Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
335/20.5PALGS.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: COVID
CONFINAMENTO
DESOBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - A nulidade por omissão de diligências (artigo 120.°, n.° 1 alínea d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do artigo 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos artigos 120.° e 121.° do CPP.
Daí que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (artigo 105.°, n.° 1 do CPP), se outra coisa não resultasse do n.° 3 do mesmo artigo 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe dever a nulidade ser arguida “antes que o acto esteja terminado”, tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista. Por isso, a existir qualquer nulidade, o que não se concebe, ela estaria sanada, sendo intempestiva a sua invocação em sede de recurso.

2 – Quanto aos factos ocorridos em 28/6/2020: a alínea c) do n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros 43-B/2020 de 12 de junho ao remeter expressamente para a alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP, quando se verifique uma situação de violação do confinamento obrigatório, apenas pode querer significar exigir-se que a punição por desobediência tenha de ser precedida sempre da cominação ad hoc realizada pelas forças de segurança.
Sendo assim, não se pode deixar de concluir que mesmo na eventualidade de a delegada de saúde e a autoridade policial terem informado a arguida do seu dever de confinamento, o crime só se concretizaria se a autoridade competente, quando interpelou a arguida, no dia 28 de junho, lhe tivesse comunicado que a violação daquele dever a fazia incorrer no crime de desobediência.


3 – Quanto aos factos ocorridos em 22/7/2020: embora a intenção do legislador pareça ter sido a da punição da violação do dever de confinamento por pessoa infetada pelo SARS Cov-2 pelo crime de desobediência imprópria (alínea a), do n.º 1 do artigo 348.º do CP), prevendo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020 de 14 de julho, todavia, duas soluções para a mesma situação (violação do dever de confinamento por infetada com SARS Cov-2), restaria ao julgador optar pela mais benéfica à arguida.
Assim, não constando da acusação a cominação ad hoc, faltaria sempre um elemento do tipo do artigo 348.º do CP, que importaria também a absolvição da recorrida da prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do CP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Abreviado n.º 335/20.6PALGS da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, submetida a julgamento a arguida (…)[1] foi absolvida do crime de desobediência agravada, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do CP e artigo 6.º da Lei de Bases da Proteção Civil dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 29 de maio, e dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e b) e 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Nos presentes autos foi a arguida acusada da prática de dois crimes de desobediência agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, do artigo 6.º, n.º 4, da Lei de Bases da Protecção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho, dos artigos 1.º e 2.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 29 de Maio, e dos artigos 1.º e 2.º, n.ºs 1, alínea a) e b), e 2, do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de Julho.
2. A sentença a quo absolveu a arguida porquanto considerou que não foi feita prova que esta foi sujeita a teste à SARS-CoV2, tendo, no dia 28 de Junho de 2020, o resultado obtido sido positivo.
3. A prova de que a arguida foi sujeita a teste e que se encontrava na lista de Vigilância Activa de Contactos – Determinação de Isolamento / Confinamento consta da prova documental arrolada na acusação - Informações prestadas Autoridade de Saúde de fls. 13 e 45 e Lista de Vigilância Activa de Contactos – Determinação de Isolamento / Confinamento no domicílio de fls. 32.
4. Se o Tribunal entendia que a prova documental não era a bastante, aliás, prova documental constante da acusação e que instruiu o inquérito, de onde resulta que a arguida constava das listas de vigilância activa e sob determinação de isolamento porquanto a mesma foi sujeita a teste e resultado foi positivo, competia ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, oficiosamente, em audiência, ordenar a produção daquele meio de prova cujo conhecimento afigurava-se necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
5. Encontrando-se, assim obrigado, a ordenar a junção de documentos cuja força probatória lhe pareça útil à descoberta da verdade, o que se verificou com a absolvição, sejam ou não oferecidos por alguma das partes.
6. Tendo sido detectada a necessidade daquele documento, o que o Ministério Público discorda, quer pelo depoimento da Delegada de Saúde, quer pela prova documental arrolada pela acusação, após as alegações, deveria o Meritíssimo Juiz reabrir a audiência para produção de prova.
7. Nos termos do disposto no artigo 165.º, nº 1 do Código de Processo Penal, a prova documental deve ser junta até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, sendo certo que, nos termos prevenidos no artigo 361.º do mesmo diploma legal, o encerramento da discussão ocorre com as alegações ou com as declarações do arguido, o julgamento apenas termina com a leitura da sentença, nos termos do artigo 373.º e seguintes do CPP.
8. O tribunal de julgamento tinha o poder/dever de investigar por si o facto, isto é, fazer a sua própria “instrução” sobre o facto, atendendo a todos os meios de prova relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, sem estar vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, embora, reitera-se, que a prova existente nos autos é a suficientes, que devidamente conjugada, levaria necessariamente à condenação da arguida (sem prejuízo de alteração da qualificação jurídica dos factos, atento o percurso normativo manifestado na douta sentença pelo Meritíssimo Juiz a quo, que bem vistas as coisas, se concorda).
9. Em suma, o tribunal tinha a obrigação, oficiosamente, de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
10. Não o tendo feito, isto é, tendo omitido a produção de meio de prova necessário (junção do teste) o qual era essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a douta sentença encontra-se ferida de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 120.º n.º 2 alínea d), 379.º, n.ºs 1 alínea c), e nº 2, todos do Código de Processo Penal, o que se invoca.”.

2.2. Das contra-alegações da arguida
Notificada para contra-alegar a arguida silenciou.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer cinge-se a saber se ocorre a nulidade da sentença por omissão da produção de meio de prova (resultado teste COVID) essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 379.º, n.ºs 1 alínea c) e n.º 2 do CPP).

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª Instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 28 de Junho, telefonicamente, a Autoridade de Saúde Local comunicou à arguida a imposição da medida de Determinação de Isolamento / Confinamento no domicílio, tendo-lhe também sido comunicado o resultado positivo do teste realizado à SARS-Cov2.
2. Porém, no dia 28 de Junho de 2020, pelas 21:49 horas, os agentes da PSP de Lagos, (…), interceptaram a arguida na Estrada da Ponta da Piedade, um pouco antes da intercepção com o acesso à Praia do Camilo.
3. Os agentes da PSP abordaram a arguida e deram-lhe ordem de regresso às instalações do Parque de (…), local onde reside, tendo a arguida referido que estava ciente da obrigação de isolamento/confinamento.
4. E no dia 22 de Julho de 2020, cerca das 11:00 horas, a arguida ausentou-se da caravana onde reside, e deslocou-se apeada para o centro da cidade de Lagos.
5. A arguida foi então localizada, por volta das 11:15 horas desse mesmo dia, pelos agentes da PSP (…), no estabelecimento de sua propriedade – (…) – sito na Rua (…).
6. Os agentes da PSP deram então ordem de regresso às instalações do Parque de (…), local onde reside, tendo a arguida lhes referido que estava ciente da obrigação de isolamento/confinamento.
7. A arguida sabia que estava obrigada à medida de Isolamento / Confinamento no domicílio, porque tal lhe foi determinado e comunicado pela autoridade de saúde local, porém, actuou com o propósito concretizado de recusar obedecer a essa ordem.
8. Em tudo, a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente.
9. A Arguida que residia numa caravana no Parque de (…), ficou tão transtornada, que teve necessidade de fazer uma caminhada pela Estrada até à Ponta da Piedade, zona perto do local onde vivia, e que normalmente àquela hora não se encontra ninguém.
10. A arguida no período de 28/06 até 20/07, manteve-se sempre isolada sem sair da caravana.
11. Tendo passado um verdadeiro tormento durante esses 24 dias de isolamento / confinamento, devido às condições onde residia, temperaturas elevadas sem ar condicionado ou qualquer outro meio para se refrescar e espaço exíguo.
12. Tudo isto contribuiu para que a arguida, pedisse auxílio a diversas entidades, quer a nível alimentar, quer a nível psicológico.
13. Passados esses 22 dias, em 22/02/2020 a arguida que estava no limite do desespero, decidiu ir fazer o teste numa unidade privada, onde a 22/07, recebeu o resultado de “não detectável”.
14. Perante isso, nesse mesmo dia, resolveu ir ao seu (…) sito na Rua (…) para tomar banho e tratar de si.
15. A Arguida em 24/07/2020, já sabia que não estava infectada, pois tinha obtido resultado negativo a 22/07.
16. A arguida passou por um sofrimento psicológico terrível durante os 24 dias de confinamento, e não era sua intenção contaminar alguém.”.

3.1.2. Factos não provados na 1.ª Instância
O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a presente causa nomeadamente que:
“Não se provou que:
a. No dia 27 de Junho de 2020, a arguida foi sujeita a teste à SARS-CoV2, tendo, no dia 28 de Junho de 2020, o resultado obtido sido positivo.
b. A medida de obrigação de isolamento/confinamento em domicílio imposta à arguida teve início a 28 de Junho de 2020 e durou até 24 de Julho de 2020, altura em que fez novo teste, tendo neste dia o resultado obtido sido negativo, pelo que foi de imediato contactada pela Autoridade de Saúde Local, dando-lhe conhecimento desse facto.
c. A arguida sabia que se encontrava infectada pelo vírus SARS-CoV2.
d. A arguida agiu como descrito em 7., sabendo que a ordem era legítima e que era determinada pela autoridade competente, ordem essa dada na sequência de se encontrar infectada pelo vírus SARS-CoV2, e que só cessava a medida após resultado negativo de novo teste a efectuar.
e. A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
f. A nível alimentar, a arguida passou muitas dificuldades, pois não tinha frigorifico para poder manter os alimentos, que lhe deixavam espalhados no chão, sem qualquer cuidado. A fruta que lhe deixavam, a maior parte das vezes, já vinha podre.
g. A nível psicológico, também pediu ajuda devido ás condições em que estava, surgiram as intenções suicidas, mas quem a atendeu, não revelou grande compreensão para o estado psicológico em que a arguida se encontrava, pois disse-lhe: “diga-me onde se vai matar para irmos buscar o corpo”.
h. A partir daí passaram a telefonar-lhe uma vez por semana.
i. Em determinada altura, a arguida sentiu-se tão deprimida e abandonada, sem comida, que tomou todos os comprimidos que a caixa tinha, tendo dormido durante dois dias seguidos.
j. A 24/07 fez novo teste público, e deu negativo.
k. A arguida em 28/06 não teve a noção de que poderia contaminar alguém, no local onde foi andar – Estrada da Ponta da Piedade.
Nem ficaram por provar quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma:
“A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma, partindo das regras da experiência, assim como da prova escrita e oral que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção dos depoimentos prestados, conforme se passa a explicitar.
In concretu, resultou a afirmação da ocorrência histórica dos factos vertidos em 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15. e 16., com arrimo nas declarações prestadas pela arguida bem assim como no conjunto da prova testemunhal produzida em audiência e documentação junta com a contestação que, por convergente e conforme às regras da experiência e do que usa ser a habitualidade das coisas, permitiu a sua afirmação.
No mais, naufragou a prova da matéria vertida na acusação, porquanto a prova produzida, genericamente, não permitiu a sua afirmação.
Quedou-se por provar o facto a., por absoluta ausência de prova.
Efectivamente, não obstante a referência, esparsa e oral, a tal circunstância, certo é que o elemento probatório que se impunha, v.g., o exame/teste, não foi junto ao processo e, apenas este, poderia estear tal factualidade, pois que se cuida de um facto que exige especiais requisitos em ordem à sua demonstração, não bastando uma genérica referência à sua existência, sem a correspondente exibição, tampouco se podendo achar no “reconhecimento” da arguida da sua infecção qualquer valor probatório, uma vez que, ao fim e ao cabo, “reconheceu” o que lhe foi transmitido por telefone mas que, em bom rigor, não viu, uma vez que não lhe foi entregue.
Por motivos semelhantes, por provar ficou o facto b., uma vez que dos autos consta, tão somente, uma anódina e apócrifa página de uma lista de contactos em situação de isolamento/confinamento no domicílio, sem qualquer referência, tampouco, à data de início e fim do isolamento, bem, assim como do número de dias de vigilância, sendo certo que o teste negativo ali referido – já não assim, o referido em 15. – igualmente se quedou por instruir os autos.
Naturalmente, impedida ficou a afirmação do facto c., uma vez que a circunstância de a arguida se haver convencido, como lhe fora comunicado telefonicamente, encontrar-se infectada, não acarreta a inexorável conclusão de que sabia está-lo, ou que estava, efectivamente.
Em sequência, prejudicada ficou a fixação do facto d..
Por provar ficou o facto e. por, pelo que ao diante se irá expor, a conduta da mesma não ser proibida e punida por lei.
Por absoluta ausência de prova, por haver sido menção omissa no cômputo dos depoimentos prestados, quedaram-se por provar os factos f., g., h., i., j. e k..
No mais, não continha a contestação, com propriedade, factualidade – como respeitando ao apuramento das ocorrências de vida real, dos eventos materiais em concreto e quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas – mas antes consubstanciando conclusões, opiniões, crítica, pontos de vista e raciocínios, nessa medida não reclamando pronúncia.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma:
“B) DE DIREITO
A primeira questão que se coloca consiste em apreciar se as condutas que foram descritas e imputadas à arguida, correspondem à descrição jurídico-penal legalmente prevista, de modo que a mesma possa ser responsabilizada pela sua infracção, pelo que se deverá ter em atenção os respectivos normativos, aos quais está subjacente a tutela de um determinado bem jurídico – F. Muñoz Conde alude a propósito que “a norma jurídico-penal pretende a regulação de condutas humanas e tem por base a conduta humana que pretende regular”, acrescentando ainda que “a norma selecciona uma parte que valora negativamente e que comina com uma pena” in Teoria General del Delito, 1984, p. 9.
Vem a arguida acusada da prática de dois crimes de desobediência agravada.
Nos termos do Art.º 348º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de Desobediência “quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente” se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
Ora, faltar à obediência devida não constitui, de per se, facto considerado criminalmente ilícito, uma vez que necessário se torna, que o dever de obediência não observado assente numa de duas situações: ou numa disposição legal que comine a sua punição; ou, na falta daquela, que a cominação seja realizada pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou mandado.
São, pois, elementos - objectivos - do crime de Desobediência,
- a existência de uma ordem ou mandado, como sendo a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto;
- a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado, aferida pela existência de disposição legal que autorize a sua emissão, isto é, a existência de lei que confira ao emitente da ordem poder para tanto, devendo ainda o acto ser emitido com as formalidades que a lei estipula para o efeito ou, caso a lei não o refira expressamente, qualquer das formas admitidas em direito;
- a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão, querendo tal significar que a ordem que se pretende impor caiba na esfera das suas atribuições e competências;
- a regularidade da sua transmissão ao destinatário, na medida em que se exige um processo regular e capaz para a transmissão, por forma que o destinatário entenda o conteúdo e sentido da intimação;
- a existência de uma cominação legal a considerar a conduta violadora da ordem ou mandado como desobediência, ou na ausência desta, que a autoridade ou funcionário façam tal cominação, ou seja, um dispositivo legal que determine tal conduta como susceptível de ilícito penal, ou a expressa cominação por ordem transmitida pela autoridade ou funcionário.
Declara-se, no ponto 1, do Anexo II à Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 12 de Junho, a situação de calamidade em todo o território nacional até às 23:59h do dia 28 de Junho de 2020, reforçando-se no seu ponto 4, “que, durante o período de vigência da situação de calamidade, os cidadãos e as demais entidades têm, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, o dever de colaboração, nomeadamente no cumprimento de ordens ou instruções dos órgãos e agentes responsáveis pela segurança interna e pela proteção civil e na pronta satisfação de solicitações que justificadamente lhes sejam feitas pelas entidades competentes para a concretização das medidas que justificam a presente declaração de calamidade”.
Reforça-se, ainda, no seu ponto 6, que compete às forças e serviços de segurança e à polícia municipal fiscalizar o cumprimento do disposto na resolução, mediante, de entre outras, a emanação das ordens legítimas, designadamente para recolhimento ao respetivo domicílio [alínea b)] a cominação e a participação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal, do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, por violação do disposto no artigo 3.º do regime anexo à resolução, bem como do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito nos termos do artigo 2.º do referido regime [alínea c)].
No ponto 10, reforça-se que “a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas durante a vigência da situação de calamidade e em violação do disposto no regime anexo à presente resolução, constituem crime e são sancionadas nos termos da lei penal, sendo as respetivas penas agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual”.
Nos termos prevenidos no Art.º 2º, n.º 1, do Anexo à Resolução, ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde, no respectivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde: [i] os doentes com COVID-19 e os infectados com SARS-Cov2; [ii] os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância activa.
Por força do seu n.º 2, as autoridades de saúde comunicam às forças e serviços de segurança do local de residência a aplicação das medidas de confinamento obrigatório.
Declara-se, por seu turno, no ponto 1, alínea c), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de Julho, até às 23:59h do dia 31 de Julho de 2020, a situação de alerta em todo o território nacional continental, com excepção da Área Metropolitana de Lisboa, reforçando-se no seu ponto 5, “que, durante o período de vigência das situações de alerta, de contingência e de calamidade, os cidadãos e as demais entidades têm, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, o dever de colaboração, nomeadamente no cumprimento de ordens ou instruções das autoridades de saúde, dos órgãos e agentes responsáveis pela segurança interna e pela proteção civil e na pronta satisfação de solicitações que justificadamente lhes sejam feitas pelas entidades competentes para a concretização das medidas que justificam as presentes declarações de alerta, de contingência e de calamidade”, igualmente se reforçando no seu ponto 8, que compete às forças de segurança e às polícias municipais fiscalizar o cumprimento do disposto na resolução, mediante de entre outras, a emanação das ordens legítimas, designadamente para recolhimento ao respetivo domicílio [alínea b)] a cominação e a participação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal, do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, por violação do disposto no artigo 3.º do regime anexo à resolução, bem como do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito nos termos do artigo 2.º do referido regime [alínea c)].
Mais se determina, no ponto 14, que “a publicação da presente resolução constitui para todos os efeitos legais cominação suficiente, designadamente para o preenchimento do tipo de crime de desobediência”.
Nos termos do Art.º 2º, n.º 1, do Anexo à Resolução ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde, no respectivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde: [i] os doentes com COVID-19 e os infectados com SARS-Cov2; [ii] os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância activa.
Por força do seu n.º 2, as autoridades de saúde comunicam às forças e serviços de segurança do local de residência a aplicação das medidas de confinamento obrigatório.
Estatui, o n.º 4, do Art.º 6º, da Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho, que “a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas em situação de alerta, contingência ou calamidade, são sancionadas nos termos da lei penal e as respetivas penas são sempre agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo”.
São estes os elementos “normativos” nucleares a considerar no caso dos autos, face à qualificação jurídica operada na acusação, sendo que o primacial, é o Art.º 348º, do Código Penal.
Verifica-se o crime de desobediência se uma disposição legal cominar, no caso a punição da desobediência simples; ou na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
A situação epidemiológica que se atravessa no plano global, tem obrigado à adopção de medidas de controlo que, se têm que servir à contenção da disseminação de doença, naturalmente que têm que se conter nos limites dos ditames constitucionais.
Isto mesmo se afirma, como não poderia deixar de ser, no Art.º 17º, de Lei n.º 81/2009, de 21 de Agosto, local onde se prescreve que “de acordo com o estipulado na base xx da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de excepção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de actividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infecção ou contaminação” – vd. n.º 1 – e que tais medidas “devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei” – vd. n.º 3.
Prescreve o Art.º 27º, n.º 2, da Lei Fundamental, que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”, exceptuando-se – cfr. n.º 3 – os casos de [i] detenção em flagrante delito; [ii] detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; [iii] prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; [iv] prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; [v] sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; [vi] detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; [vii] detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários; [viii] internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
Poder-se-ia analisar a natureza do confinamento obrigatório no plano da privação, ilícita, da liberdade de outrem, mas avancemos para as consequências da sua violação.
Quanto aos factos de 28 de Junho de 2020.
Foi comunicada à arguida a imposição da medida de isolamento/confinamento no domicílio, pela Autoridade de Saúde Local.
Face ao que estatui o Art.º 16º, do Decreto-Lei n.º 82/2009, de 02 de Abril, a desobediência a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade de saúde, é punida nos termos de lei penal.
Assim, as consequências da inobservância da ordem de confinamento, não suscitam considerações de grande profundidade, integrando, em abstracto, a prática do crime de desobediência simples e não, do crime de desobediência agravada.
Mas pomo da questão, atém-se com a aferição da legitimidade da ordem.
E neste conspecto, por falência probatória, não se pode concluir que a ordem de confinamento foi legítima – logo, estando a arguida obrigada e vinculada ao seu cumprimento – por não se haver demonstrado o pressuposto da sua emissão: a infecção por COVID-19 e/ou SARS-Cov2, os critérios para a determinação de vigilância activa ou mesmo esta.
Quedando-se este pressuposto, impedida fica a determinação da consequência, proibida e punida, da desobediência à mesma.
Circunstância que se alastra, naturalmente, aos factos de 22 de Julho de 2020 – data em que não estava, aliás e comprovadamente, infectada [cfr. facto 13.] – pelo que não resultam preenchidos os pressupostos dos crimes imputados à arguida impondo-se, sem necessidade de mais demoradas considerações, a sua absolvição.
Em se concluindo pela absolvição da arguida, não deverá a mesma ser condenada nas custas do processo, atento o disposto no Art.º 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público
Cumpre, agora, conhecer a questão assinalada em II. ponto 2. deste Acórdão.

3.2.1. Da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP por omissão de diligências
Da leitura da decisão proferida pelo Tribunal recorrido resulta ter o Tribunal a quo dado como não provado, designadamente, que:
“a. No dia 27 de Junho de 2020, a arguida foi sujeita a teste à SARS-CoV2, tendo, no dia 28 de Junho de 2020, o resultado obtido sido positivo.
b. A medida de obrigação de isolamento/confinamento em domicílio imposta à arguida teve início a 28 de Junho de 2020 e durou até 24 de Julho de 2020, altura em que fez novo teste, tendo neste dia o resultado obtido sido negativo, pelo que foi de imediato contactada pela Autoridade de Saúde Local, dando-lhe conhecimento desse facto (…).
c. A arguida sabia que se encontrava infectada pelo vírus SARS-CoV2.
d. A arguida agiu como descrito em 7., sabendo que a ordem era legítima e que era determinada pela autoridade competente, ordem essa dada na sequência de se encontrar infectada pelo vírus SARS-CoV2, e que só cessava a medida após resultado negativo de novo teste a efectuar.
e. A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”.

Para o Tribunal recorrido tal factualidade apenas seria passível de prova através da junção de dois documentos: o resultado do exame SARS-CoV2, a que a arguida foi sujeita no dia 27.6.2020; o documento comprovativo da aplicação à arguida da medida de isolamento/confinamento em domicílio com a indicação do seu início, fim e duração.
