Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
724/17.3T80RM.E2
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ADJUDICAÇÃO
ESTADO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser efectuada a favor do Estado e não da sub-concessionária, quando o contrato de concessão não abranja a transferência para esta da propriedade dos bens expropriados.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 724/17.3T80RM.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Ourém – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
“(…) – Auto-Estradas do Litoral Oeste, SA” não se conformou com a decisão de adjudicação de parcelas expropriadas à entidade expropriante e não ao Estado e interpôs o presente recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
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A entidade expropriante é subconcessionária da subconcessão da Auto-Estrada do Litoral Oeste.
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O contrato de subconcessão de obras públicas não abrange a transferência da propriedade dos bens expropriados.
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Foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção do lanço do troço do IC 9 entre Fátima (A1) e Ourém (Alburitel) onde se inclui o prédio aqui em causa.
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A “(…) – Auto-Estradas do Litoral Oeste, SA”, na qualidade de subconcessionária, da subconcessão do Litoral Oeste, foi autorizada a tomar posse administrativa das mencionadas parcelas.
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A declaração de utilidade pública foi publicada no Diário da República.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«1. A entidade expropriante é subconcessionária da subconcessão do Litoral Oeste.
2. O contrato de subconcessão de obras públicas não abrange a transferência a propriedade dos bens expropriados.
3. Consequentemente, em processo de expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser feita a favor do Estado.
4. Para além da vasta e unânime jurisprudência assim concluir, foram recentemente prolatados dois doutos acórdãos, relativos à mesma entidade expropriante, que deram procedência ao recurso e concluíram que as respectivas parcelas devem ser adjudicadas ao Estado.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se consequentemente o douto Despacho que indefere a adjudicação das parcelas ao Estado, com as legais consequências».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro na aplicação do direito quanto à questão da adjudicação da parcela expropriada.
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III – Dos factos apurados:
Os factos com interesse para a justa decisão da causa são aqueles que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
Nos termos do nº 1 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, «a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte nos termos da Constituição».
A possibilidade de expropriação está prevista no nº 2 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que «a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização».
Por sua vez, no âmbito do direito infraconstitucional, o artigo 1305º do Código Civil define o conteúdo do direito de propriedade estatuindo que «o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
Também o artigo 1308º do Código Civil, inserido no título dedicado ao direito de propriedade, prevê a possibilidade de expropriação, dispondo que «ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».
E o artigo 1310º do Código Civil determina que havendo expropriação por utilidade pública é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados.
A lei que actualmente regula a expropriação é o Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, em cujo artigo 1º se estatui que «os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização».
Partindo deste conspecto legal para uma visão de conteúdo doutrinário, numa definição clássica, que mantém toda a actualidade e validade dogmática, o insigne Marcello Caetano advogava que a expropriação por utilidade pública deveria ser entendida como «a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória»[1].
Conforme ensina o ilustre administrativista «o expro­priado fica tendo certos direitos em contrapartida de de­terminados deveres. O mais importante destes (...) é o pa­gamento de indemnização»[2].
Para Oliveira Ascensão o fundamento da expropriação reside «na própria garantia da propriedade privada. Justamente porque a propriedade não é um direito absoluto e está socialmente condicionada, ela terá de ceder perante objec­tivos socialmente prevalecentes. Mas da garantia da proprie­dade resulta ainda que, caso ela necessite ser sacrificada, há-de haver contrapartida em justa indemnização»[3].
A expropriação configura, pois, uma medida restritiva do direito de propriedade privada e são requisitos da existência e validade da expropriação o acto de declaração de utilidade pública e a indemnização[4].
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Em causa está a decisão de adjudicação à entidade subconcessionária. Esta sociedade adianta que realiza as expropriações necessárias à construção de auto-estradas em nome do Estado, integrando-se os terrenos expropriados imediata e directamente no património deste.
Ao invés, o Tribunal «a quo» expressa posição no sentido que, «se o legislador pretendesse que as parcelas expropriadas fossem adjudicadas ao Estado tê-lo-ia determinado expressamente. Contudo, ao prever de forma expressa, naquele artigo 51º, nº 5, que as parcelas expropriadas são adjudicadas à entidade expropriante é porque a sua intenção é que tal adjudicação fosse a esta entidade e não ao Estado».
A concessão administrativa é um dos modos de gestão de um serviço público, podendo ser definida como um «acto constitutivo de uma relação jurídica administrativa pelo qual a pessoa titular de um serviço público atribui a outra pessoa o direito de esta, no seu próprio nome, organizar, explorar e gerir um serviço público»[5].
Em sentido essencialmente idêntico, a Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia sobre as Concessões em Direito Comunitário (2000/C 121/02 – JOCE 121/2, de 29/04/2000) definiu o conceito como «os actos imputados ao Estado, pelos quais uma autoridade pública confie a um terceiro – quer através de um acto contratual quer através de um acto unilateral que tenha obtido o consentimento deste terceiro – a gestão total ou parcial de serviços que decorram normalmente das suas competências e em relação aos quais este terceiro assuma os riscos de exploração».
Numa expropriação para construção de uma via rodoviária aquele que, por norma, adquire a titularidade do bem expropriado é o Estado, enquanto a gestão dos serviços é outorgada a um terceiro, que não adquire a propriedade do bem afectado pela expropriação.
In casu, o contrato de subconcessão de obras públicas não abrange a transferência a propriedade dos bens expropriados. Assim, a nosso ver, na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, «em expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser efectuada a favor do Estado e não da concessionária»[6].
Esta linha de pensamento está consolidada na jurisprudência nacional[7] e recentemente foi editado um acórdão prolatado pela Relação de Évora com este conteúdo[8].
Na realidade, o contrato de concessão de obras públicas implica a transferência de uma pessoa de direito público para uma pessoa de direito privado do exercício de direitos e poderes necessários ao cumprimento pelo concessionário do contrato celebrado, não abrangendo essa transferência a propriedade dos bens expropriados[9].
Assim, deve concluir-se que, em processo de expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser feita não a favor da sub-concessionária, mas sim do Estado.
Desta sorte, julga-se procedente o recurso apresentado, revoga-se a decisão recorrida, a qual é substituída por outra no sentido que o despacho de adjudicação fica feito ao Estado Português.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida, passando a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados aqui em causa a ser efectuada a favor do Estado.
Sem tributação, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 26/09/2019
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] Manual de Direito Administrativo, vol. III, 10ª Edição, pág. 1020.
[2] Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. III, 10ª Edição, pág. 1012.
[3] O Urbanismo e o Direito da Propriedade, INA, pág. 328.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2002, www.dgsi.pt.
[5] Pedro Gonçalves, A concessão de Serviços Públicos, pág. 130.
[6] Acórdão do Supremo tribunal de justiça de 07/03/2006, in www.dgsi.pt.
[7] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Novembro de 1995, in CJ, ano XX, 1995, Tomo V, páginas 125 e 126 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/06/2008 e de 08/07/2008.
[8] No acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/11/2017, in www.dgsi.pt, escreve-se que «dúvidas não temos de que as parcelas expropriadas no âmbito do Processo de Expropriação a que respeita este processo devem ser adjudicadas ao Estado, e não à sua representante durante o processo expropriativo, a ora Apelante (…) – Auto-Estradas do Litoral Oeste, S.A».
[9] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 2015, in www.dgsi.pt.