Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
891/12.2GBTMR.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: DEMANDADO CIVIL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A demandada seguradora carece de legitimidade para, no âmbito do recurso que interpôs, impugnar a matéria de facto provada integradora dos pressupostos do crime pelo qual o arguido veio a ser condenado, com a qual se conformaram quer o arguido, quer o Ministério Público.

II - Nessa medida, a demandada civil apenas poderá recorrer da parte da sentença respeitante à condenação cível, sob pena de ficarmos com duas decisões contraditórias no mesmo processo relativas à mesma matéria, designadamente, a da culpa na produção do evento danoso, pois as questões penais ou com incidência penal, não podem colidir com o caso julgado penal que se formou relativamente a tais factos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida
No processo comum singular nº 891/12.2GBTMR, do Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Tomar, foi decidido:

- Condenar o arguido AM, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p., pelo Artº 148 nº1 do C. Penal, na pena de 100 (cento) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante de € 500,00 (quinhentos euros).

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente VB e em consequência, condenar a demandada -- Companhia de Seguros, SA, a pagar-lhe as quantias de € 90.000,00 (noventa mil euros), a título de danos não patrimoniais e € 1.196,00 (mil cento e noventa e seis euros), a título de danos patrimoniais e ainda no que se vier a liquidar em execução de sentença referente aos danos mencionados no ponto 48 dos factos provados.

-Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo e em consequência, condenar a demandada ---Companhia de Seguros, SA, a pagar-lhe a quantia de € 2.460,73 (dois mil quatrocentos e sessenta euros e setenta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais.

B – Recurso

Inconformada com o assim decidido, recorreu a demandada --- Companhia de Seguros, SA, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

INEFICÁCIA DA PROVA

No caso dos autos ocorreu adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias, pelo que nos termos do artigo 328º/6 do CPP verifica-se total ineficácia e invalidade da prova colhida e utilizada na formação da decisão de facto

Esta ineficácia nos termos do artigo 410º/2 al. a) do CPP contamina a decisão de facto que teve por fundamento meios de prova ineficazes e inválidos, vicio que se estende à sentença

Este vício de ineficácia e invalidade da prova impõe a anulação da decisão de facto, bem como da sentença, com a consequente repetição da produção da prova produzida oralmente em audiência, solução esta no rumo do que emerge do AC de fixação de jurisprudência do STJ de 29.10.2008 e prolatado pelo Conselheiro Santos Cabral.

DA LEGITIMADADE DA DEMANDADA

A recorrente tem legitimidade para recorrer e questionar os pressupostos de natureza cível e os pressupostos relativos à responsabilidade criminal.


Este tem sido o entendimento perfilhado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.01.2015, proferido no âmbito do processo nº 247/09.4GTVIS.C1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2013, proferido no âmbito do processo nº 400/09.0PAOVR.C1.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2012, proferido no âmbito do processo nº 1837/02.1PFLRS.L2-5,

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

CULPA DO LESADO


Por mero dever de patrocínio e cautelarmente, prevenindo a hipótese desse Tribunal Superior entender fundamento para ineficácia da prova e suas consequências, sempre se dirá que nada justifica a condenação do arguido pelos factos por que vinha acusado e andou mal o tribunal a quo ao basear a condenação daquele nas declarações do militar da GNR, da assistente, e das testemunhas JR e MC, tendo em conta os extractos das declarações/depoimentos que ficaram transcritos em lugar próprio no corpo desta alegações.


E assim devem ter-se por não provados os seguintes factos que foram mal julgados e tidos por demonstrados na douta decisão de facto inserida na sentença:

1. Ainda no circunstancialismo de tempo e lugar referido em 1.º, VB, após ter saído do interior do estabelecimento comercial “Café Stop 81”, encontrava-se imobilizada numa berma, com 2,60 (dois virgula sessenta) metros de largura, junto daquele estabelecimento comercial, situada do lado direito da Estrada Nacional n.º 110, atento o sentido de marcha do veículo do arguido, a cerca de 50 (cinquenta) centímetros da linha contínua que delimita o início da semi-faixa de rodagem direita.

2. Nessa ocasião, VB encontrava-se no espaço compreendido entre dois veículos automóveis que estavam estacionados nessa mesma berma e distanciados entre si cerca de 3 (três) metros a 6 (seis) metros.

3. Ainda nessa ocasião, atento o mesmo sentido de trânsito, o arguido transpôs a semi-faixa de rodagem direita, invadiu a berma onde estava VB e embateu com a parte frontal direita do seu veículo na parte lateral esquerda do corpo daquela, que, em consequência, caiu sobre o capot do veículo, bateu no pára-brisas do veículo conduzido pelo arguido e foi projectada para a frente do veículo do arguido, a uma distância não concretamente apurada, mas situada entre 20 (vinte) metros a 40 (quarenta) metros em relação ao local do embate

4. O arguido exercia tal condução de forma desatenta e distraída e, por via disso, antes do embate, não accionou os mecanismos de travagem do veículo por si conduzido.

5. Em consequência do embate/atropelamento anteriormente referido, sofreu VB as lesões.

6. As referidas lesões causaram mal-estar psicológico e dores a VB, e foram causa directa e necessária de um período de doença fixável em 774 (setecentos e setenta e quatro) dias, com 774 (setecentos e setenta e quatro) dias de afectação da capacidade de trabalho geral.

7. Em consequência das referidas lesões, VB esteve internada cerca de 8 (oito) dias, no Hospital de Abrantes e teve necessidade de se sujeitar a outros tratamentos médicos, sendo que aquelas mesmas lesões provocam-lhe, de forma permanente, dores residuais além das referidas cicatrizes.

8. O arguido circulava a uma velocidade desadequada às circunstâncias da via e local do embate e fora da sua faixa de rodagem, razões que o levaram a conduzir da forma supra descrita, as quais originaram a sua incapacidade de controlar o seu veículo e o embate que ocasionou o atropelamento de VB.

9. O arguido AM ao actuar do modo supra descrito, sabia que a sua condução era apta a provocar colisões com outros veículos que utilizavam aquela estrada e a pôr em causa em perigo a integridade física dos demais utentes da mesma, designadamente de VB.

10. O arguido sabia que circulava com o seu veículo dentro de uma localidade e que o fazia a uma velocidade desadequada ao local e circunstâncias e sabia do dever que sobre si impendia de moderar especialmente a velocidade dentro de localidades e que devia regular a velocidade do seu veículo, de modo a que em condições de segurança pudesse executar as manobras cuja necessidade fosse de prever e, em especial, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

11. O arguido AM ao agir como o descrito, sabia que devia exercer a sua condução sempre pela semi-faixa de rodagem referente ao seu sentido de trânsito e que, perante a aproximação de peões junto da faixa de rodagem, devia imprimir menor movimento e velocidade à viatura, de molde a não invadir a berma, manobras que nem sequer esboçou fazer, sendo que nenhum obstáculo existia à realização de tais manobras em segurança, pelo que actuou com a falta de cuidado e de atenção que lhe era exigível e de que era capaz, atentas as características da via e do estado do tempo.

12. O arguido AM conduziu ainda com imperícia e com uma velocidade desadequada ao local, não tomando precauções de forma a evitar o embate, revelando assim uma condução imprudente e falta de cuidado, cuidado esse que era capaz de adoptar e que devia ter, para evitar um resultado que devia e podia previsto, mas que não previu, provocando dessa forma as lesões supra descritas, que foram causa directa e necessária das lesões que sofreu a ofendida VB.

13. O arguido sabia igualmente que as suas condutas não eram permitidas e eram proibidas por lei penal e contra-ordenacional.


E, nessa sequência, deverão os factos elencados na anterior conclusão 7ª transitar para o naipe dos factos não provados e, consequentemente, vir a ser proferida decisão no sentido da inexistência de factualidade suficiente e bastante para responsabilizar o arguido pelas consequências danosas do sinistro, por falta do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos do artigo 483º do CC, e com a também consequente impossibilidade de responsabilizar a demandada seguradora, ora recorrente, à luz do contrato de seguro que é o veiculo translativo de responsabilidade, tanto mais que, em qualquer circunstância, modificada ou não, a tábua dos factos provados esta responsabilização inexiste, verificando, isso sim, na eclosão do sinistro culpa exclusiva do lesado, nos termos do artigo 572º do CC, sendo incumbência oficiosa do tribunal conhecer desta e imperativamente, diga-se.

DANOS MORAIS


De igual modo, por dever de patrocínio, e subsidiariamente, o segmento da sentença que atribui à demandante a título compensatório por danos não patrimoniais o valor de € 30 000 enferma, salvo o devido respeito, de exagero

10ª
De acordo com as regras da prudência, da justa medida das coisas e critérios dominantes na jurisprudência, a que urge atender como manda o artigo 8º/3 do CC, o valor sentenciado deve decrescer para a quantia de € 12 500 que no âmbito da compensação por danos morais é o valor mais consentâneo com os princípios da equidade e as exigências do princípio da igualdade mínima relativa

DANO BIOLÓGICO

11ª
A sentença confere à demandante a título indemnizatório pelo dano biológico, atento défice permanente da integridade bio psíquica de que aquela é portadora a quantia de € 60 000

12ª
O valor sentenciado, desta proveniência, tem de fatalmente decrecer e em muito porque os parâmetros do caso em concreto têm de ser anteolhados em termos comparativos com as situações e especificidades de casos análogos tratados nos arestos referenciados no corpo destas alegações e que contemplam situações sequelares emergentes de lesões físicas muito mais graves do que a da demandante e cujos lesados foram contemplados alguns deles com valores indemnizatórios mais baixos do que o que vem por sentença atribuído à demandante, o que releva e em muito porque o nosso legislador obriga o julgador, no já citado artigo 8º/3 do CC, a ter em consideração nas decisões que proferir todos os casos que mereçam tratamento análogo a fim de se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

13ª
Os parâmetros da equidade e a prática jurisprudencial impõem que o valor de € 60 000 sentenciados neste segmento decresça para a aquantia de € 15 000 que não mais

LEGISLAÇÃO INFRINGIDA
A douta sentença não fez correcta interpretação e aplicação do que vem disposto no artigo 328º/6 do CPP, dos artigos 127º e 340º do CPP, 130º do CPC ex vi artigo 4º do CPP, artigo 410º/2 al. a) do CPP, Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ/Fixação de Jurisprudência proferido no Proc 07P4822 de 29.10.2008, prolatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Cabral, bem como dos artigos 483º/1, 487º/2, 562º, 563º, 564º, 566º, 496º/1 e 596º/3 todos do CC e a correcta interpretação e aplicação destes normativos ditam sempre ab initio a proferição de decisão que conheça da ineficácia da prova e tudo sob as suas legais consequências e ditam sempre, sem prejuízo das questões pré suscitadas, mormente no que respeita à modificação da decisão de facto e em via subsidiaria, como se deixou dito, decisão que tem de operar o decréscimo do valor compensatório por danos morais e o valor indemnizatório pelo dano biológico e sentenciados para os valores preconizados no presente quadro conclusivo

Neste termos e nos melhores de Direito deve o recurso vir a ser julgado procedente por provado e concedido provimento anulando-se a sentença e o julgamento, isto em sede principal, alterando, em via subsidiaria, a decisão de facto nos termos preconizados e tudo sob as legais consequências, conhecendo da culpa da lesada/demandante, com consequente absolvição da demandada de todos os pedidos formulados por esta e pelo CHMT e, em qualquer caso e também sempre em via subsidiaria, fazendo sempre minguar os valores compensatório e indemnizatório (danos morais e dano biológico) para os valores indicados no quadro conclusivo supra.

Só assim se fará JUSTIÇA

C – Respostas ao Recurso

Quer a assistente/demandante, quer o M.P., responderam a este recurso, ambos pugnando pela sua improcedência, ainda que só aquela tenha apresentado como conclusões, as seguintes (transcrição):

A.- A sentença recorrida mostra-se formal e substancialmente adequada, inexistindo insuficiências, erros ou contradições, não merecendo qualquer reparo, antes é uma decisão JUSTA que apreciou correctamente a prova e aplicou escrupulosamente todos os dispositivos legais.

B.-No presente recurso a recorrente vem suscitar 4 questões, a saber: 1ª- Ineficácia da Prova; 2ª – A sua legitimidade para o presente recurso; 3ª- A culpa do lesado; 4ª- A indemnização dos danos.

C.- 1.- Quanto à questão da Ineficácia da Prova: a demandante invoca que o tribunal produziu prova testemunhal em sessões de julgamento em 7/10/2016; 21/10/2016, 24/10/2016 que foi adiada e a ultima sessão em 1/2/2017 e a leitura da sentença em 15/02/2017.

D.- Com todo o respeito por mais douta opinião, entende-se que a recorrente não tem razão porquanto a redacção do artigo 328º, nº 6 do CPP foi alterada pelo Lei 27/2015, de 14/4.

Ora com a alteração da redacção deste normativo processual penal (cuja aplicação é imediata atenta o disposto no artigo 5º, nº 1 do CPP), resulta que a cominação da perda de eficácia da prova já realizada deixou de existir naquele normativo.

Inexistindo tal cominação na lei, não pode considerar-se a perda da eficácia da prova como pretende a recorrente.

E. – O Acórdão para Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-11-2015, publicado DR, I SÉRIE, Nº 2, 05.01.2016, P. 7 – 14, abordou esta questão e é elucidativo, referindo, entre o mais, Pareceria que o objectivo de tal enunciação visaria precisamente contornar ou evitar a perda de eficácia nesses casos, configurando-se como excepções a essa regra. Intenção baldada visto que a cominação que existia – a perda da eficácia da prova – desapareceu.

A “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 263/XII é clara a tal respeito. Um dos alvos das alterações que eram propostas e foram aceites era «a eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida» adiantando-se depois que «No contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação.»

Isto é, presentemente, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso se veja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada intervalo da audiência aconteça isso por que razão for.

Assim a ineficácia da prova suscitada pela recorrente de ser indeferida e julgada inexistente a nulidade invocada

F.- Por outro lado, a ultima sessão de julgamento ocorreu em 1/2/2017, nomeadamente, foi reaberta a audiência. A recorrente esteve representada, porém, não arguiu qualquer nulidade, não obstante aquando desta ultima sessão de julgamento já ter decorrido o adiamento por mais de 30 dias.

As nulidades do julgamento têm de ser arguidas nos termos do artigo 120º, nº 3, do Código de Processo Penal, ou seja, a recorrente teria que arguir tal nulidade naquela sessão de julgamento e antes que aquela terminasse, o que não fez!

Sendo a alegação ora deduzida extemporânea, devendo também por este aspecto ser indeferida a pretensão da recorrente e julgada inexistente a nulidade invocada.

G.- Quanto à segunda questão suscitada: a legitimidade da recorrente para o presente recurso, convém salientar, desde logo que, no caso dos autos, o arguido nos presentes autos foi condenado e com essa condenação se conformou, assim como a aqui recorrida.

H.-Atendo ao caso julgado penal, a demandada seguradora carece de legitimidade para recorrer e questionar a responsabilidade criminal, já que apenas pode recorrer da parte da sentença respeitante à condenação cível, uma vez que as questões penais ou com incidência penal não podem colidir com o caso julgado penal que se formou relativamente a tais factos, sob pena de ficarmos com duas decisões contraditórias no mesmo processo.

I.- Assim e como foi decidido no Acórdão desse Venerando Tribunal, transcrito no corpo desta motivação, não devem ser conhecidas as questões suscitadas pela recorrente no que respeita à matéria penal ou com incidência penal suscitadas pela demandada Seguradora, porquanto o conhecimento de tais questões pressupunha a reapreciação da culpa do acidente, factualidade sobre a qual já se formou caso julgado.

J.- Sem prescindir de tudo quanto se acabou de referir quanto à ilegitimidade da demandada civil quanto à matéria penal, que já transitou como acima se demonstrou, por mera cautela de patrocínio sempre se dirá ….

A douta decisão não merece qualquer reparo quanto à matéria de facto dada como provada, designadamente, da factualidade relativa à dinâmica do acidente que permite aferir da culpa total e exclusiva do arguido.

L.- A recorrente invoca genericamente que o militar da GNR que elaborou o croqui não assistiu ao embate, nada viu da dinâmica do acidente, que a testemunha JR não foi categórico a afirmar que viu o embate e que o embate teve lugar na berma, deixando a sensação que a V estava a atravessar a estrada para o outro lado, onde estava o carro da mãe; a testemunha e mãe da ofendida referiu que não viu o carro dentro da berma/fora da faixa de rodagem; que o arguido disse que a ofendida ia a atravessar a estrada e que o AF disse que viu a V a sair e depois viu um caixote pelo ar e que nesse instante a mãe da V e o J estavam dentro do café.

Acontece que a recorrente, apenas, transcreve pequenos excertos das declarações da assistente e do arguido e dos depoimentos daquelas testemunhas, perfeitamente descontextualizados e que não traduzem, nem de longe, nem de perto as declarações prestadas em sede de audiência.

M.- As testemunhas JR e MC estavam junto da ofendida V, na berma, quando esta foi colhida pelo veículo conduzido pelo arguido, tendo cada uma destas testemunhas descrito a sua perceção do acidente, atenta a posição em que estavam em relação à V.

N.- O militar da GNR não viu a dinâmica do acidente, obviamente que não viu porquanto não estava no local quando ocorreu o acidente, porém, ali se deslocou logo após o mesmo ter ocorrido e na sequência da chamada do 112 ao local, tendo verificado e recolhido os elementos para elaborar o croqui e o aditamento, que se encontram juntos aos autos e que não foram impugnados.

E como refere a douta sentença: Concretizando, baseou-se o Tribunal, para dar como provada a dinâmica do acidente e as características da via, no teor da participação de acidente de viação, maxime do croqui dele alterado pelo aditamento de fls. 78. Nenhum destes documentos, devidamente analisados em sede de audiência de julgamento, foi contestado por qualquer dos intervenientes processuais e mostraram-se consentâneos com os depoimentos das testemunhas MS, militar da GNR, chamado ao local, MC e JR, presentes no local, e bem assim com as declarações da assistente. – o sublinhado é nosso.

O.- Quanto à testemunha JR, que assistiu ao acidente, como consta dos autos, nomeadamente esta testemunha foi logo indicada no auto de participação de acidente, resultando, ao contrário do que afirma a recorrente, do depoimento daquela testemunha, sem qualquer margem para dúvida, que a ofendida estava parada na berma, a conversar com a testemunha, quando foi colhida pelo veículo conduzido pelo arguido.

A testemunha JR refere claramente onde se encontrava a ofendida, como e onde foi colhida, vejamos o depoimento daquela testemunha, cuja transcrição integral do depoimento para memória futura no plataforma citius com a referencia 3637192 e que se encontra gravado no dia 13-07-2016, com inicio pelas 15 horas e 47 minutos e com a duração de 55 minutos e 52 segundos, e além dos excertos transcritos pela recorrente, transcreveu-se no corpo desta motivação, que aqui se dá por reproduzido, que é claro que a ofendida estava para na berma, onde foi colhida pelo veículo conduzido pelo arguido.
P.- Quanto ao depoimento da testemunha MC, mãe da ofendida, o mesmo está a ser deturpado pela recorrente quando diz que esta testemunha não viu o carro dentro da berma / fora da faixa de rodagem, pois, conforme transcreve a recorrente, esta testemunha, diz: …eu estava a falar e só sinto um estrondo, um estrondo enorme, que pareceu chapa com chapa, porque aquilo foi uma coisa enorme e deixei de ver a minha filha….

Mais adiante a instâncias da Exma Senhora Procuradora: Por isso é que eu, por isso é que eu perguntei se a senhora diz que a sua filha estava na berma ao seu lado
MC: Sim estava.

Q.- Por outro lado, a recorrente nas transcrições que fez no corpo da sua motivação, omite partes desses depoimentos que demonstram claramente a matéria de facto que o douto Tribunal deu como provada, designadamente, omite no depoimento da testemunha AF, AF ouvido na sessão de 21-10-2016 e cujo depoimento se encontra gravado do minuto 11:11:43 ao minuto 11:24:45 e que se encontra acima transcrito e que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

R.- Da prova produzida resulta inequivocamente que a aqui recorrida foi colhida pela viatura conduzida pelo arguido na berma! Assim como resulta claramente toda a matéria dada como provada na douta sentença.

Todos os elementos probatórios: testemunhal e documental corroboram a dinâmica do acidente descrita na douta acusação e depois na douta sentença recorrida,

Ao invés da prova produzida a versão apresentada pelo arguido sobre a dinâmica do acidente não tem qualquer suporte factual ou probatório.

S.- No tocante ao DIREITO alegado pela recorrente, do mesmo resulta apenas e tão só que pretende que seja assacada a culpa da recorrida, sem qualquer facto que permita concluir por essa culpa !

Que preceito estradal foi violado pela ofendida?

Se ficou demonstrado que o arguido invadiu a berma, como resulta da prova produzida. Inexistindo qualquer conduta estradal por parte da recorrida que constituía causalidade adequada para a ocorrência do acidente em apreço.

Sendo, por isso, impossível assacar qualquer responsabilidade à ofendida, como pretende a Seguradora.

Pelo exposto, deve o recurso sobre a matéria de facto ser indeferido, mantendo integralmente toda a factualidade dada como provada.

T.- Relativamente à questão dos danos não patrimoniais e dano biológico, também neste aspecto a douta decisão não merece qualquer reparo, pois, os valores arbitrados são os valores justos, equitativos e de acordo com a prova produzida.

U.- A recorrente não impugna, nem põe em causa esta factualidade dada como provada na douta sentença recorrida.

V.- A douta sentença determinou os valores de indemnização com equidade, de acordo com os critérios jurisprudenciais actuais, não tendo os Tribunais que se sujeitar aos critérios e tabelas estabelecidas na Portaria 679/2009, conforme dispõe o artigo 1º, nº 2 da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio.

X.- Por não se repercutir directamente na esfera patrimonial do lesado mas antes na sua saúde o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o artigo 496º do C. Civil,

Z. - O dano biológico pode determinar a indemnização de danos patrimoniais reflexos, que dele decorrem, o que acontece, nomeadamente quando vai interferir com a capacidade do lesado auferir rendimentos, o que é o caso, e deve servir de base ao cálculo da compensação a remuneração média nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.

AA.- Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial.

BB.- E como está proficuamente fundamentado e de acordo com a matéria dada como provada a demandante sofreu dores durante um período prolongado, com vários períodos de internamento, diversas intervenções cirúrgicas, com um quantum doloris fixado no grau de 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sente desgosto pela limitação da sua mobilidade de que ficou afectada e pela alteração estética, viu-se com diversas cicatrizes e um hematoma com edema na coxa, o que a impossibilita de concorrer à academia da PSP, como pretendia, sendo que até à ocasião do acidente era ágil, forte e dinâmica, não apresentando qualquer deformidade, ou incapacidade física ou funcional, pelo que atenta a sua gravidade, decidimos valorar tal dano psicológico, de harmonia com critérios de equidade, no montante de 30.000€. – o sublinhado é nosso.

… a gravidade do dano – designadamente considerando que, à data a assistente tinha 20 anos e viu-se incapacitada de estar muito tempo de pé, sofrendo dores e tendo de despender um esforço acrescido para desemprenhar qualquer actividade do dia-a-dia, para o que muitas vezes precisa de ajuda, plasmado num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos e numa repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3/7 - decidimos valorar tal dano, de harmonia com critérios de equidade, no montante de 60.000€.

CC.- Ora não impugnando a matéria de facto não poderá vir querer colocar em causa qualquer matéria por via indirecta.

DD.- Por todo o expendido não deve a sentença ser alterada, mantendo-se in totum a mui douta sentença recorrida.

Decidindo-se de acordo com o alegado, suprindo, doutamente, o que há a suprir, VV. Exas. farão como é hábito, a CORRECTA E SÃ JUSTIÇA

D – Tramitação subsequente
Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas respostas.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente retirou da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar de a recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
x
Questão Prévia
Uma questão prévia se coloca e que tem a ver com a legitimidade da demandante para recorrer da matéria de facto, tendo em conta que um dos fundamentos do recurso é, precisamente, o erro de julgamento em relação à factualidade alusiva ao acidente de viação, que levou à conclusão que o mesmo era devido a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ora recorrida.

Entende a recorrente ter legitimidade para recorrer, não só dos pressupostos de natureza cível, mas também dos que são relativos à responsabilidade criminal, sob pena de ficar impedida de impugnar todos os pressupostos que conferem o direito à indemnização da demandante cível.

Sabendo-se que se trata de uma matéria que não tem entendimento uniforme na jurisprudência, perfilhamos aquele que julgamos maioritário, incluindo neste Tribunal, de onde, com a devida vénia, reproduzimos parte do acórdão proferido no Proc. 455/10.5TABNV.E1, de 21/02/2017, relatado pelo Exmº Desembargador Alberto Borges, por se concordar, na íntegra, com o que ali se escreveu:

“A demandada carece de legitimidade para recorrer, porquanto, a sua legitimidade está confinada à parcela da decisão contra si proferida, no segmento respeitante à condenação cível, pois que as questões suscitadas no que respeita à matéria penal ou com incidência penal - como são as três que antecedem - colidiria com o caso julgado penal que se formou relativamente a tais factos, correndo o risco de, por esta via, se alterar o decidido e virmos a ser confrontados com duas decisões contraditórias no mesmo processo.

A questão não é pacífica - reconhece-se - como bem nos dá conta o acórdão deste tribunal de 5.05.2015, que subscrevemos como adjunto, proferido no Proc. 760/11.3GEALR.E1, in www.dgsi.pt, onde se escreveu:

“… decidiu-se no sentido da ilegitimidade: - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2003 (Processo 03P619), disponível, como os mais citandos, em www.dgsi.pt: (i) o demandante civil não constituído assistente carece de legitimidade para recorrer da decisão penal que, por «arrastamento» traz a improcedência do pedido civil; (ii) não resulta da lei essa faculdade de recurso nem do sistema, na medida em que o papel do demandante civil, que não é assistente, se subordina, como regra, às posições tomaras pelos outros sujeitos processuais, salvo na parte da decisão contra si diretamente proferida; - no acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 03-03-2004 (Processo 03P1801): (iii) … o demandante civil não tem legitimidade para recorrer da matéria penal…; - no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-06-2004 (proc. 975/04-1): (i) não se tendo constituído assistente, não pode a demandante civil recorrer da matéria de facto e pretender que o tribunal dê como provados factos integradores dos crimes pelos quais o arguido foi absolvido…; (ii) a limitação do recurso prevista no artigo 403 n.º 1 do CPP supõe a possibilidade de autonomizar a parte da decisão de que se recorre da restante, de modo a que não se verifiquem contradições ou incompatibilidade de decisões; - no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-01-2006 (Processo 2461/05-1): (i) ao recorrente, intervindo na simples veste de demandado, falece o pressuposto da legitimidade processual para atacar os aspectos penais da condenação, pois a lei não coloca ao alcance das suas prerrogativas processuais o ataque - ao menos o ataque frontal - ao decidido em sede de estritamente penal da sentença recorrida, com a qual o arguido se conformou;… (iii) ao demandado apenas assiste o direito de impugnar por via do recurso o segmento da sentença contra si proferida, que é, obviamente, a matéria relativa à indemnização civil - sua responsabilidade, prejuízos decorrentes do facto ilícito e quantum indemnizatório; - no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-03-2006 (Processo 1563/05-1): (vi) … quando o recurso civil tenha implícito o recurso em matéria penal, o recorrente, para ser parte legítima, terá de ter a dupla qualidade de parte civil e de assistente, pois que o artigo 401 do CPP não consente outra interpretação ao ter diferenciado a legitimidade para recorrer do arguido e do assistente, por um lado, e da parte civil, por outro; - no voto de vencido levado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-06-2012 (Processo 1837/02.1PFLRS.L2-5): (i) nem se diga que a acção, ilicitude e culpa, sendo pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, são também questões cíveis; (ii) não o são em processo penal; (iii) só o princípio da adesão permite que o lesado venha em processo penal pedir uma indemnização civil cabendo-lhe apenas alegar e provar os danos e o nexo de causalidade entre a ação e os danos; (iv) digamos que adere ao que o processo penal já cuidou para apurara a prática do crime; (v) só tem que fazer o resto do caminho; (vi) resta-lhe o que é exclusivamente civil; (vii) e se assim é carece de legitimidade para vir discutir, em sede de recurso, as questões essencialmente penais (a acção, a culpa e a ilicitude); (viii) mas outro argumento se pode invocar em favor desta tese: a contradição que traria o provimento do recurso; - no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-12-2012 (Processo 141/09.9GBSTC.E1): (i) não obstante o teor do n.º 1 do artigo 377 do CPP (…), na situação dos autos, a improcedência da acusação penal não podia deixar de arrastar consigo o pedido de indemnização civil, face à identidade dos factos… (iii) considerando que a recorrente não detém a qualidade de assistente está-lhe vedada a possibilidade de alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida…; - no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-04-2013 (Processo 1458/10.5PAOLH.E1)…”

Aí de identificam diversas decisões em sentido divergente (acórdão da RP de 11-07-2007, Processo 0740032, acórdão da RL de 05-06-2912, Processo 1837/02.1PFLRS.L2-5, acórdão da RP de 24-09-2014, Processo 379/10.6TAPRD.P1, e acórdão da RC de 21-01-2015, Processo 247/09.4GTVIS.C1).

E como se escreveu nesse acórdão (que subscrevemos) - e diga-se que o relator destes autos foi também o relator do proferido no Processo 975/04-1 deste tribunal, com data de 22-06-2004, acima identificado - os demandantes civis (e os argumentos utilizados valem para os demandados), “dispondo embora de legitimidade para interpor recurso sobre a matéria de facto na estrita medida em que a correspondente materialidade se constitua essencial à procedência da respetiva pretensão (de carácter civil), só dispõem de uma tal legitimidade para sindicar a decisão da matéria de facto que não perturbe a decisão e facto levada sobre a integração do tipo-de-ilícito e a culpabilidade penal”.

Não vemos razões para alterar o entendimento que então aí sufragámos, num e noutro acórdão, pelas razões que antecedem, em síntese - como daí se conclui - porque a recorrente carece de legitimidade para questionar a matéria de facto que, pela eventual procedência do recurso, colidiria com a matéria de facto integradora do ilícito criminal.

Consequentemente, em face do exposto, não se conhece das questões supra enunciadas, considerando-se prejudicado, em consequência, o conhecimento da pretendida redução das indemnizações arbitradas (ou a arbitrar) para metade, conhecimento que pressupunha a reapreciação da culpa do acidente.”

Em complemento destes ensinamentos, apenas se acrescentará o seguinte:

De acordo com o princípio da adesão, decorrente do Artº 71 do C. Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

Por sua vez, o Artº 74 nsº1 e 2 do mesmo diploma legal, estabelece que tal pedido é deduzido pelo lesado, entendendo­-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído, ou não possa constituir­-se, como assistente.

As partes civis são, assim, as entidades particulares a quem a lei permite que intervenham no processo para fazerem valerem os seus direitos como vista ao ressarcimento dos danos emergentes de um facto punível, restringindo-se a sua intervenção processual à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil.

Daí que, nos termos do Artº 401 nº1 al. c) do CPP, só seja conferida legitimidade processual ao demandante para recorrer quando a decisão lhe seja desfavorável, entendendo-se como tal apenas e tão só, no que tange, à matéria respeitante à indemnização civil.

Com efeito, o demandado civil, em bom rigor, não é sujeito do processo, mas um mero participante processual, carecendo por isso de legitimidade para impugnar a parte penal da sentença ainda que de forma indirecta e para efeitos meramente civis, não se devendo olvidar que o pedido de indemnização civil, embora enxertado na acção penal, conserva a sua autonomia processual e as características de uma verdadeira acção cível.

Ora, nos autos, o arguido foi condenado e com essa condenação se conformou, assim com o MP, pelo que a demandada seguradora carece de legitimidade para questionar a responsabilidade criminal em sede de recurso, entendendo a legitimidade para recorrer como fundamento processual que lhe permita, nessa parte, de âmbito penal, sindicar a decisão recorrida, aqui entendida, como refere Gonçalves da Costa, in Jornadas de Processo Penal, CEJ, pág. 412, como a «posição de um sujeito do processo relativamente a determinada decisão proferida em processo penal, que permite à aludida pessoa ou entidade impugnar tal decisão através do recurso».

No mesmo sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, que no Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed., pág. 1029, diz que “…o demandante não tem legitimidade para, no recurso da matéria cível, pôr em causa, ainda que indirectamente, a parte penal da sentença, pedindo a alteração da matéria de facto provada”, na esteira assim dos que defendem que o papel do demandante/demandado civil, que não é assistente, subordina-se, como regra, às posições tomadas pelos outros sujeitos processuais, salvo na parte da decisão contra si directamente proferida.

Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 03/12/08:

“Na verdade, quem tinha legitimidade para recorrer da decisão em matéria crime (arguido, assistente e MºPº), conformou-se com a mesma, quer na parte relativa à apreciação da matéria de facto, quer na parte referente à decisão jurídica. Assim sendo, terá de se entender que, nesta matéria, a decisão de 1ª instância já formou caso julgado quanto à parte criminal, o que impede o tribunal de alterar o decidido, quanto à mesma. A recorrente é apenas “parte” na acção cível enxertada no processo penal, só tendo poderes de intervenção (e bem assim de recurso), nessa acção cível, mas já não na acção penal.”

Nessa medida, a demandada civil apenas poderá recorrer da parte da sentença respeitante à condenação cível, sob pena de ficarmos com duas decisões contraditórias no mesmo processo relativas à mesma matéria, designadamente, a da culpa na produção do evento danoso, pois as questões penais ou com incidência penal, não podem colidir com o caso julgado penal que se formou relativamente a tais factos.

Essa ofensa do caso julgado penal, já formado nos autos, por via da não interposição de recurso, quer por parte do arguido, quer pelo M.P., seria inevitável, tendo em conta que, nesta parte, a ora recorrente impugna a matéria de facto dada como provada no sentido de que toda ela deve ser dada como não provada, pretendendo, consequentemente, que seja proferida “decisão no sentido da inexistência de factualidade suficiente e bastante para responsabilizar o arguido pelas consequências danosas do sinistro, por falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos do art. 483º do CC e com a também consequente impossibilidade de responsabilizar a demandada seguradora à luz do contrato de seguro que é o veículo translativo de responsabilidade”.

Assim sendo, não tendo a demandada legitimidade para recorrer da impugnação da matéria de facto, nos termos da citada al. c) do nº1 do Artº 401 do CPP, não se conhecerá do recurso nesta parte.
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Posto isto, são as seguintes as questões a conhecer no presente recurso:

1) Ineficácia da prova produzida
2) Valores da indemnização

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

3.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados

Encontram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1. No dia 18 de Outubro de 2012, pelas 12:00 horas, o arguido AM conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de marca Renault, modelo Express, de matrícula JX­---, na Estrada Nacional n.º 110, ao quilómetro 91,800, no lugar de Venda Nova, na semi-faixa de rodagem direita, no sentido de marcha Tomar-Ferreira do Zêzere.

2. Ainda no circunstancialismo de tempo e lugar referido em 1., VB, após ter saído do interior do estabelecimento comercial "Café Stop 81", encontrava-se imobilizada numa berma, com 2,60 (dois virgula sessenta) metros de largura, junto daquele estabelecimento comercial, situada do lado direito da Estrada Nacional n.º 110, atento o sentido de marcha do veículo do arguido, a cerca de 50 (cinquenta) centímetros da linha contínua que delimita o início da semi-faixa de rodagem direita.

3. Nessa ocasião, VB encontrava-se no espaço compreendido entre dois veículos automóveis que estavam estacionados nessa mesma berma e distanciados entre si cerca de 3 (três) metros a 6 (seis) metros.

4. Ainda nessa ocasião, atento o mesmo sentido de trânsito, o arguido transpôs a semi­faixa de rodagem direita, invadiu a berma onde estava VB e embateu com a parte frontal direita do seu veículo na parte lateral esquerda do corpo daquela, que, em consequência, caiu sobre o capot do veículo, bateu no pára-brisas do veículo conduzido pelo arguido e foi projectada para a frente do veículo do arguido, a uma distância não concretamente apurada, mas situada entre 20 (vinte) metros a 40 (quarenta) metros em relação ao local do embate.

5. Nessa sequência, VB ficou totalmente imobilizada e com perda de sentidos, prostrada no asfalto da Estrada Nacional n.º 110, a cerca de 2,50 (dois vírgula cinquenta) metros da berma da semi-faixa de rodagem direita.

6. Aquando do embate, circulava na semi-faixa de rodagem direita, no sentido de marcha Ferreira do Zêzere-Tomar, um veículo pesado de mercadorias de características não concretamente apuradas.

7. O arguido, dando-se conta do embate, travou a fundo e acabou por imobilizar o seu veículo a uma distância não concretamente apurada, mas situada entre 20 (vinte) metros a 40 (quarenta) metros em relação ao local do embate.

8. O arguido exercia tal condução de forma desatenta e distraída e, por via disso, antes do embate, não accionou os mecanismos de travagem do veículo por si conduzido.

9. No local do embate, a Estrada Nacional n.º 110 é uma recta, composta por duas vias de trânsito de sentido contrário, cada uma com largura de, sensivelmente, 2,92 (dois virgula noventa e dois) metros, as quais são divididas uma da outra por linha de cor branca, contínua, marcada ao centro no pavimento, com pavimento betuminoso em bom estado de conservação, com 5 (cinco) metros e 85 (oitenta e cinco) centímetros de largura de faixa de rodagem e no sentido Tomar-Ferreira do Zêzere, no local do embate, com uma berma em cimento com 2,60 (dois virgula sessenta) metros de largura.

10. O piso, na altura do embate, encontrava-se seco, em bom estado de conservação e havia boa visibilidade, inexistindo quaisquer condições climatéricas adversas ou obstáculos que impedissem o arguido de avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura, atento o seu sentido de marcha.

11. Em consequência do embate/atropelamento anteriormente referido, sofreu VB, as seguintes lesões:

Membro superior esquerdo: mobilidades do ombro conservadas, conseguindo levar a mão à nuca, ombro contralateral e região dorsal.

Membro inferior direito: cicatriz nacarada com vestígios de pontos, oblíqua ínferomedialmente, medindo 8x0,5 cm, no terço superior da perna; vestígios cicatriciais nacarados na face anterior do joelho

Membro inferior esquerdo: colecção organizada fibroelástica com 18x14 cm na face externa da coxa, consequente a hematoma nessa área (local de embate); 2 cicatrizes ovalares com cerca de 3 cm de maior diâmetro com bordo eritematoso, 1 sobre o maléolo externo e outra no bordo externo do pé; mantém das cicatrizes descritas no exame anterior; dois vestígios cicatriciais transversais na face posterior da coxa, uma no terço superior e outra pela transição do terço médio com inferior; alteração morfológica do contorno da anca pouco exuberante”

12. As referidas lesões causaram mal-estar psicológico e dores a VB, e foram causa directa e necessária de um período de doença fixável em 774 (setecentos e setenta e quatro) dias, com 774 (setecentos e setenta e quatro) dias de afectação da capacidade de trabalho geral.

13. Em consequência das referidas lesões, VB esteve internada cerca de 8 (oito) dias, no Hospital de Abrantes e teve necessidade de se sujeitar a outros tratamentos médicos, sendo que aquelas mesmas lesões provocam-lhe, de forma permanente, dores residuais além das referidas cicatrizes.

14. O arguido circulava a uma velocidade desadequada às circunstâncias da via e o local do embate e fora da sua faixa de rodagem, razões que o levaram a conduzir da forma acima descrita, as quais originaram a sua incapacidade de controlar o seu veículo e o embate que ocasionou o atropelamento de VB.

15. O arguido AM ao actuar do modo supra descrito, sabia que a sua conduta era apta a provocar colisões com outros veículos que utilizavam aquela estrada e a pôr em causa em perigo a integridade física dos demais utentes da mesma, designadamente de VB.

16. O arguido sabia que circulava com o seu veículo dentro de uma localidade e que o fazia a uma velocidade desadequada ao local e circunstâncias e sabia do dever que sobre si impendia de moderar especialmente a velocidade dento de localidade e que devia regular a velocidade do seu veículo, de modo a que em condições de segurança pudesse executar as manobras cuja necessidade fosse de prever e, em especial fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

17. O arguido AM ao agir como descrito, sabia que devia exercer a sua condução sempre pela semi-faixa de rodagem referente ao seu sentido de trânsito e que, perante a aproximação de peões junto da faixa de rodagem, devia imprimir menor movimento e velocidade à viatura, de molde a não invadir a berma, manobras que nem sequer esboçou fazer, sendo que nenhum obstáculo existia á realização de tais manobras em segurança, pelo que actuou com a falta de cuidado e de atenção que lhe era exigível e de que era capaz, atentas as circunstâncias da via e do estado do tempo.

18. O arguido AM conduziu ainda com imperícia e com uma velocidade desadequada ao local, não tomando precauções de forma a evitar o embate, revelando assim uma condução imprudente e falta de cuidado, cuidado esse que era capaz de adoptar e que devia ter, para evitar um resultado que devia e podia previsto, mas que não previu, provocando dessa forma as lesões supra descritas, que foram causa directa e necessária das lesões que sofreu a ofendida VB.

19. O arguido sabia igualmente que as suas condutas não eram permitidas e eram proibidas por lei penal e contra-ordenacional.

Do pedido de indemnização civil formulado pela assistente, provou-se com interesse para a decisão, que:

20. Em consequência directa e necessária do acidente resultaram para a demandante traumatismo craneo-encefálico com perda de consciência, fractura do colo da omoplata esquerda, rotura completa do ligamento cruzado anterior e rotura do ligamento colateral externo, traumatismo do membro superior e membro inferior esquerdo.

21. Em virtude das lesões anteriormente referidas e sofridas em consequência directa e necessária do acidente, a demandante teve de ser transportada para o Hospital de Abrantes onde foi submetida a vários exames médicos e a tratamentos, após o que teve alta para o domicílio.

22. Em 20 de Outubro de 2012, a demandante foi de novo transportada, de ambulância, ao Hospital de Tomar, dado que não suportava as dores no membro superior esquerdo e no membro inferior direito e porque apresentava um hematoma exuberante na coxa esquerda, tendo sido transferida novamente para o Hospital de Abrantes onde ficou internada até ao dia 27-10-2012.

23. Após o que teve novamente alta para o domicílio, e passou a ser seguida na consulta externa de ortopedia.

24. Dada a dificuldade que tinha em movimentar-se, a demandante teve de fazer pensos no domicílio, ali se deslocando uma enfermeira do Centro de Saúde até ao final de Novembro de 2012.

25. A demandante andou com tala gessada, desde a virilha até ao pé, durante um mês e depois passou a andar com uma tala gessada mais curta, desde a coxa até ao tornozelo, durante mais de um mês.

26. A ofendida foi obrigada a usar cadeira de rodas durante cerca de 3 meses, e depois só conseguia locomover-se com o auxílio de canadianas durante cerca de 5 meses.

27. Foi submetida a tratamentos de fisioterapia durante vários meses no Hospital de Tomar.

28. Em 02 de Junho de 2013 foi internada no Centro Hospitalar Leiria – Pombal, onde foi operada para ligamentoplastia com isquiotibiais, meniscectomia parcial e shaving de condromalacia, e esteve internada até 06-06-2013.

29. Após o que foi submetida a mais tratamentos de fisioterapia no Hospital de Tomar, durante vários meses.

30. Entretanto, em Outubro de 2013, foi a consulta de cirurgia plástica no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e, em Julho de 2014, foi submetida a nova cirurgia para lipoaspiração tumescente.

31. E foram-lhe prescritos calções elásticos, que usou durante 8 semanas.

32. A demandante anda a ser seguida na consulta de cirurgia plástica do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e ainda não teve alta.

33. Actualmente apresenta as seguintes queixas:
- Não consegue correr;
- Não consegue dobrar o joelho direito;
- Não tem força no joelho direito;
- Tem dificuldade em subir e descer escadas;
- Claudica ligeiramente da perna direita;
- Continua a apresentar um alto / Tumefacção na coxa esquerda;
- Dores fortes no ombro esquerdo;
- Dores fortes na coluna.

34. À data do acidente a demandante era estudante e trabalhava a tempo parcial como empregada de café e preparava-se para concorrer para o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, com vista a integrar a PSP.

35. Porém, devido ao acidente e depois em virtude das sequelas de que ficou portadora, deixou de ter condições para fazer as provas físicas, atentas as lesões que sofreu e as sequelas e incapacidade de ficou portadora.

36. Entretanto, no tempo que esteve em convalescença e reabilitação, perdeu a oportunidade de concorrer ao ensino superior, já que decorreram mais de dois anos sobre a data em que completou o 12.º ano.

37. Na data do acidente a demandante tinha 20 anos de idade.

38. Era uma jovem activa e sem qualquer defeito físico.

39. Desde a data do acidente até ao presente a demandante sofreu e sofre dores fortes no ombro e no joelho.

40. A demandante ficou portadora de cicatrizes na perna e coxas e um alto na coxa e, devido aos tratamentos e sequelas, engordou 15 quilos, que a fazem sentir vergonha do seu corpo.

41. Tal vergonha e complexos levam a que a VB tenha deixado de ir à praia, à piscina e deixou de usar saias e calções, o que lhe causa desgosto.

42. Tal impossibilidade de fazer a sua vida normal e a incapacidade de que ficou portadora fazem-na sentir diminuída perante si própria, perante os seus familiares e amigos e no meio social em que se insere.

43. Causam-lhe enorme desgosto e complexos de inferioridade física.

44. O desgosto e os complexos de inferioridade, que são permanentes e contínuos, lançaram-na numa angústia e má disposição.

45. Em taxas moderadoras e consultas despendeu a quantia de 187,60€.

46. Numa joelheira elástica, num suporte de sustentação de braço, num par de canadianas, numa coxa elástica, numa placa de termo gel e nos calções elásticos gastou 180,50€.

47. Acresce, ainda, que, aquando do atropelamento, o telemóvel que a demandante levava comsigo ficou completamente destruído, pelo que teve um prejuízo de 229,90€.

48. A demandante não teve alta da cirurgia plástica e terá de ser submetida a nova operação à coxa, cuja data da realização ainda não foi decidida, pelo que terá de ser internada novamente e terá de fazer mais tratamentos e tomar medicação.

49. O veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula JX-- à data do acidente, era propriedade de AFM e era conduzido pelo arguido AM.

50. AFM havia transferido, para a --Companhia de Seguros, SA a responsabilidade civil emergente de acidente de viação causa pelo veículo com a matrícula JX-, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 752593235.

Do pedido de indemnização civil formulado pelo CHMT, provou-se com interesse para a decisão, que:

51. Em consequência da conduta do arguido, a assistente foi assistida no Centro Hospitalar do Médio Tejo, onde lhe foram prestados serviços médicos no valor de 2.460,73€ (dois mil, quatrocentos e sessenta euros e setenta e três cêntimos).

Da discussão da causa, mais se provou, com interesse para a decisão, que:

52. A data da consolidação médico legal das slesões sofridas pela assistente é fixável em 01.12.2014.

53. Por força da conduta do arguido, a assistente sofreu um período de défice funcional temporário total de 21 (vinte e um) dias.

54.Sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 753 (setecentos e cinquenta e três) dias.

55. Sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias.

56. Sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional parcial de 409 (quatrocentos e nove) dias.

57. Sofreu um quantum doloris de grau 5/7.

58. As lesões e sequelas resultantes da conduta do arguido determinaram, para a assistente, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos.

59. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares,

60. A assistente sofreu um dano estético permanente de grau 3/7.

61. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7.

(Seguem-se os factos alusivos às condições económicas, profissionais e familiares do arguido, que aqui não se reproduzem, não só porque o suporte informático da sentença que foi disponibilizado a este Tribunal não os contêm, mas também, porque os mesmos em nada relevam para a apreciação do presente recurso)

Descrito o quadro factual, importa aferir da bondade do peticionado

B.1. Da ineficácia da prova

Alega a recorrente a ineficácia da prova produzida em julgamento, com a consequente invalidade da sentença produzida, nos termos do Artº 328 nº6 do CPP, por ter ocorrido um intervalo de mais de 30 dias entre duas das sessões de Audiência de Julgamento, designadamente, entre 21/10/16 e 01/02/17, pelo que, conclui, deve ser determinada a repetição de toda a produção de prova.

Com o devido respeito, mal se compreende a invocação do recurso, nesta parte, na medida em que se trata de matéria que tendo sido alvo de particular discussão jurisprudencial - o que motivou, até, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado pela recorrente e que data de 29/10/08 – é hoje absolutamente pacífica, atenta a nova redacção do nº6 do Artº 328 do CPP, introduzida pela Lei 27/2015 de 27/04 sob a qual se estatui que:

6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.

Ora o recurso da recorrente, neste segmento, só faria sentido perante a redacção anterior, onde se dispunha que:

6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.

A alteração legislativa, pretendeu, precisamente, abolir a cominação da perda da eficácia de prova que ali se consignava, como explica o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão para Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, lavrado em 12/11/15 e publicado no DR, I SÉRIE, Nº 2, 05/01/16, P. 7– 14:

É altura de abordar a alteração legislativa ocorrida com a Lei nº 27/2015, de 14 de Abril, já depois de ter sido interposto recurso e logo após ter sido proferido o acórdão que considerou existir oposição de julgados, alteração essa que porventura torna obsoleto todo o exercício de interpretação desenhado até agora.

A razão é simples e de certo modo desconcertante face ao conteúdo da letra da lei.

O primeiro período do nº 6 do art. 328º mantem-se inalterado «O adiamento não pode exceder 30 dias».. Já o período seguinte, ou 2ª parte do dispositivo, sofreu profunda alteração aludindo a hipóteses em que não seja possível evitar o adiamento por mais de 30 dias.
Mas desapareceu do texto a cominação que lá figurava e que é o epicentro da polémica subjacente ao tema deste acórdão: a que estipulava que a ultrapassagem do prazo de 30 dias implicava a perda da eficácia da prova.

Se se atentar na redacção do nº 7 do dito artigo 328º enunciam-se várias situações que passaram a não ser consideradas para a transcorrência desse prazo: (i) o decurso das férias judiciais; (ii) o período durante o qual, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova; (iii) o período em que os autos aguardem a prolação da sentença; (iv) o período em que decorra o recurso que anule parcialmente o julgamento para repetição de prova ou produção de prova suplementar.

Pareceria que o objectivo de tal enunciação visaria precisamente contornar ou evitar a perda de eficácia nesses casos, configurando-se como excepções a essa regra. Intenção baldada visto que a cominação que existia – a perda da eficácia da prova – desapareceu.

A “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 263/XII é clara a tal respeito. Um dos alvos das alterações que eram propostas e foram aceites era «a eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida» adiantando-se depois que «No contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação.» Isto é, presentemente, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso se veja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada intervalo da audiência aconteça isso por que razão for.”
Ou seja, apesar de na lei se ter mantido a indicação de que o adiamento não pode exceder 30 dias, desapareceu a cominação que estipulava que a ultrapassagem desse prazo implicava a perda da eficácia da prova, especificando-se até casos em que não seja possível evitar o adiamento por mais de 30 dias, acrescentando-se, no nº7 do mesmo artigo, situações que passaram a não ser consideradas para a contagem daquele prazo: o decurso das férias judiciais; o período durante o qual, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova; o período em que os autos aguardem a prolação da sentença e o período em que decorra o recurso que anule parcialmente o julgamento para repetição de prova ou produção de prova suplementar.

Nessa medida, compreende-se, como ensina o STJ, que, atenta a actual redacção do nº6 do Artº 328 do CPP, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso seja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada sessão da audiência e independentemente dos motivos que levaram a tal ocorrência, os quais, in casu, refira-se apenas a talhe de foice, se relacionaram com a impossibilidade de inquirição de uma testemunha, tendo o tribunal a quo encetado diligências nesse sentido.

Assim sendo, não existindo na lei a cominação pretendida pela recorrente – perda da eficácia da prova se decorrerem mais de 30 dias entre cada sessão de julgamento – não pode o recurso deixar de improceder, nesta parte.

B.2. Dos valores indemnizatórios
A recorrente impugna o valor dos danos fixados pelo tribunal recorrido, por os considerar excessivos e desproporcionados, quer perante o que se provou nesta matéria, quer perante os critérios jurisprudenciais e os decorrentes da Portaria 679/2009, de 25.06, com as subsequentes actualizações.

Entende assim, que os mesmos devem ser reduzidos a € 12.500,00, os danos patrimoniais, ao invés dos € 30.000,00 atribuídos pela sentença recorrida e a € 15.000,00, no que toca ao dano biológico, em vez dos € 60.000,00 ali determinados.

A este nível, escreveu-se na decisão recorrida e em concreto sobre a situação dos autos e o pedido de indemnização civil em causa (transcrição):

No caso vertente, considerou-se provada a ocorrência de danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes da conduta do arguido, resultantes das lesões e dores sofridas e do sentimento de angústia, tristeza e inquietação, bem como dos valores despendidos com a recuperação da ofendida.

O nexo causal entre o facto e o dano, que deve ser atendido no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, existe sempre que a conduta se considere idónea para a verificação do dano, não o tendo provocado por força de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas (teoria da causalidade adequada negativa) - 563.º do Código Civil.

No caso dos autos, afigura-se manifesto que foi a conduta do arguido que causou directa e necessariamente os danos que se vieram a verificar na pessoa da demandante

Mais se provou que o arguido havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação do referido veículo para a seguradora demandada, pelo que assumirá esta o pagamento da indemnização devida, desde que se situe no âmbito do capital máximo segurado.

Pelos motivos expostos, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil relativamente ao pedido de indemnização formulado nestes autos, constitui-se a seguradora, por força da transferência de responsabilidade, na obrigação de indemnizar os danos emergentes da conduta daquele.

Em matéria de obrigação de indemnizar, vigora o princípio da reconstituição natural, que se traduz na obrigação que cabe ao lesante/responsável civil, de harmonia com o disposto no artigo 562.º do Código Civil, de repor a situação no estado em que se encontrava antes da lesão, sendo certo que, sempre que tal não seja possível, será fixada uma quantia em dinheiro, a título de indemnização.

O critério de determinação do montante da indemnização devida tem por base a teoria da diferença, ou seja, a mesma deve ser fixada na medida da diferença entre a situação actual do lesado e a situação hipotética em que este se encontraria se não fosse o acto lesivo (artigo 5666.º do Código Civil).

A obrigação de indemnizar abrange, nos termos do disposto no artigo 564.º do Código Civil, quer os danos emergentes, que resultam da frustração duma vantagem já existente - diminuição do activo ou aumento do passivo -, quer os lucros cessantes - não concretização de uma vantagem que, de outra forma, o agente auferiria.

Considerando que só são indemnizáveis os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse tal comportamento, conforme dispõe o artigo 563.º do Código Civil, cumpre aferir dos danos a ressarcir no caso concreto.

No caso concreto, provou-se que a demandante, em consequência do acidente, despendeu o valor de 1.196€ (mil, cento e noventa e seis euros) com a sua recuperação (consultas médicas, tratamentos e acessórios necessários e, ainda, dano no telemóvel, pelo que deve ser ressarcida dessa quantia.

Na fixação da indemnização deve atender-se, também, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, devam merecer a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil), que será fixada de acordo com critérios de equidade (artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil).

Deve ponderar-se designadamente o quantum doloris, o período de duração do sofrimento físico e moral, o prejuízo de afirmação pessoal, as sequelas permanentes decorrentes da lesão, designadamente a incapacidade de que se fica a padecer na medida em que implica sofrimento físico ou moral, prejuízo estético, e outros.

No caso vertente, resultou provado que a demandante sofreu dores durante um período prolongado, com vários períodos de internamento, diversas intervenções cirúrgicas, com um quantum doloris fixado no grau de 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sente desgosto pela limitação da sua mobilidade de que ficou afectada e pela alteração estética, viu-se com diversas cicatrizes e um hematoma com edema na coxa, o que a impossibilita de concorrer à academia da PSP, como pretendia, sendo que até à ocasião do acidente era ágil, forte e dinâmica, não apresentando qualquer deformidade, ou incapacidade física ou funcional, pelo que atenta a sua gravidade, decidimos valorar tal dano psicológico, de harmonia com critérios de equidade, no montante de 30.000€.

Mais ficou provado que a assistente tem perda de mobilidade, não conseguindo permanecer muito tempo em pé, nem pode fazer muitas das tarefas diárias; em consequência do acidente trabalha menos horas e com mais esforço e ficou fisicamente impossibilitada de concorrer à academia da PSP, para cuja admissão encontrava-se a fazer preparação, aquando do acidente.

Assim, o dano sofrido pela assistente com implicação ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte da mesma, não só para o exercício de actividade profissional que a mesma possa pretender exercer, como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer e determina a perda da possibilidade de vir a ser polícia, como pretendia

Não se provou, porém, a perda de capacidade aquisitiva, pelo que este dano biológico também se caracterizará por ser considerado dano não patrimonial e calculado nos termos supra expostos.

Assim, atenta a gravidade do dano – designadamente considerando que, à data a assistente tinha 20 anos e viu-se incapacitada de estar muito tempo de pé, sofrendo dores e tendo de despender um esforço acrescido para desemprenhar qualquer actividade do dia-a-dia, para o que muitas vezes precisa de ajuda, plasmado num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos e numa repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3/7 - decidimos valorar tal dano, de harmonia com critérios de equidade, no montante de 60.000€.
****
Mais peticionou a demandante o pagamento de indemnização referente a danos futuros, a liquidar em execução de sentença.

Provou-se, também, que a ofendida não teve alta da cirurgia plástica e terá de ser submetida a nova operação à coxa, cuja data de realização ainda não foi decidida, pelo que terá de ser internada novamente e terá de fazer mais tratamentos e tomar medicação.

Porém, não foi possível determinar o valor dos danos, pois os mesmos não estão, ainda, consolidados, sendo de prever a realização de cirurgia e respectiva recuperação, eventualmente com fisioterapia.

Assim, entendemos relegar para execução de sentença o valor a pagar pela demandada relativo aso referidos danos.

Não discute a demandada a existência dos pressupostos da sua responsabilidade civil, mas apenas os montantes atribuídos pela sentença recorrida, no que concerne aos danos de natureza não patrimonial e ao dano biológico.

É sabido que a indemnização dos prejuízos de natureza não patrimonial (ou danos morais) corresponde ao ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico e emocional.

Uma vez que estes danos são, por natureza, insusceptíveis de avaliação pecuniária, na sua avaliação assumem especial importância os critérios de equidade (Artº 496 do C. Civil), onde se tem por objectivo compensar o lesado com um benefício de ordem material, concedendo-lhe um lenitivo que, de algum modo, mitigue a dor que sente pelo mal sofrido e que já não poderá ser apagada.

A dificuldade em quantificar os danos não patrimoniais, nomeadamente porque as lesões consubstanciadoras de tais danos são infungíveis, não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que, com recurso aos referidos critérios de equidade, tenderá a ser justa, não valendo para esse nível, com o devido respeito por opinião contrária, os parâmetros definidos pela Portaria mencionada pela recorrente, ou pela Portaria 377/08 de 26/05, na redacção dada pela Portaria 679/2009 de 25/06, que não se revelam de particular mérito.

As aludidas portarias determinam, tão-somente, como aliás a própria recorrente reconhece, meros critérios orientadores para a apresentação, por parte das seguradoras, nas suas negociações pré-judiciais, de valores legalmente considerados como razoáveis para as indemnizações devidas por dano corporal.

Nessa medida, o estabelecido nas ditas portarias, mais do que se destinar aos tribunais, tem por escopo o estabelecimento de uma série de valores de referência – actualizáveis de acordo com o índice de preços no consumidor – que permitam uma maior razoabilidade nos litígios pré-judiciais, com vista a que um maior número de situações se possa dirimir pela via consensual, escapando assim, ao risco, sempre incerto, de uma decisão em tribunal.

Ora, apesar de os tribunais estarem naturalmente vinculados à aplicação uniforme do direito, por força do Artº 8 nº3 do C. Civil, essa obrigação decorrente da natureza das suas funções não os obriga a adoptar os aludidos critérios como seus, quer porquanto os mesmos a ele se não dirigem, quer ainda, pela circunstância de na própria Portaria inicial, a 377/08 de 26/05, no nº2 do seu Artº 1 – que tem como epígrafe Objecto da Portaria – expressamente se afirmar que «As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização por outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos»

Com se vê – e outra, aliás, não poderia ser a solução legal – a circunstância de o legislador apontar aqueles valores como razoáveis para a formulação de propostas de indemnização por parte das seguradoras, não inibe – nem tal faria sentido – um tribunal, de aplicar valores superiores aos ali fixados, se entender, com o bom senso, razoabilidade e equidade exigidas, que os mesmos são os ajustados ao circunstancialismo do caso concreto.

Não se esqueça também, como muito acertadamente se disse em Acórdão desta Relação, no Proc. 115/02.6TAFAR.E1, de 21/06/11, relatado pelo Exmo Desembargador Gomes de Sousa, que « …pelo que se lê do preâmbulo da Portaria nº 377/2008, os valores das “propostas razoáveis” tiveram por base, em parte significativa, estudos do mercado segurados, do Fundo de Garantia Automóvel e das companhias seguradores e, não consta, qualquer intervenção de organismos de defesa de interesses dos sinistrados, mormente de defesa do consumidor, pelo que mais não são que a consagração dos estudos de um lobby económico muito bem definido que não pode vincular o poder judicial enquanto não constates de legislação revogatória do Código Civil. »

É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115; e os Acs. do STJ de 26/6/1991, BMJ 408, pp. 538; de 9/12/2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137; de 11/7/­2007, processo n.º 1583/07 - 3.a; de 26/6/2008, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131; de 22/10/2008, proc. N.º 3265/08 - 3.a, e de 29/10/2008, processo n.º 3380/08 - 5.a.

No âmbito dos danos não patrimoniais a ressarcibilidade visa proporcionar ao lesado os meios económicos que de alguma maneira o compensem da "lesão" sofrida pelas expressões que lhe foram dirigidas, trata-se assim de uma reparação indirecta. Os danos não patrimoniais só indirectamente são computados através do cálculo da soma de dinheiro, susceptíveis de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados (Cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pp. 375-385).

É notória uma tendência progressiva, de actualização jurisprudencial dos valores indemnizatórios de certos danos e designadamente sobre a indemnização dos danos de natureza moral ou não patrimonial.

Sobre esta evolução, confronte-se a compilação da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a indemnização do danos não patrimoniais em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012.pdf.

Eis alguns exemplos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça:

- Ac. do STJ de 26/01/12: É adequado o montante compensatório de € 40.000 relativamente ao danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores (Procº 220/2001-7.S1).

- Ac. do STJ de 07/06/11: Não é excessiva uma indemnização de €90.000, arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas dolorosas, que implicaram sucessivas intervenções cirúrgicas, internamento por tempo considerável, dano estético relevante e ditaram sequelas irremediáveis e gravosas para o padrão e a qualidade de vida pessoal do lesado (Procº 3042/06.9TBPNF.P1.S).

- Ac. de 07/10/10: É de acolher a pretensão compensatória, por danos não patrimoniais, de € 50.000 relativamente a essa pessoa que:

Sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7); Esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia; Teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas; Ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava; Passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso (Procº 370/04.1TBVGS.C).

- Ac. do STJ de 29/06/11: Em matéria de lesões físicas do demandante sobressai a fractura do cotovelo, que o obrigou a uma intervenção cirúrgica e a um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial; as dores sofridas, tendo sido fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7. Tendo em conta esta factualidade, com destaque para o período de tempo de doença e o quantum doloris, que são significativos, entende-se que o montante de indemnização fixado (€ 25 000) é justo e adequado à reparação dos danos não patrimoniais (Procº 345/06.6PTPDL.L1. S1).

O recorrente, no seu recurso, aduziu os seguintes:
“-Ac. do STJ de 07.02.2013 – Revista 3557/07.1TVLSB.l.S1 – 7ª Secção: - foi atribuída a uma jovem de 23 anos indemnização de € 40000 por danos não patrimoniais mas porque ficou afectada de uma IPP de 36 pontos e que sofreu intensamente com o acidente com o internamento e tratamentos prolongados que se seguiram

-Ac. do STJ de 14.03.2013 – Revista 43/2001.L1.S1 – 2ª Secção: foi atribuída indemnização de € 40 000 a titulo de danos morais a lesado de 45 anos mas que sofreu múltiplas fracturas na face, coro cabeludo, membros derrame pulmonar, paresia do nervo radical esquerdo, recebeu transfusões de sangue, fez 4 cirurgias, 1 delas de urgência, permaneceu sentado em cadeira de rodas durante 2 meses, continua a fazer tratamentos de fisioterapia, 1 anoa apos o acidente ainda usava canadianas e ficou portador de uma IPP de 58.4%

-Ac do STJ de 12.09.2013 – Revista 2146/05.0TBLSB-L1.S1 – 7ª Secção: foi atribuída indemnização de € 400000 a titulo de danos morais a lesado mas que fruto de lesões físicas passou a sofrer de septicemia, falência renal, suspeita de gangrena, submetido a várias cirurgias, ficou com o braço manchado e cotovelo desfigurado, fez 3 cirurgias para evitar amputação, foi-lhe atribuído QD de 6/7 e IPG de 15 pontos por impossibilidade de lavar as costas sozinho por diminuição do grau de flexão do braço direito e ficou sem conseguir levar o braço direito à nuca

-Ac. do STJ de 01.04.2014 – Revista 187/08.4TBCBT.G1.S1 – 6ª Secção: foi atribuída a quantia de € 37500 por danos morais a lesado com 22 anos de idade mas que ficou a padecer de uma incapacidade funcional de 29 pontos e com incapacidade permanente para o trabalho que exija o uso do corpo para exercer profissão que demande esforços, agilidade, mobilidade e força dos membros inferiores, tudo por ter sofrido fracturas nos membros inferiores que ditaram internamentos hospitalares e 531 dias de recuperação, QD de 6/7, múltiplos e continuados tratamentos de fisioterapia durante 6 meses e limitações no seu dia-a-dia, tristeza e vergonha

-Ac. do STJ de 03.04.2014 – Revista 856/07.6TVPRT.P1.S1 – 2ª Secção: foi atribuída indemnização de € 30 000 por danos morais a lesado de 23 anos mas que ficou com IPP de 40% e que ficou com reflexos psicológicos/neurológicos muito graves e que se traduzem em incapacidade de relacionamento, grande dificuldade em voltar a trabalhar o que no plano social acarreta diminuição do seu amor próprio

-Ac. do STJ de 22.01.2015 – Revista 133/10.5TBSTS.P1.S1–2ª Secção: foi atribuído o montante de € 40 000 por danos morais a lesado mas que esteve entre a vida e a morte e foi sujeito a reiterados e dolorosos tratamentos médicos tendo ficado com graves sequelas;

-Ac. do STJ de 22.01.2015 – Revista 237/05.6TBBAI.P1.S1 – 2ª Secção: foi atribuído o montante de € 15 000 por danos morais a lesado com 25 anos que ficou a padecer de IPP de 6% e que sofreu no acidente TCE, fracturas dos membros inferiores, fez cirurgia, foi portador de canadianas durante 2 meses e fez fisioterapia durante 4 meses

-Ac. do STJ de 29.01.2015 – Revista 264/11.4TBSTS.P1.S1 – 2ª Secção: foi atribuído o montante de € 40 000 por danos morais a lesado com 36 anos ainda de esperança media de vida mas que ficou portador de uma desvalorização de 25 pontos, perdeu quase totalmente a visão num dos olhos, ficou deprimido, pessoal e socialmente deprimido e sem perspectivas de melhorias na sua incapacidade.

-Ac. do STJ de 24.02.2015 – Revista 460/09.4TCSNT.L1.S1 – 6ª Secção: foi atribuído o montante de € 10 000 por danos morais a lesado que ficou com IPP de 8%, fez fisioterapia, padece de dores no ombro que agravam com os esforços, obrigado a fazer infiltrações no ombro, tendo necessidade de recorrer habitualmente a analgésicos antiespasmódicos e antiepiléticos

-Ac. do STJ de 24.03.2015 – Revista 1425/12.4TJVNF.G1.S1 – 6ª Secção: foi atribuído o montante de € 25 000 por danos morais a lesado com 22 anos portador de IPG de 9 pontos que só teve alto volvido mais de ano apos o acidente, fez cirurgia à rotula esquerda e tratamento ao tornozelo direito, locomoveu-se cerca de 2 meses em cadeira de rodas e depois com canadianas durante mais de 3 meses, ficou com atrofia da coxa esquerda superior e falta de força muscular do membro inferior esquerdo, tem dores à mobilização, ficou impossibilitado de correr, dificuldades em estar de pé por longo tempo, sente dores no joelho esquerdo, tem dificuldade em ajoelhar-se e baixar-se e carregar pesos, continua a necessitar de tratamento medico periódico e sente-se infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído física e esteticamente

-Ac. do STJ de 04.06.2015 – Revista 1166/10.7TBVCD.P1.S – 7ª Secção: foi atribuído o montante de € 40 000 por danos morais a lesada com 17 anos de idade mas que ficou portadora de IPG de 16.9 pontos, com repercussões estéticas, dores e sofrimento que se prolongarão durante toda a vida

-Ac. do STJ de 09.07.2015 – Revista 3724/12.6TBBCL.G1.S1 – 6ª Secção: foi atribuído o montante de € 25 000 de danos morais a lesado com 16 anos de idade e com IPG de 8 pontos, em consequência de TCE, traumatismo lombar, fractura de vertebras, dores de grau 4/7, limitações permanentes alteração psicológica e comportamental, com necessidade de acompanhamento psiquiátrico, tristeza, depressão e frustração

É assim entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de "compensação", não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

Recorde-se o que foi apurado ao nível das lesões causadas na ofendida VB:

Membro superior esquerdo: mobilidades do ombro conservadas, conseguindo levar a mão à nuca, ombro contralateral e região dorsal.

Membro inferior direito: cicatriz nacarada com vestígios de pontos, oblíqua ínferomedialmente, medindo 8x0,5 cm, no terço superior da perna; vestígios cicatriciais nacarados na face anterior do joelho

Membro inferior esquerdo: colecção organizada fibroelástica com 18x14 cm na face externa da coxa, consequente a hematoma nessa área (local de embate); 2 cicatrizes ovalares com cerca de 3 cm de maior diâmetro com bordo eritematoso, 1 sobre o maléolo externo e outra no bordo externo do pé; mantém das cicatrizes descritas no exame anterior; dois vestígios cicatriciais transversais na face posterior da coxa, uma no terço superior e outra pela transição do terço médio com inferior; alteração morfológica do contorno da anca pouco exuberante”

As referidas lesões causaram mal-estar psicológico e dores a VB, e foram causa directa e necessária de um período de doença fixável em 774 (setecentos e setenta e quatro) dias, com 774 (setecentos e setenta e quatro) dias de afectação da capacidade de trabalho geral.

Em consequência das referidas lesões, VB esteve internada cerca de 8 (oito) dias, no Hospital de Abrantes e teve necessidade de se sujeitar a outros tratamentos médicos, sendo que aquelas mesmas lesões provocam-lhe, de forma permanente, dores residuais além das referidas cicatrizes.

Em consequência directa e necessária do acidente resultaram para a demandante traumatismo craneo-encefálico com perda de consciência, fractura do colo da omoplata esquerda, rotura completa do ligamento cruzado anterior e rotura do ligamento colateral externo, traumatismo do membro superior e membro inferior esquerdo.

Em virtude das lesões anteriormente referidas e sofridas em consequência directa e necessária do acidente, a demandante teve de ser transportada para o Hospital de Abrantes onde foi submetida a vários exames médicos e a tratamentos, após o que teve alta para o domicílio.

Em 20 de Outubro de 2012, a demandante foi de novo transportada, de ambulância, ao Hospital de Tomar, dado que não suportava as dores no membro superior esquerdo e no membro inferior direito e porque apresentava um hematoma exuberante na coxa esquerda, tendo sido transferida novamente para o Hospital de Abrantes onde ficou internada até ao dia 27-10-2012.

Após o que teve novamente alta para o domicílio, e passou a ser seguida na consulta externa de ortopedia.

Dada a dificuldade que tinha em movimentar-se, a demandante teve de fazer pensos no domicílio, ali se deslocando uma enfermeira do Centro de Saúde até ao final de Novembro de 2012.

A demandante andou com tala gessada, desde a virilha até ao pé, durante um mês e depois passou a andar com uma tala gessada mais curta, desde a coxa até ao tornozelo, durante mais de um mês.

A ofendida foi obrigada a usar cadeira de rodas durante cerca de 3 meses, e depois só conseguia locomover-se com o auxílio de canadianas durante cerca de 5 meses.

Foi submetida a tratamentos de fisioterapia durante vários meses no Hospital de Tomar.

Em 02 de Junho de 2013 foi internada no Centro Hospitalar Leiria – Pombal, onde foi operada para ligamentoplastia com isquiotibiais, meniscectomia parcial e shaving de condromalacia, e esteve internada até 06-06-2013.

Após o que foi submetida a mais tratamentos de fisioterapia no Hospital de Tomar, durante vários meses.

Entretanto, em Outubro de 2013, foi a consulta de cirurgia plástica no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e, em Julho de 2014, foi submetida a nova cirurgia para lipoaspiração tumescente.

E foram-lhe prescritos calções elásticos, que usou durante 8 semanas.

A demandante anda a ser seguida na consulta de cirurgia plástica do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e ainda não teve alta.

Actualmente apresenta as seguintes queixas:
- Não consegue correr;
- Não consegue dobrar o joelho direito;
- Não tem força no joelho direito;
- Tem dificuldade em subir e descer escadas;
- Claudica ligeiramente da perna direita;
- Continua a apresentar um alto / Tumefacção na coxa esquerda;
- Dores fortes no ombro esquerdo;
- Dores fortes na coluna.

À data do acidente a demandante era estudante e trabalhava a tempo parcial como empregada de café e preparava-se para concorrer para o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, com vista a integrar a PSP.

Porém, devido ao acidente e depois em virtude das sequelas de que ficou portadora, deixou de ter condições para fazer as provas físicas, atentas as lesões que sofreu e as sequelas e incapacidade de ficou portadora.

Entretanto, no tempo que esteve em convalescença e reabilitação, perdeu a oportunidade de concorrer ao ensino superior, já que decorreram mais de dois anos sobre a data em que completou o 12.º ano.

Na data do acidente a demandante tinha 20 anos de idade.
Era uma jovem activa e sem qualquer defeito físico.
Desde a data do acidente até ao presente a demandante sofreu e sofre dores fortes no ombro e no joelho.

A demandante ficou portadora de cicatrizes na perna e coxas e um alto na coxa e, devido aos tratamentos e sequelas, engordou 15 quilos, que a fazem sentir vergonha do seu corpo.

Tal vergonha e complexos levam a que a VB tenha deixado de ir à praia, à piscina e deixou de usar saias e calções, o que lhe causa desgosto.

Tal impossibilidade de fazer a sua vida normal e a incapacidade de que ficou portadora fazem-na sentir diminuída perante si própria, perante os seus familiares e amigos e no meio social em que se insere.

Causam-lhe enorme desgosto e complexos de inferioridade física.

O desgosto e os complexos de inferioridade, que são permanentes e contínuos, lançaram-na numa angústia e má disposição.

A demandante não teve alta da cirurgia plástica e terá de ser submetida a nova operação à coxa, cuja data da realização ainda não foi decidida, pelo que terá de ser internada novamente e terá de fazer mais tratamentos e tomar medicação.

A data da consolidação médico legal das lesões sofridas pela assistente é fixável em 01.12.2014.

Por força da conduta do arguido, a assistente sofreu um período de défice funcional temporário total de 21 (vinte e um) dias.

Sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 753 (setecentos e cinquenta e três) dias.

Sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias.

Sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional parcial de 409 (quatrocentos e nove) dias.

Sofreu um quantum doloris de grau 5/7.

As lesões e sequelas resultantes da conduta do arguido determinaram, para a assistente, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos.

As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares,

A assistente sofreu um dano estético permanente de grau 3/7.

A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7”

O dano dor (pretium doloris) abrange a dor física e moral, reportando-se a primeira aos ferimentos e a posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos, e a segunda ao trauma psíquico causado pela lesão, e que tanto pode assentar em estados subjetivos dolorosos como numa pura reação emotiva individual (Coelho dos Santos, A Reparação Civil do Dano Corporal: Reflexão Jurídica sobre a Perícia Médico-Legal e o Dano Dor, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio de 1994, ano II, n.º 4, p. 78).

Há assim um quadro de intensa dor, acentuada angustia e reconhecida tristeza, que merece, de forma indiscutível, a tutela do direito e de uma forma que se afaste de quaisquer considerações miserabilistas ou que transforme o valor indemnizatório em algo meramente simbólico, como aconteceria, com o devido respeito, se o presente tribunal consagrasse o valor peticionado pela recorrente.

Sendo um dano com cobertura legal - Artº 496 nº3 do C. Civil – e devendo a respectiva indemnização ser fixada considerando as dores físicas e psicológicas sentidos pela vítima, e demais sentimentos, como a angústia e a tristeza associados à sua debilidade física e psicológica, e bem assim, a sua extensão e duração no tempo, não só a factualidade apurada permite e aconselha a atribuição dessa indemnização, como o valor pretendido pelo recorrente (€12.500), não se mostra justo e adequado de forma a compensar a lesada por tais danos que são, por natureza, inquantificáveis.

As consequências que dos factos em causa resultaram para a lesada revelam um quadro de profundas dores físicas e graves transtornos psicológicos, os quais, alguns deles, ainda hoje persistem e que devem ser mitigados, tanto quanto possível, com a atribuição de um valor indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, equitativo e adequado à sua dimensão e natureza.

Ora, tendo em conta a factualidade apurada e que supra se descreveu, entende-se que o valor arbitrado pelo tribunal a quo (€ 30.000,00), se mostra proporcional e adequado com as dores sofridas pela lesada (e ainda sentidas), as lesões apresentadas (algumas delas muito limitativas para o quotidiano de uma jovem com a lesada), as assinaláveis sequelas resultantes do acidente, as operações já feitas, as cirurgias por fazer, o dano estético permanente, o longo tempo de doença (mais de dois anos) e a idade da lesada.

Acresce, que esta matéria está em permanente evolução, cabendo à jurisprudência dos tribunais superiores a actualização, em cada momento, dos referenciais indemnizatórios, tendo em conta o valor actual da moeda e desde que a especificidade do caso concreto a justifique.

Tudo ponderado, nos termos do Artº 496 nº3 do C. Civil, não olvidando, ainda, a ausência de culpa por parte da lesada na produção dos factos delitivos, a sua situação económica, e a circunstância da demandada ser uma seguradora, entende-se ser de manter como valor indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,000 já fixada pela instância recorrida.
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Em relação ao dano biológico, reproduz-se aqui o que consta do Acórdão da Relação do Porto, de 27/01/16, proferido no Proc. 180/12.2GCAMT.P1, onde o agora relator foi adjunto:

“Não existe um entendimento único sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico: uma parte da jurisprudência (maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, devendo ser analisado casuisticamente. Conforme variem as consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) assim variará também o próprio dano biológico. Há ainda quem admita que, por se tratar de um dano base ou dano-evento, deve ser ressarcido autonomamente; porém, a única autonomia que se encontra nesta construção é a atribuição de uma quantia monetária à parte.

O dano biológico, enquanto lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico-legal, deve ser um dano tendencialmente igual para todos e entendido enquanto lesão do bem jurídico saúde ou integridade psicofísica, valor imaterial, devidamente reconhecido na Constituição da República Portuguesa, onde, no Art.º 24.º, n.º 1, se pode ler: “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”, e ainda inserido na tutela geral da personalidade, no Art.º 70.º, n.º 1 do Código Civil, que diz: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.

Por isso se entende que a quantificação do dano em causa não tem que ser forçosamente calculada de acordo com as bitolas consagradas nas invocadas Portarias, devendo, quando muito, tê-las como referência, sem no entanto prescindir de vários outros critérios, como forma de redução da margem de arbítrio dos julgadores. Tal como acima se referiu, os tribunais não estão "presos" aos critérios e limites ali estabelecidos, já que tal diploma, como consta expressamente do preâmbulo da Portaria indicada, não tem por objetivo "a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, (...), o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas".

Foi aliás neste contexto e declaradamente com esse escopo que foi publicada a mencionada Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, entretanto alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, ou seja, os métodos matemáticos e/ou as tabelas utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade, tanto mais que cada caso é um caso e que o mesmo grau de incapacidade não tem necessariamente as mesmas consequências em diferentes lesados, havendo que ter em conta, entre outros, a natureza das sequelas, a esperança média de vida, as consequências que provocam ou/ previsivelmente, provocarão no lesado. Além das demais ponderações e critérios acima referidos e próprios de um julgamento de equidade.

Assim, a jurisprudência dos tribunais superiores é consensual no sentido de que os critérios definidos pela mencionada Portaria poderem ser ponderados pelo julgador, como meramente adjuvantes do esforço de fixação da indemnização, não sendo todavia vinculativos, dada a sua natureza de indicadores da negociação extracontratual das indemnizações. Os valores referidos naquelas Portarias não podem deixar de ser meramente indicativos e nunca como «tabela» fechada que deva ser cegamente seguida – cfr. o Ac. da RC de 21/4/2010, in www.dgsi.pt..

Sempre se terá de dizer, nas palavras do Conselheiro Salazar Casanova, que “a jurisprudência do Supremo Tribunal tem utilizado a equidade com a parcimónia que se justifica, mas, como é evidente, não é possível evitar-se alguma assimetria, designadamente quando estamos, como se disse, face ao ressarcimento de danos futuros à luz do critério legal de um juízo de previsibilidade (artigo 564.º do Código Civil) que em muitos casos se estende por dezenas de anos: a vida ativa ou a esperança de vida do lesado.

Indicamos alguns pontos, que se nos afiguram marcantes das orientações jurisprudenciais nesta matéria:

- Relevância do dano corporal, enquanto dano patrimonial, considerando a perda de ganhos (lucros cessantes) derivada da incapacidade que atingiu o lesado.

- Igual relevância, enquanto dano patrimonial, do designado dano biológico perspetivado como perda de aptidão ou capacidade laboral (agravamento do esforço no exercício da atividade) independentemente da perda de retribuição (dano emergente).

- Natureza excecional desse dano enquanto dano não patrimonial ressarcível a título residual (v.g. caso de pessoa idosa, já reformada em que, pelo seu viver, considerar uma indemnização patrimonial com base em diminuição funcional seria seguramente pouco razoável em face das circunstâncias concretas).

- Indemnização a título de dano moral, enquanto circunstância atendível nos termos dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil, pelo sofrimento que sempre provoca uma lesão que importe diminuição de capacidades.

- Necessidade de recurso à equidade para fixar o montante indemnizatório no caso de perda da capacidade de ganho, que constitui um dano presente, com repercussão no futuro, dado desconhecer-se a evolução do mercado laboral durante o período de vida do lesado.

- A fixação dos danos patrimoniais deve tomar em consideração o período de vida ativa de 70 anos de idade.

- A esperança média de vida deve ser tomada em consideração, seja porque as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que se deixa de trabalhar por virtude da reforma, seja porque estamos face a atividade que se prolonga para além da idade de reforma.

- A ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial (por perda da capacidade de ganho), do dano físico que não importa perda de capacidade (pela penosidade) para o trabalho realizado mas já implica perda de capacidade para outras actividades profissionais (v.g. pianista que ficou a coxear).

- A ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial (por perda da capacidade de ganho), do dano físico que não importa perda de capacidade (pela penosidade) para o trabalho mas implica perda de oportunidades de trabalho tanto na actividade exercida (atriz que ficou com deformação no rosto) como noutras actividades profissionais.

- A indemnização no caso de incapacidade não pode ter como limite inultrapassável ou como critério orientador os valores que têm sido encontrados para as situações de perda de vida.

- A determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, quando o cálculo da indemnização se fundamentar decisivamente em juízos de equidade, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso – já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito» –, mas tão-somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto.

- Os métodos de cálculo de indemnização constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio não vinculam os tribunais; também não são vinculativas fórmulas matemáticas e cálculos financeiros. Prevalece a equidade.

- Os critérios constantes de tabelas, fórmulas matemáticas e cálculos financeiros são indicativos.

- Tais critérios constituem uma base – um minus – devendo o montante indemnizatório ser procurado com recurso a processos objetivos sobre o qual poderá então incidir um juízo de equidade.

- A fixação de indemnização pela perda de ganho futuro não fica inviabilizada por não se terem provado os rendimentos laborais auferidos pelo lesado enquanto trabalhador por conta de outrem ou por conta própria, pois está em causa a afectação da integridade física com repercussão na aptidão funcional para o trabalho.

- E precisamente por isso, ao lesado basta alegar e provar que sofreu IPP; dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC., não tendo, portanto, de alegar perda de rendimentos laborais.

- A indemnização por danos morais depende, designadamente no caso de filhos e viúva, do grau de relacionamento que tinham em concreto com o falecido, variando substancialmente em função desse relacionamento.

- A fixação do montante de indemnização por danos morais leva a que se tenha em atenção a situação de crise económica que se vive atualmente que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego; tal situação constitui fator que leva a que um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, sinta uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida.

- Mas na fixação da equidade por danos futuros não há que considerar a degradação da situação económica do lesado em face da atual conjuntura (como não foi, anteriormente, a sua tendência a melhorar).

- A consideração, como danos diferentes, do dano que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição e do dano biológico que decorre das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral – envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente.”

Citação longa de uma análise e recolha substancial de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, consultável em “Introdução à temática do dano na responsabilidade civil”, in O Dano na Responsabilidade Civil, Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, e-book, 2013, pp. 17-23.
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/O_Dano_Responsabilidade_Civil.pdf.”

Descendo ao concreto da situação sub judice, foi fixada à demandante VB, um défice funcional de 6 pontos, o que, considerando a sua idade, muito jovem, representa uma considerável perda de faculdades físicas e intelectuais, necessariamente agravadas pelo decurso do tempo, assim se repercutindo na qualidade da sua vida, quer laboral, quer mesmo no seu quotidiano, na medida em que se apurou que a demandante não consegue correr, dobrar o joelho direito no qual não tem força, claudica ligeiramente da perna direita, continua a apresentar um alto/tumefação na coxa esquerda e apresenta dores fortes no ombro esquerdo e na coluna.

Como bem referiu a sentença recorrida, a indemnização a arbitrar é calculada segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta a percentagem de incapacidade de que a demandante ficou afetada, a sua idade, as características das sequelas sofridas e, ainda, a taxa de juro, o coeficiente de desvalorização da moeda e, de forma equilibrada, o mencionado critério jurisprudencial, porquanto, apesar de se saber que não há dois casos iguais, importa assegurar a noção de justiça relativa, como resulta do disposto no Artº 8 nº3 do C. Civil, onde se estatui que “nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Ora, confrontando o que atrás se apurou ao nível do concreto da situação dos autos com outras de carácter semelhante e o já referido no que respeita à necessidade de ir actualizando os valores indemnizatórios, nomeadamente, como é o caso, em que o acidente já ocorreu há vários anos, também aqui se entende que o valor peticionado pela recorrente é inexpressivo, nomeadamente, pelo seu confronto com os valores fixados em decisões jurisprudenciais de que é exemplo esta pequena súmula elencada pelo recorrente:

“-Ac. do STJ de 26.01.2012 – Revista 220/2001.L1.S1 – 2ª Secção: foi atribuída a quantia de € 80 000 pelo défice funcional permanente a lesado de 28 anos mas que ficou portador de IPG de 40%

- -Ac. do STJ de 29.03.2012 – Revista 184/04.9TBARC.P2.S1 – 7ª Secção: foi atribuída indemnização de € 40 000 a título de dano biológico a lesado com 35 anos e que ficou portador de IPP de 30%

-Ac. do STJ de 02.12.2013 – Revista 3140/10.4TBBRG.G1.S1 – 1ª Secção: atribui € 65 000 de indemnização por danos futuros a jovem licenciada mas que ficou portadora de IPG de 23 pontos

-Ac. do STJ de 29.01.2014 – Revista 958/07.9TBOBR.S1 – 1ª Secção: atribuiu € 50 000 por danos patrimoniais futuros a lesados com 29 anos mas portador de IPG de 67 pontos e com incapacidade permanente para o trabalho

-Ac. do STJ de 03.04.2014 - Revista 2526/06.3TBPBL.C1.S1 – 7ª Secção: atribuiu € 36 141.62 por danos patrimoniais futuros a lesado com 29 anos mas que ficou portador de IPP de 29% e alem disso esteve em coma, fez 6 cirurgias, teve alta 3 anos apos o sinistro, teve ITP de 630 dias e não lhe foi renovado o contrato de trabalho razão pela qual nunca mais trabalhou

-Ac. do STJ de 29.05.2014 – Revista 1084/08.9TBBRG-A.G1.S1 – 2ª Secção: atribuiu € 50 000 de indemnização por danos patrimoniais futuros a lesado de 29 anos que auferia € 1600/mês, Engº de Produção mas que ficou portador de IPP de 25% (com graves sequelas no foro ortopédico e psiquiátrico causadas pelo acidente)

-Ac. do STJ de 22.01.2015 – Revista 237/05.6TBBAI.P1.S1 – 2ª Secção: atribuiu € 20 000 de indemnização por dano biológico a lesado de 25 anos que ficou a padecer de IPP de 6%

-Ac. do STJ de 24.03.2015 – Revista 1425/12.4TJVNF.G1.S1 – 6ª Secção: atribuiu € 30 000 de indemnização pelo dano biológico a lesado com 22 anos de idade que ficou a padecer de IPG de 9 pontos

-Ac. do STJ de 04.06.2015 – Revista 1166/10.7TBVCD.P1.S1 – 7ª Secção: atribuiu € 55 000 de indemnização pelo dano biológico a lesada com 17 anos de idade que ficou portadora de IPG de 16.9 pontos com efectiva repercussão na actividade laboral

-Ac. do STJ de 09.07.2015 – Revista 3724/12.6TBBCL.G1.S1 – 6ª Secção: atribuiu € 30 000 de indemnização pelo dano biológico a lesado com 16 anos de idade que ficou portador de IPG de 8 pontos

-Ac. do STJ de 21.01.2016 – Revista 1021/11.3TBABT.E1.S1 – 7ª Secção: atribuiu € 32 500 de indemnização pelo dano biológico a lesado com 27 anos de idade que ficou portador de IPG de 16 pontos com repercussão nas actividades desportivas e laser, claudicação na marcha, rigidez da anca, limitações da marcha, corrida e em todas as actividades físicas, sendo que ficou a coxear e sente-se inseguro.

Tudo visto e ponderado, também aqui se considera como justo e adequado, ao ressarcimento do dano referido, o valor indemnizatório atribuído pela decisão recorrida, de € 60.000,00, assim se concluindo pela improcedência total do recurso interposto pela demandante ---Companhia de Seguros, SA, fazendo-se notar, que no mais em que foi condenada esta não suscitou qualquer impugnação, o que torna tais matérias insuceptíveis de apreciação por este tribunal.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se:

- Não conhecer do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto;

- Negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 21 de Dezembro de 2017

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Renato Barroso
(Relator)

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Maria Leonor Botelho
(Adjunta)