Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
461/14.0TBTNV-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACORDO DE CREDORES
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Só os créditos que gozem de garantia real, incluindo o crédito exequendo, é que integram a graduação dos créditos que obterão pagamento pelo produto dos bens penhorados;
II - Ainda que o exequente tenha firmado acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações, implicando na extinção da instância, o crédito exequendo deve ser considerado na graduação de créditos operada na instância renovada a requerimento de credor reclamante se o exequente não desistiu da garantia a que alude o art. 807.º/1 do CPC;
III - Essa desistência não se assume se o exequente nada diz caso não tenha sido notificado para declarar se, perante a renovação da instância a requerimento de credor reclamante, desiste da garantia com a cominação de, nada dizendo, se entender que desiste da garantia do seu crédito.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Executada: (…)
Recorrida / Exequente: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL

Os presentes autos consistem em reclamação de créditos que correm termos por apenso à execução comum que CCAM…, CRL move contra (…). Foram reclamados os seguintes créditos:
- € 18.433,30 pelo BCP, S.A., relativo a créditos hipotecários e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, às taxas legais e/ou contratuais;
- € 13.666,36 pelo de BII, S.A., relativo a créditos hipotecários e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, às taxas legais e/ou contratuais;
- € 189.426,80 pelo BBVA, S.A., relativo a créditos hipotecários e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, às taxas legais e/ou contratuais;
- € 56.148,16 pela CEMG, S.A., relativo a créditos hipotecários e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, às taxas legais e/ou contratuais.
Todos os créditos reclamados foram reconhecidos.


II – O Objeto do Recurso
Os créditos foram graduados determinando-se o pagamento do crédito exequendo em último lugar relativamente aos bens imóveis elencados na sentença.[1]
Inconformada, a Executada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que exclua o crédito exequendo da graduação, de modo a que não seja contemplado com pagamento. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
« 1.ª
A exequente e executada acordaram nos presentes autos de execução, no requerimento subscrito e remetido em 29/04/2019 ao Sr. Agente de Execução, no pagamento a prestações e na sequência de tal requerimento o Sr. Agente de Execução decidiu a extinção da execução nos termos do art.º 806.º, n.º 2, do C.P.C.
2.ª
Vieram os restantes credores requerer a renovação da instância nos termos do disposto no art.º 850.º, n.º 2, do C.P.C.
3.ª
E, na sequência, a Sentença de que se recorre graduou também o crédito exequendo – o da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…) – sem que esta tenha também requerido a renovação da instância para pagamento do remanescente do seu crédito ou, sequer, desistido da garantia a que alude o n.º 1 do art.º 807.º do C.P.C., tal como dispõe o n.º 2 do art.º 809.º do C.P.C.
4.ª
Ou seja, a douta Sentença graduou também o crédito da exequente no desrespeito do entendimento que o n.º 3 do art.º 809.º do C.P.C. impõe, ou seja, no desrespeito “de, nada dizendo o exequente, se entender que desiste da garantia a que alude o n.º 1 do art.º 807.º”.
5.ª
A douta Sentença ignorou, por completo, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 809.º do C.P.C. desconcertando as relações obrigacionais fixadas entre a exequente e a executada no acordo estabelecido no próprio processo e não lhe fixando outro quadro legal.
6.ª
Importa, pois, que a Sentença de Verificação e graduação de créditos respeite os n.ºs 2 e 3 do art.º 809.º do C.P.C., devendo ser alterada, no sentido de não comtemplar o crédito exequendo.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se o crédito exequendo deve ser excluído da graduação de créditos plasmada na decisão recorrida.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar, consultado que foi o processo principal.
1 – A 29/04/2019, Exequente e Executada comunicaram ao AE o acordo no pagamento em prestações da dívida exequenda nos termos do disposto no art. 806.º/1 do CPC.
2 – Desse acordo consta, designadamente, o seguinte: «O Exequente declara nos termos do art. 807.º do CPC, que não prescinde das penhoras efetuadas nos autos.»
3 – A 17/07/2019, o credor CEMG requereu a renovação da instância executiva apelando ao disposto no art. 850.º/2 do CPC.
4 – A 23/08/2019, o credor BCP requereu a renovação da instância executiva apelando ao disposto no art. 850.º/2 e 3 do CPC.
5 – A 02/09/2019, o credor BBVA requereu a renovação da instância executiva para pagamento do seu crédito.
6 – O Exequente não emitiu qualquer declaração quanto à desistência da garantia a que alude o art. 807.º/1 do CPC.
7 – Não teve lugar a notificação do Exequente prevista no art. 809.º/2 CPC.

B – O Direito
Na ótica da Executada, os créditos exequendos não deviam constar da graduação de créditos porquanto, tendo sido firmado acordo para pagamento da dívida exequenda em prestações, com a consequente extinção da instância, perante a renovação dela a requerimento dos credores, nada tendo dito o Exequente quanto à desistência da garantia de que gozava, em face do disposto no art. 809.º/3 do CPC, cabe assumir essa desistência.
Será assim?
Nos termos do disposto no art. 806.º/1 do CPC, o exequente e o executado podem acordar no pagamento em prestações da dívida exequenda, definindo um plano de pagamento e comunicando tal acordo ao agente de execução. Comunicação essa que determina a extinção da execução – cfr. n.º 2 da citada disposição legal.
O acordo de pagamento assume a natureza jurídica de uma transação, se bem que a cessação da causa possa não ser irreversível.[2]
No âmbito desse acordo de pagamento, pode o Exequente declarar que não desiste da penhora já realizada na ação executiva. Se assim for, a penhora converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha, sem prejuízo do disposto no artigo 809.º – cfr. art. 807.º/1 do CPC. Já se o Exequente nada disser, extinguem-se as penhoras.
A instância pode vir a renovar-se seja a requerimento do Exequente por falta de pagamento de qualquer das prestações (cfr. art. 808.º/1 do CPC) seja a requerimento de credor reclamante cujo crédito esteja vencido, para satisfação do seu crédito (cfr. art. 809.º/1 do CPC). No que tange ao impulso dos credores, importa salientar que, na subsecção V, que regulamenta pagamento em prestações e o acordo global (arts. 806.º a 810.º do CPC), consta o regime especificamente aplicável a esse impulso quando a extinção da execução se funda no acordo de pagamento. Diversamente, a renovação da instância executiva a requerimento de credor reclamante segue os termos previstos no art. 850.º/2 do CPC quando a extinção da instância decorre de qualquer outra circunstância (cfr. art. 849º do CPC) que não o acordo de pagamento.
Ora, o art. 809.º do CPC estatui o seguinte:
1 - Renova-se a instância caso algum credor reclamante, cujo crédito esteja vencido, o requeira para satisfação do seu crédito.
2 - No caso previsto no número anterior, é notificado o exequente para, no prazo de 10 dias, declarar se:
a) Desiste da garantia a que alude o n.º 1 do artigo 807.º;
b) Requer também a renovação da instância para pagamento do remanescente do seu crédito, ficando sem efeito o pagamento em prestações acordado.
3 - A notificação a que alude o número anterior é feita com a cominação de, nada dizendo o exequente, se entender que desiste da garantia a que alude o n.º 1 do artigo 807.º.
4 - Desistindo o exequente da garantia, o requerente assume a posição de exequente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo 850.º.
Nestes termos, extinta que esteja a instância com fundamento no acordo de pagamento, o requerimento de credor reclamante para renovação dela implica a notificação do exequente para declarar se desiste da garantia (a hipoteca ou o penhor, consoante o caso), com a cominação de, nada dizendo, se entender que desiste dessa garantia. O silêncio do exequente assume relevância no sentido de se entender que desiste da garantia de que beneficiava caso tenha sido notificado para se pronunciar com essa cominação.
Consoante o exequente disponha ou não de garantia real do seu crédito, assim há de ser ou não considerado na graduação de créditos em sede de concurso de credores. Como se alcança dos arts. 786.º e ss do CPC, nomeadamente dos arts. 788.º/1, 789.º/3 e 792.º/1, só os créditos que gozem de garantia real, incluindo o crédito exequendo[3], é que integram a graduação dos créditos que obterão pagamento pelo produto dos bens penhorados. “Ainda que tenha título executivo, quem não dispuser de um direito de crédito envolvido de garantia real ou de preferência de pagamento, não pode, na qualidade de reclamante, intervir no concurso de credores.”[4]
No caso em apreço, a instância foi extinta na sequência da comunicação ao AE do acordo de pagamento firmado entre Exequente e Executada. Tendo o Exequente declarado não prescindir das penhoras efetuadas nos autos, estas converteram-se, por força da lei, em hipotecas. Donde, o Exequente apresenta-se titular de créditos que gozam de garantia real.
A instância, no entanto, renovou-se a requerimento dos credores reclamantes. É certo que o Exequente nada disse quanto à sua desistência dessas garantias. Mas como não foi notificado para emitir tal pronúncia com a cominação de que, nada dizendo, se entenderia que desistia da garantia[5], do seu silêncio não resulta essa desistência. Por conseguinte, o Exequente apresenta-se titular de créditos que mantêm garantia real.
Por via do que tais créditos são de considerar, como foram, na graduação de créditos que hão de obter pagamento na instância executiva renovada.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

Sem custas por delas estar dispensada a Recorrente vencida (cfr. apoio judiciário de que beneficia).

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Sem custas.
Évora, 23 de abril de 2020
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr. despacho retificativo datado de 31/10/2019.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao NCPC, vol. II, 2014, pág. 340.
[3] No processo executivo, a fase do concurso de credores é subsequente à fase da penhora – cfr. ainda art. 822.º do CC.
[4] Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3.ª ed., pág. 253.
[5] Não se toma oficiosamente conhecimento da inobservância do disposto no art. 809.º/2 e 3 do CPC porquanto se trata de ato respeitante ao processo executivo e não já ao apenso da reclamação e graduação de créditos, sendo que a sentença proferida neste é que se encontra submetida a reapreciação nesta instância de recurso.