que, facilitando a atuação do recorrente, propiciasse a repetição dos crimes e reduzisse sensivelmente a sua culpa.
Mais: em todas as três ocasiões em análise, o recorrente teve sempre de “arrombar” a porta da residência do ofendido (a qual, logo da segunda vez, já se encontrava “reparada” da destruição efetuada aquando da primeira atuação do recorrente), o que nos leva a concluir, legitimamente, que, nas diversas ocasiões, a disposição exterior das coisas não só não facilitava como até dificultava (travava) a atividade criminosa perpetrada pelo recorrente.
Entendemos, perante o exposto, que bem andou o tribunal a quo ao qualificar juridicamente os factos, optando pelo concurso real de crimes e afastando a figura do crime continuado.
Improcede, assim, nesta primeira vertente, o recurso.


b) Do regime penal especial para jovens e da medida concreta das penas.


Discute o recorrente a aplicação do regime penal especial para jovens e a determinação da medida concreta das penas.
Há que decidir.
O arguido/recorrente nasceu em 28 de dezembro de 1980 e cometeu os factos em 26, 27 e 30 de Maio de 2001, ou seja, quando tinha 20 anos de idade.
O artigo 9º do Código Penal dispõe que “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
Contêm-se estas normas no D.L. nº 401/82, de 23 de setembro, que instituiu um regime para os jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime e que, à data da sua prática, tenham completado 16 anos sem ter atingido ainda os 21 anos.
Estabelece este diploma, no seu artigo 2º, que “a lei geral aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo presente diploma”, o que significa a prevalência do regime penal especial para jovens, só se fazendo apelo ao regime geral quando não for viável ou possível a aplicação daquele regime especial.
Do que decorre para o tribunal, mesmo oficiosamente, o poder/dever de considerar a aplicação deste regime especial para jovens, quando apreciar a conduta de um agente que tenha mais de 16 anos e menos de 21 anos, à data da prática da infração criminal.
O artigo 4º do citado diploma legal prescreve, por sua vez, que “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos temos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Uma visão teleológica deste comando legal permite, desde logo, duas conclusões:
- A aplicação do regime penal especial para jovens e, consequentemente, da atenuação especial, não constitui efeito automático de se ter mais de 16 e menos de 21 anos, à data da prática da factualidade típica.
- A referida aplicação do regime especial tem de decorrer de um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do jovem delinquente, por forma a que a atenuação possa representar para este não um amolecimento do sistema mas um incentivo sério para uma conduta posterior conforme com os valores sociais e uma vida harmoniosa em sociedade, sem voltar à prática de novas infrações criminais.
Deixou o legislador uma margem larga de critério para o julgador, ao não estabelecer, expressamente, índices ou fatores especificamente definidores da reinserção social do jovem condenado, balizando apenas o limite da existência de razões, objetivas e sérias, que possam fundar o referido juízo de prognose favorável e a convicção da reinserção social decorrente da pena especialmente atenuada.
Afinal, o pensamento de que se atingirá melhor, com a pena atenuada, o fim da pena consagrado no artigo 40º do Código Penal, da reintegração do agente criminoso, porque jovem, na sociedade.
De todo o modo, define-se a aplicação deste regime penal especial para jovens pela verificação múltipla de diversos fatores, uns endógenos (personalidade) e outros exógenos (condições de vida, circunstâncias dos crimes, etc.), em relação ao jovem agente do ilícito criminal.
Assim sumariamente definidos os princípios aqui aplicáveis, e lendo (mais do que uma vez) o acórdão revidendo, verifica-se que em tal acórdão não é equacionada (minimamente sequer) a aplicabilidade (ou não) do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (o regime fixado pelo D.L. nº 401/82, de 23 de setembro).
Na resposta ao recurso, o Exmº Magistrado do Ministério Público entende que essa omissão de pronúncia traduz uma nulidade do acórdão recorrido (artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal - o tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão que estava obrigado a apreciar).
O mesmo entendimento foi expresso no parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta (cfr. fls. 1000 a1005).
A nosso ver, tais entendimentos dos Exmºs Magistrados do Ministério Público (junto da primeira instância e junto deste Tribunal da Relação) têm inteiro cabimento.
Senão vejamos.
No acórdão revidendo, em segmento sob a designação “Fixada a responsabilidade criminal, cumpre determinar as medidas das penas”, escreveu-se tão-só:
Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos do art. 72º e art. 73° do Código Penal, permitem a atenuação especial das penas, as molduras penais abstractas que correspondem aos crimes de furto qualificado, na forma consumada, que nestes autos se apurou ter o Arguido DGS cometido, situam-se entre dois e oito anos de prisão. Relativamente ao crime de furto qualificado, na forma tentada, a moldura penal abstracta que lhe corresponde situa-se entre um mês e cinco anos e quatro meses de prisão. Na escolha das penas, as circunstâncias em que os crimes ocorreram e a ausência de qualquer elemento que nos permita aferir as condições de vida dos Arguidos, levam-nos a afastar a aplicação de penas não privativas de liberdade. Na determinação das medidas das penas haverá, ainda, que ponderar a gravidade das consequências de tais crimes, o elevado grau de ilicitude dos factos, a natureza da culpa, os motivos determinantes das condutas, o carácter primário da delinquência e as necessidades de garantir a reprovação e a prevenção do crime. Poucas palavras nos restam, nesta ocasião. Agiram os Arguidos determinados pelo lucro e não se intimidaram com o acesso não livre ao interior da residência do AJPS. É significativo o valor dos objectos de ouro furtados pelo Arguido DGS. O Arguido DGS, num curto lapso de tempo, introduziu-se por três vezes na residência do AJPS. Posto isto, entendemos dever impor ao Arguido DGS as penas de três anos e seis meses de prisão [crime de furto qualificado ocorrido em 26 de Maio de 2001], de dois anos e seis meses de prisão [crime de furto qualificado ocorrido em 27 de Maio de 2001] e de um ano e seis meses de prisão [crime de furto qualificado, na forma tentada]; e ao Arguido JJGS a pena de um ano de prisão. Por fim, entendemos dever suspender pelo período de três anos a execução da pena imposta ao Arguido JJGS, considerando a sua idade, a ausência de antecedentes criminais, as circunstâncias em que ocorreu o crime cometido pelo mesmo e o disposto no art. 50º do Código Penal”.
