Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
286/07.7TBFAL.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CUSTAS
REMANESCENTE
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O M.º P.º não tem que ser ouvido antes da decisão do juiz sobre um pedido de dispensa do pagamento do remanescente das custas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 286/07.7TBFAL.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Na presente acção declarativa comum, a Autora (…, Sociedade Imobiliária, S.A.) e a Ré (… – Empreendimentos Agrícolas e Pecuários S.A.), aquando da realização da audiência prévia, chegaram a acordo sobre o mérito da causa.
Quanto a custas foi acordado o seguinte:
1. As partes prescindem reciprocamente do reembolso das custas de parte.
2. As custas judiciais são suportadas pela Ré.
3. A Ré requer, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais, a dispensa do pagamento do remanescente das custas judiciais, na medida em que, por um lado, a causa não se revelou de especial complexidade, por outro lado, o presente processo finda ainda em fase de articulados e, por outro lado ainda, a conduta processual das partes assim o reclama. Efectivamente:
a) Não houve produção de prova nem fase de julgamento, obviando-se assim a necessidade de uma análise cabal, pelo Tribunal, das pretensões formuladas;
b) As partes sempre cooperaram com o Tribunal de forma lisa e honesta; e
c) No caso concreto, a recusa da dispensa do pagamento do remanescente das custas traduzir-se-ia na exigência do pagamento de uma quantia manifestamente desproporcional face aos recursos despendidos com o presente processo.
As partes requereram que fosse homologada a transação e que, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais, se dispense o pagamento do remanescente das custas.
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Foi proferida sentença que homologou o acordo.
Foi ainda decidido o seguinte:
Relativamente à dispensa do pagamento do remanescente das custas a que alude o n.º 7, do art.º 6.º, do R. C. Judiciais, atentos os fundamentos aduzidos pela requerente, que se aceitam, [são] de considerar verificados os pressupostos da requerida dispensa, razão por que se defere o requerido.
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O Digno Magistrado do M.º P.º argui a nulidade do segundo segmento da mesma (o que tem por objecto as custas) com fundamento no disposto no artigo 195.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil (omissão de um acto ou de uma formalidade prescritos por lei com influência no exame ou na decisão da causa), alegando não ter sido ouvido pelo tribunal previamente à decisão da requerida dispensa de pagamento do remanescente das custas.
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Tal arguição foi indeferida com o fundamento em que «a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente das custas, previsto no art.º 6.º, n.º 7, do R. C. Judiciais não se encontra dependente de parecer prévio» do Ministério Público.
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Deste despacho recorre o Digno Magistrado defendendo a sua revogação.
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A R. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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O relatório contém os elementos necessários para a decisão.
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O problema é só um: a falta de audição do M.º P.º, para se pronunciar sobre um pedido de dispensa do pagamento do remanescente de custas, é omissão de uma formalidade imposta por lei?
Desde já notamos, porque o óbvio muitas vezes não se vê, que a nulidade, a existir, deve resultar da omissão de uma formalidade que a lei prescreva (art.º 195.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil).
A recorrida defende que não há preterição de formalidade porque a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente das custas, previsto no art.º 6.º, n.º 7, do R. C. Judiciais não se encontra dependente de parecer prévio do mesmo.
Concordamos e nem o Digno Recorrente indica uma norma que imponha tal audição.
Com efeito, as normas do Reg. Custas Processuais que preveem a sua intervenção são as seguintes (aproveitamos o elenco que consta das alegações):
É ao Ministério Público que compete promover a execução por custas e multas impostas em qualquer processo – artigos 57.º do Código de Processo Civil e 35.º do Regulamento das Custas Processuais;
No caso de transação celebrada entre uma parte isenta ou dispensada do pagamento de custas e outra não isenta nem dispensada, o juiz deve ouvir o Ministério Público antes de determinar a proporção em que as custas devem ser pagas – artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;
O Ministério Público é sempre notificado da conta de custas do processo e pode reclamar da mesma ou pedir a sua reforma – artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais;
Em caso de reclamação da conta de custas ou quando o funcionário judicial tenha dúvidas acerca da sua elaboração, o juiz apenas decide depois de o processo ir com vista ao Ministério Público – artigos 29.º, n.º 4, e 31.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais.
Temos aqui toda uma série de casos em que a lei impõe que o M.º P.º seja ouvido antes da decisão do juiz; mas desta série não consta uma norma que imponha tal audição no caso em que se decide a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente das custas.
O art.º 6.º, n.º 7, Reg. Custas Processuais, apenas dispõe o seguinte: «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Resulta claro que o legislador não teve a preocupação nem a vontade de exigir o parecer do M.º P.º nesta questão (e também não a exige quando o juiz determina a aplicação da tabela I-C, n.º 5 do mesmo preceito), tal como as teve nos outros artigos acima indicados. E nada custaria, caso fosse essa a vontade do legislador, acrescentar esta previsão, melhor dizendo, acrescentar esta formalidade. Mas não o fez.
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O Digno Recorrente alega, ainda assim, que «estes normativos [os citados na sua alegação e acima transcritos] inculcam que ao Ministério Público, enquanto agente e prossecutor dos interesses patrimoniais do Estado, nesta vertente da cobrança e arrecadação das receitas devidas pela prestação do serviço público da administração de justiça que são as custas judiciais, deve sempre ser dada a oportunidade de manifestar-se quando esteja em causa a determinação do montante do crédito do Estado»; cita, em abono da sua tese, o ac. da Relação do Porto. de 8 de Julho de 2008 em cujo sumário se pode ler: «Em matéria de custas, em que intervém na dupla vertente de fiscalização do cumprimento da legalidade e de promoção do interesse tributário do Estado, o Ministério Público tem intervenção principal, não só em sede de liquidação e cobrança, como ainda em sede de fixação».
Mas o Tribunal não decidiu precisamente isto (e menos ainda a questão de que aqui tratamos); o que o Tribunal decidiu é que o M.º P.º tem legitimidade para requerer a reforma de decisão sobre custas — e não é a legitimidade que está aqui em causa.
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Em todo o caso, os preceitos que inculcam a ideia de que o M.º P.º dever ser ouvido neste caso concreto não são suficientes para o efeito. O que o citado art.º 195.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, exige é que haja uma lei em concreto que prescreva uma dada formalidade processual — e essa não a encontramos.
Nem o Estatuto do M.º P.º contém alguma norma, genérica que seja, que atribua aos respectivos magistrados competência para intervir em qualquer incidente que tenha que ver com a matéria de custas processuais, em termos amplos.
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O art.º 3.º, Cód. Proc. Civil, que impõe a observância do princípio do contraditório ao longo dos actos processuais, tem como objecto a lide material apresentada pelas partes, por autor e réu. Nada tem que ver com as custas e, menos ainda, com a intervenção do M.º P.º em casos que a lei não contempla.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Sem custas.
Évora, 21 de Dezembro de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho