Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
535/20.9T8ORM.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso de perda total de viatura sinistrada, afigura-se correcto para efeitos de quantificação do dano patrimonial (que se insere nos chamados lucros cessantes), consubstanciado na paralisação, ou período de privação do uso de tal viatura, considerar o período que medeie entre a data de produção do evento danoso que privou o veículo de utilização e a data em que a Seguradora demandada, que assumiu a responsabilidade pelo acidente causado pelo seu segurado, tenha comunicado à parte lesada o valor indemnizatório global e definitivo que pretende pagar ao lesado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 535/20.9T8ORM.E1
Comarca de Santarém
Juízo Local Cível de Ourém
Apelante: Transportadora Central de (…), Lda.
Apelada: (…) Europe, SA, Sucursal em Portugal
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
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Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
Transportadora Central de (…), Lda. instaurou a presente acção declarativa condenatória, com processo comum contra (…) Europe, SA, Sucursal em Portugal, alegando, em síntese, que uma máquina industrial segurada pela Ré foi embater num veículo pesado pertencente a si, acrescentando que a dita máquina foi a responsável pela ocorrência do acidente.
Mais alegou, que em resultado do acidente o veículo pertencente a si, Autora, sofreu estragos, que foram objecto de reparação, adiantando que devido ao facto do seu veículo ter ficado impossibilitado de circular pelos seus próprios termos, na sequência dos estragos sofridos em resultado do acidente em causa nos autos, foi necessário rebocá-lo para a oficina onde foi reparado, arcado com o respectivo custo.
Disse, ainda, que o seu veículo ficou paralisado durante um determinado período temporal, para ser reparado, provocando-lhe, assim, danos de privação do uso do mesmo na medida em que o utilizava para a sua actividade económica.
Rematou referindo pretender ser ressarcida do valor dos danos sofridos pela paralisação do seu veículo, peticionando que a Ré seja condenada no pagamento das seguintes quantias:
- € 16.261,50, referente à indemnização do custo da reparação do seu veículo;
- € 613, correspondente ao custo do reboque;
- € 25.299,54, a título de privação do uso da viatura sinistrada;
- nos juros de mora contados desde a citação da Ré até integral pagamento.
A Ré contestou a acção impugnando alguns dos factos alegados pela Autora, alegando, em síntese, que a esta última não tem direito ao valor do custo da reparação da sua viatura, na medida em que ocorreu uma situação de perda total da mesma, acrescentando que a Autora apenas terá direito a uma indemnização do dano de privação do uso da sua viatura até à data em que ela, Ré, fez uma comunicação a informá-la que teria concluído pela perda total da viatura sinistrada e a propor-lhe um valor para a indemnização, tendo ainda impugnado o valor diário do dano da privação do uso, terminando a requerer que a acção fosse julgada em conformidade com a matéria de facto dada como provada em audiência de julgamento.
Foi elaborado despacho saneador com a selecção dos temas de prova em relação ao objecto em causa nos autos, que foi igualmente fixado.
Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e decide-se condenar a Ré em parte dos pedidos formulados nos autos.
Designadamente, determina-se a condenação da Ré no pagamento à Autora, na qualidade de proprietária do veículo (…), a título de indemnização:
a-) Do montante de € 613,00, correspondentes ao custo do reboque da viatura (…) desde o local onde ocorreu o acidente em causa nos autos e o local onde se situa a oficina onde foi efectuada a reparação daquela viatura.
b-) Da quantia de € 7.750,00, correspondente ao valor do dano patrimonial que se concluiu ter ficado provado que foi sofrido pela A. em resultado do acidente de viação em causa nos autos, designadamente no que respeita à perda total da viatura (…).
c-) Da quantia de € 2.895,00, correspondente ao valor do dano de privação de uso do veículo (…) durante o período de 15 dias úteis, calculados entre a data em que ocorreu o acidente em causa nos autos, e a data em que a R. enviou à A. um e-mail a propor-lhe o valor da indemnização, em que o mesmo esteve imobilizado, e que a Autora utilizaria para a sua actividade comercial, calculado à razão de € 193,00, diários.
d-) Do valor dos juros de mora que se venceram e se vencerem, contados desde da data da citação da R. para a presente acção até integral pagamento, calculados sobre os montantes da indemnização descritos nas alíneas a), b) e c), à taxa legal dos juros civis, que será actualmente de 4%, na medida em que é esta que se encontra actualmente em vigor.
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Por outro lado, decide-se declarar improcedente, por não provada, a presente acção no que respeita aos outros pedidos formulados pela Autora.
Deste modo, decide-se absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora por se considerar os mesmos improcedentes por não provados.
Condenam-se a Autora, de um lado, e a Ré, de outro, no pagamento das custas da presente acção principal em razão do decaimento (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade da Autora nas custas em 75% e a proporção da responsabilidade da Ré nessas custas em 25%.
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Registe e notifique.”
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Inconformada, veio a Autora apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes
“VI. CONCLUSÕES
Relevando a prova documental junta aos autos, bem como o depoimento gravado das testemunhas no decurso da audiência de discussão e julgamento e a necessária justa ponderação que, como sempre acreditamos, virá a ser tomada pelos Venerandos Juizes Desembargadores,
A ora Alegante, mui respeitosamente requer que relativamente à matéria de facto dada como provada:
1. Deva ser junto um novo n.º 23 que considere que o veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra do ADR: tacógrafo específico para ADR, corta corrente de baterias e sistema de cabos isolado com sistema de isolamento próprio, com o valor de € 3.800,00 + IVA = € 4.674,00;
2. Deva ser junto um novo n.º 24 que considere que o veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: 4 jantes de alumínio no valor total de € 1.000,00 (= € 250,00 x 4);
3. Deva ser junto um novo n.º 25 que considere que o veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: Ponto na Caixa, no valor de € 800,00.
4. Deva ser junto um novo n.º 26 que considere que o veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: Saias laterais de protecção, no valor de € 600,00.
5. Deva ser junto um novo n.º 27 que considere que o veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: Retarder-travão auxiliar, no valor de € 750,00.
6. Deva ser junto um novo n.º 28, que considere que o veículo (…), aquando do acidente, se encontrava em bom estado de conservação.
7. Deva ser junto um novo n.º 29, que considere como provado que o veículo (…) facturava um valor médio por mês de cerca de € 7.000,00.
8. O ponto n.º 17 da matéria dada como provada, deva ser alterado e passar a ter a seguinte redacção:
O veículo (…), aquando do acidente, era utilizado pela A. para a sua actividade de transporte de matérias perigosas, todos os dias excepto aos domingos e aos feriados.
9. O ponto n.º 18 da matéria dada como provada deva ser alterado e passe a ter a seguinte redacção:
O veículo (…), na data em que ocorreu o sinistro referido em 3), tinha um valor venal de € 8.000,00 e equipamentos extra no valor de € 7.824,00, pelo que o valor patrimonial do veículo (…), aquando do acidente, era de € 15.824,00.
10. Deva ser junto um novo n.º 30, que considere como provado que a R. enviou para a Autora uma carta datada de 17 de junho de 2020 na qual expressamente a Ré declara nesta data ter concluído a averiguação do sinistro e confirmada a sua responsabilidade, propondo a regularização final e definitiva do sinistro.
11. Deva ser junto um novo n.º 31, que considere como provado que a R. aceitou pagar à autora, a título de privação de uso, 75% do valor diário constante da tabela do acordo de paralisação celebrado entre a ANTRAM e a APS, que no ano de 2020 estava fixado em € 262,73.
12. Deva ser junto um novo n.º 32, que considere como provado que a A., ora Alegante ficou privada do uso da viatura (…) durante 126 dias.
Em suma,
13. A Apelada (Ré) deve ser condenada a pagar à Apelante (Autora):
a) Relativamente à reconstituição natural, a indemnização necessária à reparação integral do veículo sinistrado, no valor de € 16.261,50;
b) Relativamente à privação de uso, a indemnização no valor de € 24.827,04 (= 126 dias x € 197,04);
c) Os valores, correspondentes ao custo do reboque e ao montante dos juros de mora, pedidos estes, já considerados procedentes pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser revogada a sentença em crise, devendo ser substituída por outra que julgue a pretensão da Apelante totalmente procedente, realizando-se desta forma a costumada JUSTIÇA.”
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A Ré apresentou resposta ao requerimento de recurso, concluindo do seguinte modo:
“[…] devem improceder por inteiro as conclusões da Recorrente e
manter-se inalterada a decisão posta em causa.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO,
Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se inalterada a douta decisão proferida
Assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA”.
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O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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O recurso é o próprio e foi adequadamente recebido quanto ao modo de subida e ao efeito fixado.
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Colheram-se os Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1 – Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2 – Reapreciação de mérito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida o seguinte quanto à matéria de facto:
“Tendo em conta a prova produzida nos presentes autos, consideram-se demonstrados os seguintes factos:
1 – A Autora é uma empresa que tem como actividade: o transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias perigosas.
2 – No dia 17 de Abril de 2020, pelas 9 horas, encontrava-se o veículo pesado de mercadorias, de marca DAF, com a matrícula (…), pertencente à A., nas instalações industriais da empresa (…), sitas na Estrada Nacional n.º (…), em (…), a realizar uma descarga de mercadorias, tendo sido conduzido até àquele local pelo motorista de pesados ao serviço da Autora, de nome (…).
3 – Na ocasião referida em 2), o veículo (…) foi embatido na parte da frente do lado esquerdo por uma máquina industrial, pertencente à referida empresa (…), que se encontrava a ser manobrada por um funcionário ao serviço daquela empresa (…), no interesse e com a autorização desta.
4 – Na ocasião referida em 2) e 3), o condutor da máquina industrial referida em 3), tripulava a mesma, distraído em relação aos demais veículos que se encontravam nas instalações da empresa (…).
5 – Na sequência do embate referido em 3), o veículo (…) sofreu estragos, designadamente o chassis ficou empenado, a cabine ficou deslocada do seu lugar, o radiador ficou roto, a coluna da direcção ficou partida, o farol da frente do lado esquerdo ficou partido.
6 – Na data referida em 2), o proprietário da máquina industrial referida em 3) havia transferido para a Ré a responsabilidade pelos danos causados a terceiros em resultado da exploração do estabelecimento industrial referido em 2), através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil geral, com a apólice n.º (…).
7 – Após o embate referido em 3), o veículo (…) ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios devido ao facto de ter a direcção partida, a cabine deslocada do seu lugar e o radiador roto.
8 – Devido ao facto referido em 7), o veículo (…) foi rebocado desde o local do acidente até à oficina onde foi reparado.
9 – O reboque da viatura (…), referido em 8), teve o custo total de € 613,00, que foi arcado pela Autora.
10 – O custo de reparação do veículo (…) foi orçado pela testemunha (…), ao serviço da Ré, no montante de € 11.334,75, a que acresceria o IVA, sendo o mesmo aceite pela Ré.
11 – Por ordem da A. foi efectuada a reparação dos estragos sofridos pelo veículo (…).
12 – A reparação do veículo (…) teve o custo de € 13.220,73, acrescido do IVA à taxa legal, no valor de € 3.040,77, no valor total de € 16.261,50, que foi arcado pela Autora.
13 – A viatura (…) foi entregue à A. reparada e pronta a funcionar no dia 17 de Setembro de 2020 pela oficina onde foi efectuada a reparação dos estragos por ela sofridos.
14 – A partir do dia 18 de Setembro de 2020, a Autora voltou a utilizar a viatura (…), normalmente e sem quaisquer limitações, na sua actividade de transporte rodoviário de mercadorias perigosas.
15 – O veículo (…) esteve parado e sem funcionar, devido aos estragos que sofreu, referidos em 7), na sequência do embate mencionado em 3), entre a data em que ocorreu o sinistro, mencionada em 2), e a data em que ele foi entregue reparado à Autora, referida em 13).
16 – O veículo (…) estava afecto à actividade da A. de transporte de matérias perigosas.
17 – O veículo (…) era utilizado pela Autora de 2.ª a 6.ª-feira, para a sua actividade de transporte de matérias perigosas.
18 – O veículo (…) tinha o valor comercial de € 8.000,00, na data em ocorreu o sinistro referido em 3).
19 – O valor do veículo (…), após sofrer o sinistro, correspondia ao montante de € 250,00.
20 – A R. enviou à A. o e-mail, datado de 8 de Maio de 2020, cuja cópia se encontra junta a fls. 17 verso, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual consta, designadamente, que: “Concluída a peritagem à viatura, informamos que o valor dos danos foi fixado em 11.334,75 euros, com possível agravamento de 5.000 euros. Atendendo ao valor venal de 7.500 euros, a reparação será desaconselhável, pelo que foi declarada perda total. Assim, propormos o valor de indemnização de 7.250 euros, com 250 euros atribuídos ao salvado, deduzidos, sendo que não iremos proceder à recolha da viatura. Aguardamos confirmação para a emissão e envio do recibo de indemnização”.
21 – O veículo (…) é do ano de 2005.
22 – Na data referida em 2) o conta-quilómetros do veículo (…) tinha marcado 334.152 quilómetros.
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Por outro lado, o Tribunal considera que não ficaram provados os seguintes factos com relevância para o objecto em causa nos presentes autos:
A – O veículo (…) tinha o valor comercial de € 21.100,00, na data em ocorreu o sinistro referido em 3).
B – Na data referida em 2), o veículo (…) tinha os seguintes equipamentos adicionais, com os seguintes valores: a) equipamento denominado de “ADR”, composto por: tacógrafo específico para ADR, corta corrente de baterias e sistema de cabos isolado com sistema de isolamento próprio, com o valor de 3.800 euros: b) Jantes em alumínio próprio para não fazerem faísca, evitando assim qualquer tipo de incêndios, com o valor de 4.000 euros; c) Ponto na caixa, consistente num mecanismo que faz accionar uma bomba/compressor necessária à descarga dos produtos transportados, com o valor de 800 euros; d) Saias de protecção para evitar que, em caso de acidente, viaturas ligeiras não fiquem debaixo dos camiões que transportam matérias perigosas, com o valor de 2.000 euros; e) Retarder próprio para aquele camião, consistente num travão auxiliar necessário nas manobras dos veículos de transporte de mercadorias perigosas.
C – Na ocasião referida em 2), o veículo (…) encontrava-se em bom estado de conservação.
D – O motor e os vários componentes eléctricos do veículo (…) tinham uma manutenção constante.
E – A Autora utilizava o veículo (…) para a sua actividade de transporte de mercadorias perigosas nos sábados e nos domingos.
F – No dia 8 de Julho de 2020, a Autora deu ordens à oficina para onde o veículo (…) tinha sido transportado, para iniciar a reparação desse veículo.
G – Em meados do mês de Agosto de 2020, a oficina referida em E) informou a Autora que depois de arranjar a cabina do veículo (…), verificou que o chassis do mesmo estava empenado, sendo necessário proceder ao arranjo do mesmo.
H – O motorista ao serviço da A., afecto ao veículo (…), ou seja, o referido (…), esteve sem trabalhar entre 27-04-2020 e 03-06-2020, continuando a Autora a pagar-lhe o seu ordenado.
I – A viatura (…) dá um rendimento medido por mês de € 7.000,00, na sua actividade de transporte de mercadorias perigosas.
J – O veículo (…) tem um consumo médio de gasóleo, por mês, de € 2.000,00.
K – O valor do veículo (…), após sofrer o sinistro, correspondia ao montante de € 1.500,00.”
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Iniciemos este segmento com a análise da primeira questão definida no segmento atinente ao objecto do recurso identificada com o n.º 1.
Resulta do artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:
“1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
[…] “
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc );
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas nos mencionados nos 1 e 2, a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Aportemos, então, ao caso concreto:
A Apelante invoca nas suas conclusões recursivas pretender o aditamento à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida de “um novo n.º 23” com o seguinte teor:
“O veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra do ADR: tacógrafo específico para ADR, corta corrente de baterias e sistema de cabos isolado com sistema de isolamento próprio, com o valor de € 3.800,00 +IVA= € 4.674,00”.
Sucede que este facto foi considerado, no correspondente segmento da sentença recorrida, como não provado sob a alínea B-a).
Como tal e atenta a lição do Conselheiro Abrantes Geraldes, acima exposta, sobre o adequado cumprimento pelo Recorrente do ônus de impugnação previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC, impunha-se que a Apelante especificasse em sede de conclusões recursivas o dito facto julgado na sentença recorrida como não provado por entender dever o mesmo ter sido considerado como provado, ou seja por considerá-lo como incorrectamente julgado na sentença recorrida.
Não o tendo feito terá que ser rejeitada a impugnação no tocante a tal ponto de facto.
A Apelante invoca nas suas conclusões recursivas pretender o aditamento à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida de “um novo n.º 24” com a seguinte fórmula:
“O veículo 81-25-ZJ aquando do acidente tinha o seguinte equipamento extra: 4 jantes de alumínio no valor total de € 1.000,00 (= € 250,00 x 4)”.
Porém, o ponto de facto pretendido aditar à matéria de facto provada na sentença recorrida não foi alegado, nos termos ora descritos, por qualquer uma das Partes e designadamente pela Apelante.
Com efeito, o que foi alegado na petição inicial pela Apelante, mormente no seu artigo 14.º foi o seguinte: “€ 4.000,00 – Jantes de alumínio: jantes em alumínio próprias para não fazerem faísca, evitando assim qualquer tipo de risco de incêndio, devido ao tipo de produtos perigosos transportados”.
Ora, tal facto foi descrito como não provado, precisamente no segmento da sentença recorrida reservado a tal matéria, sob a alínea B-b), sendo certo que o mesmo também não consta especificado nas conclusões recursivas, como impunha o correcto cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Apelante.
Destarte, impõe-se quanto a este ponto de facto pretendido aditar à matéria de facto assente na sentença recorrida rejeitar, igualmente, a impugnação apresentada.
A Apelante sustenta nas suas conclusões recursivas o aditamento à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida de “um novo n.º 25” com o seguinte conteúdo:
“O veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: Ponto na Caixa no valor de € 800,00”.
O ponto de facto em apreço foi considerado, no correspondente segmento da sentença recorrida, como não provado sob a alínea B-c).
Assim, impunha-se, também neste caso, que a Apelante especificasse em sede de conclusões recursivas o dito facto julgado na sentença recorrida como não provado por entender dever o mesmo ter sido considerado como provado, ou seja por considerar ter o mesmo sido julgado incorrectamente na sentença recorrida.
Não o tendo feito rejeita-se a impugnação no tocante a tal ponto de facto.
Mais sustenta a Apelante dever ser aditado à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida de “um novo n.º 26”, com o seguinte teor:
“Saias laterais de protecção, no valor de € 600,00”.
No entanto, o ponto de facto pretendido aditar à matéria de facto provada na sentença recorrida não foi alegado, nos termos ora descritos, por qualquer uma das Partes e designadamente pela Apelante.
Com efeito, o que foi alegado na petição inicial pela Apelante, mormente no seu artigo 14.º foi o seguinte:
“€ 2.000,00 – Saias: sistema de proteção para evitar que viaturas ligeiras em caso de acidente não fiquem debaixo dos camiões que transportam matérias perigosas”.
Ora, tal facto foi, também, descrito como não provado, precisamente no segmento da sentença recorrida reservado a tal matéria, sob a alínea B-d), percebendo-se que o mesmo tão pouco consta especificado nas conclusões recursivas, como impunha o correcto cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Apelante,
Destarte, impõe-se, igualmente quanto a este ponto de facto pretendido aditar à matéria de facto assente na sentença recorrida, rejeitar a impugnação apresentada.
Em sede de impugnação da matéria de facto a Apelante invoca, ademais, nas suas conclusões recursivas, a inserção no segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida de um “novo n.º 27” com a seguinte redacção:
“O veículo (…), aquando do acidente, tinha o seguinte equipamento extra: Retarder – travão auxiliar, no valor de € 750,00”.
O ponto de facto em apreço foi considerado, no correspondente segmento da sentença recorrida, como não provado sob a alínea B-e).
Como tal, também nesta situação se impunha que a Apelante especificasse em sede de conclusões recursivas o dito facto julgado como não provado na sentença recorrida por entender dever o mesmo ter sido considerado como provado, isto é por entender ter o mesmo sido incorrectamente julgado na sentença recorrida.
Como não o fez, há que rejeitar, ainda, a impugnação no tocante a tal ponto de facto.
Prosseguindo na apreciação verifica-se que a Apelante pretende, outrossim, conforme o revela nas suas conclusões recursivas, que seja acrescentado ao segmento da sentença recorrida respeitante à matéria de facto provada de “um novo n.º 28” com o seguinte teor:
“O veículo (…), aquando do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação.”
O dito facto foi descriminado, sob a alínea C, como não provado, no segmento correspondente da sentença recorrida.
Se é verdade que neste caso o referido facto foi alegado pela Apelante tal qual sucedeu na petição inicial, o certo é que o mesmo não consubstancia um facto naturalístico concreto, antes reproduzindo um juízo, ou facto, conclusivo, pois não foi descrito o necessário circunstancialismo factual concreto e objectivo que permitisse concluir pelo “bom estado de conservação”.
De resto, sempre teria que se declinar, igualmente, a impugnação relativamente ao ponto em apreço com fundamento no facto de, ainda quanto a ele, não ter sido cumprido devidamente pela Apelante o ónus de impugnação consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, dado a mesma não ter especificado em sede de conclusões recursivas o dito facto, julgado na sentença recorrida como não provado, correspondendo, como tal, o mesmo, na sua perspectiva, a mais um ponto de facto incorrectamente julgado.
Pelo que relativamente ao ponto em apreço se decide ainda rejeitar a impugnação e considerar-se o mesmo como não escrito no acervo dos factos considerados como não provados.
Em sede de impugnação da matéria de facto a Apelante mais invoca nas respectivas conclusões recursivas, pretender a inserção no segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida de um “novo n.º 29” com a seguinte redacção:
“O veículo (…) facturava um valor médio, por mês, de cerca de € 7.000,00”.
O ponto de facto em apreço foi considerado, no correspondente segmento da sentença recorrida, como não provado sob a alínea I.
Tal significa que também nesta situação se impunha que a Apelante tivesse especificado em sede de conclusões recursivas o dito facto julgado como não provado na sentença recorrida por entender dever o mesmo ser considerado como provado, isto é, por entender ter o mesmo sido incorrectamente julgado na sentença recorrida.
Não o tendo feito urge rejeitar a impugnação da matéria de facto também relativamente ao ponto de facto em apreço.
A Apelante na sua impugnação sobre matéria de facto descrita na sentença recorrida logrou ainda invocar em sede de conclusões recursivas pretender a alteração do facto vertido sob o ponto 17 da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida entendendo que o mesmo passe a conter a seguinte redacção:
“O veículo (…), aquando do acidente, era utilizado pela Autora para a sua actividade de transporte de matérias perigosas, todos os dias excepto aos domingos e aos feriados”.
O aludido ponto 17 da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida tem o seguinte teor:
“17 – O veículo (…) era utilizado pela Autora de 2.ª a 6.ª-feira, para a sua actividade de transporte de matérias perigosas”.
Contudo, lendo atentamente o segmento reservado na sentença recorrida à matéria de facto considerada como não provada verificamos que o ponto de facto aí vertido sob a alínea E tem o seguinte teor:
“A Autora utilizava o veículo (…) para a sua actividade de transporte de mercadorias perigosas nos sábados e nos domingos”.
Percebemos, assim, que entendendo a Apelante estar provado que a viatura em apreço era por si utilizada na actividade profissional para que estava destinada também ao sábado deveria ter especificado em sede de conclusões recursivas o ponto de facto vertido sob a alínea E dos factos julgados como não provados na sentença recorrida uma vez que no tocante aos sábados o considerava incorrectamente julgado.
Não o tendo feito impõe-se, como tal, também quanto ao ponto de facto ora em análise, rejeitar a impugnação da matéria de facto apresentada.
A Apelante refere ainda nas suas conclusões recursivas que o ponto de facto n.º 18 da matéria de facto dada como provada deve ser alterado passando a ter a seguinte redacção:
“O veículo (…), na data em que ocorreu o sinistro referido em 3), tinha um valor venal de € 8.000,00 e equipamentos extra no valor de € 7.824.00, pelo que, o valor patrimonial do veículo (…), aquando do acidente, era de € 15.824,00”.
O aludido ponto 18 da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida tem o seguinte teor:
“O veículo (…) tinha o valor comercial de € 8.000,00, na data em que ocorreu o sinistro referido em 3)”.
Porém, como já percebemos do que foi referido supra, a matéria atinente aos alegados equipamentos extra, ou adicionais, do veículo sinistrado foi julgada como não provada precisamente sob a alínea B desse segmento da sentença recorrida.
Como tal impunha-se, por obrigatório, à Apelante que tivesse especificado também em sede de conclusões recursivas esse ponto de facto (ou pelo menos parte dele), julgado como não provado, por entender dever ser considerado como provado, ou seja, por entender ter o mesmo sido incorrectamente julgado na sentença recorrida.
Sempre se dirá, ainda, que no tocante à última parte da fórmula pretendida pela Apelante para o ponto de facto em apreço (“pelo que o valor patrimonial do veículo …, aquando do acidente, era de € 15.824,00”), a mesma revela-se manifestamente conclusiva e não reveladora de um facto concreto naturalisticamente apreensível, pelo que nunca poderia ser atendida.
Pelo exposto e também quanto ao ponto de facto ora em análise se rejeita a impugnação relativa à matéria de facto selecionada na sentença recorrida.
A Apelante pugna, ainda, nas suas conclusões recursivas no sentido de se aditar “um novo n.º 30” à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida com o seguinte teor:
“A R. enviou para a A. uma carta datada de 17 de Junho de 2020, no qual expressamente a Ré declara nesta data ter concluído a averiguação do sinistro e confirmada a sua responsabilidade propondo, a regularização final e definitiva do sinistro”.
Na motivação recursiva sustenta a Apelante que alegou tal facto no artigo 17.º da sua petição inicial, instruindo tal com um documento que identificou como “doc. 12”, acrescentando não ter a Apelada impugnado especificamente nem tal facto, nem o dito documento.
Na resposta ao recurso, a Apelada não se manifestou expressamente sobre esta pretensão da Apelante.
Vejamos o que foi alegado no artigo 17.º da petição inicial.
“A 17.06.2020, a R. comunica à A., que concluiu a averiguação do sinistro, confirmou a sua responsabilidade exclusiva pelo mesmo sinistro e ao enviar o Recibo de Quitação / Indemnização propõe
i. A regularização final e definitiva do sinistro, encerrando o processo com a sua liquidação.
ii. A indemnização final e definitiva, por todos os danos passados, presentes e futuros consequentes do sinistro pelo embate da máquina no camião (…):
(…) “Prejuízo indemnizável: € 7.250,00 (Relativo à perda total)
Fatura FAC 2020/565, de € 613,00 (Relativo à factura do reboque).
Paralisação: € 1.772,73 (Relativo à privação de uso).
VALOR TOTAL DA INDEMNIZAÇÃO: € 9.635,73 (…)”.
Lendo atentamente o arrazoado da contestação verificamos, designadamente do alegado nos artigos 24.º a 26.º, 41.º e 42.º de tal peça processual, que a matéria alegada no dito artigo 17.º da petição inicial e documento para que o mesmo remete não foram objecto de impugnação, razão pela qual deverá considerar-se a mesma assente, ou admitida, por acordo das Partes, ao abrigo do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC.
Como tal, impõe-se acrescentar ao segmento dedicado à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida um ponto 23- com a redacção correspondente ao teor do artigo 17.º da petição inicial acima transcrita.
A Apelante sustenta, ademais, nas suas conclusões recursivas o aditamento de “um novo n.º 31” à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida com o seguinte teor:
“A R. aceitou pagar à autora a título de privação de uso, 75% do valor diário constante da tabela do acordo de paralisação celebrado entre a ANTRAM e a APS, que no ano de 2020 estava fixado em € 262,73”.
Na motivação recursiva sustenta a Apelante que alegou esse facto na sua petição inicial, instruindo tal com um documento que identificou como “doc. 13”, acrescentando não ter a Apelada impugnado especificamente nem tal facto, nem o dito documento.
Na resposta ao recurso, a Apelada alegou dever manter-se o que foi decidido na sentença recorrida sobre o montante arbitrado a título compensatório pela privação do uso do veículo sinistrado da Apelante.
No artigo 18.º da sua petição inicial a Apelante alegou a este propósito o seguinte:
“A R. comunica aos corretores do seguro da A., que enviou a esta, o recibo de quitação acima referido salientando que no cálculo do valor pela privação do uso, assumiu 75% do valor diário constante na tabela do Acordo de Paralisação celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias) e a APS (Associação Portuguesa de Seguros) dado que a A. não é associada da ANTRAM.
(…) “Mais informamos que foi assumido 75% do valor diário de imobilização do acordo da ANTRAM, sendo que o V/ cliente não possui declaração que lhe permite usufruir do montante estabelecido para a categoria do veículo” (vide doc. 13).
Da leitura da contestação verificamos, designadamente do alegado nos artigos 24.º a 26.º, 41.º e 42.º de tal peça processual, que a matéria alegada no dito artigo 18.º da petição inicial e documento para que o mesmo remete não foram objecto de impugnação, razão pela qual deverá considerar-se a mesma assente, ou admitida, por acordo das Partes, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC.
Como tal, impõe-se acrescentar ao segmento dedicado à matéria de facto considerada provada na sentença recorrida um ponto 24 com a redacção correspondente ao teor do artigo 18.º da petição inicial acima transcrito, que não corresponde cabalmente à redacção pretendida pela Apelante, designadamente no tocante à sua parte final, que, de resto, não retrata circunstâncias factuais naturalísticas concretas, mas sim um mero juízo conclusivo, sem prejuízo de tal conclusão poder estar correcta, o que se apurará infra em sede de reapreciação do mérito.
Por fim, sustenta, ainda, a Apelante nas suas conclusões recursivas pretender o aditamento à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida de “um novo n.º 32” com o seguinte teor:
“A Autora, ora Alegante, ficou privada do uso da viatura (…), durante 126 dias”.
No artigo 30.º da sua petição inicial a Apelante alegou tal matéria, que foi objecto de expressa impugnação da parte da Apelada no artigo 41.º da contestação.
Sucede, porém, que, também neste caso, a redacção pretendida não revela um facto concreto e naturalístico, antes consubstanciando uma fórmula conclusiva, ou seja, um juízo conclusivo sobre premissas factuais concretas, que passaria pela indicação do início e do final do período temporal decorrido.
Acresce que da análise do segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como provados percebe-se que a matéria em causa, que respeita ao tempo de privação do uso do veículo sinistrado da Apelante, foi vertida sob o ponto 15-, sendo que fazendo contas apenas aos dias úteis e sábados que medeiam entre as duas datas nele consideradas chega-se aos ditos 126 dias.
Pelo que quanto ao ponto em apreço se julga improcedente a impugnação sobre a matéria de facto apresentada pela Apelante.
Do exposto se conclui, então, relativamente à questão de que temos vindo a tratar, o seguinte:
-Rejeitar a impugnação sobre a decisão relativa à matéria de facto no tocante ao pretendido nos pontos 1 a 8 das conclusões recursivas;
-Julgar a dita impugnação improcedente no tocante ao pretendido no ponto 12 das conclusões recursivas;
-Julgar a suscitada impugnação parcialmente procedente no concernente ao pretendido nos pontos 10 e 11 das conclusões recursivas.
Em face do decidido descrimina-se de seguida o elenco definitivo atinente à matéria de facto provada e não provada a considerar no caso em apreço, destacando a itálico o que foi aditado aos factos assentes:

Matéria de Facto provada:
“1 – A Autora é uma empresa que tem como actividade: o transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias perigosas.
2 – No dia 17 de Abril de 2020, pelas 9 horas, encontrava-se o veículo pesado de mercadorias, de marca DAF, com a matrícula (…), pertencente à Autora, nas instalações industriais da empresa (…), sitas na Estrada Nacional n.º (…), em (…), a realizar uma descarga de mercadorias, tendo sido conduzido até àquele local pelo motorista de pesados ao serviço da Autora, de nome (…).
3 – Na ocasião referida em 2), o veículo (…) foi embatido na parte da frente do lado esquerdo por uma máquina industrial, pertencente à referida empresa (…), que se encontrava a ser manobrada por um funcionário ao serviço daquela empresa (…), no interesse e com a autorização desta.
4 – Na ocasião referida em 2) e 3), o condutor da máquina industrial referida em 3), tripulava a mesma, distraído em relação aos demais veículos que se encontravam nas instalações da empresa (…).
5 – Na sequência do embate referido em 3), o veículo (…) sofreu estragos, designadamente o chassis ficou empenado, a cabine ficou deslocada do seu lugar, o radiador ficou roto, a coluna da direcção ficou partida, o farol da frente do lado esquerdo ficou partido.
6 – Na data referida em 2), o proprietário da máquina industrial referida em 3) havia transferido para a Ré a responsabilidade pelos danos causados a terceiros em resultado da exploração do estabelecimento industrial referido em 2), através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil geral, com a apólice n.º (…).
7 – Após o embate referido em 3), o veiculo (…) ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios devido ao facto de ter a direcção partida, a cabine deslocada do seu lugar e o radiador roto.
8 – Devido ao facto referido em 7), o veículo (…) foi rebocado desde o local do acidente até à oficina onde foi reparado.
9 – O reboque da viatura (…), referido em 8), teve o custo total de € 613,00, que foi arcado pela Autora.
10 – O custo de reparação do veículo (…) foi orçado pela testemunha (…), ao serviço da Ré, no montante de € 11.334,75, a que acresceria o IVA, sendo o mesmo aceite pela Ré.
11 – Por ordem da A. foi efectuada a reparação dos estragos sofridos pelo veículo (…).
12 – A reparação do veículo (…) teve o custo de € 13.220,73, acrescido do IVA à taxa legal, no valor de € 3.040,77, no valor total de € 16.261,50, que foi arcado pela Autora.
13 – A viatura (…) foi entregue à A. reparada e pronta a funcionar no dia 17 de Setembro de 2020 pela oficina onde foi efectuada a reparação dos estragos por ela sofridos.
14 – A partir do dia 18 de Setembro de 2020, a Autora voltou a utilizar a viatura (…), normalmente e sem quaisquer limitações, na sua actividade de transporte rodoviário de mercadorias perigosas.
15 – O veículo (…) esteve parado e sem funcionar, devido aos estragos que sofreu, referidos em 7), na sequência do embate mencionado em 3), entre a data em que ocorreu o sinistro, mencionada em 2), e a data em que ele foi entregue reparado à Autora, referida em 13).
16 – O veículo (…) estava afecto à actividade da A. de transporte de matérias perigosas.
17 – O veículo (…) era utilizado pela Autora, de 2.ª a 6.ª-feira, para a sua actividade de transporte de matérias perigosas.
18 – O veículo (…) tinha o valor comercial de € 8.000,00, na data em ocorreu o sinistro referido em 3).
19 – O valor do veículo (…), após sofrer o sinistro, correspondia ao montante de € 250,00.
20 – A R. enviou à A. o e-mail, datado de 8 de Maio de 2020, cuja cópia se encontra junta a fls. 17, verso, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual consta, designadamente, que: “Concluída a peritagem à viatura, informamos que o valor dos danos foi fixado em 11.334,75 euros, com possível agravamento de 5.000 euros. Atendendo ao valor venal de 7.500 euros, a reparação será desaconselhável, pelo que foi declarada perda total. Assim, propormos o valor de indemnização de 7.250 euros, com 250 euros atribuídos ao salvado, deduzidos, sendo que não iremos proceder à recolha da viatura. Aguardamos confirmação para a emissão e envio do recibo de indemnização”.
21 – O veículo (…) é do ano de 2005.
22 – Na data referida em 2), o conta-quilómetros do veículo (…) tinha marcado 334.152 quilómetros.
23 – A 17.06.2020, a R. comunica à A., que concluiu a averiguação do sinistro, confirmou a sua responsabilidade exclusiva pelo mesmo sinistro e ao enviar o Recibo de Quitação / Indemnização propõe:
i. A regularização final e definitiva do sinistro, encerrando o processo com a sua liquidação.
ii. A indemnização final e definitiva, por todos os danos passados, presentes e futuros consequentes do sinistro pelo embate da máquina no camião (…):
(…) “Prejuízo indemnizável: € 7.250,00 (Relativo à perda total).
Fatura FAC 2020/565, de € 613,00 (Relativo à factura do reboque).
Paralisação: € 1.772,73 (Relativo à privação de uso).
VALOR TOTAL DA INDEMNIZAÇÃO: € 9.635,73.
24 – A Ré aceitou pagar à autora a título de privação de uso, 75% do valor diário constante da tabela do acordo de paralisação celebrado entre a ANTRAM e a APS”.

Matéria de facto não provada:
“A – O veículo (…) tinha o valor comercial de € 21.100,00, na data em ocorreu o sinistro referido em 3).
B – Na data referida em 2), o veículo (…) tinha os seguintes equipamentos adicionais, com os seguintes valores: a) equipamento denominado de “ADR”, composto por: tacógrafo específico para ADR, corta corrente de baterias e sistema de cabos isolado com sistema de isolamento próprio, com o valor de 3.800 euros: b) Jantes em alumínio próprio para não fazerem faísca, evitando assim qualquer tipo de incêndios, com o valor de 4.000 euros; c) Ponto na caixa, consistente num mecanismo que faz accionar uma bomba / compressor necessária à descarga dos produtos transportados, com o valor de 800 euros; d) Saias de protecção para evitar que, em caso de acidente, viaturas ligeiras não fiquem debaixo dos camiões que transportam matérias perigosas, com o valor de 2.000 euros; e) Retarder próprio para aquele camião, consistente num travão auxiliar necessário nas manobras dos veículos de transporte de mercadorias perigosas.
C – O motor e os vários componentes eléctricos do veículo (…) tinham uma manutenção constante.
D – A Autora utilizava o veículo (…) para a sua actividade de transporte de mercadorias perigosas nos sábados e nos domingos.
E – No dia 08 de Julho de 2020, a Autora deu ordens à oficina para onde o veículo (…) tinha sido transportado, para iniciar a reparação desse veículo.
F – Em meados do mês de Agosto de 2020, a oficina referida em E) informou a Autora que, depois de arranjar a cabina do veículo (…), verificou que o chassis do mesmo estava empenado, sendo necessário proceder ao arranjo do mesmo.
G – O motorista ao serviço da Autora, afecto ao veículo (…), ou seja, o referido (…), esteve sem trabalhar entre 27-04-2020 e 03-06-2020, continuando a Autora a pagar-lhe o seu ordenado.
H – A viatura (…) dá um rendimento medido por mês de € 7.000,00, na sua actividade de transporte de mercadorias perigosas.
I – O veículo (…) tem um consumo médio de gasóleo, por mês, de € 2.000,00.
J – O valor do veículo (…), após sofrer o sinistro, correspondia ao montante de € 1.500,00.”
*
Reapreciação de mérito:
Aqui chegados urge relembrar que são as conclusões recursivas que delimitam o objecto do recurso e bem assim que nelas o recorrente pode expressa ou tacitamente restringir o objecto inicial do recurso (cfr, artigo 635.º, n.º 4, do CPC).
Ora, se bem analisarmos as conclusões descriminadas pela Apelante percebemos, sem margem para rebuços, que a mesma acabou por delimitar a apreciação do recurso ao plano factual, ou seja, não obstante ter aquela discorrido juridicamente na motivação recursiva sobre reparação de danos e bem assim sobre dano emergente da privação de uso da coisa atingida pelo sinistro, certo é que em sede de conclusões não cumpriu o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC, razão pela qual temos de convir que o recurso não versou sobre matéria de direito, o que equivale a dizer que no tocante à matéria factual que não foi objecto, por rejeição, ou improcedência, de qualquer modificação por via da impugnação dirigida contra ela, não haverá que reapreciar juridicamente o que foi apreciado na sentença recorrida, visto não ter a Apelante apresentado, desse modo cumprindo o ónus que sobre si obrigatoriamente impendia decorrente da previsão das alíneas a) a c) do n.º 2, do artigo 639.º do CPC, uma visão jurídica diferente da seguida na sentença recorrida para a hipótese de não ser atendida a pretendida modificação na matéria de facto.
Resta, pois e apenas, analisar a eventual relevância jurídica dos factos aditados à matéria de facto descrita na sentença recorrida, vertidos sob os pontos 23 e 24, a fim de concluir se têm, ou não, a virtualidade de alterar algum segmento do dispositivo da sentença recorrida.
A questão coloca-se, essencialmente, em saber se da interpretação desses factos, conjugadamente com outros igualmente considerados definitivamente como provados, resultam premissas que permitam considerar mal avaliado o critério de determinação e o quantum fixado, no tocante aos danos levados em linha de conta no dispositivo da sentença recorrida.
O cotejo dos dois factos aditados à matéria de facto considerada como provada com os nela descritos vertidos sob os pontos 9 e 19, permite-nos aceitar como correctos os valores indemnizatórios correspondentes aos danos patrimoniais sofridos pela Apelante arbitrados no dispositivo da sentença sob as alíneas a) e b).
Já no tocante ao quantum indemnizatório pela produção do dano patrimonial emergente da privação do uso da viatura por parte da Apelante entendemos existir fundamento para a sua alteração.
Vejamos porquê.
Considerando a aplicabilidade ao caso vertente do disposto no n.º 2, com referência ao n.º 1, do artigo 42.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08, assumido na sentença recorrida e conjugando devidamente o que resultou provado na mesma sob o ponto n.º 20 com o teor do ponto de facto n.º 23, aditado à matéria de facto provada na sequência da impugnação apresentada contra a mesma pela Apelante, deve considerar-se que a ora Apelada apenas colocou em definitivo à disposição da ora Apelante o pagamento da indemnização no dia 17/06/2020 e não na data de 08/05/2020 considerada na sentença recorrida.
Com efeito, lendo atentamente o conteúdo do facto vertido no ponto n.º 20 dos factos considerados como provados naquela percebe-se que a 08/05/2020 apenas se encontrava “concluída a peritagem” e não propriamente concluído o processo de averiguação do acidente. Por outro lado, o montante indemnizatório mencionado na missiva reproduzida no aludido ponto de facto nem sequer contempla ainda o dano pela privação de uso da viatura sinistrada, mas apenas e só o montante compensatório correspondente à perda total daquela subtraído o valor do salvado. Acresce que a dita missiva de 08/05/2020 menciona ainda expressamente “aguardamos confirmação para a emissão e envio do recibo de indemnização.”
Sucede que, na realidade, como resulta, aliás, alegado pelas Partes nos articulados de petição inicial e contestação, posteriormente à recepção pela ora Apelante do e-mail datado de 08/05/2020 houve troca de argumentos e fundamentos sobre a proposta remetida pela Apelada, que culminou com a comunicação enviada a 17/06/2020 por esta última à Apelante retratada no supra mencionado ponto n.º 23 dos factos considerados como provados na sentença recorrida, onde ficou claro por parte da Apelada que “concluiu a averiguação do sinistro”, confirmou a responsabilidade exclusiva da sua segurada na produção do acidente e enviou um recibo de quitação / indemnização para regularização definitiva do sinistro onde aludiu a “indemnização final e definitiva por todos os danos passados, presentes e futuros” resultantes do acidente contemplando agora, além do mais, um montante indemnizatório pela paralisação da viatura de matrícula (…), ou seja, pela produção do dano relativo à privação do uso da mesma.
No quadro factual acabado de expor julgamos, pois, que a melhor interpretação se orienta no sentido de considerar que apenas em 17/06/2020 (e não na data de 08/05/2020), a ora Apelada colocou à disposição da Apelante, (pois que o fez, então, de forma definitiva), o pagamento da indemnização que entendeu adequada pela produção de todos os danos causados pelo sinistro, logrando utilizar para o efeito a expressão “Valor Total da Indemnização”, o que significa que deverá contabilizar-se para efeito da determinação do montante compensatório a arbitrar à Apelante pela produção do dano patrimonial derivado da privação do uso do veículo embatido o período temporal que decorreu entre a data da ocorrência do acidente, ou seja 17/04/2020 (ponto n.º 2 da matéria de facto considerada como provada), e 17/06/2020.
Levando em consideração o que resultou assente sob o ponto 17 dos ditos factos considerados como provados há que acrescentar que o dito período temporal contempla um total de 41 dias úteis, uma vez descontados os sábados e domingos incluídos nesse período e os três dias feriados que recaíram, respectivamente, sobre o dia 01/05, 10/06 e 11/06.
Por fim, quanto ao valor diário considerado, atendendo a que no ponto 24 dos factos considerados como provados, aditado na sequência da impugnação apresentada pela Apelante contra a decisão da matéria de facto, resulta assente que a ora Apelada aceitou pagar à Apelante a título de privação de uso o correspondente a 75% do valor diário da tabela do acordo de paralisação celebrado entre a ANTRAM e a APS e resultando da consulta do “doc. 16” junto pela Apelante com a petição inicial, que reproduz precisamente a tabela aplicável entre 01/03/2020 e 28/02/21 (documento esse que não chegou a ser expressamente impugnado pela Apelada na sua contestação), um valor diário para a viatura sinistrada de € 262,73, chegamos para o caso vertente ao valor diário aplicável de € 197,04 (€ 262,73 x 75%), de que resulta o montante global indemnizatório do dano pela privação do uso da viatura sinistrada de matrícula (…) de € 8.078,64 (€ 197,04 x 41 dias).
*
V – DECISÃO.
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação interposto por Transportadora Central de (…), Lda. e, em consequência, decidir:
1 – Revogar o conteúdo da alínea c) do dispositivo contemplado na sentença recorrida, substituindo-se o mesmo pelo seguinte:
c-) Condenar a Apelada (…) Europe, S.A., Sucursal em Portugal, a pagar à ora Apelante Transportadora Central de (…), Lda. a quantia de € 8.078,64 (oito mil, setenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), correspondente ao valor do dano de privação de uso do veículo de matrícula (…) durante o período de 41 dias úteis, espraiados entre as datas de 17/04/2020 (inclusive) e 17/06/2020 (inclusive), à razão de € 197,04 diários.
2 – Confirmar no restante a sentença recorrida;
3 – Fixar as custas a cargo de Apelante e Apelada à razão de 60% para a primeira e 40% para a segunda (artigo 527.º, n.º 1, 1ª parte e n.º 2, do CPC).
*
Notifique.
*
Évora, 14 de Outubro de 2021
José António Moita (relator)
Silva Rato (1.º adjunto)
Mata Ribeiro (2.º adjunto)