Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3555/17.7T8STR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: EXCEPÇÕES
RESPOSTA À CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na lei processual vigente, ainda que o autor haja sido notificado para o efeito, a falta de resposta às exceções deduzidas na contestação, não constitutivas de reconvenção, não tem por efeito a admissão por acordo dos factos em que baseiam as exceções.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3555/17.7T8STR.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. Massa Insolvente de (…) – Indústria de Vestuário, Lda., com domicilio na Rua da (…), nº 14, instaurou contra (…), com domicílio no Largo (…), nº 7, em Amiais de Baixo, ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, distribuída e processada como ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 6.804,36, acrescida de € 2.880,16, a título de juros de mora vencidos e de juros vincendos até integral pagamento.

Alegou, em resumo, que a sociedade comercial por quotas (…) – Indústria de Vestuário, Lda., no âmbito da sua atividade comercial, forneceu à R, a pedido desta, diversas peças de vestuário, no montante global de € 6.804,36 e que a R. não pagou.

A R. contestou argumentando, em resumo, que apenas lhe foram fornecidas peças de vestuário no montante de € 3.022,11, para pagamento das quais entregou à (…), a quantia de € 2.932,20 e que esta emitiu a seu favor uma nota de crédito no montante de € 116,85, tudo somando a quantia de € 3.049,05, razão pela qual nada deve à A.

Concluiu pela improcedência da ação.

2. Foi proferido despacho que, dada a simplicidade da causa, dispensou a audiência prévia e afirmou a validade e regularidade da instância.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julgo a ação intentada por Massa Insolvente de (…) – Indústria de Vestuário, Lda. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

1) Condeno a ré (…) a pagar à autora a quantia de € 3.022,11 (três mil e vinte e dois euros e onze cêntimos), acrescida dos respetivos juros legais, à taxa comercial, vencidos até 08/11/2017, no montante global de € 1.308,84 (mil, trezentos e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), e vincendos até integral pagamento;

2) No mais, absolvo a ré do pedido;”


3. A R. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
I - A douta sentença recorrida carece, desde logo e salvo melhor entendimento, de alteração da matéria de facto provada e considerada com interesse para a decisão da causa, nos termos previstos no nº l, do artº 662º, do C.P.C., razão pela qual vai a mesma impugnada, quanto ao ponto B, dos Factos Não Provados;

II - No tocante à impugnação da matéria de facto considerada provada considera a R., desde logo, que não tendo a Autora respondido à matéria da exceção invocada, separadamente, na contestação, deveriam os factos aí alegados ter sido dado como provados, porque admitidos por acordo, concretizados no reconhecimento dos pagamentos titulados pelos recibos juntos com a contestação e do crédito titulado pela nota de crédito, conforme dos docs. 1 a 3, juntos com este articulado;

III - Considera-se, por isso, que deveria ter-se dado por provado que:

1. De facto, em 03.04.2012 e 10.05.2012, a Ré pagou à (…), um valor global de € 2.932,20 (€ 1.466,10 x 2), como se constata dos recibos 1-7435 e 1-7508 (vd. docs. 1 e 2).

2. Por outro lado, em 16.04.2012, a (…) emitiu a Nota de Crédito 1-1007 (vd. doc. 3), no montante de € 116,85, que diz respeito a dois produtos constantes da factura 1-9935 (doc. 8, junto com a P.I.), concretamente os 4º e 5º da lista, razão pela qual, o valor da mesma passou a ser de € 597,78;

3. Os montantes referidos em 3º não se reportam a nenhuma fatura em particular, mas eram entregas por conta da dívida em conta-corrente,

tal como alegado nos arts. 3° a 5°, da contestação.

IV - Consideração que decorre da conjugação do disposto no nº 4, do artº 3°, com a cominação prevista no nº 2, do artº 574º, por remissão do nº 1, do artº 587º, todos do C.P.C.;

V - Mas mesmo que tal se não venha a considerar – o que apenas se admite por mera cautela ao patrocínio – também por via da valoração da prova produzida nos autos, concretamente dos documentos juntos com a contestação, conjugados com o depoimento da testemunha, nos termos explicitados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, outra deveria ter sido a decisão sobre o ponto da mesma, que se pretende ver alterado;

VI - De facto, a relação comercial entre a (…) e a Ré, tal como decorre do teor do artº 6°, da PI, ter-se-ia resumido ao "fornecimento dos bens" titulados pelas 9 faturas aí especificadas, não se conhecendo nem sendo alegadas quaisquer outras;

VII - Tendo o tribunal, por seu lado, restringido essa relação comercial aos fornecimentos de bens constantes das faturas 1-9502, 1-9789, 1-9935 e 1-9956, por via da rejeição da prova quanto às restantes;

VIII - Os documentos juntos com a contestação são contemporâneos das faturas supra enumeradas e a testemunha (…), na valoração dada pelo tribunal, acompanhou a Ré às instalações da (…), imediatamente antes do encerramento do estabelecimento comercial da primeira, tendo presenciado a emissão de dois ou três cheques para pagamento dos valores em dívida;

IX - Factos estes que, conjugados e devidamente ponderados, pela coincidência das datas, a proximidade dos valores e a ausência de outras faturas justificativas dos pagamentos, tendo em conta os princípios em que se consubstancia o direito probatório e as regras da experiência comum, com valoração da prova segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, imporiam que a Mmª Juiz considerasse os valores entregues como destinados ao pagamento das faturas identificadas em VII, por serem a únicas, ao abrigo dos mais elementares princípios probatórios vigentes e ao contrário do que veio a ser decidido;

X - Neste contexto, provados por acordo, por razões processuais decorrentes de ausência da sua impugnação, ou comprovados no decurso da prova junta aos autos e produzida em sede audiência de julgamento, duvidas não restarão quanto à prova do pagamento integral das faturas 1-9502, 1-9789, 1-9935 e 1-9956, nada devendo a ora R.

TERMOS EM QUE, REVOGANDO A DECISÃO RECORRIDA, COM OS FUNDAMENTOS SUPRA ALEGADOS E ABSOLVENDO A RÉ, FARÃO V.EXAS. JUSTIÇA!!!

Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, são as seguintes as questões colocadas: (i) a impugnação da matéria de facto; (ii) e, procedendo esta, os seus efeitos na solução de direito.


III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provados:
1) A sociedade (…) – Indústria de Vestuário, Lda. dedicava-se à confeção e comercialização de vestuário.

2) A ré dedicava-se ao comércio de artigos de vestuário.

3) No exercício da sua atividade e a pedido da ré, a autora forneceu-lhe as peças de vestuário identificadas nas seguintes faturas:

3.1) Fatura n.º l-9502, datada de 12/10/2011, no valor de € 2.174,64;

3.2) Fatura n.º l-9789, datada de 15/03/2012, no valor de € 60,27;

3.3) Fatura n.º l-9935, datada de 05/04/2012, no valor de € 714,63;

3.4) Fatura n.º l-9956, datada de 11/04/2012, no valor de € 72,57.

4) As faturas referidas em 3), recebidas pela ré, deveriam ser pagas no prazo de oito dias a contar da data da respetiva emissão.

Não Provados:

A) Para além das peças de vestuário mencionadas no ponto 3), a autora forneceu à ré as peças de vestuário identificadas nas seguintes faturas:

A.1) Fatura n.º 1-9293, datada de 30/05/2011, no valor de € 108,24;

A.2) Fatura n.º l-9572, datada de 21/10/2011, no valor de € 153,75;

A.3) Fatura n.º l-9788, datada de 12/03/2012, no valor de € 2.776,11;

A.4) Fatura n.º l-9823, datada de 22/03/2012, no valor de € 364,08;

A.5) Fatura n.º l-9854, datada de 30/03/2012, no valor de € 380,07.

1.2. Impugnação da matéria de facto.

Com fundamento na admissão por acordo e, em qualquer caso, no depoimento da única testemunha ouvida em julgamento e nos documentos juntos com a contestação, considera a R. que se provam os seguintes factos constitutivos da exceção de pagamento alegados, em separado, na contestação: (i) em 03.04.2012 e 10.05.2012, a Ré pagou à (…), um valor global de € 2.932,20, (ii) em 16.04.2012, a (…) emitiu a Nota de Crédito 1-1007, no montante de € 116,85, que diz respeito a dois produtos constantes da fatura 1-9935, concretamente os 4º e 5º da lista, razão pela qual, o valor da mesma passou a ser de € 597,78, (iii) os montantes referidos em 3º não se reportam a nenhuma fatura em particular, mas eram entregas por conta da dívida em conta-corrente.

Os factos mostram-se admitidos por acordo, considera, porquanto a A. foi notificada de despacho convite destinado a emitir pronuncia sobre as exceções deduzidas pela R. e remeteu-se ao silêncio.

O ritualismo processual anotado pela R. verificou-se; em 5/3/2018 foi proferido o despacho: “ao abrigo do artº 3º, nº 4 e tendo presente a agilização processual prevista no artº 6º, nº 1, ambos do NCPC, notifique a autora para, querendo, pronunciar-se sobre as exceções deduzidas pela ré”; o despacho foi notificado à A. em 7/3/2018 (refª citius 77663296) e a A. não se pronunciou sobre as exceções.

No processo comum de declaração, pondo de parte o caso das ações de simples apreciação negativa, a réplica só tem lugar em caso de reconvenção e permite ao autor defender-se desta (artº 584º, do CPC); no caso de o réu se haver defendido por exceção a lei não prevê um articulado de resposta, mas prevê a contradição do autor à matéria das exceções na audiência prévia ou no início da audiência final.

“Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia, ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final” (artº 3º, nº 4, do CPC).

E também prevê, a contrario, a possibilidade dos factos constitutivos das exceções se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.

“Na contestação deve o réu:

(…)

c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.” (artº 572º do CPC).

“A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º” (artº 587º, nº 1, do CPC); artigo 574º que, entre outras estatuições, consagra a admissão por acordo dos factos que não forem impugnados (nº 2).

Previsões que colocam a questão de saber se o exercício do direito de resposta pelo autor às exceções suscitadas pelo réu, previsto no nº 4 do citado artº 3º do CPC, constitui uma faculdade ou um ónus processual, cuja inobservância implica a admissão por acordo dos factos não impugnados, tal como agora defende a R.

A questão já foi objeto de soluções desencontradas na jurisprudência das Relações.

III - Fora dos casos previstos (artigo 584.º), no atual CPCivil desapareceu o articulado réplica como o articulado normal de resposta às exceções deduzidas na contestação, a não ser que se defenda que é possível que o juiz convide a parte a apresentar um terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (artigo 547.º do CPCivil).

IV - Não obstante a inexistência de tal articulado, há que conjugar o disposto no artigo 3.º, n.º 4, com os artigos 572.º al. c) e 587.º, n.º 1, do CPCivil, não tendo este último deixado de prever que “A falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu”, seja na audiência prévia, caso haja lugar a esta, seja no início da audiência final, tem o efeito previsto no artigo 574.º do mesmo diploma (admissão por acordo dos factos não impugnados), sob pena de os referidos normativos ficarem esvaziados de conteúdo.” [Ac RP de 23-02-2015 (proc. 95961/13.8YIPRT.P1), disponível em www.dgsi.pt].

“I. – O art. 3/4 do CPC não prevê um dever ou um ónus, mas uma faculdade, pelo que, a falta de resposta às exceções, não tem o efeito de levar à prova dos factos base dessas exceções (sem prejuízo de, se eles forem também base de reconvenção deduzida, e não tiverem sido impugnados, já estarem provados por força da aplicação da regra do art. 587º/1 do CPC).

II.– Mais genericamente, a falta, na réplica, de resposta às exceções deduzidas na contestação, não estando prevista legalmente a existência de tal resposta (art. 584º/1 do CPC), nem tendo sido imposta pelo juiz, não tem a consequência da admissão por acordo dos factos fundamento das exceções (isto com a mesma ressalva da parte final de I).” [Ac. RL de 22-03-2018 (proc. 207/14.3TVLSB-2), disponível em www.dgsi.pt].

Discorrendo a propósito do articulado apresentado nos termos do artº 3º, nº 4, do CPC, ensina Lebre de Freitas que «(n)a falta de norma legal que sujeite a parte ao ónus de impugnação, deve entender-se que a apresentação deste articulado constitui uma faculdade e não um ónus (...) A parte “pode”, por isso, responder às exceções, mas não “deve”, como o réu ao contestar (art.º 574º-1) ou o autor ao replicar (artº 587º-1) [A Ação Declarativa Comum, 4ª ed., pág. 167].

Cremos ser esta a melhor solução; a lei processual é adversa a decisões surpresa e constituiria, a nosso ver, uma verdadeira decisão surpresa operar uma cominação processual que a lei expressamente não contempla e com a qual a parte, ainda que diligente, podia legitimamente não contar.

Em conclusão, na lei processual vigente, ainda que o autor haja sido notificado para o efeito, a falta de resposta às exceções deduzidas na contestação, não constitutivas de reconvenção, não tem por efeito a admissão por acordo dos factos em que baseiam as exceções.

Conclusão que aplicada ao caso dos autos afasta o primeiro dos fundamentos da impugnação da decisão de facto, ou seja, a circunstância da A. não haver respondido à matéria da exceção perentória do pagamento, não obstante para o efeito notificada, não implica a admissão por acordo dos factos constitutivos desta exceção.

Prosseguindo com os demais fundamentos da impugnação e ouvida a gravação do depoimento da testemunha (…) dele não resulta que as quantias constantes das faturas referidas no ponto 3 dos factos provados hajam sido pagas pela sua mãe, ora R., ou que a nota de crédito junta por cópia a fls. 29 se haja reportado à devolução de vestuário naquelas faturado e os documentos juntos com a contestação (duas cópias de recibos de € 1466,10 cada um e a referida cópia de uma nota de crédito no valor de € 116,85) também não permitem estabelecer qualquer relação com as referidas faturas por forma a concluir-se que comprovam o seu pagamento ou determinam a sua parcial redução.

A prova produzida não impõe decisão diversa quanto à matéria impugnada.

Improcede a impugnação da matéria de facto e, como ela, a solução de direito preconizada no recurso fundada, como se mostra, numa alteração da base factual do litígio que não se reconhece.

Resta, pois, confirmar a decisão recorrida.


2. Custas.
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente pagar as custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC):
Na lei processual vigente, ainda que o autor haja sido notificado para o efeito, a falta de resposta às exceções deduzidas na contestação, não constitutivas de reconvenção, não tem por efeito a admissão por acordo dos factos em que baseiam as exceções.


IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Évora, 28/2/2019
Francisco Matos
José Tomé Carvalho
Mário Branco Coelho