Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1169/05.3TBBJA.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 09/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao agente de execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1, do NCPC, decidir em primeira linha da deserção da instância do processo executivo.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 1169.05.3TBBJA – Apelação
Comarca de Beja (Beja-IL–SC-J1)
Recorrente: Caixa (…)
Recorrido: (…) e (…) e Outros
R54.2015

Nesta Execução que a Caixa (…) move a (…) e (…) e Outros, foi decidido, por Despacho de 08.04.2015 (ref.ª 26733382), o seguinte:
“….
Não sendo o processo impulsionado há mais de 6 meses, notifique as partes da deserção da instância e consequente extinção da execução (artigos 281.º, n.º 5 e 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Custas pelo exequente.
Oportunamente arquive”.

Por Requerimento de fls. 134 e 135, veio a Exequente requerer o seguinte:
“CAIXA (…), notificada nos autos à margem identificados, em que são executados (…) e OUTROS, do despacho com a ref.ª 26733382 vem, ao abrigo do disposto no art.° 614.° do C.P.Civil, expor e requerer a V.Exa o seguinte:
Conforme resulta dos autos o Agente de Execução solicitou à Exequente, em 4 de Dezembro de 2012, uma provisão, indicando que a mesma visava a penhora e registo de um imóvel.
A referida provisão foi-lhe entregue em 10 de Dezembro de 2012 (cfr. comunicação dessa data, com a ref.ª 641479).
Desde então a Exequente foi notificada pelo Agente de Execução da existência de "rendimentos da categoria B - herança indivisa" e de que iria ser requerida a prolacção de despacho a autorizar o levantamento do sigilo fiscal, despacho esse que nunca lhe foi notificado.
Por conseguinte, a Exequente ignora se o Agente de Execução chegou a penhorar algo e, em caso afirmativo, o quê.
Em qualquer caso, a responsabilidade pelo facto de nada ter sido junto aos autos, desde Dezembro de 2013, não pode ser imputada à Exequente. Acresce que nos presentes autos foi penhorado, em 23 de Junho de 2009, o prédio misto denominado "Quinta da (…)", descrito na CRP de Beja sob o n.º …/19970801, freguesia de Beja (Sta. Maria da Feira), que já havia sido penhorado noutra execução, pelo que a presente execução foi sustada relativamente a este imóvel.
Ora,
Caso o Agente de Execução conclua que nenhum património mais existe, além do imóvel já penhorado, compete-lhe dar cumprimento ao disposto no art.º 750.º do CPC e, só depois, a execução poderá ser extinta, nos termos previstos no art.º 794.º, n.º 4, do CPC.
É manifesto que à Exequente não pode ser imputada a responsabilidade pelo facto de, até à presente data, o Agente de Execução não ter dado cumprimento às obrigações que a lei lhe impõe.
E nem sequer a responsabilidade pela escolha do Agente de Execução pode ser imputada à Exequente uma vez que, à data da propositura da presente execução, a nomeação cabia ao Tribunal, conforme resulta da notificação cuja cópia se anexa (cfr. doc.1).
Face ao exposto, a Exequente não pode deixar de concluir que só um manifesto lapso na apreciação da tramitação processual dos presentes autos poderá justificar a imputação à Exequente da responsabilidade pela aparente inércia do Agente do Execução.
Aliás, face à última informação que consta dos autos, é de admitir que se encontrem penhorados alguns rendimentos, ainda que nada tenha sido comunicado quer à Exequente, quer ao Tribunal.
Termos em que, respeitosamente, requer a V.Exa se digne substituir o despacho que julga a instância deserta, por outro, que determine a notificação do Agente de Execução para informar, em 10 dias, o resultado das consultas e diligências que fez, com vista a apurar a existência de património, sob pena de destituição”.

Sobre este Requerimento recaiu o Despacho de 15.04.2015 (ref.ª 26754229), em que se decidiu o seguinte:
“Por despacho que antecede foi determinada a notificação das partes por não serem impulsionados os autos há mais de 6 meses.
Vem o exequente requerer a substituição do despacho por outro que determine a notificação do Sr. Agente de Execução para informar o resultado das consultas e diligências efectuadas, sob pena de destituição, imputando a este último a responsabilidade pela falta de impulso processual.
Cumpre apreciar.
Compulsados os autos resulta que em 16.10.2013 foi determinado o levantamento do sigilo fiscal tendo em vista aceder a bases de dados confidenciais.
Notificado o requerente Agente de Execução, mostra-se junta aos autos a remessa de tal despacho ao Serviço de Finanças, com o pedido das informações pretendidas.
Desde 19.12.2013 não consta qualquer intervenção do exequente ou do Sr. Agente de Execução nos autos.
O Agente de Execução, e como lhe competia, levou a cabo consultas tendentes à determinação de bens penhoráveis e à penhora.
Competia ao Agente de Execução, e não directamente ao Exequente, efectuar as diligências pertinentes à execução e, nomeadamente, promover o andamento da execução mediante a penhora de bens. No entanto, como decidido foi pelo Ac. TRG de 12.09.2013, na base de dados da DGSI, “é preciso compreender que o agente de execução (e embora a sua missão esteja também dotada de características de oficialidade pública) está ao serviço dos interesses do credor exequente, funcionando basicamente como um mandatário deste (v. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed., pp. 110 e 111). Nessa medida, impõe-lhe a lei que mantenha o credor informado do que se passa designadamente em termos de penhora (v. art.s 833º-B e 837º do CPC, e 10º da Port. nº 331-B/2009), e a sua acção é passível de ser controlada e valorada pelo exequente (v. art. 808º do CPC). Portanto, a acção do agente de execução vale apenas como intermediação, estando sempre o exequente sob a obrigação e em condições de impulsionar a execução (rectius, de a fazer impulsionar pelo respectivo agente de execução), e se tal não acontece é a ele, a parte processual e substantiva, que é imputável a inação que se registe na execução.
Ora, tendo o exequente o domínio sobre a execução, sucedeu que se alheou do impulso processual que seria devido para contrariar o estado inactivo plasmado no processo.
A não ser assim, então a extinção da execução determinada pelo n.º 5 do artigo 281.º, n.º 5 do Código de Processo Civil nunca (ou praticamente nunca) teria lugar, pois que é ao agente de execução (e não pessoalmente ao exequente) que compete, em princípio, efectuar as diligências executivas.
Por isso, mesmo que o agente de execução nenhum acto desenvolvesse em prol do andamento da execução sempre a instância executiva se manteria pendente o que contraria frontalmente o espírito e a letra das introduções introduzidas pela lei 41/2013, de 26 de Junho ao regime da deserção da instância.
Acresce que, não colhe a argumentação do exequente quanto à responsabilidade pela escolha do Sr. Agente de Execução uma vez que está na sua disponibilidade a substituição do mesmo nos termos do disposto no artigo 720.º do Código de Processo Civil.
Por tudo o exposto, indefere-se o requerido, mantendo-se o despacho que antecede.
Custas do incidente pela exequente, fixadas no mínimo legal.
…”

Inconformada com tal decisão, veio a Exequente interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão com a ref.ª 26733382, de 8.4.2015, que determinou a notificação das partes “da deserção da instância e consequente extinção da execução (art.ºs 281.º, n.º 5 e 277, alínea c), do CPC” e do subsequente despacho com a ref.ª 26754229, de 15.4.2015, que a manteve, com as quais a recorrente não pode conformar-se.
b) São os seguintes os factos a ter em consideração:
O requerimento inicial deu entrada em juízo em 28.11.2005.
Em 23.1.2006, foi notificada à exequente a nomeação do actual agente de execução, que não é aquele que foi indicado no requerimento inicial.
A provisão inicial foi entregue ao agente de execução em 06 de Fevereiro de 2006, após o que os executados foram citados.
A instância esteve, depois, suspensa, a requerimento das partes.
Em 08 de Maio de 2007, a exequente requereu o prosseguimento da execução, o que foi ordenado por despacho notificado à exequente em 23.5.2007.
Em 13 de Maio de 2008, a exequente juntou aos autos cópia da comunicação que dirigiu ao agente de execução, solicitando informação sobre o estado das diligências e a entrega do relatório previsto no art.º 837.º, nº 2, do CPC, após o que, em 4 de Dezembro de 2008, este foi notificado, pelo Tribunal, para entregar tal relatório.
Em 21 de Janeiro de 2009, constatando que o processo se encontrava sem impulso processual desde Maio de 2007, a exequente requereu a destituição do agente de execução e a sua substituição. Notificado pelo Tribunal do requerimento da exequente, em 23 de Junho de 2009, o agente de execução veio dar conhecimento, nos autos, da penhora do prédio descrito sob o n.º … da freguesia de Beja, registada sob a AP. …, de 2009/02/19, e requerer a sustação da execução, relativamente a esse imóvel, uma vez que o mesmo já se encontrava onerado por penhoras anteriores.
No despacho subsequente, ref.ª 1552419, de 14 de Setembro de 2009, o Tribunal limitou-se a sustar a execução, não se tendo pronunciado pelo pedido de destituição apresentado pela exequente.
Posteriormente, em 19.2.2010, foi decretada a suspensão da instância, em virtude do falecimento do executado marido.
Em 07 de Abril de 2011, a exequente requereu a habilitação dos herdeiros mas – certamente por lapso – no dia 28 de Abril seguinte foi proferido despacho a declarar interrompida a instância, tendo a exequente requerido a rectificação do mesmo.
Os herdeiros foram julgados habilitados por sentença proferida em 10 de Novembro de 2011.
Em 08 de Fevereiro de 2012, a exequente pediu ao Tribunal que notificasse o agente de execução, para dar andamento ao processo, o que veio a ocorrer em 30 de Outubro de 2012.
Seguiu-se um pedido de provisão, que foi entregue em 07 de Dezembro de 2012, conforme comunicação enviada ao agente de execução.
No dia 04 de Dezembro de 2012, o agente de execução informou a exequente dos resultados da diligência para penhora do salário da executada e em 05 de Setembro de 2013, da informação transmitida ao Tribunal, na mesma data, sobre as pesquisas de bens, e de que havia requerido o levantamento do sigilo fiscal.
O despacho que recaiu sobre o pedido de levantamento foi notificado apenas ao agente de execução, em 6 de Novembro de 2013 havendo registo, no CITIUS, de alguns actos posteriores, por ele praticados, dos quais a exequente nunca foi notificada.
Segue-se, finalmente, o despacho de 08 de Abril passado, de que ora se recorre.
c) A ideia subjacente ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, citado no último despacho em análise – a saber, que o agente de execução, não obstante a missão pública, “funciona basicamente como um mandatário deste” [exequente] – tem de ser aplicada, no caso em análise, com uma considerável dose de “grano salis”, na medida em o Tribunal não nomeou o solicitador indicado no requerimento inicial e, tacitamente, optou por manter o solicitador de execução que nomeou, apesar da exequente ter, oportunamente, requerido a sua destituição.
d) Tão pouco a alteração das regras processuais, introduzidas pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, podem ser aplicadas, sem mais, aos processos anteriores, uma vez que logo no art.º 6.º deste diploma o legislador determina a aplicação do novo regime às execuções pendentes, “com as necessárias adaptações”, a que acresce o dever de gestão processual, previsto no art.º 6.º do Código de Processo Civil, ao abrigo do qual o Tribunal poderá promover “oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção” e determinar “a realização de actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva se praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
e) Por outro lado, e salvo o devido respeito, a circunstância de ter desaparecido a figura da interrupção da instância, como “antecâmara” da deserção, não implica que o juízo a fazer, relativamente à inércia da parte, deva ser diferente daquele que constituía jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais, a saber, que a verificação da interrupção da instância pressupõe «um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo».
f) Salvo o devido respeito, face às supra mencionadas regras e princípios processuais, constatando-se que a exequente não foi notificada, sequer, do despacho que autorizou a solicitação de informações aos serviços de finanças, impunha-se, no mínimo, que o Tribunal desse à exequente a oportunidade de renovar o pedido de destituição do agente de execução, informando-a, primeiro, da data em que este último foi notificado do referido despacho e convidando-a a pronunciar-se, o que manifestamente não aconteceu.
g) E, apurando-se que nenhum património existe, susceptível de ser penhorado, cabe ao agente de execução dar cumprimento ao disposto no art.º 750.º do CPC, para efeitos da eventual aplicação do disposto no art.º 794, n.º 4, do mesmo Código, o que também não aconteceu, por motivo que a exequente continua a ignorar e, portanto, não lhe pode ser imputado.
h) É pois de concluir que as decisões recorridas não aplicaram correctamente a lei e, por conseguinte, devem ser revogadas e substituídas por outra, que determine a notificação do Solicitador de Execução para informar o resultado das diligências que lhe cabia promover, sob pena de destituição.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos, ...”

Cumpre decidir.

II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se os despachos recorridos devem ser revogados.

Nos termos do art.º 281º, n.º 5, do NCPC, “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Não se nos afigurando que, no processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente, uma vez que se mostra necessário apreciar da negligência das partes na falta de impulso processual (em sentido contrário Lebre de Freitas NCPC Anotado, Vol.I, 3ª Edição, em nota ao art.º 281º), importando determinar a competência para decidir da deserção da instância.
Pese embora a pouca clareza do texto do preceito quanto à competência para determinar a deserção da instância, entendemos que, sem prejuízo do disposto no art.º 723º, n.º 1, alíneas c) e d), do NCPC, e não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao agente de execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1, do NCPC, decidir em primeira linha da deserção da instância do processo executivo (vide neste sentido Ac. do TRG de 15/05/2014, proferido no Proc. 5523/13.9TBBRG.G1).
Assim sendo, e não se estando perante uma situação enquadrável nas alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 723º do NCPC, não tem o Sr. Juiz “a quo” competência para determinar a deserção da instância, pelo que se revoga o despacho recorrido, determinado o prosseguimento dos autos, com a apreciação, para além do mais, do requerido pela Exequente a fls. 134 e 135.
***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela revogação da decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, nos termos acima definidos.
Custas pelos Apelados.
Registe e notifique.
Évora, 10 de Setembro de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes