Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL BARATA | ||
Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 03/14/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Frustrando-se o contacto pessoal com o executado, tendo a agente de execução procedido à citação com hora certa, afixando nota de citação no domicílio do executado na presença de duas testemunhas e enviando no mesmo dia a carta a que alude o artigo 233º do CPC, o executado mostra-se regulamente citado. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º 2886/17.0T8LLE-A.E1 Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: (…) Recorrido: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL. * No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Loulé o recorrente veio recorrer da falta de citação para a execução, argumentando que nunca tomou conhecimento do requerimento inicial e demais documentos que o acompanham, ou seja, do título executivo e outros se os houver. O Tribunal a quo havia anteriormente conhecido da reclamação, tendo decidido, em suma, que após tentativas frustradas de citação pessoal, o recorrente foi citado para a execução em 12 de Fevereiro de 2018 e em 16 de Maio de 2018, dias em que a agente de execução afixou editais na porta do domicílio do executado e lhe comunicou também por escrito a realização do ato. * Não se conformando com o decidido, o recorrente veio impugnar esta decisão formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do seu recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso: 1. O despacho recorrido toma partido indevido, valendo-se das alegações nos autos da senhora “AE”, e 2. Por outro lado, desconsidera indevidamente, a posição assumida nos autos pelo recorrente bem como toda a documentação – comprovativa do que alega – que carreou! 3. Na verdade e em rigor, o executado ora recorrente não pode considerar-se citado. 4. Muito mal andou o Tribunal a quo com o despacho que proferiu e ora em crise! 5. O Tribunal recorrido entendeu: “ (...) Ora, apreciando a sucessão de factos apurados à luz dos sobreditos normativos, é de concluir que a citação pessoal do executado ocorreu, não só, no dia 12 de Fevereiro de 2018, por afixação de nota de citação na morada do executado, mas também no dia 16 de Maio, por idêntico procedimento. (...) 6. Como resulta dos autos, nunca ocorreu qualquer citação pessoal! 7. Nem sequer edital! 8. Quanto à mencionada “citação’' então peio Tribunal a quo no despacho ora recorrido reportada a “Fevereiro” é a própria “AE” que confessa expressamente nos autos que procedeu à afixação mas ela própria e de imediato, removeu tal! 9. Não havendo assim qualquer citação! 10. O que, aliás comunicou então ao executado recorrente, como está igualmente demonstrado nos autos! 11. Relativamente à alegada “citação edital” reportada ao pretérito mês de Maio, o recorrente afirma que, nunca lhe chegou ao conhecimento qualquer edital afixado na porta da sua residência. 12. Razão pela qual, obviamente, não se pode considerar citado! 13. Acrescenta que, quer na data de 11 ou 16 de Maio não se encontrava na área da Comarca de Faro – por motivos profissionais e que disso deu prévio conhecimento à senhora “AE”! 14. Ou seja, aquela tinha manifesto conhecimento dessa ausência da respectiva residência, da Comarca de Faro, aliás! 15. Só em Julho, o executado ora recorrente, tomou conhecimento e através da consulta citius da “certidão de citação”, ficando a conhecer que uma das testemunhas de tal acto foi um morador no prédio, de nome (…), 16. E com quem, o recorrente mantêm um litígio, que motivou vários procedimentos judiciais contra essa tal testemunha, em processos que mantêm a respectiva pendência. 17. Disso não cuidou ou, simplesmente, ignorou a senhora “ae”. 18. Nem o próprio Tribunal a quo quis conhecer do mesmo, pois que omite tal circunstância no despacho ora recorrido e o executado ora recorrente, deu conhecimento do mesmo nos autos, V. doc. n° 5 que ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos junto do requerimento junto aos autos em 11 de Julho. 19. Limitando-se a dizer: “ (...) o executado ... nem aduz quaisquer factos concretos que, discutidos e sujeitos a instrução, pudessem constituir impedimento / obstáculo à tomada de conhecimento da citação, designadamente, que era impossível ou inviável a afixação de nota para citação e da própria citação. ” 20. Quando na verdade, o Tribunal a quo, não atendeu e desconsiderou, de todo, a posição do executado recorrente nestes autos, por contraposição, à posição da senhora “ae” de execução que mereceu, um injustificável, crédito do tribunal recorrido! 21. Admitindo, como parece, que a senhora “ae” procedeu à afixação do edital na porta da residência do prédio do executado ora recorrente, 22. Certo é que, o executado ora recorrente quando regressou a Tavira, um ou dois dias após o 16 de Maio, não tinha nada afixado na porta! 23. Nunca disso tomou conhecimento! 24. Não podendo assim ser prejudicado. 25. E considerar-se então como regularmente citado da execução. 26. O executado recorrente nunca tomou conhecimento de nenhuma peça dos presentes autos, a saber: “Edital da penhora; Nota de citação; Requerimento Inicial, Título Executivo, Outros eventuais documentos'’. 27. Com isto, o recorrente está indevidamente impedido de exercer o direito de defesa bem como de ver satisfeito o imprescindível, princípio do contraditório, art.s 3º e 4º do CPC. 28. É que, além de violados os art.s 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, reitera-se a nulidade de todos os actos praticados no presente processo executivo por falta da citação do executado, art.s 187º; 188º/1 e 851º, do CPC. * Foram colhidos os vistos por via eletrónica. * Vejamos. * A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:1. Em 19 de Abril de 2017, a CCAM do (…), CRL instaurou contra (…), residente na Rua Alto do (…), n.º 17- lº, frente, em Tavira, acção executiva para pagamento da quantia global de € 58.804,99, apresentando como título executivo escritura pública de compra e venda, com hipoteca, relativa à fracção "H", correspondente ao Primeiro Andar Direito, destinada a escritórios ou profissionais liberais, com acesso pelo terraço do lote 5 e pelas restantes circulações interiores de peões da urbanização, composta por duas divisões, com a área bruta privativa de 50,0000 m2 e área bruta dependente de 63,7000 m2, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, situado na Rua Dr. (…), nº 5, em Tavira, da União das Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago) e concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o nº …/19950724 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n. (…) que teve origem no artigo nº (…) da freguesia de Tavira (Santiago) (Extinta), com o valor patrimonial determinado no ano de 2016 de 55.010,00 euros. 2. No sobredito âmbito, em 11 de Outubro de 2017 foi penhorada a fracção descrita em 1. 3. Em 12 de Outubro, 30 de Outubro e 8 de Novembro de 2017, a agente de execução enviou, via postal, dirigida ao executado, para as moradas indicadas em 1, citação para termos da execução. 4. As cartas referidas em 3 vieram devolvidas com a menção "não atendeu". 5. Em 7 de Novembro de 2011 foi colocado na fracção id. em 1 o respectivo edital de penhora. 6. Em 13 de Dezembro de 2017, a agente de execução nomeada nos autos, através de empregado forense, deixou nota e aviso para citação, com hora certa, na morada da Rua Dr. (…), nº 5, em Tavira, dirigida ao executado, agendando o acto para as 11h do dia 3 de Janeiro de 2018. 7. Em 9 de Fevereiro de 2019, a agente de execução nomeada nos autos, deixou nota e aviso para citação, com hora certa, na Rua (…), n.º 17- lº, frente, em Tavira, dirigida ao executado, agendando o acto para as 12h do dia 12 de Fevereiro seguinte. 8. No dia 12 de Fevereiro de 2018, pelas 12h, na morada indicada em 7., a agente de execução afixou nota de citação do executado, com a indicação de que os documentos ficariam à disposição do citando na secretaria judicial, indicando como testemunha, Joaquim Anjo, empregado forense. 9. No mesmo dia, por escrito, dirigido para a morada indicada em 7., a agente de execução comunicou ao executado a realização do acto descrito em 8. 10. Em 11 de Maio de 2018, a agente de execução nomeada nos autos, deixou nota e aviso para citação, com hora certa, na Rua (…), n.º 17- l.º, frente, em Tavira, dirigida ao executado, agendando o acto para as llh30m do dia 16 de Maio seguinte. 11. No dia 16 de Maio de 2018, pelas llh30m, na morada indicada em 10., a agente de execução afixou nota de citação do executado, com a indicação de que os documentos ficariam à disposição do citando na secretaria judicial, indicando como testemunhas, (…), empregado forense, e (…). 12. No mesmo dia, por escrito, dirigido para a morada indicada em 10., a agente de execução comunicou ao executado a realização do acto descrito em 11. 13. Entre, pelo menos, 21 de Fevereiro e 6 de Julho de 2018, o executado e a agente de execução trocaram emails, além do mais, no sentido de agendar o acto de citação. *** As nulidades do processo têm como consequência a anulação do processado, sendo desvios ao formalismo processual; prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. A não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior desde que a falta não se encontre sanada, aproveitando-se apenas a petição inicial – Artº 187º do CPC. Como sabemos, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artº 188º, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artº 191º do mesmo diploma legal. Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 188º do CPC, designadamente “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” – Artº 195º/1 e) do CPC. A nulidade principal correspondente à falta da citação deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada – Artºs 189º e 198º do CPC. Eurico Lopes-Cardoso in Manual da Acção Executiva, 3ª Ed. Almedina, 1992, pág. 647, ainda com referência ao anterior código, refere que: “O executado pode, a todo o tempo, requerer a anulação do processo executivo quando, sendo necessária a sua citação inicial, esse processo tiver corrido «à sua revelia» e se verifique: a) falta da referida citação; ou b) nulidade dela. Há falta de citação, não só quando o acto for completamente omitido, mas ainda quando se verifique qualquer das outras hipóteses indicadas no artigo 195.º. (atual 188º). A citação é nula quando, embora efectuada com observância das formalidades essenciais indicadas no n.º 2 do citado artigo 195.º, o tenha sido com preterição doutras previstas na lei — artigo 198.º, n.º 1 (atual 191º). Note-se que, regra geral e segundo o n.º 2 do artigo 198.º, a nulidade da citação deve ser arguida em cinco dias (artigo 153.º, no atual 149º este prazo é de 10 dias) a partir daquele em que a citação foi feita, e só é atendida quando a falta cometida possa prejudicar a defesa do citado. Essa regra não é, porém, aplicável ao processo executivo. O artigo 921.º, n.º 1 (atual 851º), equipara os efeitos da nulidade aos da falta absoluta de citação e não faz nenhum limite para a reclamação do executado, no caso de que trata. Quer dizer, para efeitos de anulação do processo executivo, a nulidade da citação pode ser arguida a todo o tempo, desde que esse processo tenha corrido à revelia do executado, mesmo que a irregularidade não tivesse podido prejudicar a defesa deste. Bem ou mal, é este o regime instituído pelo dito artigo 921.º, que manteve o que dispunha o artigo 921.º do Código de 1939. Quando fala em «a execução correr à revelia do executado», esse artigo quer referir-se ao facto de a execução correr sem qualquer intervenção do executado, por si ou por mandatário. Cessando a chamada «revelia», por qualquer intervenção do executado, terá este que requerer logo a anulação do processo, se for caso disso. Mais tarde é que não o pode fazer.” A nulidade da citação verifica-se quando não sejam observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei, tal como estipula o artº 191º/2 do CPC: “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.” Feito este excurso legal e doutrinal voltamos ao caso dos autos. O Tribunal a quo fundamentou assim a sua decisão: “Voltando ao caso concreto, demonstra-se que em 13 de Dezembro de 2017, a agente de execução nomeada nos autos, através de empregado forense, deixou nota e aviso para citação, com hora certa, na morada indicada da fracção penhorada, dirigida ao executado, agendando o acto para as 11h do dia 3 de Janeiro de 2018. No entanto, os factos não revelam que o acto de citação tenha ocorrido no dia 3 de Janeiro, conforme agendado. Apura-se que, posteriormente, em 9 de Fevereiro de 2018, a agente de execução nomeada nos autos, deixou nota e aviso para citação, com hora certa, na Rua (…), n.º 17- l.º, frente, em Tavira, dirigida ao executado, agendando o acto para as 12h do dia 12 de Fevereiro seguinte. A morada em causa foi indicada como sendo a do executado no requerimento executivo, facto que não foi contrariado nos autos. E apura-se que, no dia 12 de Fevereiro de 2018, na mesma morada, a agente de execução afixou nota de citação do executado, com a indicação de que os documentos ficariam à disposição do citando na secretaria judicial, indicando como testemunha, Joaquim Anjo, empregado forense. Ainda no mesmo dia, por escrito, dirigido para aquela morada, a agente de execução comunicou ao executado a realização do acto de citação na hora designada. Mais se demonstra que o procedimento supra descrito foi repetido pela agente de execução; pois que, em 11 de Maio de 2018, deixou nova nota e aviso para citação, com hora certa, na Rua (…), n.º 17-l.º, frente, em Tavira, dirigida ao executado, agendando o acto para as 11h30m do dia 16 de Maio seguinte. No dia 16 de Maio de 2018, na dita morada, a agente de execução afixou nota de citação do executado, com a indicação de que os documentos ficariam à disposição do citando na secretaria judicial, indicando como testemunhas, (…), empregado forense, e (…). E no mesmo dia, por escrito, dirigido para aquela morada, a agente de execução comunicou ao executado a realização do acto de citação na hora designada. Ora, apreciando a sucessão de factos apurados à luz dos sobreditos normativos, é de concluir que a citação pessoal do executado ocorreu, não só, no dia 12 de Fevereiro de 2018, por afixação de nota de citação na morada do executado, mas também no dia 16 de Maio, por idêntico procedimento. Pese embora o executado alegue que não viu ou tomou conhecimento de quaisquer avisos, notas ou documentos, o certo é que não põe em causa que as moradas em causa lhe pertencem, nem aduz quaisquer factos concretos que, discutidos e sujeitos a instrução, pudessem constituir impedimento/obstáculo à tomada de conhecimento da citação, designadamente, que era impossível ou inviável a afixação de nota para citação e da própria citação. Na verdade, o executado limita-se a dizer que nada viu ou recebeu, sem mais. (…) Improcede, destarte, a suscitada nulidade da citação efectuada nos autos.” Com base na factualidade provada apenas se vislumbra uma irregularidade ocorrida na tentativa de citação do dia 12 de Fevereiro de 2018, uma vez que ao contrário das duas testemunhas que a lei impõe estejam presentes no ato de afixação da nota de citação no domicílio do executado, apenas se encontrava presente uma testemunha. *** Sumário: I.- Há falta de citação não só quando o ato for completamente omitido mas ainda quando se verifique qualquer das outras hipóteses indicadas no artigo 188.° do CPC. A citação é nula quando, embora efetuada com observância das formalidades essenciais indicadas no citado artigo 188°, o tenha sido com preterição doutras previstas no artº 191° do mesmo diploma. *** DECISÃO. Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a decisão recorrida. * Custas pelo recorrente – Artº 527º C.P.C. Notifique. Évora, 14-03-2019
José Manuel Barata (relator) Conceição Ferreira Rui Machado e Moura |