No recurso, e em primeiro lugar, o MP insurge-se contra a decisão referindo que a prova documental constante do processo era suficiente para o Tribunal a quo ter concluído pela condenação da arguida e não pela sua absolvição.
Analisando o processo verifica-se ter o MP arrolado na acusação como prova documental as informações prestadas pela Autoridade de Saúde bem como uma Lista de Vigilância Ativa de Contatos-Determinação de Isolamento/Confinamento. Dessas informações decorre expressamente ter sido realizado um teste e do resultado obtido extrair-se ter sido a arguida contaminada com o vírus SARS-COV2. Dos elementos contantes daquelas informações adviria encontrar-se a arguida na lista de vigilância ativa de contatos-Determinação de Isolamento-confinamento entre os dias 28.6.2020 e 24.7.2020 (cf. documentos de páginas 45 e ainda 13).
Como da lei penal não decorre que a prova da infeção pelo SARS Cov-2 ou do início, duração e fim do confinamento tenha de ser realizada por documento autêntico ou particular, pois no processo criminal não vigora a regra da prova tarifada, tudo indicaria assistir razão ao recorrente.
A questão, todavia, coloca-se a montante, pois não tendo o MP recorrido nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, nem decorrendo, como estabelece o artigo 410.º do CPP, da simples leitura da sentença a existência de erro notório na apreciação da prova (o teor dos documentos juntos pelo MP não resulta da decisão, mas sim da leitura do processo), ao tribunal ad quem encontra-se vedado conhecer e alterar a matéria de facto fixada em primeira instância.
Em segundo lugar, o MP entende que conquanto não se entenda ser a prova junta suficiente para conduzir à condenação da arguida ainda assim o Julgador deveria ter investigado os factos, fazendo juntar ao processo os testes/exames ou documento onde fosse descrito o início, duração e fim da medida de confinamento por infeção de SARS Cov-2. Não o tendo feito ocorreria uma nulidade da sentença por omissão de prova essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, nos termos dos artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP. Impondo-se ao Julgador apurar oficiosamente aquele meio de prova o Tribunal recorrido, teria violado também o disposto no artigo 340.º, n.º 1 do CPP.
Resulta, efetivamente, do artigo 340.º do CPP, concernente aos princípios gerais da produção de prova em processo penal e especificamente do seu n.º 1, que o tribunal “ordena oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Deste dispositivo decorre claramente que o princípio da investigação ou da verdade material não está limitado pelo objeto do processo definido na acusação, nem pela contestação. Indícios seguros nesse sentido são dados pelos artigos 323.º, 327.º e pelo já citado artigo 340.º, todos do CPP.
O princípio da procura da verdade material pelo tribunal permite a junção ao processo de qualquer meio de prova até à leitura da sentença, momento na qual a audiência de julgamento é encerrada.
O único limite processual à aceitação de meios de prova até ao encerramento do julgamento é o da necessidade de ser respeitado, em relação a eles, o princípio do contraditório.
Já sob o ponto de vista substancial, como é aceite pela generalidade da jurisprudência[2], a junção do novo meio de prova tem de ter em conta a sua legalidade, adequação e viabilidade, bem como a necessidade para a descoberta da verdade material pretendida alcançar pelo Tribunal.
O respeito pelo princípio da investigação oficiosa do tribunal, observados os limites formais e substanciais referidos, permite, no dizer de Germano Marques da Silva[3], um equilíbrio entre o objeto do processo definido pela acusação e a busca da verdade material que deve sempre, e em todo o caso, ser prosseguido pelo Julgador.
No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque[4] defende nada obstar à junção de documentos oficiosamente ordenada pelo juiz, até ao momento da leitura da decisão do Tribunal de 1.ª instância[5], sustentando que a omissão de prova estritamente indispensável constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP.
Essa nulidade, contudo, resulta da omissão de um ato imposto ao Tribunal e não da sentença em si, tendo sido cometida em momento anterior à decisão e teria de ter sido suscitada atempadamente.
A questão convocada pelo MP não consubstancia uma nulidade da sentença, mas a nulidade de um ato entretanto sanado por não ter sido convocado em tempo, pois apenas o foi em sede de recurso e mais de 30 dias após a leitura da decisão, ato ao qual, note-se, o MP assistiu.
Por outras palavras, e em síntese, a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP que o recorrente convoca é a "omissão posterior de diligências que puderem reputar-se essenciais à descoberta da verdade". A omissão de diligências, nomeadamente de produção de prova documental, cuja obrigatoriedade não resulte da lei, não dá origem à nulidade invocada. A nulidade por omissão de diligências (artigo 120.°, n.° 1 alínea d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do artigo 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos artigos 120.° e 121.° do CPP. Daí que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (artigo 105.°, n.° 1 do CPP), se outra coisa não resultasse do n.° 3 do mesmo artigo 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe dever a nulidade ser arguida “antes que o acto esteja terminado”, tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista. Por isso, a existir qualquer nulidade, o que não se concebe, ela estaria sanada, sendo intempestiva a sua invocação em sede de recurso.

3.2.2. Do crime de desobediência e dos seus pressupostos
Como já se deixou acima assinalado a sindicância da matéria de facto exigia que o Ministério Público a tivesse impugnado pela via alargada, no âmbito do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP ou pela via restrita nos termos do artigo 410.º, n.º 2 do CPP, o que não o fez, sendo certo que, neste último caso, embora o Tribunal de recurso pudesse conhecer oficiosamente dos vícios da sentença, no caso em apreciação estes não ocorrem por não resultarem da simples leitura da decisão.
A sindicância da matéria de facto, todavia, mesmo a proceder, no recurso em apreciação, seria sempre inócua pelas razões que passamos em seguida a explanar.
Neste processo a arguida foi acusada da prática de dois crimes de desobediência agravada por força do artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do CP, artigo 6.º da Lei de Bases da Proteção Civil dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 29 de maio, e dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e b) e 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho.
A recorrida, de acordo com a acusação, teria testado positivo ao SARS Cov2 no dia 27 de junho e apenas em 24 de julho, depois de testar negativo, foi informada pela delegada de saúde do fim da obrigatoriedade do confinamento.
A arguida estaria assim, em conformidade com o libelo acusatório obrigada ao confinamento no domicílio, por se apresentar infetada pelo SARS Coc2, desde o dia 27 de junho a 24 de julho de 2020. Apesar disso, nos dia 28 de junho e 22 de julho teria sido intercetada pela autoridade policial fora do seu domicílio. Na primeira vez a passear na via pública e na segunda no seu estabelecimento de cabeleireiro.
Nos dias 28 de junho e 22 de julho vigorava a situação de calamidade pública e já não o estado de emergência[6].
Em concreto, como foi assinalado na acusação e na sentença recorrida, estavam em vigor as Resoluções do Conselho de Ministros n.º 43/B/2020 de 12.6 (desde as 00:00 horas do dia 15.6.2020 até às 23.59 horas do dia 28.6.2020) e n.º 53-A/2020 (desde as 00:00 horas de 1.7.2020 até às 23:59 horas do dia 31.7.2020), que prorrogaram, respetivamente pela quarta e sétima vez, o estado de calamidade[7].
Do ponto n.º 6[8] da primeira das Resoluções consta expressamente competir às forças e serviços de segurança a cominação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP e do artigo 6.º da Lei 27/2006 de 3.7, por violação do confinamento obrigatório de quem a ele estiver sujeito, nos termos do artigo 2.º do referido regime.
Já no ponto n.º 10 [9] da mesma Resolução é reforçado que a desobediência às ordens legítimas das entidades competentes durante a vigência da situação de calamidade em violação do regime anexo à mesma Resolução constitui crime sendo sancionado nos termos da Lei Penal sendo as respetivas penas agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º da Lei 27/2006 de 3 de julho.
Depois no artigo 2.º do mencionado anexo é estabelecido que ficam em confinamento obrigatório no respetivo domicílio os infetados com SARS-Cov2 [10].
Durante o estado de calamidade vigente no período de 15.6.2020 a 28.6.2020 a fonte legitimadora para a punição do crime de desobediência foi a Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC) n.º 27/2006 de 3 de julho em conjugação com a Resolução da Presidência do Conselho de Ministros 43-B/2020 e ainda, como assinala a decisão recorrida, o artigo 16.º do Decreto Lei n.º 82/2009 de 2 de abril [11].
Remetendo expressamente a Resolução do Conselho de Ministros 43-B/2020 para a alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP a questão colocada é a de saber se a arguida devia ter sido acusada pela prática do crime da alínea a) do artigo 348.º, n.º 1 do CP e, agora nesta instância, se deve ser condenada pelo crime de desobediência, quando não resultou provada qualquer cominação da prática do apontado ilícito.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2013[12] assinala a diferença entre as previsões das alíneas a) e b) do artigo 348.º do CP, ou seja, respetivamente da designada desobediência imprópria e própria, pura ou ad hoc. Na primeira (alínea a)) a “proposição de dever” está contida noutra norma enquanto na segunda (alínea b)) essa “proposição de dever” está contida num ato ad hoc praticado e consistente numa ordem com cominação.
Também André Lamas Leite explana a diferença entre as duas alíneas do n.º 1 do artigo 348.º do CP, salientando que a alínea a) configura uma norma penal em branco, pois o conteúdo da “determinabilidade criminal só se acha por via de uma interpretação conjugada da norma cujo comportamento é descrito (norma-base) e aquela que fornece a moldura penal abstracta (norma secundária ou sancionatória)”. Já a alínea b) o “conteúdo do ilícito surge da conjugação do incumprimento normativo e da cominação realizada por quem exerce autoridade pública, ou seja, este último informa o inadimplente que o seu comportamento desobediente é ilícito e que se persistir na resolução criminosa, perfecciona-se o tipo legal previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do CP[13].
Por outras palavras: no caso da alínea a), do n.º 1 do artigo 348.º do CP a necessidade de aplicação de uma pena, quando o agente desobedece a uma ordem, advém de uma cominação consagrada numa outra disposição legal. Na situação da alínea b) do artigo 348.º, n.º 1 do CP a cominação resulta de um ato de vontade individual, ou seja, de ser realizada a cominação ad hoc do crime de desobediência pela autoridade competente[14].
A situação em apreciação, no presente recurso, é, assim, atípica, pois por um lado remete expressamente para a alínea b) do artigo 348.º, n.º 1 do CP (cominação ad hoc) e por outro faz uma remissão para uma norma sancionatória, o artigo 6.º, n.º 4 da LBPC[15].
Da Resolução do Conselho de Ministros 43-B/2020 de 12 de junho resulta, efetivamente, do seu artigo 2.º (do anexo da Resolução) o dever de confinamento da pessoa infetada pelo SARS cov-2 (norma-base); e da alínea d) do n.º 6 conjugada com o artigo 6.º, n.º 4 da LBPC, que a desobediência às ordens legitimas das entidades competentes, quando praticadas em situação de calamidade, são sancionadas nos termos da lei penal e as respetivas penas sempre agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo (norma sancionatória ou condenatória)[16].
Por outro lado, a alínea c) do próprio n.º 6 da Resolução estabelece que “compete às forças e serviços de segurança (…) fiscalizar o cumprimento do disposto na presente resolução, mediante: (…) c) A cominação e a participação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos da alínea b) [17] do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal, do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho (…) por violação (…) do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito nos termos do artigo 2.º do referido regime”.
Daí, a Resolução ao remeter expressamente para a alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP, quando se verifique uma situação de violação do confinamento obrigatório, apenas pode querer significar exigir-se que a punição por desobediência tenha de ser precedida sempre da cominação ad hoc realizada pelas forças de segurança.
Sendo assim, não se pode deixar de concluir que mesmo na eventualidade de a delegada de saúde e a autoridade policial terem informado a arguida do seu dever de confinamento o crime só se concretizaria se a autoridade competente[18], quando interpelou a arguida, no dia 28 de junho, lhe tivesse comunicado que a violação daquele dever a fazia incorrer no crime de desobediência.
Não resultando da acusação ter sido efetuada a comunicação não podia a recorrida ser condenada pela prática do crime da alínea b) do artigo 348.º, n.º 1 do CP[19].
Poder-se-ia questionar se não teria ocorrido um lapso de escrita ao ser mencionada a alínea b) do artigo 348.º, n.º 1 do CP, mas a resposta apenas poderá ser negativa, pois a mesma remissão consta das três Resoluções precedentes decretadas durante o estado de calamidade. A idêntica conclusão chegou André Lamas Leite[20] quando, no âmbito da vigência da Resolução n.º 38/2020 de 17 de maio (em vigor até 31 de maio de 2020), afirmou que “sem tal prova de cominação, a acusação pública deve ser rejeitada, por manifestamente infundada, em fase de saneamento do processo, dado faltar um elemento do tipo objetivo (cf. artigos 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d) do CPP), ou, não o tendo sido, outra hipótese não restará que não seja a absolvição do arguido: nullum crimen sine lege”.
Apreciemos, em seguida, se a violação do confinamento obrigatório pela recorrida, no dia 22 de junho de 2020, durante o período de vigência da Resolução n.º 53-A/2020 de 14 de junho, configuraria a prática de um delito de desobediência por via da modalidade imprópria da alínea a) (como parece resultar do pedido formulado na acusação) ou da modalidade própria, pura ou ad hoc da alínea b) do artigo 248.º, n.º 1 do CP.
Sobre esta matéria rege o n.º 8, alínea c) da Resolução (com redação idêntica ao n.º 6, alínea c) da Resolução n.º 43-B/2020).
Na parte relevante para a apreciação deste recurso a diferença desta Resolução n.º 53-A/2020 em relação à n.º 43-B/2020 reside no seu n.º 14 com a seguinte redação:
14. Determinar que a publicação da presente Resolução constitui para todos os efeitos legais cominação suficiente, designadamente para o preenchimento do tipo de crime de desobediência.”.
Cabe, então, questionar quais as consequências deste n.º 14 da Resolução, quando no n.º 8, alínea c) se continua a referir que a cominação e participação por crime de desobediência por violação do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito nos termos do artigo 2.º do anexo à Resolução, é punido nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP e do artigo 6.º da Lei 27/2006 de 3.7.
O Conselho de Ministros certamente apercebendo-se da incongruência assinalada na Resolução n.º 43-B/2020 e nas que lhe precederam previu que a própria publicação da Resolução n.º 53-A/2020 de 14.7 constituísse “cominação suficiente” para o preenchimento do crime de desobediência.
A Resolução remetendo expressamente para o artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do CP (desobediência própria, pura ou ad hoc) estabeleceu, assim, que a publicação da resolução constituiria ela própria a cominação ao agente para a prática do crime de desobediência.
Nesta ordem de raciocínio, no caso em apreciação, tendo em consideração o teor da acusação, quando, no dia 22 de julho de 2020, a arguida foi interpelada pelo OPC no seu salão de cabeleireiro, teria cometido o crime de desobediência, pois apenas no dia 24 de julho foi informada pela autoridade de saúde do fim da obrigatoriedade de confinamento.
O que dizer sobre esta forma de surgimento da responsabilidade criminal, onde se aplica a alínea b) do n.º 1, do artigo 348.º (que exige para o preenchimento do tipo a conjugação do incumprimento normativo com uma cominação realizada por quem exerce autoridade pública no ato da prática do comportamento ilícito que a persistir torna perfeito o tipo legal previsto), mas em que, por outro lado, o ilícito surge de uma cominação normativa e não de uma advertência ad hoc?
Como interpretar uma norma que simultaneamente sanciona um incumprimento normativo por dependência de uma cominação ad hoc e um incumprimento normativo com uma cominação normativa, combinando elementos do tipo do n.º 1 da alínea a) e n.º 2 com o do tipo da alínea b), do n.º 1 do artigo 348.º do CP e, por isso, contraditória nos seus próprios termos?
A lei não pode trazer indefinição ao aplicador do direito e muito menos aos seus destinatários. As normas de natureza punitiva de ordem criminal estão sujeitas à máxima determinação penal tendo de ser seguras, certas e não contraditórias. Essa contradição, atipicidade da previsão normativa, a sua indefinição e falta de clareza terão sempre de ser interpretadas de forma prudente.
Assim, embora a intenção do legislador pareça ter sido a da punição da violação do dever de confinamento por pessoa infetada pelo SARS Cov-2 pelo crime de desobediência imprópria (alínea a), do n.º 1 do artigo 348.º do CP), prevendo a Resolução, todavia, duas soluções para a mesma situação (violação do dever de confinamento por infetada com SARS Cov-2), restaria ao julgador optar pela mais benéfica à arguida.
No caso em apreciação, mesmo na hipótese de ter sido dado como provada a matéria constante da acusação relativa a obrigação de a arguida permanecer confinada no dia 22 de junho, a ordem para a arguida permanecer em isolamento era legal, mas a deslocação ao seu estabelecimento para ser sancionada como crime de desobediência teria de ter sido precedida de advertência ad hoc (por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP e da alínea c), do n.º 8 da Resolução), nunca efetuada[21].
