Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8786/15.1T8STB.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Viola o principio da igualdade dos credores o plano de recuperação que para a generalidade dos credores comuns consagra uma cláusula de juros a 2%,, com perdão de 50% do capital e juros em dívida, estipulando para um outro “taxa de juro indexada à Euribor a 12 meses + 4,80%”.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

O presente processo especial de revitalização, desencadeado pelos devedores AA e mulher, BB, culminou com sentença homologatória do seu plano de recuperação.


Inconformado com o decidido, apelou o credor CC, com as seguintes conclusões[1]:

- O crédito da Caixa Geral de Depósitos, credor hipotecário, não comporta qualquer redução ou constrangimento à sua cobrança;

- Por isso, o voto desta entidade não poderia entrar no cômputo do quorum deliberativo;

- Assim, e considerando que o plano de pagamento dos devedores foi aprovado com o voto maioritário da Caixa Geral de Depósitos, tal implicaria que o mesmo tivesse sido recusado, por não se verificar a existência de quorum necessário à sua aprovação;

- O plano de pagamentos apresentado pelos devedores prevê prazos diferentes de reembolso dos créditos comuns da generalidade dos credores e condições diferentes de reembolso pra o crédito comum da Caixa Geral de Depósitos e do Banco DD;

- É, pois, discriminatório no que respeita a estes créditos;

- Viola, assim, o princípio da igualdade de credores


Deverá a sentença ser revogada, não se homologando o plano de recuperação.


Contra-alegaram os devedores, manifestando-se pela manutenção do decidido.


O objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se o plano de recuperação aprovado deve ou não ser homologado.



Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


A.a - O plano de recuperação dos devedores, na parte referente aos créditos comuns, consagra, para a generalidade dos credores, as seguintes cláusulas: “taxa de juro: 2%; Perdão de capital e juros: perdão de 50% do capital e juros em dívida”;


Prazo de pagamento - variável, em consonância com o valor em dívida.


Exceções:


Caixa Geral de Depósitos - “taxa de juro indexada à Euribor a 12 meses + 4,80%”;


Instituto da Segurança Social, I.P. - juros à taxa legal.


A.b - O mesmo plano, relativamente aos créditos garantidos, contém a seguinte cláusula:


Caixa Geral de Depósitos - “Aumento do prazo contratualizado em 60 meses; Taxa de juro indexada à Euribor de 12 meses + 2,5%; Manutenção das garantias contratualizadas; Capital Diferido: 30%”; “Aumento do prazo contratualizado em 60 meses; Taxa de juro indexada à Euribor de 12 meses + 3,5%; Manutenção das garantias contratualizadas; Capital Diferido:30%”.


B - O direito


- À homologação ou não, por parte do juiz, do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor são aplicáveis, com as indispensáveis adaptações, “as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência (…)”[2];


- Ao Tribunal é conferido “(…) o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano” de recuperação[3];


- As normas/requisitos da homologação do plano de recuperação respeitam tanto “(…) a aspetos de procedimento como aos de conteúdo do plano” [4];


- Os créditos que não “sejam atingidos pelas medidas determinadas no plano”, estão excluídos do quorum deliberativo[5];


-“Normas relativas ao conteúdo serão (…) todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve comtemplar” [6];


- É inadmissível um plano de recuperação que contemple diferenças de tratamento, relativamente a credores em igualdades de circunstâncias, ”sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas” [7];


- Nem toda “(…) a transgressão ao que está legalmente determinado (…)” conduz à não homologação do plano de recuperação, mas apenas “(…) as violações de normas imperativas que acarretam a produção de um resultado que a lei não autoriza”- vícios não negligenciáveis[8].


C - Jurisprudência


-“O princípio da igualdade dos credores (art. 194º. do CIRE) não é absoluto, pois permite, em consideração do princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (nº 1 do art. 1º do mesmo código), que se adote um tratamento diferenciado, conquanto que o mesmo se justifique por razões objetivas” [9];


- “Estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com indicação das razões objetivas que lhe estão subjacentes” [10];


-“Não consubstancia violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 194º. do CIRE, o tratamento diferenciado do credor que, longe de ser arbitrário, decorre de circunstâncias objetiveis e atendíveis que, para além de constarem, transparentemente, no plano (…) não só o aconselham, como, mesmo, o impõem em ordem à manutenção e revitalização da devedora” [11];


- “ O art. 194º. do CIRE consagrada de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto que, implicitamente, ressalva exceções assentes em “diferenciações justificadas por razões objetivas”. O principio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes seja tratadas de modo diferente” [12];


- “O princípio da igualdade dos credores não proíbe o plano de recuperação de fazer distinções entre credores, proibindo apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes” [13];


C- Aplicação do direito


Contrariamente ao sustentado pela recorrente CC, os créditos garantidos da credora Caixa Geral de Depósitos sofreram um “constrangimento” na sua cobrança, resultante, nomeadamente, do aumento do prazo contratualizado, em 60 meses.


Como tal, nada obstava que a dita credora integrasse, como integrou, o quorum deliberativo.


No que se refere aos diferentes prazos de reembolso dos créditos comuns, decorrem os mesmos dos respetivos montantes.


Relativamente ao reembolso imediato do crédito comum do Banco DD, resulta o mesmo da circunstância objetiva do seu insignificante montante - €37,50.


Quanto ao pagamento do crédito comum da Caixa Geral de Depósitos, não se vislumbra motivo para o seu tratamento com “taxa de juro indexada à Euribor a 12 meses + 4,80%”, tendo em consideração o acordado para os demais credores comuns - “taxa de juro: 2%; Perdão de capital e juros: perdão de 50% do capital e juros em dívida.


“Dos factos provados não se retira uma causa objetiva que justifique este tratamento (…) do credor apelante” [14]..


Foi, pois, o aludido banco contemplado com um injustificado e favorável tratamento, que, por sinal, obteve um voto contrário da recorrente.


Contém, assim, o plano de recuperação dos devedores AA e BB “um resultado que a lei não autoriza”, consequência da inobservância do princípio da igualdade dos credores.


Como tal, não devia ter sido homologado.


Em síntese[15]: viola o principio da igualdade dos credores o plano de recuperação que para a generalidade dos credores comuns consagra uma cláusula de juros a 2%,, com perdão de 50% do capital e juros em dívida, estipulando para um outro “taxa de juro indexada à Euribor a 12 meses + 4,80%”..


Decisão:


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação procedente e revogando a sentença recorrida, não homologar o plano de recuperação dos devedores AA e BB.


Custas pelos recorridos.


Évora, 12 de julho de 2016


Sílvio José Teixeira de Sousa


Rui Machado e Moura


Maria da Conceição Ferreira


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[1] Conclusões elaboradas por esta Relação, a partir das 33 “conclusões” da recorrente; a transcrição de preceitos legais, a indicação de jurisprudência e a reprodução do quadro do plano de pagamentos não são conclusões.
[2] Artigo 17º.- F, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[3] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Anotado, 2ª edição, pág. 712.
[4] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Anotado, 2ª edição, pág. 712, e artigo 215º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Anotado, 2ª edição, pág. 706, e artigos 17.-F, nº 5 e 212º., nº 2, a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[6] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Anotado, 2ª edição, pág. 712, e artigo 215º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[7] Artigo 194º., nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[8] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Anotado, 2ª edição, pág. 712, e artigo 215º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[9] Acórdão do STJ, de 3 de novembro de 2015 (processos nº 863/14.2 T8BRR.L1.S1), in www.dgsi.pt..
[10] Acórdão do STJ, de 24 de novembro de 2015 (processos nº 212/14.0 TBACN.E1.S1), in www.dgsi.pt..
[11] Acórdão do STJ, de 25 de novembro de 2014 (processos nº 1783/12.0 TYLSB-B, L1..S1), in www.dgsi.pt..
[12] Acórdão do STJ, de 25 de março de 2014 (processos nº 6148/12.1TBBRG.G1..S1), in www.dgsi.pt..
[13] Acórdão da Relação de Évora de 17 de março de 2016 (processo nº 1220/15.9 T8EVR.E1), in www.dgsi.pt..
[14] Acórdão do STJ, de 3 de novembro de 2015 (processos nº 863/14.2 T8BRR.L1.S1), in www.dgsi.pt..
[15] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil.