Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
951/12.0TBPTG-B.E1
Relator: SILVIO SOUSA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O incumprimento do dever de, tempestivamente, requerer a declaração de insolvência apenas permite presumir a existência de culpa grave, sendo necessário, para que esse incumprimento possa determinar a qualificação da insolvência como culposa, demonstrar que o mesmo agravou a situação de insolvência;
2 - Para efeitos de declarar a insolvência como culposa, o incumprimento do dever do gerente de prestar informações ao administrador da insolvência deve ser “reiterado”, o que não se confunde com a intempestividade ou incompletude da informação.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 951/12.0TBPTG-B.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

Declarada como culposa a insolvência da requerida (…), Lda. e decretada a inibição do seu gerente (…) para administrar patrimónios de terceiros, exercer o comércio, ocupar de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica e empresa pública ou cooperativa, pelo período de dois anos, a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e a sua condenação em indemnizar os credores da insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do respetivo património, recorreu a requerida culminando as sua alegações, com as seguintes conclusões:

- A insolvência da sociedade (…), Lda. foi fortuita e não culposa;

- O sócio gerente (…) tudo fez para honrar os seus compromissos e obrigações;

- A sociedade não estava insolvente em 2006 sendo perfeitamente viável, tendo apenas algumas dificuldades financeiras;

- A situação de insolvência surgiu muito posteriormente, em dada não apurada;

- Pelo que não são aqui aplicáveis as disposições legais constantes do artigo 186.º, nºs 2, i) e 3, a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empesas.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida.

Contra-alegou a Exma. Procuradora Adjunta, sustentando a manutenção do decidido.


Face às conclusões das alegações o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se estão ou não reunidos os pressupostos para qualificar de culposa a insolvência.


Foram colhidos os vistos legais




Fundamentação


A -Factos


Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade:


1 - A sociedade (…), Lda. foi declarada insolvente, por sentença datada de 8 de Janeiro de 2013;


2 - A insolvente é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social visa a comercialização de refrigerantes, águas, vinhos, aperitivos e bebidas, com sede na Rua 5 de Outubro, lote 1, (…), (…);


3 - A sociedade encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Portalegre, com o NIPC (…), com o capital social de € 24.939,90, e a gerência a cargo de (…) e (…);


4 - A gerência de facto da sociedade cabia a (…);


5 - O capital social da sociedade é constituído por duas quotas, uma valor de € 15.961,54, pertencente a (…), e outra, no valor de € 8.978,36, pertencente a (…);


6 - O Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. apresentou requerimento executivo, em 21 de Novembro de 2011, a que serve de título executivo uma livrança, titulando como quantia exequenda o montante de € 43.493,00, que corre termos neste Tribunal e juízo, com o número de processo (…)/07.1TBPTG, contra a requerida, (…), (…) e (…);


7 - A insolvente é devedora ao Banco – Tecnicrédito no montante de € 5.134,29;


8 - A sociedade insolvente é devedora ao Banco BPI, no montante de € 27.000,00;


9 - A requerida não tem bens imóveis e móveis;


10 - A requerida deve à Autoridade Tributária e Aduaneira o montante total de € 6.015,92, a título de IVA, referente aos períodos de tributação de 1 de Outubro de 2006 a 3 de Dezembro de 2006, vencida em 15 de Fevereiro de 2007; de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2008, vencida em 23 de Agosto de 2010; de Janeiro de 2012 a 31 de Março de 2012, vencida em 27 de Junho de 2012; de 1 de Abril de 2012, a 30 de Junho de 2012, vencida a 4 de Setembro de 2012; bem como a coimas e a encargos de processo de contra-ordenações, nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2007, 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2011, 1 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2012, e 1 de Janeiro de 2012 a 3 de Dezembro de 2012;


11 - A insolvente deve ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP o montante de € 15.840,80, a título de cotizações, contribuições se juros, referentes aos períodos de Março de 205 a Setembro de 2007;


12 - O sócio gerente (…) teve sempre conhecimento da situação financeira da empresa;


13 - Pelo menos desde 2006 que o sócio gerente conhecia a situação de inviabilidade da sociedade;


14 - A sociedade foi perdendo, desde 2006 até à declaração de insolvência, trabalhadores e património;


15 - A sociedade deixou de ter actividade em data próxima à declaração de insolvência;


16 - O sócio gerente (…) não forneceu, atempada e cabalmente, as informações peticionadas pela Sra. Administradora da Insolvência.


B - O direito


- A qualificação da insolvência como culposa pressupõe que a actuação dos administradores, dolosa ou com culpa grave, acontecida nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, tenha criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Ou seja: para a qualificação da insolvência como culposa, importa que tenha havido uma conduta do devedor ou dos seus administradores de facto ou de direito que: a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência; b) essa conduta seja dolosa ou com culpa grave; c) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo [1];


- Em determinadas situações, a lei instituiu “uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário” [2];


- Noutras, consagrou “uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração (…) que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta [3];


- Uma das presunções iuris et de jure traduz-se no incumprimento, de forma repetida, dos deveres de apresentação e de colaboração, até à elaboração, pelo administrador da insolvência, do parecer consagrado na tramitação do incidente pleno de qualificação da insolvência [4];


- Constitui presunção de culpa grave o incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência [5];


- “O prazo para o devedor se apresentar à insolvência é fixado em trinta dias, a contar do seu conhecimento da situação de insolvência, ou da data em que devesse conhecer (…). No entanto, sendo o devedor titular de empresa, é estabelecida uma presunção juris et de jure quanto ao seu conhecimento da situação de insolvência, passados três meses sobre o incumprimento generalizado das suas obrigações tributárias, ou das obrigações à segurança social (…)” [6];


- Um dos efeitos da insolvência culposa coincide com a inibição, por um período de dois a dez anos, das pessoas atingidas por essa qualificação para o exercício do comércio e “para ocuparem qualquer cargo de titular de várias categorias de pessoas colectivas: sociedades comerciais ou civis, associações ou fundações privadas de actividade económica, empresa pública ou cooperativa” [7].


C- Aplicação do direito aos factos


“Atenta a matéria de facto considerada provada”, o Tribunal recorrido concluiu, “estar preenchido, não só o requisito da alínea i), do nº 2 do artigo 186.º, como a alínea a) do número 3 do mesmo artigo”.


Acontece, porém, o incumprimento do dever de, tempestivamente, requerer a declaração de insolvência apenas permite presumir a existência de culpa grave, sendo necessário, para que esse incumprimento possa determinar a qualificação da insolvência como culposa, demonstrar que o mesmo agravou a situação de insolvência [8].


Se é certo que, no entender do referido Tribunal, assim aconteceu – “a não apresentação atempada à insolvência, ainda que não tenha criado a situação de insolvência, agravou-a, já que a situação patrimonial e financeira da sociedade não melhorou, pelo contrário” –, não é menos certo que este juízo não se encontra espelhado na matéria assente. Ou seja: considerando que “pelo menos desde 2006 que o sócio gerente conhecia a situação de inviabilidade da sociedade” e que a devedora (…), Lda. se apresentou à insolvência, em Novembro de 2012, do rol dos factos provados não consta o que, de forma dolosa ou com culpa grave, o dito gerente praticou, no mencionado lapso de tempo, que determinou tal agravamento.


Os factos dados provados apontam apenas para um reduzido aumento do passivo, resultante de dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, sem que no mesmo rol se mencione as variações do activo, no mesmo período.


Não está, pois, preenchida a hipótese consagrada no artigo 186.º, n.º 3, a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.


O mesmo acontece com a alínea i) do nº 2 do referido normativo. Na verdade, o incumprimento por parte do gerente Manuel Realinho do dever de prestar informações à administradora da insolvência tem de ser “reiterado”, o que não se confunde com a intempestividade ou incompletude da informação, conforme, apenas, de apurou.


Assim, e por exclusão de partes, considera esta Relação, com as inerentes consequências, a insolvência da devedora (…), Lda. fortuita.


Procede, deste modo, a apelação.


Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Relação, julgando procedente a apelação, revogar, com as inerentes consequências, a sentença recorrida.

Custas a cargo da massa insolvente.

Évora, 24 de Setembro de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira


__________________________________________________
[1] Artigo 186º, nº 1 do CIRE, Luís A. Carvalho Fernandes / João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação e Empresas Anotado, vol. II, pág. 14 e Acórdãos da Relação de Guimarães de 11 de Janeiro de 2007 e 20 de Setembro de 2007 e da Relação do Porto de 13 de Setembro e 25 de Outubro de 2007, in www.dgsi.pt..
[2] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2012, 6ª edição, pág. 187, e artigo 186º., nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[3] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2012, 6ª edição, pág. 187, e artigo 186º., nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[4] Artigo 186º., nº 2, i) do Código da Insolvência e da Recuperação e Empresas.
[5] Artigo 186º., nº 3, a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[6] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 6ª edição (2012), pág. 67, e artigo 18º., nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[7] Artigo 189º., nº 2, c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, pág. 626.
[8] Acórdãos da Relação de Évora de 17 de Abril de 2008 (processo nº 2773/07.2), 23 de Setembro de 2009 (processo nº 3309/05.3 TBSRR-A.E1), 13 de Dezembro de 2011 (processo nº 2076/09.6 TBSTR-A.E1) e da Relação de Coimbra de 16 de Setembro de 2014 (processo nº 1146/12.8 TBCVL), in www.dgsi.pt..