Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
139/14.5T8BJA.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PARTICIPAÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. O dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
2. Para o determinar, o tribunal que julga a indemnização deve realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspectiva que teria sido adoptada pelo tribunal que apreciaria a acção ou recurso inviabilizados.
3. Quanto mais robusta for a chance, maior será o montante da indemnização devida e mais se aproximará do valor que seria devido para cobrir o dano decorrente da perda do resultado final.
4. Em caso de responsabilidade profissional civil de advogado, não é oponível ao cliente lesado a falta de participação do sinistro à Seguradora por parte daquele advogado.
5. A franquia ao capital seguro consiste numa dedução ao montante indemnizatório, que tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade da Seguradora em pequenos sinistros.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível e Criminal de Beja, (…) demandou (…) (1.º R.), advogado, (…) Seguros Gerais, S.A. (2.ª Ré) e Seguradoras (…), S.A. (3.ª Ré), alegando que o 1.º R. foi nomeado seu patrono oficioso, no âmbito do benefício do apoio judiciário, e que apresentou alegações extemporâneas de Acórdão da Relação que lhe havia sido desfavorável, motivo pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça não tomou conhecimento do recurso.
Em consequência, pede a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe € 83.949,18 a título de danos materiais e € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Após contestação por todos os demandados, realizou-se julgamento e foi proferida sentença julgando a causa totalmente improcedente.

No dia anterior ao oferecimento das suas alegações, a A. dirigiu requerimento ao tribunal a quo, arguindo a deficiência de gravação de três depoimentos e pedindo a repetição parcial do julgamento, bem como a anulação da decisão da matéria de facto e da sentença.
Sobre este requerimento incidiu despacho do tribunal a quo, concluindo pela extemporaneidade da arguição de deficiência da gravação.

Nas suas alegações de recurso, a A. conclui:
1 - deverá ser recebida a arguição de nulidade invocada, ordenada a repetição parcial da audiência de modo a ouvir as testemunhas cujo depoimento é inaudível na gravação, dando-se sem efeito, por nulos todos os actos posteriores à gravação viciada, inclusivamente, a douta sentença em crise;
2 - a matéria de facto dada como não provada nos pontos A, B e C da rubrica b) “Factos não provados” da douta sentença em recurso deverá ser alterada de modo a ficar decidido que:
Ponto A – “a A. não foi informada pelo 1.º R. da rejeição do recurso, apesar de se ter deslocado, por várias vezes, ao seu escritório para conhecer do respectivo resultado”, dando-se como provada a matéria alegada no art. 9.º da p.i.;
Ponto B – a A. viveu momentos de grande sofrimento, angústia e constrangimento quando soube que o seu patrono não apresentou atempadamente as alegações de recurso, dando-se como provada a matéria alegada no art. 15.º da p.i.;
Ponto C – a A. confiava no trabalho do 1.º R e sentiu-se enganada durante vários meses, dando-se como provada a matéria alegada no art. 10.º da p.i.;
3 - deverá ser apreciado o pedido de indemnização por danos morais peticionados pela A./recorrente, dado que estes danos são presentes, certos e imediatos, nada têm a ver com a perda de chance – teoria que a Meritíssima Juíza a quo tratou mas que só pode cingir-se ao pedido de danos patrimoniais dada a necessidade de comprovar o nexo de causalidade entre o acto e o dano;
4 - o dano moral sofrido pela A./recorrente resulta da conduta do 1.º R. que incumpriu os deveres deontológicos consagrados nos arts. 95.º e 110.º do E.O.A.;
5 - esta conduta só por si é fonte de responsabilidade civil geradora do dever de indemnizar;
6 - tal dever não necessita da verificação directa e expressa do nexo de causalidade entre o acto e o dano, resultando directa e imediatamente da violação;
7 - ao aceitar a nomeação oficiosa, no âmbito do apoio judiciário, para representar os interesses da A./recorrente, o 1.º R. assumiu uma responsabilidade extracontratual, responsabilizando-se pelos efeitos danosos da sua actuação ou omissão;
8 - resulta da experiência comum e da lógica que um acto omissivo como o do 1º R., quer no diz respeito à extemporaneidade do recurso, quer à omissão da informação, à A./recorrente, quanto à causa do seu resultado, causa mau estar, tristeza, angústia, constrangimento;
9 - tanto que a A./recorrente sempre foi diligente no acompanhamento do processo cujo decaimento gerou a necessidade/interesse de recurso para o STJ;
10 - esse interesse ficou inclusivamente, patente na presença repetida da A./recorrente no escritório do 1.º R., com o objectivo de saber do andamento/resultado do processo;
11 - o dano moral da A./recorrente, resulta desde logo de ver a sua expectativa de reapreciação do seu pedido formulado na acção de acidente de trabalho com dano morte, defraudada, pois que surge evidente que a sua expectativa era presente e imediata, pelo número de vezes que foi ao escritório do 1.º R.;
12 - e surge evidente que sofreu o dano moral por se sentir enganada, pois que para conhecer o verdadeiro motivo do resultado do recurso par o STJ teve de pedir uma fotocópia da decisão, tendo, apenas, nessa altura, e por iniciativa própria, conhecido a verdadeira causa do insucesso;
13 - dado que a A./recorrente peticionou a condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado quanto a esse pedido;
14 - a indemnização nunca poderá ser inferior ao valor peticionado na p.i.;
15 - a responsabilidade do pagamento do valor da indemnização recai sobre o 1.º R., e, solidariamente, sobre as 2.ª e 3.ª R. por efeito e nos limites dos respectivo contratos de seguro.

Nas respectivas respostas, os RR. sustentam a manutenção do decidido.
Nas suas alegações, a 3.ª Ré Seguradoras (…), S.A., procede à ampliação do âmbito do recurso nos seguintes termos:
a. Nos termos da apólice em análise, não é assim relevante para a determinação da sua aplicabilidade a data da verificação dos factos eventualmente susceptíveis de gerar responsabilidade civil profissional, mas sim a data da primeira reclamação dos factos.
b. No caso em apreço, os factos alegados na Petição Inicial e imputados ao R. Advogado – que não se aceitam – terão sido consciencializados pelo mesmo em 14.09.2012, não tendo o R. Dr. (…) comunicado os factos em apreço à Seguradora, anteriormente a 04.03.2013.
c. Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014 – Cfr. Doc. 1 junto com a contestação e aí dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d. Também, nos termos do art. 10.º, n.º 1, das Condições da Apólice em análise: “O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corrector ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação”.
e. A comunicação supra referida, dirigida ao Corrector ou à SEGURADORA ou aos seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da RECLAMAÇÃO possa chegar à SEGURADORA no prazo improrrogável de sete dias.”
f. A falta de comunicação em causa – falta de participação do sinistro – constitui assim uma causa de exclusão de cobertura expressamente prevista nas condições especiais da Apólice (…) e que impede a responsabilização da Recorrida Seguradora, que deverá ser absolvida do respectivo pedido;
g. Pelo que, a primeira reclamação do sinistro ora em apreço, ocorreu cerca de seis meses depois do conhecimento dos factos.
h. Também, de acordo com o clausulado da apólice em apreço foi fixada uma franquia no montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros por sinistro, franquia essa que fica a cargo do Segurado 1ª R. Dr. (…), sendo da sua inteira responsabilidade, a qual não pode ser imputável à ora Ré – Cfr. Doc. 1 apresentado com a contestação da Ré seguradora aqui Recorrida, Ponto 9 das Condições Particulares.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da deficiência na gravação
Apesar da 1.ª instância ter já indeferido a arguição de nulidade do julgamento por deficiência na gravação, a A. continua a insistir nesta questão nas suas alegações de recurso.
Ora, para além do trânsito em julgado do despacho que desatendeu a referida arguição, também se notará que a deficiência da gravação deixou de poder ser arguida em sede de alegações do recurso interposto da sentença final, pois o art. 155.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil dispõe agora que a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respectivo acto, e que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Significa isto que passou a recair sobre as partes o ónus de controlarem e sindicarem a existência e qualidade da gravação, devendo arguir perante a primeira instância qualquer deficiência da mesma, no prazo de 10 dias subsequente ao de 2 dias a contar do respectivo acto, sob pena do vício se considerar sanado. Deste modo, a omissão ou deficiência da gravação passou a ser um problema a ser sanado ao nível da primeira instância (que assim tem a possibilidade de, em tempo útil, adoptar os procedimentos adequados à reparação da deficiência, se necessário repetindo os actos afectados), deixando de poder ser arguido perante o Tribunal da Relação, ainda que se peça o reexame das provas produzidas em primeira instância, nem podendo este conhecer do vício oficiosamente.
Assim, mostra-se extemporânea a invocação da deficiência de gravação em sede de alegações de recurso da sentença, pelo que improcede esta linha de argumentação da recorrente.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
A decisão recorrida declarou não provada a seguinte matéria de facto:
A.“A A. não foi informada pelo 1.º R. da rejeição do recurso, apesar de se ter deslocado, por várias vezes, ao seu escritório, para conhecer do respectivo resultado, vindo a aperceber-se desses factos quando consultou o processo, no Tribunal de Odemira;
B. A A. viveu momentos de grande sofrimento, angústia e constrangimento quando soube que o seu patrono não apresentou atempadamente as alegações de recurso;
C. A A. confiava no trabalho 1.º R. e sentiu-se enganada durante vários meses.”
Ora, a própria filha da A., a testemunha (…), a única pessoa que acompanhou a sua mãe na consulta ao advogado 1.º R., reconheceu que este informou do resultado final da acção, com rejeição da revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por extemporaneidade – basicamente, a decisão funda-se na circunstância do processo de acidente de trabalho ter natureza urgente, pelo que não ocorreu a suspensão do prazo de recurso durante as férias judiciais da Páscoa de 2012.
Logo, não apenas a testemunha não confirma que a sua mãe apenas tomou conhecimento da rejeição da revista para o Supremo através da consulta ao processo no Tribunal de Odemira, como reproduz uma realidade coincidente com aquele que foi o depoimento do 1.º R., no sentido de ter efectivamente informado os motivos da não admissão da revista e da A. e a sua filha não lhe terem solicitado esclarecimentos adicionais.
Quanto à al. B), a angústia e sofrimento referidos pela filha da A. referem-se ao óbito do seu companheiro, mas não em relação ao resultado final do processo de acidente de trabalho – de resto, a filha da A. chegou a reconhecer que a sua mãe não se chateou com o advogado 1.º R.. E quanto à al. C), não resulta do mesmo depoimento que a A. se tenha sentido enganada pelo advogado oficioso que a patrocinava, tanto mais que os esclarecimentos que lhe foram solicitados foram por este prestados.
Julga-se, pois, improcedente a impugnação da matéria de facto.

A matéria de facto provada estabiliza-se assim nos seguintes termos:
1- No ano de 2005 a A. instaurou uma acção emergente de acidente de trabalho, do qual resultou a morte do seu companheiro, (…);
2- O processo correu no então Tribunal Judicial de Odemira com o n.º 434/05.4TBODM;
3- No referido processo, a A. peticionou a condenação da entidade patronal e da seguradora a pagar-lhe: – uma pensão anual e temporária, desde o dia seguinte ao dia do falecimento do seu companheiro, até a idade da sua (dela) reforma; uma pensão vitalícia, a partir da idade da reforma; um subsídio por morte; despesas de funeral;
4- O 1º R. foi nomeado patrono da A. no referido processo;
5- Por sentença de 17.01.2011, proferida no referido processo, a A. viu reconhecido o direito a: uma pensão anual e vitalícia, no montante de € 3.513,00, com início reportado a 23.09.2005, até perfazer a idade da reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, altura em que teria direito a uma pensão de € 4.684,00; € 1.498,80 a título de despesas de funeral; € 2.248,20 a título de subsídio de morte;
6- Em 31.01.2012 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, que revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância na parte em que condenou os réus daquela acção no pagamento de prestações à A.;
7- Entendeu o Tribunal da Relação de Évora que competia à A. alegar e provar os factos que permitissem o reconhecimento do direito a alimentos, nos termos do art. 2020.º do Código Civil, o que aquela não logrou fazer;
8- A A. e o 1.º R. concordaram em interpor recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora para o Supremo Tribunal de Justiça;
9- O 1.º R. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e apresentou as suas alegações em 27 de Abril de 2012;
10- O recurso foi rejeitado por extemporaneidade;
11- A A. recebeu a quantia de € 1.469,44 a título de despesas de funeral, paga pelo Instituto da Segurança Social;
12- A A. recebe desde Janeiro de 2014 uma pensão de sobrevivência, paga pelo Centro Nacional de Pensões, cujo valor actual é de € 170,41;
13- A (…) Seguros Gerais, S.A., celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pela apólice de seguro n.º (…), com data de início a 1 de Janeiro de 2014;
14- A (…) Seguros Gerais, S.A. assumiu perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados) a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor);
15- Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”;
16- O limite indemnizatório máximo contratado para o período de vigência/“período seguro” (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2014 às 0:00 de 1 de Janeiro de 2015) foi fixado em € 150.000,00, prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo do segurado, cujo valor ascenderá à quantia de € 5.000,00 por sinistro;
17- Em 29 de Janeiro de 2014, foi subscrita pelo 1.º Réu uma proposta de seguro de reforço de capital, que deu origem à emissão da apólice (…), pretendendo aumentar em € 150.000,00 o capital seguro previsto no âmbito da apólice de responsabilidade civil profissional base da Ordem dos Advogados e eliminar o valor devido pelos segurados a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto / indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro;
18- Aquando da subscrição da referida proposta de seguro, o 1.º Réu comunicou à 2.ª Ré a ocorrência do sinistro profissional em apreço nos autos;
19- A Cláusula 7.ª das Condições Particulares da apólice de seguro n.º (…) prevê que “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice (…)”;
20- Idêntica previsão contratual encontra-se expressamente descrita na cláusula 4.ª das condições particulares da apólice … (apólice de reforço de capital), a qual, delimitando o âmbito de cobertura temporal da referida apólice de reforço, determina que “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado, ocorridos na vigência das apólices emitidas em excesso das apólices de responsabilidade civil profissional anteriores tituladas pela Ordem dos Advogados, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade”;
21- O artigo 4.º das condições particulares da apólice … prevê que “É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:
a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou
b) Contra o segurador em exercício da acção directa;
c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroactiva.”;
22- A alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares das apólices de seguro (…) e (…) prevê que “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”;
23- A Companhia de Seguros (…), S.A., segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º (…), o risco decorrente de acção ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão;
24- A apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014;
25- O Ponto 7 das Condições Particulares da apólice referida prevê que a seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice;
26- Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1.º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer Segurado, ou contra a Seguradora (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…);
27- O artigo 3.º das Condições Especiais da Apólice estabelece ainda que ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do Segurado à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação;
28- Prevê-se ainda que o Segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corrector ou à Seguradora, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação; a comunicação referida em 1, dirigida ao Corrector ou à Seguradora ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o reconhecimento da reclamação possa chegar à Seguradora no prazo improrrogável de sete dias”;
29- O R. Segurado não efectuou qualquer participação à Ré (…) dos factos que poderiam desencadear uma reclamação;
30- No dia 4 de Março de 2013 foi apresentada uma reclamação pela A. à 3.ª Ré;
31- A Apólice prevê como limite de indemnização o capital total de € 150.000 por reclamação e anuidade, sendo este o limite máximo de capital indemnizável;
32- Foi fixada uma franquia no montante global de € 5.000,00 por sinistro, da responsabilidade do Segurado.

Aplicando o Direito.
Da responsabilidade por perda de chance
Antes do mais, realizemos uma breve incursão sobre o tema da perda de chance.
Paulo Mota Pinto nota que «a orientação dominante na nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois, a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” (…), que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida. Para o determinar, o tribunal que julga a indemnização deve realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspectiva que teria sido adoptada pelo tribunal que apreciaria a acção ou recurso inviabilizados, sendo esta uma questão de facto.»[2]
Como já se escreveu no Supremo Tribunal de Justiça, «uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.»[3]
O ónus de prova da probabilidade de decisão favorável cabe ao lesado, como facto constitutivo da obrigação de indemnizar – art. 342.º, n.º 1, do Código Civil – e apresenta-se como «indispensável para demonstração da existência de um dano – rectius, de nexo causal entre o evento lesivo e o dano – pois só ela permite reconstituir a situação patrimonial que teria existido caso se não tivesse verificado a frustração do recurso (o evento que obriga à reparação). Só essa prova permite determinar, também, o valor concreto das “chances” frustradas, correspondente à probabilidade de êxito no processo, e se esta frustração realmente causou ou não um dano. E tal prova é indispensável logo para a própria fundamentação da indemnização – que só existirá se houvesse uma “chance” real e séria, isto é, e pelo menos, uma maior probabilidade de êxito do que de decaimento – e não só para a respectiva quantificação.»[4]
Finalmente, «o lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de “chances” processuais deve (…) fornecer elementos para a prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado, e o tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização cumpre fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado (…). Apreciação ou prognose póstuma, esta, que em conformidade com o seu objectivo – isto é, a determinação da situação hipotética (qual seria a situação patrimonial do lesado se não se tivesse verificado a frustração do processo) – deve ser realizada a partir da perspectiva do tribunal que teria julgado a acção ou o recurso, e não da perspectiva ou posição do tribunal que conhece da acção de indemnização por perda de “chances”.»[5]

Determinando agora a existência de uma probabilidade real e séria de vencimento da revista interposta para o Supremo do Acórdão absolutório da Relação de Évora de 31.01.2012, resulta dos autos que estava em causa um acidente de trabalho do qual resultou a morte do companheiro da A., (…).
De acordo com o supra referido Acórdão, o acidente ocorreu no dia 22.09.2005 e o óbito foi declarado no dia seguinte, tendo a vítima o estado civil de solteiro.
Ali consta também como provado que a A. e o (…) “partilharam, um com o outro, mesa, leito e habitação, desde 1980 e até à data do óbito (…), como se de marido e mulher se tratassem”, “sendo como tal reputados por todos os vizinhos, amigos e conhecidos”, e que ambos tinham em comum duas filhas, nascidas em 1980 e em 1989.
Analisando o aspecto jurídico da questão, o Acórdão da Relação de Évora de 31.01.2012, depois de concluir que para preencher o conceito de “união de facto” contido no art. 20.º, n.º 1, al. a), da Lei 100/97, de 13 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997), era necessário socorrer-se do art. 2020.º do Código Civil, afirmou que esta norma, na redacção anterior à alteração que lhe foi introduzida pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto, tinha na sua base “dois requisitos: (1.º) a convivência more uxore e (2.º) a impossibilidade de obter alimentos de outras pessoas da sua (da pessoa sobreviva) família.”
Reconhecendo que a Lei 23/2010 deixou de exigir o reconhecimento do requisito da “necessidade de alimentos” para o membro sobrevivo da união de facto obter o reconhecimento das prestações por morte resultante de acidente de trabalho, o referido Acórdão afirmou que não se tratava de lei interpretativa que colocasse termo a controvérsia jurisprudencial, mas de uma lei nova aplicável apenas aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor.
Em consequência, verificando que não estavam demonstrados factos dos quais se concluísse que a A. tinha necessidade de alimentos e que não os podia obter de outras pessoas da sua família, foi concedido provimento à apelação e revogada a sentença da 1.ª instância que havia condenado a Seguradora do acidente de trabalho no pagamento de uma pensão anual e vitalícia.
Importa, ainda, ponderar que nas suas alegações de revista, apresentadas em 27.04.2012, o advogado 1.º R. sustentou que o conceito de “união de facto” contido no art. 20.º, n.º 1, al. a), da Lei 100/97 apenas lhe exigia a prova da convivência more uxore.
Finalmente, há a reter que a decisão do Supremo de não admissão da revista, por extemporaneidade, vem datada de 18.10.2012.
Ora, a posição que fez vencimento no referido Acórdão da Relação de Évora de 31.01.2012 não era a dominante na jurisprudência, nem é a que, a partir de então, se cristalizou.
Logo em 15.03.2012 – portanto, numa altura em que ainda corria o prazo de revista – o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que veio a ser publicado sob o n.º 3/2013 no DR, 1.ª Série, de 15.01.2013, com apenas dois votos de vencido, no qual, discutindo o tema das prestações sociais em caso de óbito de um dos membros da união de facto, afirmou o seguinte: «Circunscritos, pois, ao disposto no art. 12.º do Código Civil em matéria de aplicação da lei no tempo, é legítimo asseverar que, sendo o óbito do beneficiário pressuposto essencial para a invocação, por parte do elemento sobrevivo da união de facto, do direito ao recebimento de prestações sociais, uma vez adquirido tal estatuto devem aplicar-se-lhe as novas regras definidoras do seu conteúdo, tal como se aplicariam se acaso, em lugar da união de facto, estivesse em causa a aplicação de um novo regime que beneficiasse as pessoas casadas entre si, o qual aproveitaria não apenas aos novos casamentos como ainda aos casamentos preexistentes.»
Em consequência, a jurisprudência foi uniformizada no seguinte sentido: «A alteração que a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime.»
Se é certo que este Acórdão Uniformizador incidia apenas sobre a matéria das prestações sociais devidas ao membro sobrevivo da união de facto, a argumentação utilizada era igualmente válida em matéria de prestações por morte resultante de acidente de trabalho, pois a Lei 23/2010 não releva o momento em que ocorreu a morte do membro da união de facto, mas apenas o preenchimento dos pressupostos de que faz depender a constituição desse direito.
Já antes da Lei 23/2010, alguma doutrina afirmava que, em matéria de acidentes de trabalho, o membro sobrevivo da união de facto apenas precisava de demonstrar o estado civil do sinistrado falecido e a subsistência daquela união durante um período mínimo de dois anos – maxime, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., ano de 2005, págs. 111/112.
E no mesmo sentido se pronunciava a jurisprudência, nomeadamente os Acórdãos da Relação de Coimbra de 04.11.2004 (Proc. 2351/04) e da Relação de Lisboa de 27.02.2008 (Proc. 292/2008-4), ambos publicados na DGSI.
Após a prolação do Acórdão Uniformizador n.º 3/2013, estendendo o regime da Lei 23/2010 às uniões de facto cessadas antes da sua entrada em vigor, a uniformidade do sistema jurídico exigiria que, também em matéria de acidentes de trabalho, se continuasse a entender que, para efeitos do art. 20.º, n.º 1, al. a), da Lei 100/97, bastava a prova da união de facto pelo período de dois anos, continuando a não ser exigida a prova da necessidade de alimentos.
E neste mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos da Relação de Coimbra de 19.09.2013 (Proc. 313/10.3TTTMR.C1) e de 27.06.2014 (Proc. 606/10.0T4AVR-A.C1), publicados da mesma página.
De resto, na pesquisa realizada, não nos foi possível encontrar qualquer outro aresto que se pronunciasse em sentido contrário.

Rute Teixeira Pedro[6] observa que «a especificidade do dano da perda de chance reflecte-se na operação de determinação do montante indemnizatório devido. A autonomia do dano a ressarcir e a sua necessária conexão com o resultado final a cuja obtenção a chance se dirigia vão jogar um papel central nessa operação. Aliás, no quantum reparatório vai repercutir-se o grau de consistência que a chance perdida apresentava. Quanto mais robusta for a chance, maior será o montante da indemnização devida e mais se aproximará do valor que seria devido para cobrir o dano decorrente da perda do resultado final. Para o efeito, o cálculo do quantum reparatório constituirá uma operação complexa que se desdobra num triplo juízo. Por um lado, haverá que apreciar o estado em que o lesado se encontra em virtude de o resultado final pretendido ter sido frustrado, definindo o montante reparatório que seria adequado para reparar o dano resultante da perda daquele resultado. (…) Por outro lado, é necessário apreciar a consistência das possibilidades que o lesado detinha de alcançar o resultado final pretendido. (…) Finalmente, importará articular o valor encontrado nas duas primeiras etapas da operação. O montante reparatório corresponderá ao valor encontrado no primeiro juízo, reduzido proporcionalmente à luz do grau de probabilidade incorporado na chance. (…) A operação que acaba de se descrever não é de fácil concretização. Por isso, cumpre realçar que, quando não for possível levar a cabo a apreciação do montante reparatório nos termos acabados de referir, haverá que lançar mão do disposto no n.º 3 do art. 566.º, que dita que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”»
No caso, pondera-se que o grau de probabilidade da A. obter sucesso da sua pretensão caso a revista tivesse sido interposta em prazo, seria de 90%, atenta a uniformização de jurisprudência já ocorrida em Março de 2012, no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, com uma maioria muito relevante de votos, e a jurisprudência concordante que posteriormente se formou acerca deste tema.
A A. teria direito, de acordo com a sentença da 1.ª instância de 17.01.2011, a uma pensão anual e vitalícia desde 23.09.2005, no valor anual de € 3.513,00, até perfazer a idade da reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afectasse sensivelmente a sua capacidade de trabalho, altura em que essa pensão seria actualizada para € 4.684,00. Acresciam ainda as despesas de funeral e o subsídio de morte.
No art. 24.º da sua petição inicial, a A. liquidou esses valores, contabilizados pelo menos até à data em que atingirá os 66 anos, em € 83.949,18, pelo que, aplicando a percentagem supra referida, a sua pretensão procede no valor de € 75.554,26.
De todo o modo, mesmo que se optasse pelo critério da equidade, o valor que se atribuiria seria praticamente idêntico, pelo que por esta medida se fixará a indemnização pelos danos patrimoniais.
Quanto aos danos não patrimoniais, a falta de prova da respectiva materialidade dita a improcedência do pedido nesta parte.

Do âmbito temporal dos contratos de seguro celebrados com a 2.ª Ré
Acerca da cobertura do sinistro pelos dois contratos de seguro contratados com a 2.ª Ré (…), apesar das respectivas apólices cobrirem os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado, ocorridos na vigências das apólices de responsabilidade civil profissional anteriores tituladas pela Ordem dos Advogados, as mesmas limitavam essa extensão de âmbito temporal aos sinistros participados após o início da vigência das novas apólices (01.01.2014).
A circunstância do sinistro se encontrar reclamado pela A. desde 04.03.2013, afasta desde logo a sua cobertura pelas apólices contratadas com a 2.ª Ré (…), tanto mais que estas previam, para efeitos daquela cláusula de âmbito temporal, que se entendia por reclamação, entre outras, a “notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais.”
Tal determina a integral absolvição da 2.ª Ré.

Da falta de atempada participação do sinistro à 3.ª Ré
Esta Ré sustenta nas suas alegações que a falta de participação do sinistro, no prazo de sete dias após o seu conhecimento pelo advogado 1.º R., afastaria a responsabilidade da Seguradora.
Acerca desta questão, observa-se que a apólice documentada nos autos titula um contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados (tomador de seguro) e a 3.ª Ré Seguradora, na qual se segura a responsabilidade profissional de todos os advogados inscritos na Ordem, pelo que está em causa o seguro referido no art. 99.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão em vigor à data (Lei 15/2005, de 26 de Janeiro).
É notório que esta norma impõe a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de todos os advogados portugueses não suspensos, pelo que se trata de um seguro obrigatório[7], pretendendo realizar o interesse público da salvaguarda da posição do cliente do advogado, garantindo-lhe a efectividade do direito de indemnização perante a actuação do advogado geradora de responsabilidade.
Daí que não seja oponível ao lesado a falta de participação do sinistro por parte do 1.º R., como resulta do art. 101.º, n.º 4, do DL 72/2008, de 16 de Abril, tanto mais que se trata de um contrato a favor de terceiro, sendo inoponíveis ao lesado, as excepções de direito material fundadas nas relações estabelecidas entre o tomador do seguro e/ou o segurado e a seguradora, máxime, quando as mesmas se prendem com o incumprimento por parte do segurado de deveres contratualmente fixados, sem prejuízo do exercício do direito de regresso por parte da seguradora.