Ou seja, o tribunal a quo não se pronunciou (de modo algum, mesmo que indiretamente) sobre a possibilidade de aplicação do regime penal especial para jovens (acima referido), nada se dizendo acerca do mesmo e nada se concluindo, expressamente, sobre o seu afastamento.
Não existe, pois, no douto acórdão recorrido, fundamentação que afaste a aplicação do regime penal especial para jovens (D.L. nº 401/82, de 23/09), sendo o acórdão totalmente omisso sobre essa matéria.
Ora, a nosso ver, o instituto previsto no regime penal especial para jovens corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei” a que alude, claramente, o nº 1 do artigo 72º do Código Penal.
E, assim sendo, a atenuação especial ao abrigo do regime penal especial para jovens:
- Não é de aplicação necessária e obrigatória;
- Não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;
- É de conhecimento oficioso;
- A consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do Juiz.
Em suma: o tribunal, perante um arguido com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, tem, necessariamente (obrigatoriamente), de apreciar da aplicação ou não do regime penal especial para jovens (D.L. nº 401/82, de 23/09).
*
Aqui chegados, e sabendo que o acórdão sub judice não se pronunciou sobre a referida questão, importa aquilatar das consequências de tal omissão de pronúncia (se constitui nulidade, se a deficiência detetada pode ser suprida por este tribunal ad quem, qual o alcance da mesma sobre a validade dos atos processuais subsequentes, etc.).
No domínio das nulidades impera o princípio da legalidade, pois, conforme disposto no artigo 118º, nº 1, do C. P. Penal, “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”.
No caso em apreço, e em nosso entendimento, verifica-se existir nulidade da decisão recorrida, à luz do preceito que regula as nulidades da sentença, uma vez que ocorre omissão de pronúncia relativamente à matéria agora em análise, matéria sobre a qual o tribunal não podia deixar de pronunciar-se (artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal).
Dito de outro modo: o acórdão revidendo não versou a questão em apreço, não equacionou a eventual possibilidade de atenuação especial das penas por força do regime penal dos jovens adultos, não tomou posição expressa no sentido de não ter lugar a aplicação do regime em causa, não afastou a hipótese da aludida atenuação especial, e, por tal motivo, existe, nesta vertente, nulidade da decisão recorrida.
Concluindo: ocorre, neste específico ponto, nulidade do acórdão recorrido, impondo-se, ainda que se considere inaplicável o regime penal especial para jovens, a justificação dessa opção, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação.
Se se concluir pela aplicação do regime penal especial para jovens, também essa opção, obviamente, deve ser fundamentada, e dela devem ser retiradas as legais consequências.
Perante tais possibilidades, que podem influenciar (alterar) os limites (mínimo e máximo) da moldura abstrata das penas a aplicar, fica prejudicado o conhecimento da outra questão colocada, nesta sede, pelo recorrente: a determinação da medida concreta das penas (penas parcelares e pena única).
Assim sendo, só depois de se afastar (expressamente) a hipótese de atenuação especial das penas decorrente do regime penal especial para jovens, ou só depois de, aplicando-se tal regime, se averiguar da moldura abstrata cabível ao caso, é que o tribunal de primeira instância se terá de pronunciar, de novo e em novos parâmetros, relativamente a medida concreta das penas.
*
Dispõe o artigo 379º, nº 2, do C. P. Penal, que “as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las (…)”.
Assim, o tribunal de recurso tem o poder de “suprir” as nulidades da sentença.
Contudo, em casos como o dos autos (omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal recorrido devia conhecer), este tribunal de recurso não pode exercer o seu poder de suprimento, pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição.
A nulidade em causa só é susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, uma vez que, repete-se, o suprimento por este tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição (cfr., neste mesmo sentido, e mais desenvolvidamente, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª ed., 2008, pág. 966, nota nº 12 ao artigo 379º).
Tem, por isso, de ser ordenada a baixa dos autos à primeira instância, para que aí se proceda à elaboração de nova decisão (novo acórdão) que pondere a possibilidade de aplicação do acima referido regime penal especial para jovens.
*
Cumpre, com mais rigor e inteiro pormenor, definir e delimitar os efeitos da decidida nulidade do acórdão recorrido, esclarecendo-se, devidamente, se tem de ser anulado o próprio julgamento ou se basta proceder à elaboração de um novo acórdão (e à repetição do processado subsequente a tal acórdão).
Sob a epígrafe “efeitos da declaração de nulidade”, estabelece o artigo 122º do C. P. Penal:
1 - As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.
2 - A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.
A nulidade acima detetada afeta, necessariamente, a validade do acórdão em que foi praticada, e, também, de todo o processado que se lhe seguiu.
Mais complexa será a questão de saber se a nulidade do acórdão revidendo prejudica apenas a validade do ato decisório, isoladamente considerado, ou se, pelo contrário, inquina a própria audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferido tal acórdão.
Na verdade, e como nos parece evidente, existe uma íntima conexão entre a audiência de discussão e julgamento e o acórdão em causa, podendo afirmar-se, com inteira propriedade, que este (o acórdão) é o último ato daquela (da audiência).
Em nosso entender, as nulidades da sentença previstas no artigo 379º, nº 1, do C. P. Penal, não acarretam, necessariamente (ou por princípio), a invalidação da audiência de discussão e julgamento, tudo dependendo das características concretas do vício que tenha dado origem à nulidade.
Na situação destes autos, a nulidade verificada não radica na produção da prova ou na discussão da causa, mas emerge, isso sim, de um vício com incidência restrita ao próprio texto da decisão revidenda e relativo a mera omissão de pronúncia (sobre a questão da aplicação ou não do regime penal especial para jovens).
Assim sendo, é possível salvaguardar a validade da audiência de discussão e julgamento, na medida em que seja possível a prolação, pelos mesmos Exmºs Juízes que subscreveram o acórdão agora invalidado, de nova decisão (novo acórdão), com a correção do vício detetado.
Deve repetir-se, pois, o acórdão recorrido, pelos Juízes que o proferiram (só no caso de se mostrar impossível, seja por que motivo for, a intervenção de tais Exmºs Juízes, se devendo proceder a nova audiência de discussão e julgamento).