Não constando da acusação a cominação ad hoc faltaria sempre um elemento do tipo do artigo 348.º do CP, que importaria também a absolvição da recorrida da prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do CP, com referência ao artigo 6.º da LBPC, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 12 de junho, que alterou a Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho.

III. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
1. Julgar improcedente a nulidade suscitada pelo recorrente, mantendo em consequência a decisão recorrida atentas as considerações tecidas neste Acórdão.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 21 de setembro de 2021.
Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo
__________________________________________________
[1] A arguida tem o número de identificação fiscal (…), nasceu em (…) no (…), tem nacionalidade (…), é filha de (…), solteira, esteticista, residente na Rua (…).
[2] Neste sentido veja-se o acórdão da RE de 9.6.2009, proferido no processo 2721/07-1, relatado por Gilberto Cunha e disponível para consulta em www.dgsi.pt/jtre.
[3] SILVA, Germano Marques – “Direito Processual Penal Português: Noções e Princípios Gerais: Sujeitos Processuais: Responsabilidade Civil conexa com a Criminal: Objeto do Processo. Universidade Católica Editora. Lisboa: 2019. P. 91- 92. ISBN 9789725405666.
[4] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Processo Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 4.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 461. ISBN 978-972-54-0295-5.
[5] Cf. P. 881 do mesmo Comentário.
[6] O estado de emergência vigorou das 00h:00m do dia 19.3.2020 às 23h:59m do dia 2.4.2020 (cf. Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18.3 e Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 2-A/2020 de 20.3), das 00h:00m do dia 3.4.2020 às 23h:59m do dia 17.4.2020 (cf. Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2.4 e Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 2-B/2020 de 2.4) e das 00h:00m do dia 18.4.2020 às 23h:59m do dia 2.5.2020 (cf. Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17.4 e Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 2-C/2020 de 17.4).
[7] O estado de calamidade foi decretado pela primeira vez através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020 de 30.4 tendo sido posteriormente prorrogada por diversas vezes, designadamente, pelas Resoluções de Conselho de Ministros n.ºs 38/2020 de 17.5, 40-A/2020 de 29.5, 43-B/2020 de 12.6, 45-B/2020 de 22.6, 51-A/2020 de 26.6., 53-A/2020 de 14.7 e 55-A/2020 de 31.7.
[8] Do n.º 6, alínea c) da Resolução em causa consta “6 - Reforçar, sem prejuízo dos números anteriores, que compete às forças e serviços de segurança e à polícia municipal fiscalizar o cumprimento do disposto na presente resolução, mediante: (…)
c) A cominação e a participação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal, do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, por violação do disposto no artigo 3.º do regime anexo à presente resolução, bem como do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito nos termos do artigo 2.º do referido regime;”.
[9] Consta o seguinte do n.º 10 “10- Reforçar que a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas durante a vigência da situação de calamidade e em violação do disposto no regime anexo à presente resolução, constituem crime e são sancionadas nos termos da lei penal, sendo as respetivas penas agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual.”
[10] O artigo 2.º do anexo à Resolução sob a epígrafe “Confinamento obrigatório” prescreve “1 - Ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde, no respetivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde: a) Os doentes com COVID-19 e os infetados com SARS-Cov2;”.
[11] Este Decreto-Lei versa sobre o regime jurídico da designação, competência e funcionamento das entidades que exercem o poder de autoridades de saúde e no artigo 16.º, sob a epígrafe “Sanções”, estabelece que “A desobediência a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade de saúde, é punida nos termos da lei penal.”.
[12] Publicado no DR I.ª Série, n.º 5, de 8.1.2013.
[13] LEITE, André Lamas – “Desobediência em tempos de cólera a configuração deste crime em estado de emergência e em situação de calamidade”. Revista do Ministério Público. Número Especial COVID 19.2020. P. 178-179, disponível para consulta em file:///C:/Users/MJ01820/Downloads/RMP_Nu__769_mero_Especial_Andre__769__Lamas_Leite.
[14] Sobre este tema no âmbito do estado de emergência cf. PINTO, Jorge Varão –“Do crime de desobediência por violação da obrigação de confinamento estabelecida pelo estado de emergência”. Revista JULGAR online, Julho 2020. P. 1-20, disponível para consulta em http://julgar.pt/do-crime-de-desobediencia-por-violacao-da-obrigacao-de-confinamento-estabelecida-pelo-estado-de-emergencia/ e ainda OLIVEIRA, Alexandre Au-Yong –“O(s) Crime(s) de desobediência no atual estado de emergência, em especial no domínio das restrições ao direito de deslocação e fixação –Breves notas”. CEJ. Abril 2020. P. 429-450, disponível para consulta em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf.
[15] O artigo 6.º da LBPC, sob a epigrafe “Deveres gerais e especiais”, estabelece que “A desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas em situação de alerta, contingência ou calamidade, são sancionadas nos termos da lei penal e as respectivas penas são sempre agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo.”.
[16] Cf., ainda, o ponto 10. da Resolução.
[17] Sublinhado nosso.
[18] Para além da autoridade policial a própria delegada de saúde, parece ter competência para realizar a cominação, por força do artigo 16.º do Decreto Lei 82/2009 de 2 de abril.
[19] Cf. neste sentido Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 publicado no Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27, P. 582 – 597, disponível para consulta em ELI:https://data.dre.pt/eli/acstj/1/2015/01/27/p/dre/pt/html, resultando do respetivo sumário o seguinte «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.»
[20] Ob. cit. P. 190.
[21] Em dois Acórdão publicados na Relação de Lisboa (de 1.7.2012, proferido no processo 260/20.0PLLRS.L1-9, em que foi relator Guilherme Castanheira e de 24.3.2021, proferido no processo 308/20.9LLRS.L1-3 e relatado por Maria Perquilhas, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jtrl) são referenciadas situações de cominação ad hoc pela prática do crime de desobediência cometido durante o estado de emergência.