Como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 26.05.2015, «o contrato de seguro de responsabilidade profissional que genericamente, garante a indemnização de prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia, configura um contrato a favor de terceiro, aleatório, bilateral e sinalagmático, por via do qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante o recebimento de um prémio – a cargo do tomador, a favor do segurado (terceiro) – a suportar um risco que venha a ter lugar. O dever de participação do sinistro, que incumbe ao segurado, constitui um princípio geral, com consagração no art. 100.º da LCS, cujo incumprimento pode dar azo a redução da prestação da seguradora e mesmo a perda de cobertura se for doloso, conforme decorre do art. 101.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei. Tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de acção contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a excepção da falta de participação (supra) referida, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.»[8]
Conclui-se, pois, que a falta de participação por parte do 1.º R., não implica a desresponsabilização da 3.ª Ré Seguradora pelo cumprimento das coberturas acordadas no contrato de seguro descrito nos autos – assinalando-se que seria absurdo que a A., lesada pela defeituosa actuação profissional, ficasse ainda mais desprotegida pelo incumprimento do dever contratual de participação do sinistro por parte do 1.º R..
Improcede, pois, esta parte da argumentação da 3.ª Ré Seguradora.

Da franquia
De acordo com a apólice do contrato de seguro descrito nos autos, celebrado com a 3.ª Ré Seguradora, foi segura a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite de anuidade), e uma franquia de € 5.000,00 por sinistro. Ainda de acordo com a mesma apólice, a franquia foi definida como a importância que fica a cargo do Segurado e que pode ser oponível a terceiros – art. 1.º, n.º 15, das Condições Especiais.
Foi assim estabelecida uma franquia ao capital seguro, como permitido pelo art. 49.º, n.º 3, do DL 72/2008, tratando-se de uma parcela da indemnização que ficará exclusivamente a cargo do segurado e que será deduzida do valor a pagar pela 3.ª Ré Seguradora.
José Vasques[9] explica que a franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe e que normalmente é o segurado. O que importa é que ao pagar a indemnização a seguradora deduza logo aí o valor da franquia. A franquia tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade do segurador em pequenos sinistros, obstando aos custos administrativos inerentes.
Deste modo, reconhece-se à 3.ª Ré Seguradora o direito de deduzir na indemnização o valor da franquia contratualmente acordada, procedendo nesta parte a ampliação do âmbito do recurso que deduziu.

Decisão.
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, condenando-se:
a) o 1.º R. (…) a pagar à A. (…) a quantia de € 5.000,00, relativa à franquia contratualmente estabelecida no contrato de seguro celebrado com a 3.ª Ré, acrescendo juros de mora, desde a citação e até integral pagamento;
b) a 3.ª Ré, Seguradoras (…), S.A. a pagar à A. a quantia de € 70.554,26, já deduzida da franquia supra referida, acrescendo juros de mora, contados pelo mesmo modo.
Mantém-se a absolvição da 2.ª Ré (…) Seguros Gerais, S.A..
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 8 de Novembro de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] In Perda de Chance Processual, publicado na RLJ, ano 145.º, n.º 3997, Março-Abril de 2016, págs. 190-191.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015 (Proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1), em www.dgsi.pt.
[4] Paulo Mota Pinto, loc. cit., pág. 196.
[5] Ainda Paulo Mota Pinto, loc. cit., pág. 198.
[6] In Reflexões Sobre a Noção de Perda de Chance à Luz da Jurisprudência, em e-book do CEJ Novos Olhares Sobre a Responsabilidade Civil, Outubro de 2018, págs. 208/209.
[7] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.09.2015 (Proc. 1496/09.0YXLSB.L1-1), em www.dgsi.pt.
[8] Aresto proferido no Proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1, igualmente publicado na mesma base de dados.
[9] In Contrato de Seguro, Coimbra Ed., 1999, pág. 309.