c) Da suspensão da execução da pena (única).

O recorrente pugna pela suspensão da execução da pena (única) a aplicar.
Na data em que o acórdão revidendo foi proferido (13 de outubro de 2004), a pena única (de 4 anos e 6 meses de prisão) em que o ora recorrente foi condenado não era passível de ficar suspensa na sua execução, porquanto o artigo 50º, nº 1, do Código Penal, na sua primeira redação (redação então vigente), apenas permitia a suspensão da execução de penas de prisão aplicadas em medida não superior a 3 anos.
Contudo, com as alterações introduzidas ao referido dispositivo legal pela Lei nº 59/2007, de 04/09, essa possibilidade foi alargada às penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos.
Ora, em nosso entendimento, o tribunal de primeira instância, perante a determinação de uma pena de prisão não superior a 5 anos, terá sempre de fundamentar, especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão, sob pena de nulidade do acórdão a proferir (nulidade, tal como a acima tratada, de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, e prevenida no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal).
Por conseguinte, no novo acórdão a proferir, o tribunal de primeira instância tem também de pronunciar-se, clara e expressamente (aduzindo argumentos, expondo fundamentos), e tem de decidir, sobre a questão da suspensão (ou não) da execução da pena de prisão a aplicar.
*
Em conclusão de tudo o que ficou exposto, importa que o tribunal a quo proceda à seguinte atividade judicativa:
1º - Proferir novo acórdão, em que efectue uma análise, expressa e detalhada, sobre a aplicação (ou não) ao caso dos autos do regime penal especial para jovens (de forma a colmatar a omissão acima detetada e analisada).
2º - Ponderar e decidir, em tal novo acórdão, sobre a medida concreta das penas (penas parcelares e pena única).
3º - Ponderar e decidir, fundamentadamente, sobre a concessão ou a denegação da suspensão da execução da pena (única) de prisão a aplicar.
Na estrita medida assinalada (nulidade do acórdão), procede o recurso interposto pelo arguido.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, e concedendo-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, decide-se.
a) Declarar nulo, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal, o acórdão recorrido e todo o processado subsequente.
b) Determinar, após trânsito em julgado, a baixa dos autos à primeira instância, a fim de aí ser proferido novo acórdão, com suprimento da nulidade detetada (nos termos acima indicados), e com o exercício da demais atividade judicativa também supra referida (ponderação e decisão sobre a medida concreta das penas, e ainda sobre a concessão ou a denegação da suspensão da execução da pena de prisão a aplicar).
Sem tributação.
*
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 08 de setembro de 2015


João Manuel Monteiro Amaro

Fernando Pina