Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
866/13.4TBSLV.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: ACTIVIDADES PERIGOSAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
INEPTIDÃO
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - No âmbito da responsabilidade extracontratual, em que estão em causa danos causados no exercício de uma actividade que pela sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados deva ser considerada perigosa, compete ao lesado com vista ao ressarcimento desses danos, apenas, alegar e provar que os mesmos foram causados no exercício dessa actividade.
2 – Beneficiando da presunção decorrente do disposto no artº 493º, n.º 2, do CC, não deve ser imposto ao lesado que pretenda ser indemnizado a necessidade de alegar e provar as circunstâncias concretas do acidente, para convencer o tribunal de que o agente procedeu com culpa e é, consequentemente, obrigado a reparar o dano causado.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação 866/13.4TBSLV.E1 (2ª secção cível)




ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
(…), instaurou contra (…) – Urbanização e Construção, Limitada e (…)- Companhia de Seguros, SPA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, peticionando que a primeira Ré fosse condenada como responsável pelos danos causados física e moralmente à Autora, uma vez que o acidente ocorreu no estabelecimento de que é exploradora e no uso da sua actividade, mais peticionando que, por virtude da transferência pela 1ª Ré da responsabilidade civil sobre acidentes ocorridos no seu estabelecimento para a 2ª Ré, fosse esta última condenada a liquidar à Autora a quantia de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros), que despendeu com a massagista e € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos “físicos e morais que sofreu e sofre resultado directo e necessário do acidente de que foi vítima”.
Como sustentáculo da sua pretensão alega em síntese:
A A. deslocou-se ao parque aquático propriedade da 1ª Ré tendo feito utilização de uma piscina/escorrega denominada «(…)» e que ao descer o referido escorrega, de acordo com as instruções que lhe foram dadas, caiu soltou-se da prancha e bateu com a cabeça num ferro, tendo sofrido danos físicos e morais;
- A referida estrutura era vigiada por um instrutor e tinha socorristas que lhe prestaram os primeiros socorros;
- A 1ª ré havia transferido a sua responsabilidade para a 2ª Ré, motivo pela qual a mesma também é parte legítima.
Citadas as rés vieram contestar, tendo ambas, se defendido por excepção, arguindo a prescrição do direito que a Autora pretende fazer valer, tendo ainda a primeira Ré arguido sua ilegitimidade e 2ª Ré alegado que foram in casu cumpridas pela 1ª Ré todas as regras de segurança, as quais foram explicadas à Autora, existindo vigilantes em todos os locais de diversão do parque aquático, que explicam as regras de segurança e a sinalética existente aos utentes, o que foi feito à Autora, sendo que junto da própria piscina existia um aviso descritivo da actividade praticada.
A 2ª Ré imputa à Autora os danos sofridos, por não ter cumprido as regras que lhe foram veiculadas.
Em sede de impugnação, salienta a 1ª Ré que desconhece a natureza e a origem do facto que causou os danos que a Autora alega ter sofrido, pedindo a sua absolvição por não se acharem in casu verificados os pressupostos da responsabilidade civil, que a 2ª Ré considera que não foram sequer alegados.
Na fase do saneador foi proferido decisão pela qual se reconheceu a inexistência de causa de pedir e se decidiu “com fundamento, na argumentação expendida e nas disposições conjugadas dos artigos 186º nºs 1 e 2, al. a), 278.º, nº 1, al. b e 577.º, al. b) do Código de Processo Civil, absolver as Rés (…)– Urbanização e Construção, Limitada e (…)- Companhia de Seguros, SPA da instância.”
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Não se conformando com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, apresentando as respectivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A) - Vem o presente recurso de Apelação interposto da Douta Decisão proferida e que pôs termo ao litigio e que decidiu no sentido de que padecendo a petição inicial de vício que gera a nulidade do todo o processado, importa por isso e nos termos do disposto do disposto no art. 278º, nº 1, al. b), do CPC ante a sua verificação absolver as Rés da instância.
B) - Não se conforma a Autora com esta decisão que salvo o devido viola o disposto na Lei sobre a matéria versada nos Autos, nomeadamente o disposto nos artigos 487º e 493º do Código Civil e 552º e 186º do CPC.
C) - Causa de Pedir é constituída por factos, que constituem o fundamento histórico da acção, os acontecimentos da vida na sua dimensão espácio-temporal e onde se apoia e que delimitam a pretensão deduzida – cfr. Francisco Ramos Mendez, Derecho Procesal Civil, Tomo I, Barcelona, 1992, p. 413-414).
D) - A causa de pedir é, pois, o suporte lógico da pretensão deduzida, que terá o seu desenlace no pedido formulado.
E) - Acresce que em face do que se encontra em discussão, dos factos invocados como ocorridos, encontramo-nos na presença de uma situação de responsabilidade extracontratual por dano causado por coisas, em actividade considerada perigosa, integrando a previsão do estabelecido no art. 493º do Código Civil e ainda Ac. STJ de 10.12.2013 e de 20.11.2014, disponíveis em www.dgsi.pt;
F) - Em face de tal circunstancialismo a Autora na sua Petição Inicial invoca todos os factos concretos e necessários ao pedido formulado assim como as circunstâncias em que ocorreu o acidente objecto dos Autos e de que a mesma foi vítima;
G) - A Autora estabelece o nexo de causalidade entre os factos ocorridos e os danos por si invocados como sendo consequência directa do facto gerador da responsabilidade – o acidente que teve lugar no escorrega “(…)”, integrado no estabelecimento de parque aquático explorado pela Ré “(…)– Urbanização e Construção, Lda.”
H) - Os factos invocados foram-no de forma clara e perceptível porquanto as Rés, devidamente citadas contestaram os mesmos nos termos melhores constantes das suas Contestações;
I) - No caso em apreço vigora o principio assente na presunção de culpa do proprietário ou possuidor da coisa ou da pessoa a quem incumbe o dever de a vigiar, a qual nasce do facto praticado/ocorrido e apenas se considera ilidida quando o agente a quem é imputada a responsabilidade demonstrar que não houve qualquer culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência.
J) - Não constitui ónus da Autora alegar facto concreto e ilícito tomado por acção ou por omissão por parte da Ré para gerar a responsabilização desta;
K) - Sendo que, por esse efeito encontram-se alegados todos os factos necessários à causa de pedir referentes à situação aqui em causa;
L) - Com o devido respeito não se verifica qualquer situação de falta ou ininteligibilidade da causa de pedir geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. 186º, nº 2, al a), do Código do Processo Civil,
M) - pelo que andou mal o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, violando desta forma o disposto nos arts. 186º e 552º do CPC e os arts. 487º e 493º do CC.
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Apreciando e decidindo

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão pertinente a apreciar e a decidir, cinge-se em saber se estamos ou não perante uma situação de ineptidão da petição inicial que acarreta a nulidade de todo o processado e a consequente absolvição dos réus da instância.

Dos fundamentos de facto invocados pela autora como sustentáculo do peticionado, foi alegado na petição o seguinte:
l° A Primeira Ré tem aberto ao público um estabelecimento de parque aquático com diversão em piscinas e divertimentos, sito na Estrada Nacional 125, Sitio das (…), em Alcantarilha.
2° Tal estabelecimento encontra-se aberto para frequência do público em geral.
3° No sentido de se divertir a Autora deslocou-se com um grupo de amigos ao estabelecimento da Primeira Ré para ai passar o dia 15 de Julho de 2007.
4° As expectativas eram altas e os planos para diversão eram muitos.
5° Contudo, o dia programado e tão esperado não correu para a Autora conforme o previsto.
6° Assim e quando a Autora foi divertir-se na piscina/escorrega denominado "(…)" sofreu um acidente que se revelou ser grave.
7° A Autora, no cumprimento das instruções dadas pelo instrutor ali presente iniciou e desceu o escorrega referido com a prancha,
8° A altura desse escorrega é considerável e a velocidade que se circula também.
9° A Autora desceu cumprindo as regras que lhe tinham sido transmitidas.
10° Contudo, quando chegou à piscina na base, no impulso da saída, caiu, soltou-se a prancha e bateu com a cabeça no ferro.
11° A Autora foi socorrida pelos socorristas da Primeira Ré que ali se encontravam presentes, que a retiraram da piscina, uma vez que a Autora já não foi capaz de o fazer sozinha.
12º A Autora saiu muito tonta e chorosa e foi amparada até à sombrinha que tinham colocado para passar o dia.
13º Depois de já estar imobilizada na sombrinha as tonturas continuavam, bem como o mal-estar do corpo e começou a ter dores na zona do pescoço, que apareceram e começaram a aumentar,
14° A Autora que se encontrava num país estrangeiro, na sua aflição e com as dores, tonturas e mau estar geral que tinha a aumentar, só pensava em regressar a casa para ao pé da sua família.
15º Como as dores e as tonturas que sentia, bem como a má disposição não passavam, e a aflição da Autora aumentava, o grupo que veio a Portugal com a Autora passar o dia resolveu abandonar o Parque Aquático e ir-se embora, acompanhando a Autora a casa.
16° Quando chegou a casa e porque a sua situação física estava a piorar, nomeadamente com as dores na zona cervical, foi ao centro médico, onde foi de imediato atendida nas urgências.
17° Dessa entrada no centro médico resultou o Relatório que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos como Doc. 1 e que diagnosticou à Autora "Contusão occipital".
18° A Autora foi tratada e medicada e saiu das urgências para casa,
19° Contudo e porque não se encontrava melhor, voltou de novo a dar entrada nas urgências do hospital nos dias seguintes com permanência de queixa de dores e mau estar, conforme Doc.s 2, 3, 4 e 5 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
20° Foi-lhe colocado colar cervical, contudo as dores não passavam.
21° A Autora é empregada de loja e por virtude do acidente ocorrido no estabelecimento da Primeira Ré começou por ficar de baixa durante um mês, conforme Does. 6, 7, 8 c 9 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
22° No final de um mês foi dada Alta à Autora sendo que a mesma continuou a queixar-se de verdadeiras dores na sua cervical e impossibilidade de fazer a sua vida normal, o que depois de analisada a sua situação clinica, foi-lhe dada nova baixa laboral, conforme Docs 10, 11, 12 e 13 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
23° Entretanto a Autora foi sendo acompanhada e encaminhada para diversos exames e medicação até que foi detectada uma hérnia discal na zona onde sofreu o golpe no dia fatídico de 15 de Julho de 2007.
24° Na sequência do acidente a Autora como consequência directa e necessária do mesmo resultou uma hérnia cervical.
25° Dada a evolução da mesma e os seus efeitos a Autora acabou por ter que ser operada à cervical.
26° A Autora na sequência do acidente e como resultado do mesmo, para além das muitas dores que tem padecido, deixou de poder fazer muitas das tarefas e actividades que fazia e normais para uma pessoa sem maleitas,
27° Nomeadamente, não consegue pegar em pesos,
28º Não pode passar a ferro,
29° A simples tarefa de puxar o travão de mão, não pode ser só com uma mão mas sim com as duas mãos... e é com dificuldade que manobra as mudanças do carro quando conduz.
30º Não pode fazer ginástica,
31º E só consegue dormir em determinadas posições, uma vez que as dores são constantes e não a deixam descansar.
32° A Autora trabalha numa loja sendo que não pode exercer as funções na sua totalidade, não pode trabalhar no armazém na arrumação em prateleiras do material e na reposição de material, dadas as suas limitações causadas directamente pelo acidente de que foi vítima.
33° A Primeira Ré tem a responsabilidade civil da sua actividade transferida para a Segunda Ré, sua companhia de seguros, que por esse motivo é parte legítima na presente acção e cuja apólice e condições se requer seja notificada para juntar aos Autos – Apólice n° 015110000754.
34° A Autora teve contactos com ambas as Rés, sendo que, foi encaminhada para a Segunda Ré no âmbito deste acidente, inclusive foi efectuada uma peritagem para efeitos de determinação de incapacidade, por um perito desta.
35º Até à data a Autora, apesar das inúmeras tentativas não foi indemnizada pelos danos que sofreu e ainda sofre consequência directa e necessária do acidente de que foi vítima no parque aquático.
36° Danos esses que são permanentes e vão manter-se na vida da Autora e que já a obrigaram a intervenções cirúrgicas e sem a garantia que não tenha que voltar a ser intervencionada.
37° A Autora passou muitas noites sem dormir, ansiosa, dorida, desanimada e já despendeu dinheiro em tratamentos e medicação e viu-se limitada na sua mobilidade e capacidade de se mover,
38° A Autora é pessoa jovem e que ficou marcada para o resto da sua vida por este acidente,
39° Que lhe deixa danos físicos e morais para o resto da sua vida.
40° A Autora tem vindo sempre a ser acompanhada medicamente, tendo tido alta há pouco tempo.
41° A Autora já despendeu cerca de 1.050,00 euros em massagista por forma a poder diminuir o seu sofrimento e tentar fazer a sua vida o mais próximo do normal, conforme documentos que junta e dá por integralmente reproduzidos como Does. 14 e I5.
42° A Autora por todo o seu sofrimento físico e moral que toda esta situação lhe causou e causa e consciente de que para o futuro vai sempre ter uma vida limitada, pretende ser indemnizada pelos danos sofridos c causados directamente pelo acidente de que foi vítima, e que deverão ser no montante de 30.000,00 euros.
43° A Autora por virtude deste acidente viu a sua vida totalmente transformada e limitada.
44° A Autora foi sempre pessoa saudável e fisicamente activa.
45° O acidente ocorreu nas instalações da Primeira Ré, no uso de uma actividade que a mesma tem aberta ao público,
46° Encontrando-se a respectiva responsabilidade civil transferida para a Segunda Ré.
47° Assim nos termos legais e aplicáveis a Segunda Ré é a responsável pela liquidação da indemnização à Autora por virtude ter para si transferida a responsabilidade civil relativamente à actividade exercida pela Primeira Ré.

Conhecendo da questão
Na decisão impugnada considerou-se que a acção proposta visava o ressarcimento indemnizatório decorrente de responsabilidade civil extracontratual, em que estão em causa “danos causados por actividades perigosas, importando chamar à colação” o artº 493º, n.º 1, do CC e a presunção de culpa nele consignada, mas que não dispensa a parte de alegar e provar o facto que serve de base à presunção. E nessa medida reconheceu-se que “a autora não invoca qualquer comportamento (ativo ou passivo) que tivesse adoptado ou omitido pela 1ª ré (e ou pelos seus trabalhadores ou colaboradores) e que possa ser tido como causal dos danos que sofreu, nem sequer qualquer factualidade com aptidão para formular um juízo de censura sobre essa mesma actuação (que, aliás, não surge sequer descrita)” ou seja, “a autora, no que concretamente se reporta aos diversos requisitos (de verificação cumulativa) que subjazem à afirmação da responsabilidade civil extracontratual, não alegou factos que permitam concluir pela adopção pela Ré de um qualquer comportamento voluntário, que se possa dizer culposo (porque censurável) e também ilícito (na medida em que em que se afiguraria violador de regras jurídicas e ou de conduta e ou de cuidado)” pelo que “não tendo a autora, alegado factos concretos que possam integrar a causa de pedir, verifica-se a falta desta e, consequentemente, a ineptidão da petição inicial, o que acarreta a nulidade de todo o processo (artº 186º, nºs 1 e 2, al. a)).”

Por seu turno a recorrente entende que desenvolvendo a 1ª ré uma actividade que a luz da lei se deve considerar perigosa os factos alegados na petição referentes ao uso do escorrega são suficientes para fazer valer a sua pretensão indemnizatória no âmbito da responsabilidade extracontratual, já que beneficia da presunção de culpa da ré prevista na lei.
Face ao preceituado no artº. 552º, nº 1, al d), do Cód. Proc. Civil, e tendo em atenção que estamos em face de uma acção declarativa de condenação decorrente de responsabilidade extracontratual, a causa de pedir, como se salienta na decisão recorrida, “tem natureza complexa, sendo igualmente complexa a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou a situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2ª Edição, Reimpressão, 1999, p. 205)”, ou seja, o conjunto de actos os factos jurídicos em que o autor se baseia para formular o seu pedido. [1]
Por isso, na petição devem ser indicados tais actos ou factos, fonte do pedido, de forma clara e inteligível de modo a que seja possível apreender com segurança a causa de pedir, devendo, para tal, fazer-se uma exposição de factos essenciais, relevantes para sustentar a pretensão que se formula, adequados ao regime legal aplicável, indicando as razões de direito que na sua óptica tornam viável a procedência da mesma.
A "causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado duma conclusão: a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão" … compreendendo-se, por isso “que a lei declare inepta a petição cuja conclusão briga com a causa de pedir”. [2]
No caso em apreço, diremos que a petição inicial compreende, apenas, exposição factual e considerações a retirar desses factos, nela não constatando qualquer razão de direito correspondente a previsão legal que tivesse sido indicada. Ou seja, pura e simplesmente não são invocadas quaisquer razões de direito, sustentadas em preceitos determinados, que sirvam de fundamento à acção.
Mas há que ter em atenção que a falta de indicação das razões direito não é sancionada com a ineptidão da petição, constituindo, apenas, um desvio ao estipulado na norma (al. d) do n.º 1 do artº 552º do CPC), [3] não obstante reconhecermos que tal omissão em nada contribuiu para a eficácia e celeridade da justiça que os intervenientes no processo devem almejar, já que põe em causa o princípio da cooperação que lhes é devida por não se esclarecer ab initio em termos de justificação das razões de direito, a pretensão que a autora deduz.
Assim, para apreciar do vício de ineptidão petição inicial, tendo por fundamento falta de causa de pedir havemos que atermo-nos apenas ao acervo factual que se fez constar no petitório.
No caso em apreço, como é reconhecido a decisão impugnada e não é posto em causa pelas partes, estamos no âmbito de uma actividade desenvolvida pela 1ª ré que deve ser considerada como actividade perigosa à luz da previsão do artº 493º, n.º 2, do CC, [4] pelo que, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os danos, atendendo à presunção de culpa provada e não apenas de simples culpa presumida. [5]
Por isso, ao lesado incumbe apenas alegar e provar os factos que constituem a base da aludida presunção, ou seja que o alegado lesante é responsável pela actividade perigosa e que o dano sofrido foi provocado no exercício dessa actividade.
Antunes Varela [6] aludindo a actividades que pela sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados devam ser consideradas perigosas, integradas no n.º 2 do artº 493º do CC, lapidarmente salienta:
“Desde, porém, que o queixoso alegue e prove que os danos foram causados no exercício de uma actividade perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, a lei (art. 493º, nº 2, do Cód. Civil) presume, a partir desse facto (base da presunção), que o acidente foi devido a culpa do agente.
Para exigir a indemnização, não se torna, por conseguinte, necessário ao queixoso alegar e provar as circunstâncias concretas do acidente, para convencer o tribunal de que o agente procedeu com culpa e é, consequentemente, obrigado a reparar o dano causado.
Ao demandado é que cabe, pelo contrário, se quiser liberar-se da obrigação, o ónus de alegar e provar, nos termos da disposição legal citada, que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos ou que o acidente se deveu a culpa do lesado ou de terceiro.
Sempre, por conseguinte, que haja uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes no litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção”
De tal decorre que tendo alegado que no dia 15 de Julho de 2007, deslocou-se ao estabelecimento de parque aquático que a Ré (…) – Urbanização e Construção, Lda., explora e na utilização de um escorrega que integra tal estabelecimento sofreu um acidente que lhe causou danos, físicos e morais que indica, estão alegados os factos essenciais a que alude o artº 552º, n.º 1, al. d), do CPC, pois ao contrário do defendido na sentença impugnada que chama à colação o disposto no n.º 1 do artº 493º do CC (não o º 2 deste artigo), não era à autora que competia alegar factos concretos, comprovativos de qualquer comportamento voluntário que se pudesse dizer culposo porque censurável e também ilícito (na medida em que se afiguraria violador de regras jurídicas e ou de conduta e ou cuidado) por parte da 1 ª Ré, bastando-lhe, como o fez, alegar que a 1ª ré desenvolve actividade de exploração de um parque aquático composto por piscinas e divertimentos, nomeadamente escorregas e que as lesões por si sofridas foram-no no uso de tais divertimentos, porque é à beneficiária da actividade considerada perigosa que em face dos danos “cumpre provar o efectivo cumprimento” dos deveres “de prevenção e de cuidado” de modo a que “nas condições existentes e de acordo com as (boas) técnicas de aplicáveis, previnam danos pessoais ou materiais”. [7]
Por outro lado, diga-se que qualquer das rés percebeu a pretensão da autora entendendo perfeitamente os factos que sustentavam a pretensão, não excepcionando o vício de ineptidão da petição inicial, donde mesmo que se entendesse que os factos integradores da causa de pedir não eram bastantes para alicerçar o pedido sempre se estaria perante um problema de improcedência da acção e não de ineptidão da petição.
Relevam, assim, as conclusões apresentadas pela recorrente, sendo de revogar decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que permita a normal tramitação dos autos, se outro motivo a tal não obstar.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que permita a normal tramitação dos autos, se outro motivo a tal não obstar.
Custas pela apelada (…).

Évora, 19-11-2015
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
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[1] - v. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 369; Vaz Serra in RLJ 109º, 313.
[2] - v. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 381
[3] - v. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 369-370; Lebre e Freitas in CPC Anotado, 2001, vol. 2º, 224.
[4] - v. Ac. do TRL de 04/05/2000 in Col. Jur. 3º, 75; Ac. do STJ de 08/03/2005 no processo 04A4412, disponível em www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 17/01/2012 no processo 291/07.6TBLRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 585.
[5] - Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, 3ª edição, vol. I, 470.
[6] - v. Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, 217.
[7] - v. Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 587.