Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
65/13.OGDLLE.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
DOLO
ARREPENDIMENTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Para haver um crime de abuso sexual de trato sucessivo é necessário que as condutas sejam essencialmente homogéneas, temporalmente próximas e que exista uma só resolução criminosa assumida pelo arguido desde o início e que a vítima seja a mesma.

II - Nos crimes de trato sucessivo, o dolo do agente engloba uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe desde logo a praticar, para tanto preparando, se necessário, as condições de realização; a repetição do crime revela uma persistência da resolução criminosa, traduz uma culpa agravada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I- Relatório
Por acórdão de 21 Abril de 2016, proferido no processo comum colectivo com o número acima mencionado da Instância Central de Beja – Secção Cível e Criminal –J3, da Comarca de Beja deliberou-se:

A)Absolver o arguido A. da prática, em concurso efectivo, de:
- Dois crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo art. 171.°, n° 1 e 177º nº1 b) do Código Penal;
- Três crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo art. 171.°, n° 2 e 177º nº1 b) do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo art. 171.°, n° 3 a) e 177º nº1 b) do Código Penal;
- Dez crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo art. 171.°, n° 3 b) e 177º nº1 b) do Código Penal;

B) Condenar o arguido A. pela prática, em concurso efectivo, de:
- Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.°, n° 1 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão:
- Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.°, n° 2 do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;
- Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.°, n° 3 b) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.

C) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido na pena única de seis anos de prisão;

Inconformado o arguido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

”A) A impugnação da matéria de facto dirige-se aos factos provados n.os 45, 47, 49 e 50, que devem ser parcialmente alterados, nos seguintes termos:

i)Facto n.º 45
No final, após a transcrição do Relatório Social, deve aditar-se o seguinte: “Os dados factuais do relatório supra são tidos como assentes, particularmente os seguintes:

● O Arguido desempenha actualmente as funções de animador de idosos em lares e centros de convívio do Município … e participa na organização de actividades de cariz humanitário na Câmara Municipal …;

●O Arguido mantém o mesmo enquadramento familiar e social, contando com o apoio da mulher, dos pais, da família, de amigos e de colegas, que o têm apoiado e incentivado a ultrapassar o problema subjacente aos factos em causa nestes autos, não tendo havido rejeição da comunidade local à sua presença;

● O Arguido está empenhado na conservação do seu casamento, afastando qualquer hipótese de nova associação a comportamentos da natureza dos que estiveram na origem deste processo, não tendo procurado manter quaisquer contactos com a vítima”.

II) Facto n.º 47
Onde se lê “afirma-se motivado e realizado no acompanhamento a idosos” deve ler-se “está motivado e realizado no acompanhamento a idosos”.

iii) Facto n.º 49
Onde se lê “manifestou-se arrependido” deve ler-se “está arrependido”.

iv)Facto n.º 50
Em vez do texto constante da sentença onde se refere que pelo Arguido foi junto um “auto-denominado Parecer Clínico”, cujo teor se transcreve, deve passar a ler-se o seguinte: “O Arguido foi observado pelo Psiquiatra Prof. C e pelo Psicólogo Clínico G, em Março e Abril de 2014, iniciando uma psicoterapia em Maio de 2014, com uma regularidade semanal até Julho de 2015, e quinzenal desde então até ao presente, em face da qual se estabelecem os seguintes factos:

● Aquando da avaliação psicológica, revelava-se um quadro de ansiedade e depressão, bem como uma estrutura de Personalidade Dependente;

● A sintomatologia depressiva e ansiosa possuía uma qualidade reactiva à situação judicial, mas o quadro depressivo arrastava-se há vários anos, possuindo a qualidade de reacção de luto à perda de uma gravidez da esposa, adquirindo um valor traumático, pouco verbalizado e não elaborado, conduzindo a uma situação de fragilidade psíquica;

● Foi nesse contexto de luto e depressão que o Arguido estabeleceu uma relação de forte dependência com o menor, gerando no plano emocional uma relação de paixão ou enamoramento, com uma idealização sexual imatura, sobretudo ao serviço daquele quadro de dependência;

● O doente conseguiu interiorizar a culpabilidade e o remorso, o que possibilitou um movimento de mudança e reparação pelos actos cometidos

● Com a continuidade do acompanhamento, será diminuído significativamente o risco de recidiva ou agravamento da condição psicológica, sendo essencial que possa usufruir de estabilidade psicossocial e apoio da família”.

B) Os concretos meios de prova em que se funda a supra referida impugnação da matéria de facto são os seguintes:

i) Relatório Social da DGRSP de 31 de Março de 2016;

ii) Parecer Clínico do Psiquiatra C e do Psicólogo Clínico G, de 7 de Abril de 2016;

iii) O auto de transcrição de mensagens entre o Arguido e o menor, com 108 páginas, de 13 de Junho de 2013;

IV) As declarações do Arguido, prestadas em audiência de julgamento de 04.04.2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Beja, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais, nos segmentos relevantes, se encontram transcritas infra;

V)As declarações das testemunhas TR, D, GB, JD, DB, GC e FA, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Beja, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas nos anexos que se juntam como Anexos A a G.

C) No que respeita à alteração reclamada quanto ao facto n.º 45, não há nenhuma razão para que não seja tida como assente a factualidade relatada no relatório em apreço, a qual se fundou em diligências efectuadas pela Técnica que o executou, junto do Arguido, do cônjuge do Arguido, da Câmara Municipal …, da GNR da Vidigueira e da GNR de Cuba.

Acresce que a factualidade apurada é consentânea com as declarações prestadas em audiência de julgamento, quer pelo arguido, quer pelas testemunhas inquiridas (cfr. Anexos A a E e G), não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário.

D) Relativamente à alteração do facto n.º 47, não vislumbramos porque é que o Tribunal se reporta a um equívoco “afirma-se”, quando, em face do teor do Relatório Social e das declarações do Arguido, se deve dar como estabelecido que essa actividade profissional, hoje exercida, motiva e realiza o Arguido.

E) Relativamente à alteração do facto n.º 49, também não vislumbramos porque é que o Tribunal recorre à expressão equívoca “manifestou-se arrependido”, quando, em face do teor do Parecer Clínico, das declarações do Psicólogo Clínico GC, produzidas em audiência de julgamento, do Relatório Social, das declarações do Arguido em audiência de julgamento, do pedido de desculpas dirigido aos pais do menor e da transacção celebrada quanto à quantia reclamada a título de indemnização civil, se justifica que o Tribunal deva dar como estabelecido que o Arguido está efectivamente arrependido das condutas que teve.

F) Resta a alteração ao facto n.º 50, que é, de resto, o mais relevante dos segmentos factuais impugnados. E o fundamento para o seu deferimento radica basicamente nas declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Psicólogo Clínico GC e no Parecer Clínico do Psiquiatra C e do Psicólogo Clínico G, devidamente conjugados com os demais elementos de prova produzidos (quer as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Arguido e pelas testemunhas, quer o auto de transcrição das mensagens trocadas entre o Arguido e o menor).

G) O Arguido é acompanhado pelo Psiquiatra C e pelo Psicólogo Clínico G desde Março de 2014, com uma regularidade semanal até Julho de 2015, e quinzenal desde então, o que se traduzirá em cerca de 90 entrevistas ou consultas clínicas.

H) É assim inusitado que, na falta de qualquer outra prova em sentido contrário, e tendo o Tribunal apenas ouvido o Arguido durante breves minutos, o Acórdão tenha desvalorizado e desconsiderado o teor da avaliação psiquiátrica e psicológica de quem segue o Arguido há tanto tempo.

I) Sumariando a argumentação utilizada, temos assim que o juízo do Tribunal assentou nas seguintes justificações:

● Porque os autores do Parecer Clínico não teriam a noção de todos os factos praticados pelo Arguido

Porque tais Técnicos teriam desvalorizado a conotação sexual dos contactos mantidos entre o Arguido e a vítima, quando os factos confessados e as mensagens trocadas o contrariariam;

●Porque o conteúdo do Parecer Clínico se afastaria das declarações prestadas em audiência por um dos seus subscritores, o Psicólogo Clínico G;

● Por o quadro depressivo do Arguido não ter sido detectado pelas testemunhas que não o viram deprimido ou com ar “enlutado”;

● Porque as testemunhas não teriam a noção exacta dos actos praticados pelo Arguido, chegando a esposa a dizer que “sabe algumas coisas, o resto nem quer saber”, tendo as demais exteriorizado surpresa quando inteiradas com a confissão.

J) Nenhum dos argumentos procede, como V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores, não deixarão de reconhecer, porquanto:

● Relativamente ao argumento de que os subscritores do Parecer Clínico não teriam a noção de todos os factos praticados pelo Arguido com o menor, não é verdade que assim seja, uma vez que – sem embargo de não conhecerem ao detalhe todas as mensagens trocadas (mais de 500, de resto, em segredo de justiça durante um longo período de tempo) – conheciam o essencial, quer dos factos praticados, quer das mensagens trocadas, conhecendo o que era relevante para o juízo clínico formulado;

● Aliás, estranho seria que, com cerca de 90 entrevistas clínicas realizadas, ignorassem o que relevava para a sua apreciação, ademais, em profissionais experimentados, como são, um deles Professor Catedrático de Psicopatologia;

● Quanto à desvalorização da conotação sexual, o que os Técnicos demonstraram foi conhecer muito bem a índole da imaturidade sexual revelada – para o que têm a formação técnica adequada –, ao contrário dos Senhores Juízes, que não foram capazes de a compreender;

● Não pode ser posta em causa a congruência das declarações do Psicólogo Clínico em audiência de julgamento e o teor do Parecer Clínico por ele subscrito, em conjunto com o Psiquiatra C, como decorre do confronto dos textos;

● No que respeita à circunstância de os amigos não se terem apercebido da sua depressão, os Técnicos explicaram que não é invulgar que o doente em sofrimento depressivo tente ocultar os sintomas, mostrando-se mais bem-disposto e até empático com os outros;

● Finalmente, quanto ao facto de as testemunhas não conhecerem a extensão dos factos praticados, particularmente a mulher do Arguido (que revelou nem os querer conhecer em detalhe), tal circunstância é absolutamente irrelevante para as conclusões clínicas dos técnicos, porque aquilo que é comum, não sendo sequer censurável, é que os agentes de um crime desta natureza revelem pudor em contar todos os detalhes da sua situação, ao círculo das pessoas mais próximas (sendo até de valorizar a vergonha que sentem);

● De resto, nem é verdade que as testemunhas tenham exteriorizado, quando depuseram, surpresa pelo facto de o Arguido ter confessado a acusação, tratando-se de tema sobre o qual, como V. Exas. verão, não tiveram sequer oportunidade de depor.

K) Em suma, não nos parece que a argumentação expendida pelo Tribunal tenha sustentação possível. Compreende-se que os Senhores Juízes, como pessoas que são, se tenham sentido horrorizados com o que aconteceu. Mas, chegada a hora de fazer a justiça do caso concreto, é preciso também compreender o que aconteceu.

L) Pelo exposto, deve ser deferida a impugnação da matéria de facto ora formulada.

QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
M) O Tribunal considerou, e bem, que estávamos perante crimes de trato sucessivo, com uma reiteração de condutas homogéneas unificadas pela mesma resolução criminosa. Todavia, em vez de ter considerado que existiam dois crimes de trato sucessivo – como foi sustentado pela defesa e pelo próprio Ministério Público –, considerou existirem 3 unidades resolutivas e, por isso, 3 crimes de trato sucessivo.

N) Assim, considerou o tribunal a quo que os factos 5 a 11 integravam um núcleo de factos, correspondendo a uma unidade resolutiva, os factos 13 a 19 integravam um segundo núcleo de factos, correspondendo a uma outra unidade resolutiva, e os factos 20 a 31 integravam um terceiro e último núcleo de factos, correspondendo a uma última unidade resolutiva. A discordância do Tribunal a quo com aquilo que foi pugnado pela defesa e pelo Ministério Público é relativa ao primeiro e segundo núcleos de facto.

O) Com efeito, o Tribunal a quo refere dois argumentos para considerar que a resolução criminosa é diferente em relação àqueles conjuntos factuais: primeiro, porque as condutas do segundo conjunto de factos são mais graves; segundo, porque o contexto espácio-temporal é diferente, concluindo que cessou a resolução inicial do Arguido, que a renovou e reformulou quando praticou o segundo núcleo de factos.

P) Em relação ao primeiro argumento, tendo em conta que os actos do primeiro núcleo de factos são menos graves, consideramos que são absorvidos pelo segundo núcleo de factos, mais graves, sendo tais condutas subsumíveis à previsão do art. 171.º, n.º 2 do Código Penal.

Q) Relativamente ao segundo argumento, tem de se ter em conta que, a partir de Julho de 2010, ocorriam férias escolares, o que impediria ou dificultaria os contactos na escola, razão pela qual o segundo núcleo de factos ocorre num espaço físico diferente do primeiro. No entanto, isso é um elemento exógeno à resolução criminosa do Arguido, porque decorre do simples facto de não haver aulas no período das férias de Verão, não alterando, nem modificando, nem renovando, nem reformulando a resolução criminosa inicial.

R) Aliás, dos factos provados consta precisamente um única resolução criminosa (cfr. facto provado n.º 4). Assim, estamos perante dois crimes de abuso sexual de menores, previsto pelo art. 171.º, n.º 2 do Código Penal, punido com pena de prisão de 3 a 10 anos e pelo art. 171.º, n.º 3, b) do Código Penal, punido com pena de prisão até 3 anos.

S) Por outro lado, o arrependimento sincero do Arguido, a sua confissão integral e sem reservas, o seu pedido de desculpas aos pais do menor, a sua aceitação integral do pedido indemnizatório formulado e ainda o submetimento a tratamento psicológico e psiquiátrico, justificam plenamente que, in casu, se proceda a uma atenuação especial da pena, nos termos do art. 72.º, n.os 1 e 2, c) do Código Penal, o que a sentença recorrida erroneamente não fez.

MEDIDA DA PENA
T)Relativamente à ilicitude do facto, há que atender aos vários tipos de conduta que podem estar por trás dos ilícitos em causa. Naturalmente que nos casos de abuso sexual de menores, todas as condutas são graves; mas há condutas mais graves do que outras. Dito isto, as condutas previstas pelo art. 171.º, n.º 2 do Código Penal são “cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”.

U) Dentro da gravidade que estas condutas podem revestir, será, por regra, mais grave a cópula ou o coito anal do que o coito oral; in casu, houve actos de coito oral. Dentro das várias condutas possíveis e do papel que menor e adulto tenham nessas condutas, será mais grave o menor ser penetrado ou praticar sexo oral do que o inverso; in casu, os actos de sexo oral ocorridos foram praticados pelo Arguido no menor. De todos os cenários possíveis para as condutas tipificadas, serão naturalmente mais graves os casos em que haja ejaculação; in casu, não houve sequer erecção, nem do Arguido, nem do menor.

V) Tudo ponderado, consideramos que a pena a aplicar deverá aproximar-se mais do limite mínimo da moldura penal aplicável.

W) Além disso, no caso concreto, o Arguido não poderia ter tido melhor conduta posterior do que aquela que teve, já que:

· Fez uma confissão integral e sem reservas;
· Reconheceu a elevada censurabilidade da sua conduta;
· Mostrou arrependimento sincero;
· Compensou a vítima na totalidade daquilo que ela lhe reclamou;

Submeteu-se a tratamento psiquiátrico e psicológico, que promete continuar.

X) Ademais, o Arguido está integrado, é casado e tem o apoio da mulher, família e amigos, tendo-se profissionalmente reinserido em actividades de apoio a idosos e noutras de cariz humanitário. Deve ainda ser ponderado o tempo já decorrido – mais de três anos –, com o Arguido em liberdade, sem qualquer recidiva e afastando-se por completo do menor em causa.

Y) Finalmente, não pode o julgador deixar de igualmente ponderar as consequências devastadoras – para a regeneração do Arguido e para a sua inserção familiar e social – da aplicação de uma pena de prisão efectiva, como justamente foi sublinhado pelos Técnicos:

Com a continuidade do acompanhamento será diminuído significativamente o risco de recidiva ou agravamento da condição psicológica, sendo essencial que possa usufruir de estabilidade psicossocial e apoio da família. Nesse sentido, um contexto de prisão efectiva poderia causar uma nova disrupção e acentuar sobretudo o quadro depressivo”.

Z) Pelo exposto, concluímos da seguinte forma:

● A pena a aplicar ao Arguido deve situar-se abaixo do limiar dos 5 anos de prisão, mais próximo do limite mínimo aplicável, considerando a prática de dois crimes e a atenuação especial da pena, nos termos acima propugnados;

● Mesmo considerando os três crimes da condenação proferida, e sem recorrer ao regime da atenuação especial da pena, o conjunto de circunstâncias atenuantes assinaladas, nos termos supra elencados, justifica que a pena única a aplicar seja sempre inferior a 5 anos;

● Em qualquer caso, a aplicação de uma pena até 5 anos justifica, in casu, a suspensão da sua execução, subordinada naturalmente aos deveres que o Tribunal julgue adequados, particularmente a obrigação de continuar o tratamento a que tem vindo a ser submetido.

Termos em que o recurso deve ser julgado procedente, com as legais consequências.”

Os assistentes responderam ao recurso, dizendo:

«Do acervo de mensagens havidas entre o arguido e o menor, bem como tendo em conta os factos confessados, que nos surgem como bastante graves na relação entre um adulto e uma criança, adulto esse que não cuidou em saber dos fortes sulcos negativos que ia imprimir no caráter e na personalidade de uma criança, com a agravante de ser um educador, ter sido preparado para a difícil tarefa que é ensinar as crianças, tendo “utilizado“ esta para seu prazer, independentemente das consequências que qualquer pessoa normal antevê, naturalmente que só podemos qualificar esta conduta como bastante grave.

Assim, não será difícil concluir-se pela boa qualificação que o tribunal fez da matéria de facto, analisando-a nos precisos termos que pudessem concorrer para uma boa e justa decisão.

A pena aplicada, afigura-se-nos a mais concordante com os fins dessas mesmas penas, e uma justa medida numa sociedade que se quer senão perfeita, pelo menos com ferramentas adequadas ao aperfeiçoamento em situações de verdadeiras aberrações sociais.

Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo arguido, devendo ser dado como perfeitamente válido, justo e coerente o acórdão em causa do tribunal quo com todas as consequências legais».

O Digno Procurador da República respondeu ao recurso tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

1.ª - Na linha advogada pelo recorrente, entendemos que da factualidade provada nos n.ºs 45, 47, 49 e 50 (e também do n.º 51) do correspondente segmento do douto acórdão apenas devem constar os factos objectivos narrados no relatório social e nos relatórios médicos quanto à situação pessoal, familiar e clínica do recorrente (e da vítima), que aquele está motivado nas suas actuais funções profissionais e que está arrependido.

2.ª - A factualidade provada integra a prática pelo arguido de dois crimes de abuso sexual de criança, de trato sucessivo, um p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal, outro p. e p. pelo n.º 3, al. b), do mesmo normativo.

3.ª - Não se mostram preenchidos os pressupostos da atenuação especial da pena prevista no artigo 72.º do Código Penal.

4.ª - A medida concreta das penas parcelares ajusta-se aos critérios emergentes dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal e não é excessiva.

5.ª - Sem prejuízo do que antecede, por força do referido na conclusão 2.ª desta resposta, a pena única deve ser fixada nos 4 anos e 10 meses de prisão.

6.ª - A pena única deve ficar suspensa na sua execução, mediante regime de prova que contemple, depois de colhida a anuência do arguido, a sua sujeição a tratamento psiquiátrico.

Nesta Relação, a Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a posição do Ministério Público do Tribunal da 1ª Instância.

Observado o disposto no art. 417º, nº 2 do C. P. Penal o arguido não respondeu.

Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Fundamentação
Com interesse para a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. R nasceu no dia 07 de Abril de 1999 e frequentou a Escola EB 1,2 e 3 de Cuba, nos anos lectivos de 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011, após o que foi “transferido” para o Externato… em Beringel.

2. O arguido A. nasceu no dia 22 de Janeiro de 1970, é professor do ensino primário e, nos anos lectivos de 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011, exerceu tal profissão na Escola EB 1,2 e 3 de Cuba.

3. O arguido A. foi professor do menor R. no ano lectivo de 2008/2009, quando este frequentava o 4º ano de escolaridade, altura pela qual o conheceu.

4. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, o arguido formulou o propósito de manter relações sexuais com o menor R., valendo-se do seu ascendente sob este para se aproximar do mesmo e ganhar a sua intimidade.

5. Assim, em data não concretamente apurada mas situada entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010, quando o menor R. tinha 10 anos de idade e frequentava o 5º ano de escolaridade, o arguido A., após ter terminado a aula, chamou o menor R. do corredor para a sala e, aproveitando-se do facto de se encontrarem sozinhos, dirigiu-se ao menor e disse-lhe que o amava, que queria namorar com ele, que queria casar com ele e que o queria beijar.

6. Após tal abordagem, o arguido A., aliciando o menor R com a possibilidade de jogar jogos no seu computador portátil, convidou-o por várias vezes para, nos intervalos do almoço e nos intervalos das aulas, se dirigir à sala de aula sita no primeiro andar da Escola EB 1,2 e 3 de Cuba.

7. Assim, durante os anos lectivos de 2009/2010 e 2010/2011, no intervalo para o almoço, o menor R encontrou-se por diversas vezes com o arguido A. em tal sala.

8. Assim, em data não concretamente apurada mas situada entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010, o arguido, aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com o menor R naquela sala, aproximou-se do mesmo e beijou-o na boca, sem no entanto usar a língua.

9. Em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 7 e situada entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010, o arguido, aproveitando-se de novo do facto de se encontrar sozinho com o menor R. naquela sala, aproximou-se do mesmo e beijou-o na boca, introduzindo a língua na boca do menor.

10. Em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 8 e situada entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010, o arguido, aproveitando-se mais uma vez da circunstância de se encontrar sozinho com o menor R. naquela sala, aproximou-se do mesmo e exibiu-lhe o seu pénis, causando-lhe desconforto e desagrado.

11. Em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 9 e situada entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010, o arguido, aproveitando o ensejo de se encontrar de novo sozinho com o menor R. naquela sala, beijou-o na boca, introduzindo a língua na boca do menor e, em simultâneo, fazendo uso das mãos, manipulou-lhe o pénis por debaixo da roupa, masturbando-o.

12. Após, perante a insistência para que se dirigisse nos intervalos àquela sala de aula e porque temia pela reacção do arguido a uma recusa da sua parte, o menor R, procurando evitar que os actos supra descritos se repetissem, começou a convidar outros amigos para o acompanharem até à sala.

13. Posteriormente, em data não concretamente apurada mas situada no verão de 2010, entre Junho e Setembro de 2010, o arguido dirigiu-se até às piscinas municipais de Cuba, onde sabia encontrar-se o menor R.

14. Aí chegado e depois de ter trocado algumas palavras com o menor R, o arguido A. pediu-lhe que o acompanhasse até aos balneários daquelas piscinas, o que o menor fez.

15. Após, quando já se encontravam no interior daquele espaço, o arguido A. despiu o menor e introduziu o pénis deste na sua boca e chupou-o.

16. De igual forma, em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 13 e situada entre Junho e Setembro de 2010, o arguido dirigiu-se às piscinas municipais de Cuba, onde se encontrou com o menor R e pediu-lhe que o acompanhasse até aos balneários daquelas piscinas, o que o menor fez.

17. Após, quando já se encontravam no interior daquele espaço, o arguido A. despiu o menor e introduziu o pénis deste na sua boca e chupou-o.

18. De igual forma, em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 14 e situada entre Junho e Setembro de 2010, o arguido dirigiu-se às piscinas municipais de Cuba, onde se encontrou com o menor R e pediu-lhe que o acompanhasse até aos balneários daquelas piscinas, o que o menor fez.

19. Após, quando já se encontravam no interior daquele espaço, o arguido A. despiu o menor e introduziu o pénis deste na sua boca e chupou-o.

20. Em 01 de Agosto de 2011, o arguido A. criou um perfil na página da rede social “Facebook”, identificando-se com o nome A. e usando como foto de perfil uma imagem da personagem de banda desenhada “Tin Tin”.

21. Entre 06 de Agosto de 2011 e 22 de Maio de 2013, o arguido A. enviou do seu perfil supra mencionado, um número não concretamente apurado mas não inferior a 500 mensagens para o perfil, da mesma rede social, pertencente ao menor R, onde, entre outras coisas, aliciava o menor a manter consigo relações sexuais bem como a iniciar uma relação amorosa.

22. Assim, no dia 09 de Abril de 2012, pelas 08h08, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “eu quero ficar contigo para sempre, não dá par resistir ao que sinto por ti e tu? tive um sonho hoje acordei todo húmido foi perfeito e cada vez estica mais por ti e tu tens esticado por mim, eu sei que sim…quero continuar a ser teu namorado para sempre…amo-te.

23. De igual forma, no dia 16 de Agosto de 2012, pelas 11h52, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “olá, vi as fotos adorei o meu amor és o mais bonito do mundo…estou cheio de saudades não aguento estar longe de ti…em breve estou aí depois vamos à piscina..amo-te bué…tenho esticado muito por ti”

24. Posteriormente, no dia 12 de Novembro de 2012, pelas 17h10, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “a vida não é vida se não estás junto a mim…isto é…entra dentro de mim…….se me amas

25. Novamente, no dia 05 de Dezembro de 2012, pelas 07h43, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “se pensas em mim, sonhas comigo, chamas por mim, esticas por mim isso…é amor…faz amor comigo…eu amo-te…avança eu quero muito…muito o teu amor.

26. De igual forma, no dia 12 de Março de 2013, pelas 12h46, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “podes contar comigo para tudo na vida se precisares diz, fala, eu ajudo…desculpa o que vou dizer hoje sentia tanta falta de ti que esticou por ti chamei por ti, foi bom tinha que ser para matar o desejo…desculpa falar assim…chama por mim e estica…acredita que eu juro que te amo adoro e é difícil passar o tempo sem te…adoro.te mas tens que ser + corajoso e viver para mim…beijinhos..estuda…amo.te bué.

27. Posteriormente, no dia 23 de Março de 2013, pelas 09h39, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “o tempo vai passando e já não conseguimos viver um sem o outro, dói por vezes a forma como me tratas, com falta de afectos e amor, já te dei + que provas do meu amor por ti este tempo todo não percebo o teu medo e receio…tudo é normal quando 2 pessoas de amam de verdade…o que esperas, avança e entre dentro de mim, quero muito…prometo sempre respeitar-te mas juro amor…experimenta e vais querer sempre +…casa comigo.

28. Novamente, no dia 26 de Março de 2013, pelas 08h42, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “vai fazer em breve 4 anos do nosso namoro pois estás a fazer anos e já és um homem e sabes o que queres eu tenho sofrido muito de amor por ti juro que te adoro tenho chorado pela tua falta, gosto mesmo de ti, eu quero casar contigo e ter um relacionamento sério, quando se ama de verdade tudo é possível nada é desculpa desde que se ama de verdade, por favor não brinques com os meus sentimentos, é importante perceberes que é a sério por isso deves tomar uma decisão se me amas fica comigo ou então pensa bem, por mim tu é que sabes diz o que queres…eu desejo o teu amor, gostava de + amor da tua parte é normal eu não tenho problemas em assumir contigo um amor para sempre…..se me amas avança entre dentro de mim, penetra dentro de mim é normal eu pedir isto desculpa é porque te amo…amo-te…o amor é assim e tudo é normal por amor..

29. De igual forma, no dia 29 de Março de 2013, pelas 08h48, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “(…) aconteceu entre nós só temos é que partilhar o nosso corpo…avança experimenta e vais querer +…penetra dentro de mim com amor quero muito e tu vais gostas, temos a minha casa, o carro, podemos sair agora espero um convite teu quando tiveres disponibilidade…casa comigo” e ainda pelas 09h19: “(…) sinto falta de amor que queira fazer sexo com o meu namorado, tu um dia falaste que eu mudei a tua vida e que era a pessoa + importante e que só me tinhas a mim…é verdade eu admiro-te muito e gosto bué de ti amo.te cada vez mais só por isso te vou pedindo amor…és muito importante na minha vida mas quero uma prova de amor…uma prova normal que é penetrar dentro de mim…vais gostas…”

30. Posteriormente, no dia 01 de Abril de 2013, pelas 08h29, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “(…) queria muito fazer amor contigo faz falta ao coração, quando tiveres possibilidade por amor de deus dá.me um pouco de amor 5m estica dentro de mim, penetra dentro de mim quero muito casar contigo para sempre, vais gostas…vai esticando para ficares forte e com musculo (…)” e ainda, pelas 09h07: “(…) se ,e amas de verdade não tens que ter medo de nada e entra dentro de mim para sempre, vai ser novo para os 2 mas vamos gostar, amo-te.”

31. De igual forma, no dia 02 de Abril de 2013, pelas 07h27, o arguido enviou do seu perfil do “Facebook” para o perfil do menor, mensagem com o seguinte teor: “vivo apaixonado por ti, gostava de estar sozinho contigo e pedia 3 coisas, 1 para sorrir, 2 o que sentes realmente por mim o que significo para ti e 3 pedia para fazer sexo para esticares, penetrares dentro de mim isto tudo porque te amo muito e quero casar contigo….”.

32. À data dos factos descritos em 9, 10 e 11, R. tinha entre 10 e 11 anos.

33. À data dos factos descritos em 13 a 19, R. tinha 11 anos.

34. À data dos factos descritos em 22, R. tinha 12 anos.

35. À data dos factos descritos em 23 a 31, R. tinha 13 anos.

36. O arguido A., por causa das funções que exercia na Escola E.B.1, 2 e 3 de Cuba, a qual à data dos factos descritos era frequentada pelo menor, tinha perfeito conhecimento da idade de R.

37. Ao agir da forma descrita em 9 e 11, beijando-o da forma descrita e manipulando o pénis do menor, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus próprios impulsos e desígnios sexuais, bem sabendo que o menor, em razão da sua idade, não tinha a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.

38. Ao agir da forma descrita em 10, expondo-lhe o seu pénis, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito, conseguido, de molestar e incomodar o menor R, que, perante tal atitude, reagiu com desconforto.

39. Ao agir da forma descrita em 13 a 19, introduzindo o pénis do menor na sua boca, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus próprios impulsos e desígnios sexuais, bem sabendo que o menor, em razão da sua idade, não tinha a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.

40. Ao agir da forma descrita em 22 a 31, mantendo conversação de cariz sexual com o menor, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus próprios impulsos e desígnios sexuais, bem sabendo que o menor, em razão da sua idade, não tinha a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.

41. Ao agir da forma supra descrita, o arguido sabia que atentava de forma grave e condicionava a liberdade de autodeterminação sexual do menor, bem sabendo que ofendia a integridade psicológica e emocional do menor R, prejudicando gravemente o seu livre desenvolvimento psico-sexual.

42. O arguido embora tivesse perfeito conhecimento que tais condutas lhe eram proibidas por lei, não se absteve de as prosseguir.

Mais se provou que:
43.O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

44. Do registo criminal do arguido nada consta.

45. Pela DGRSP foi elaborado relatório social do qual consta:

I – Dados relevantes do processo de socialização
A. nasceu numa família estruturada que lhe assegurou, bem como ao seu irmão, estabilidade afectiva e económica. O pai era funcionário administrativo na Rodoviária…, e a mãe professora do Ensino Básico.

Fez a escolaridade em idade própria, …, localidade onde os seus pais fixaram residência.

Teve uma progressão normal a nível escolar, registando uma reprovação no 8ºano por falta de estudo. Privilegiava as actividades desportivas em detrimento das actividades intelectuais/académicas.

Ao longo do seu crescimento integrou-se facilmente junto dos pares e na comunidade de residência, sendo-lhe reconhecida uma natureza pacífica, conciliadora e afável.

Na adolescência e em jovem adulto a sua vida amorosa manifestou-se de forma normal, tendo estabelecido algumas relações de namoro até se casar.

Aos vinte e seis anos iniciou a actividade lectiva, como Professor de Educação Física do Ensino Básico e, cinco anos mais tarde, foi integrado no quadro de Pessoal da Zona Pedagógica de Beja. Leccionou em ….

Esteve ainda destacado na Associação de Futebol de …. Trabalhou, em período pós-laboral, no Clube de Desportos Aquáticos da …, no Clube de Futebol…, nas Piscinas Municipais, no Clube da Natureza … e como monitor da iniciativa anual da Câmara Municipal … “Férias Jovens”.

Aos trinta e três anos casou-se com B., também elemento do corpo docente e da qual tem uma filha, actualmente com doze anos de idade.

Até à instauração dos presentes autos não lhe eram conhecidos registos de envolvimentos criminais.

II- Condições pessoais e sociais
À data a que se referem os presentes autos, anos de 2009 a 2013, A. vivia …, em casa própria que está a pagar ao banco, em prestações mensais de 500€ (quinhentos euros). Integrava agregado próprio, constituído pelo cônjuge e pela filha revelando estabilidade económica, tendo para além da despesa da casa, um encargo mensal de 400€ (quatrocentos euros) relativo ao pagamento de carro próprio.

Subsistia do seu vencimento e do vencimento do cônjuge, mantendo um nível de vida equilibrado, situação que se alterou com a sua expulsão do Ensino Oficial, associada à instauração do presente processo, e relativamente à qual aguarda decisão de recurso que interpôs.

Presentemente subsiste do vencimento do cônjuge 1500€ líquidos (mil e quinhentos euros) e é apoiado economicamente pelos pais, também residentes na ….

Recentemente ocupou-se através de um contrato de oito meses na Câmara Municipal …, desempenhando a função de animador de idosos, em Lares e Centros de Convívio de todo o concelho, pelo que auferiu um total de 2200€ (dois mil e duzentos euros), enquadramento que mantém actualmente através de um outro contrato de um ano, com a remuneração total de 3180€ (três mil cento e oitenta euros).

No ano lectivo de 2015/2016 iniciou o Mestrado em Psicogerontologia Comunitária na Escola Superior de Educação, em …, com a duração de dois anos, com vista a uma possível alternativa ao Ensino Oficial.

Em consequência dos factos, mantém desde Fevereiro de 2014 acompanhamento psiquiátrico e psicológico, em consultórios particulares, em Lisboa, tendo sido inicialmente medicado com ansióliticos e calmantes.

Em termos relacionais mantém o mesmo enquadramento familiar e social, revelando grande cumplicidade e proximidade relativamente ao cônjuge, aos pais, ao círculo de amigos que mantém desde a infância, bem como a alguns colegas de trabalho.

Frequenta regularmente no seu local de residência o Centro Social, a Biblioteca Municipal e participa na organização de actividades de cariz humanitário na Câmara Municipal ….

III- Impacto da situação jurídico-penal
O arguido verbaliza ter pejo pelo comportamento que esteve na origem da instauração dos presentes autos.

Empenhado na conservação do seu casamento, afasta qualquer hipótese de nova associação a comportamentos desta natureza.

Desviou-se da vítima, não tendo estabelecido mais contactos com a mesma, segundo o próprio e também confirmado pela GNR de Cuba.

A família, e em especial o seu cônjuge, pais e amigos, têm-no apoiado e incentivado a ultrapassar o problema subjacente aos factos, apesar de terem sido surpreendidos pelos mesmos.

Segundo o cônjuge, sempre mantiveram uma vida conjugal normal, gratificante do ponto de vista da intimidade.

Quanto à comunidade local não houve rejeição à sua presença, mas gerou-se uma grande apreensão, sobretudo pelos factos terem sido publicitados na imprensa.

IV- Conclusão
A., com 46 anos de idade, professor de Educação Física no Ensino Básico integrou uma família de origem estruturada, sentida como proporcionadora de uma formação diferenciada a nível profissional e com normativos morais e cívicos.

No meio social em que sempre viveu, na …, granjeou uma integração positiva, mantendo-se comunitariamente activo.

Ao longo do seu processo de maturação, como na actualidade, exteriorizou uma vivência afectiva e amorosa gratificante, assumindo um casamento que mantém.

Reconhece a gravidade dos factos de que está acusado e não obstante o impacto familiar e comunitário que o presente processo causou, o arguido tem beneficiado de apoios para resolver a presente situação e encontrar alternativas profissionais.

Face ao exposto, caso venha a ser condenado, conclui-se pela necessidade do arguido consolidar a interiorização do bem jurídico violado.

46. O arguido é tido por familiares, amigos e colegas de profissão que lhe são mais próximos como pessoa afável e de bom trato, um profissional responsável e sempre disponível para ajudar os outros.

47. Afirma-se motivado e realizado no acompanhamento a idosos que tem vindo a desenvolver.

48. Confessou-se devedor da quantia peticionada a título de indemnização civil e transaccionou quanto à forma do pagamento, o que foi homologado por sentença no início da audiência de julgamento.

49. Manifestou-se arrependido e apresentou em audiência pedido de desculpas aos pais do menor R.

50 Pelo arguido foi junto aos autos um autodenominado “Parecer Clínico”, subscrito pelo Prof. Doutor C, médico psiquiatra, e pelo Dr. G, psicólogo clínico, com o seguinte teor:

O Sr. A. foi observado em consulta de Avaliação Psicológica em Março e Abril de 2014, da qual foi elaborado um relatório de Avaliação Psicológica. Dessa observação inicial sobressaiu um quadro de marcada Ansiedade e Depressão, bem como uma estrutura de Personalidade Dependente.

Foi recomendada uma Psicoterapia que o doente iniciou em Maio de 2014, com uma regularidade semanal até Julho de 2015 e desde essa altura com uma regularidade quinzenal até ao presente momento. O doente sempre reconheceu a necessidade de tratamento e demonstrou motivação para o mesmo, sendo que a diminuição da frequência das sessões se ficou a dever à distância geográfica e restrições económicas.

A sintomatologia depressiva e ansiosa possuía uma qualidade reactiva à situação judicial, mas na sequência do acompanhamento em Psicoterapia foi possível perceber que o quadro depressivo arrastava-­se há vários anos, possuindo a qualidade de reacção de luto à perda de uma gravidez da esposa. Este acontecimento adquiriu para o próprio um valor traumático, pouco verbalizado e não elaborado, conduzindo a uma situação de fragilidade psíquica.

A sua constituição de personalidade - dependente e imatura - não proporciona uma correcta elaboração das perdas e leva a que se acentue quer a sintomatologia depressiva, quer a postura dependente.

Foi neste contexto de luto e depressão que estabeleceu uma relação de forte dependência com o menor em questão. Esta relação depressa adquiriu os contornos em que A. se sentia fortemente dependente, no plano emocional, em relação ao jovem, possuindo uma qualidade de paixão ou enamoramento entre ambos. A dependência adquiriu uma qualidade imatura, em que muitas vezes pareciam ter a mesma idade ou inclusive A. assumia uma postura mais imatura que o jovem, abandonando a sua posição de adulto. Neste contexto surgem as ideias sexuais, que também adquirem uma tonalidade imatura e pouco consentânea com uma sexualidade adulta e madura, estando sobretudo ao serviço desta relação de dependência. Nesse período de paixão surge uma típica idealização do outro e da relação afectiva, em que são feitas propostas de união e casamento, num quadro em que a própria realidade é negada para A. conseguir dois objectivos essenciais: colmatar as carências emocionais do menor assumindo uma postura de cuidador e por outro lado ver satisfeitas as suas necessidades de dependência.

Este quadro clínico afasta-se dos habituais quadros de abuso sexual, pois aqui os aspectos de dependência são mais relevantes que a sexualidade e por outro lado predomina a imaturidade em vez da vontade de domínio e controlo que caracteriza os abusadores. Ilustrativo desse facto é o pedido para que fosse o jovem a assumir uma postura sexual activa e dominante, bem reveladora da regressão psicológica apresentada por A. nessa altura.

No acompanhamento psicológico A. teve oportunidade de perceber estes aspectos do seu funcionamento e pôde desenvolver formas mais maduras de pensamento, com melhorias ao nível da sua estrutura dependente. Foi também possível compreender qual a sua culpa nessa relação, percebendo que a sua posição de adulto e figura educativa comporta uma elevada responsabilidade. O doente conseguiu desse modo interiorizar uma culpabilidade e remorso que possibilitaram um movimento de mudança e reparação pelos actos cometidos.

Consideramos que será fundamental continuar o acompanhamento em consulta de Psicoterapia por um período não inferior a 2 ou 3 anos, sendo recomendável uma frequência pelo menos semanal, bem como a continuidade do acompanhamento em consulta de Psiquiatria. Com a continuidade do acompanhamento será diminuído significativamente o risco de recidiva ou agravamento da condição psicológica, sendo essencial que possa usufruir de estabilidade psicossocial e apoio da família. Nesse sentido um contexto de prisão efectiva poderia causar uma nova disrupção e acentuar sobretudo o quadro depressivo.

51. Pelos pais do menor R foram juntas aos autos “Informação Pedopsiquiátrica” e “Informação Psicológica” relativas ao acompanhamento de que aquele tem sido alvo, subscritas respectivamente pelas Dras. IF e JF, com o seguinte teor:

Informação Pedopsiquiátrica
A pedido e com o consentimento informado da mãe do menor R, nascido em 07/04/1999, informo que o mesmo tem sido acompanhado em consulta de pedopsiquiatria e psicologia no Serviço de Psiquiatria de Infância e Adolescência por Perturbação Mista de emoções e comportamentos em comorbilidade com Encoprese primária resistente e agravada após episódio de abuso sexual por um adulto com quem tinha uma relação afectiva (professor). Após este episódio de abuso beneficiou de apoio psicológico privado em Évora e depois no nosso serviço os apoios psicológico e pedopsiquiátrico.

Deste seguimento a impressão clínica é de que apresenta à perturbação descrita, revelando baixo insight e vivência traumática dos episódios de abuso sentidos como "naturais" e sem critica face ao abusador.

A relação com os progenitores e com o irmão mais novo tem-se agravado com encoprese e enurese diurnas e nocturnas sem controle, com agressividade verbal e física e recusa a cuidar da sua higiene.

Tem estado medicado com Fluoxetina 20mg 1/dia e Risperidona 0,5mg 1+0+1/dia.

Face ao agravamento da situação sendo vivenciada pela família como insuportável e "perigosa" em contexto familiar e pelo sofrimento psíquico deste jovem é justificado o seu internamento pedopsiquiátrico para estudo mais intensivo e melhor controle da situação.

Informação Psicológica
O R foi encaminhado para a consulta de Psicologia Clínica do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, do Hospital José Joaquim Fernandes, Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo - Beja pela Dra. IM, para acompanhamento psicológico por apresentar perturbação de comportamento.

O apoio em consulta de psicologia clínica iniciou-se em Dezembro de 2013 e a assiduidade a estas consultas tem sido regular.

Na observação e avaliação realizadas percebeu-se que se trata de um jovem com imaturidade afetiva, acentuada instabilidade emocional, com marcadas alterações de comportamento, com fraca ressonância afetiva, apresentando muitas dificuldades no cumprimento e aceitação de regras/limites. Transmite um conflito de identidade (sentimentos confusos sobre quem ele é e o que quer, pouco seguro da sua identidade) que parece expressar-se em comportamentos agressivos e de oposição dirigidos aos pais. Muito centrado nos seus interesses específicos (computador/internet) isola-se do grupo de pares e tem tendência a mostrar-se indiferente em relação ao bem-estar dos outros.

Dadas as características acima referidas e com a agudização das perturbações de eliminação - Encoprese primária (diurna) e Enurese secundária (diurna e noturna) diárias, a família sente-se impotente e revela um marcado desgaste emocional, tendo muita dificuldade em valorizar os comportamentos positivos do R.

Com relevância para a causa não restaram factos por provar.

3 – A convicção do Tribunal:

A fundamentação da matéria de facto, por parte do tribunal consiste na “exposição quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” exigida pelo art. 374º, n. 2, do CPP.

Como se referiu, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, confissão essa que, conjugada com os demais elementos probatórios já carreados para os autos – concretamente: Auto de Transcrição de Mensagens de fls. 3 a 55 e 82 a 90; Prints de fls. 70 e 71; Auto de Cessação de Conta em Ambiente Virtual de fls. 147 a 154; Print da Informação remetida pelo “Facebook” de fls. 338 a 361; Levantamento do ISP dos IP’s fornecidos pelo “Facebook”, de fls. 364 a 395; Informação remetida pela “PT” de fls. 430 a 432; Auto de declarações para memória futura e respectivas transcrições, de fls. 249/250 e 700 e sgs. – tornou dispensável a produção de outros meios de prova que não os requeridos pelo arguido a propósito da sua personalidade e condição social.

Quanto à personalidade e condições pessoais e sociais do arguido e acompanhamento clínico de que está a ser alvo, considerou-se:

- as declarações do próprio arguido e os demais actos praticados em audiência, lavrados em acta;

- o teor do CRC de fls. 668 e o relatório social de fls. 694/695;

- os depoimentos de B (esposa do arguido), DL e DB (seus amigos), GB, JD e F (para além de amigos, também seus colegas enquanto o arguido leccionou). Importa esclarecer que do depoimento destas testemunhas, embora se afigurasse sincero, não pôde o Tribunal extrapolar factos objectivos quanto à personalidade do arguido. Com efeito, a percepção que umas pessoas têm de outra nem sempre corresponde àquilo que ela efectivamente é ou representa, sendo que os próprios factos confessados pelo arguido contrariam aquela percepção de comportamento exemplar que tais testemunhas pretenderam transmitir. Por outro lado, ficou claro para o Tribunal que estas testemunhas não tinham a noção exacta ou total dos actos praticados pelo arguido, dando-lhe ainda o benefício da dúvida – chegando a esposa a afirmar que sabe algumas coisas, o resto nem quer saber!! – exteriorizando as demais surpresa quando inteiradas acerca da sua confissão.

- o “Parecer Clínico” junto em audiência, complementado pelo depoimento do Dr. G, psicólogo clínico, relativamente ao qual não pôde também o Tribunal considerar como factos objectivos as premissas em que tal documento assenta e as conclusões que daquelas se extraem, mas apenas o seu teor, porquanto uma vez mais resultou evidente que os seus subscritores não têm a noção de todos os actos praticados pelo arguido em relação ao menor, mas apenas uma visão parcial e limitada dos acontecimentos, que corresponde àquela que o arguido entendeu relatar-lhes. Concretizando, o Dr. G referiu que teve conhecimento de algumas mensagens, afirmou que o arguido desenvolveu uma ideia omnipotente em relação ao menor (tipo pai cuidador) e, por mais do que uma vez, que não havia interesse de proximidade sexual. Ora, quanto a nós, tais afirmações resultam manifestamente infirmadas pelos factos praticados pelo arguido, porquanto os mesmos não respeitam a alguém que quer cuidar do menor e revelam, quer nas situações presenciais, quer nas mensagens escritas, uma forte carga e conotação sexual. Aliás, não se pode deixar de assinalar que aquele “Parecer Clínico”, elaborado a posteriori acaba por se afastar em alguma medida das declarações do Dr. G em audiência, indo mais ao encontro de várias das questões que a este foram colocadas precisamente porque os factos confessados pelo arguido as contrariavam. Até o diagnóstico, reportado ao início dos factos, no sentido de o arguido apresentar um “quadro depressivo” que se arrastava há vários anos, cujo evento traumático terá sido um aborto sofrido pela esposa, de gémeos, suscita igualmente reservas uma vez que, a fazer fé nas declarações da mesma e sem querer desvalorizar essa perda, o aborto ocorreu numa fase inicial da gravidez (três meses) e nenhuma das testemunhas que convivia no dia-a-dia com o arguido alguma vez o viu deprimido ou com ar “enlutado”, antes pelo contrário, bem-disposto e disponível.

Finalmente, quanto ao acompanhamento de que tem sido alvo o menor R, considerou-se o teor das informações pedopsiquiátrica e psicológica juntas a fls. 606 e 607.

III- Apreciação do Recurso
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito e por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458,98).

Perante as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1ª- Da impugnação da matéria de facto;
2ª- Da qualificação jurídica dos factos;
3ª- Da atenuação especial da pena;
4ª- Da medida da pena;
5ª- Se a pena deve ser suspensa na sua execução.

III- 1ª- Da impugnação da matéria de facto
O arguido alega que devem ser parcialmente alterados os factos provados nºs 45, 47, 49 e 50.

Quanto ao facto nº 45, entende o recorrente que no final, após a transcrição do Relatório Social deve aditar-se o seguinte:Os dados factuais do relatório supra são tidos como assentes, particularmente os seguintes:

● O Arguido desempenha actualmente as funções de animador de idosos em lares e centros de convívio do Município … e participa na organização de actividades de cariz humanitário na Câmara Municipal …;
●O Arguido mantém o mesmo enquadramento familiar e social, contando com o apoio da mulher, dos pais, da família, de amigos e de colegas, que o têm apoiado e incentivado a ultrapassar o problema subjacente aos factos em causa nestes autos, não tendo havido rejeição da comunidade local à sua presença;
● O Arguido está empenhado na conservação do seu casamento, afastando qualquer hipótese de nova associação a comportamentos da natureza dos que estiveram na origem deste processo, não tendo procurado manter quaisquer contactos com a vítima”.

Fundamenta o alegado dizendo que, não há nenhuma razão para que não seja tida como como assente a factualidade relatada no relatório em apreço.

O facto nº 45 faz parte da matéria provada, que contém a transcrição na íntegra do relatório social do arguido, que foi elaborado com base nas entrevistas ao arguido e na recolha de informações complementares junto do cônjuge do arguido, da Câmara Municipal … e junto dos Comandantes do Posto da GNR de … e da …..

Todos os factos que o arguido pretende aditar à parte final do facto nº 45, constam do relatório social e em consequência da matéria provada. É certo que, aquele relatório contém outros factos inócuos, mas o aditar aqueles factos mais não seria uma repetição dos que já consta do relatório, pelo que não se nos afigura que seja pertinente proceder a tal aditamento.

Quanto ao facto nºs 47 o recorrente alega que não se vislumbra porque é que o Tribunal se reporta, a um equívoco “afirma-se motivado e realizado no acompanhamento a idosos que tem vindo se desenvolver” quando, em face e das declarações do arguido e do relatório social se deve dar como estabelecido que essa actividade profissional, hoje exercida, motiva e realiza o arguido.

O teor do nº 47 da matéria provada constitui uma afirmação não um facto. Ora do teor do relatório social em conjugação com as declarações do arguido resulta que actividade profissional de acompanhamento de idosos, motiva e realiza o arguido, pelo que se substitui o termo sublinhado por “está”.

Relativamente ao facto nº 49, o recorrente alega que não vislumbra porque é que se recorre à expressão “manifestou-se arrependido” quando em face do teor do parecer clínico, das declarações do psicólogo clínico G, produzidas em audiência, do relatório social e das declarações do arguido se deve dar como estabelecido que o arguido está arrependido das condutas que teve.

A expressão “manifestou-se arrependido” é sinónimo de “mostrar-se arrependido”, de “estar arrependido”, e assim foi tomado em conta na determinação da medida da pena, como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do arguido, pelo que não assiste razão neste segmento ao arguido.

Quanto ao nº 50 da matéria provada (---).alega o recorrente que, em vez do teor integral do “auto-denominado “Parecer Clínico” devem constar só os factos acima descritos.

Estes factos fazem parte do Parecer Clínico que está transcrito na íntegra no nº 50 da matéria provada, pelo que não há motivo para substituir aquele por estes factos.

2ª- Da qualificação jurídica dos factos
O tribunal a quo considerou que os factos integram três crimes de trato sucessivo: um previsto e punido no art. 171º, nº 1 do C.Penal, factos 5 a 11, (beijos na boca com a língua, exibição do pénis por parte do arguido ao menor, manipulação dos genitais e masturbação do menor) ocorridos na sala de aulas; outro p. e p. no art. 171º nº 2 do C.Penal, factos 13 a 19 (coito oral), actos levados a cabo nas piscinas municipais; e outro p. e p. no art. 171º, nº 3 al. b) (mensagens de conteúdo pornográfico enviadas pelo arguido ao menor via facebook).

O tribunal fundamentou a existência dos três crimes com base em dois argumentos: primeiro porque as condutas do segundo conjunto de factos são mais graves; segundo porque o contexto espácio-temporal é diferente, concluindo que cessou a resolução inicial do arguido que a renovou e reformulou quando praticou o segundo núcleo de factos.

O crime de trato sucessivo como se refere no Ac. STJ, de 23-01-2008, procº nº 07P4830 “caracteriza-se pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respectiva ilicitude”.

Como se refere no Acórdão do STJ de 29-11-2012, procº nº 862/11.6TAPFR.S1, 5ª Secção, “o que eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que «uma unidade resolutiva», realidade que não se confunde com «uma única resolução», pois que “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P.P. Albuquerque).

Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas a vítima tem de ser a mesma.

Portanto, para haver um crime de abuso sexual de trato sucessivo é necessário que as condutas sejam essencialmente homogéneas, temporalmente próximas e que exista uma só resolução criminosa assumida pelo arguido desde o início.

No caso em apreço, os factos 5 a 11 ocorreram entre o mês de Setembro de 2009 e Julho de 2010 e os factos 13 a 19 entre Junho de 2010 e Setembro de 2010, pelo que há uma continuidade temporal entre as diversas condutas do arguido, independentemente de as mesmas irem crescendo quanto à natureza e gravidade dos actos sexuais de relevo e de as mesmas ocorreram em espaços diferentes, respectivamente nas salas de aulas e nas piscinas municipais, por virtude de não haver aulas no período das férias Verão em que não houve uma renovação da resolução inicial, mas apenas uma resolução criminosa como se infere do facto nº 4 da matéria provada, “em data não concretamente apurada do ano de 2009, o arguido formulou o propósito de manter relações sexuais com o menor R “(…)”.

Os factos 5 a 19 integram-se no fim visado pelo arguido, abusar sexualmente do menor, que são constituídos por actos em que há uma relação de proximidade e continuidade entre os mesmos, em que apesar de irem crescendo quanto à sua natureza e gravidade existe uma só resolução criminosa, pelo que estes factos integram um só crime de abuso sexual de trato sucessivo.

Os factos nºs 20 a 31 ocorreram entre Agosto de 2011 e Maio de 2013, logo a interrupção da actividade criminosa, durante o período de cerca de onze meses, não permite a unificação da conduta antes a renovação da actividade criminosa.

Os factos integram assim, dois crimes de abuso sexual de menores de trato sucessivo um previsto e punível no art. 171º, nº 2 do C. Penal (factos 5 a 19) e outro previsto e punível no art. 171, nº 3 al. b) do C. Penal (factos 20 a 31).

III-3ª- Da atenuação especial da pena
O arguido alega que o seu arrependimento sincero, a confissão integral e sem reservas, o seu pedido de desculpas aos pais do menor, a sua confissão integral do pedido indemnizatório formulado e ainda o submetimento a tratamento psicológico e psiquiátrico justificam plenamente que se proceda a uma atenuação especial da pena, nos termos do art. 72º nºs 1 e 2 al. c) do C.Penal.

Dispõe este preceito, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos, expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dela, que diminuam, por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (nº1), e para efeitos deste número, são consideradas, entre outras, o ter havido actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados.

Através deste preceito, criou-se uma válvula de segurança para situações particulares, a que se refere o Prof. Figueiredo Dias do seguinte modo:

“Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”. (neste sentido, vide Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, pág. 302).

No nº 2 do art. 72º procedeu-se a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, a fim de se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma claúsula geral de avaliação (cfr. neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques em Código Penal Anotado, 3ª edição, pág 856).

Mas, as situações a que se referem as diversas alíneas do nº 2 não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionadas com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

Portanto, se uma das circunstâncias referidas no nº 2, de natureza exemplificativa, ou no art. 71º diminui de forma acentuada a ilicitude ou a culpa, o juiz pode atribuir-lhe um valor de atenuante especial.

Mas, se essa circunstância diminui a ilicitude ou a culpa por forma não acentuada, então, terá o valor como atenuante geral.

Diminuirão as circunstâncias invocadas pelo recorrente de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena?

Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.

Nos crimes de trato sucessivo, o dolo do agente engloba uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe desde logo a praticar, para tanto preparando, se necessário, as condições de realização; a repetição do crime revela uma persistência da resolução criminosa, traduz uma culpa agravada. O grau de ilicitude do facto, é elevado, tendo em conta a idade do menor, o período durante o qual o arguido levou a cabo a prática dos actos de natureza sexual acima mencionados, que é longo, e a gravidade das consequências da sua conduta para a saúde psíquica da vítima, que apresenta perturbações de comportamento. Quanto à necessidade da pena, as exigências de prevenção especial encontram-se mitigadas, no entanto, as exigências de prevenção geral são prementes, dada a enorme repulsa que os actos em causa nos autos provocam na sociedade.

Assim sendo, as circunstâncias invocadas pelo recorrente não diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, pelo que improcede o alegado quanto à atenuação especial da pena.

III- Da medida concreta da pena.
O recorrente alega que a pena a aplicar deve aproximar-se mais do limite mínimo da pena que em abstracto corresponde ao crime, tendo em conta os factos praticados pelo arguido, e que dentro das condutas possíveis e do papel que o menor e adulto tenham nos actos sexuais de relevo previstos no art. 171º nº 2 do C.Penal será mais grave o menor ser penetrado ou praticar sexo oral do que o inverso (e que no caso os actos de sexo oral foram praticados pelo arguido no menor), além de que, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, reconheceu a elevada censurabilidade da sua conduta, mostrou arrependimento sincero, compensou a vítima na totalidade daquilo que ele reclamou e submeteu-se a tratamento psiquiátrico e psicológico que promete continuar, a que acresce a circunstância de ter apoio familiar para ultrapassar o problema subjacente aos factos e estar profissionalmente integrado.

As ideias base que devemos ter presentes para determinar a pena são as de que as finalidades desta residem, primordialmente, na tutela de bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena em caso algum deve ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº 1 e 2 do C.Penal).

Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma violada. Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta.

Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena.

Como escreve Claus Roxin, em passagens perfeitamente consonantes com os princípios basilares do nosso direito penal ( in Derecho Penal – Parte General”, Tomo I, Tradução da 2ª edição Alemã e notas por Diego- Manuel Luzón, Miguel Diaz Y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99 e 100 “ a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal. Exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade”.

Mais acrescenta o mesmo autor a pág. 100: “certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Refere ainda o mesmo autor, na obra citada a pág 103, que “a pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

Finalmente, entre os limites máximo e mínimo, devem actuar os factores de prevenção especial visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade.

O arguido incorreu na prática de:

- um crime de abuso sexual de criança de trato sucessivo p. e p. no art. 171º nº 2 do C.Penal, , a que cabe a pena de 3 a 10 anos de prisão.

- um crime de abuso sexual de criança de trato sucessivo, p. e p. no art. 171º, nº 3 al. b) do C.Penal a que cabe a pena de prisão até 3 anos.

Ao arguido foram aplicadas respectivamente, as penas de um 4 anos e 6 meses de prisão e de dez meses de prisão.

Para a fixação da medida das penas, em relação a estes crimes, o tribunal teve em conta os seguintes critérios constantes do art. 71º do C.Penal:

- “As fortes exigências de prevenção geral uma vez que este tipo de crime atinge um dos bens que qualquer sociedade civilizada considera de mais sagrado, a inocência das crianças (…);

- No que respeita ao grau de ilicitude, terá o mesmo de se considerar elevado ponderando a idade do menor e a confiança, que este depositava no arguido, os concretos actos de abuso (tipo e número), o tempo que perdurou a actuação do arguido, a qual não cessou por sua iniciativa, as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, sempre em, ambientes em que o menor devia estar seguro e os pais descansados a esse respeito – na escola, nas piscinas municipais e em casa;

- O dolo na modalidade mais gravosa, o arguido agiu sempre com dolo directo;

- A personalidade do arguido e o seu nível de inserção sócio-económica, vertidos no relatório social, que se dá por novamente reproduzido, sendo também de apresentar o relatório clínico por aquele apresentado, ainda que com as reservas apontadas em sede de fundamentação de facto;

- As sequelas psicológicas que tal actuação deixou necessariamente no R, e que resultam expressas nos relatórios pedopsiquiátrico e psicológico transcritos;

- A ausência de antecedentes criminais;

- A confissão integral e sem reservas, o arrependimento manifestado, o pedido de desculpas apresentado aos pais do R., o pagamento da indemnização favor do menor, o acompanhamento psiquiátrico e psicológico a que voluntariamente se sujeitou e o apoio familiar de que beneficia.

As circunstâncias atenuantes invocadas pelo recorrente foram tidas em conta na medida das penas fixadas, que se mostram justas e adequadas ao grau de ilicitude dos factos, à culpa e às exigências de prevenção.

Quanto ao cúmulo jurídico das penas, a moldura penal do concurso tem como limite mínimo a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 5 anos e 4 meses de prisão.

Na determinação da medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente, de acordo com o disposto no art. 77º nº 1 do C.Penal.

Ponderando o conjunto dos factos e a personalidade do arguido a pena única justa e adequada é de 5 anos de prisão.

4ª- Se a pena aplicada ao arguido deve ser suspensa na sua execução.

O arguido alega que, está integrado familiar e profissionalmente, trabalha com idosos, que já decorreram mais de três anos desde os factos, sem qualquer recidiva, que se afastou por completo do menor, que é essencial dar continuidade ao tratamento psicológico e psiquiátrico que tem estado a seguir e perante o quadro atenuativo já mencionado, a simples censura dos factos e a ameaça de lhe ser aplicada uma pena privativa da liberdade, será suficiente para o dissuadir da prática de novos crimes e realiza de forma adequada as finalidades da punição.

Vejamos.
Estabelece o nº 1 do art. 50º do C. Penal: « O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a 5 anos, face à redacção introduzida pela lei nº 59/2007 de 4-9 se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura dos factos a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

De acordo com o nº 3 do art. 53º do C.Penal, o regime de prova é sempre ordenado (…) quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos.

Os factores a ter em conta para se formular juízo de prognose são: a personalidade do agente; as condições da sua vida; a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste.

A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável do arguido, (prognóstico que assenta naqueles factores e que terá como ponto de partida não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão), isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza que tal irá ocorrer. Há um risco. Mas, se há dúvidas sérias sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então a prognose deverá ser desfavorável.

Portanto, para o legislador a suspensão da pena deve arrancar desde logo de considerações de natureza especial preventivas, no sentido de que, é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro. Mas, a lei não considera este requisito como único e nem sequer prevalente, uma vez que as finalidades da punição são não só de natureza especial, mas também geral.

Assim, por um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena não colida com os propósitos de prevenção especial, e deverá mesmo favorecer a recuperação social do condenado e por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a sociedade não encare a suspensão como uma impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.

Quanto às exigências de prevenção especial, importa realçar que o arguido é delinquente primário, confessou integralmente e sem reservas os factos, mostra-se arrependido, compensou a vítima da quantia por esta reclamada, já decorreram mais três anos desde a data dos factos e o arguido tem estado em liberdade, sem qualquer recidiva, tem o apoio da família para ultrapassar o problema subjacente aos facto, está reinserido profissionalmente, exercendo as funções de animador de idosos em lares e Centros de convívio do Município …. e iniciou um tratamento psiquiátrico e psicológico, que em Maio de 2014 com uma regularidade semanal até Julho de 2015 e quinzenal desde esta data, que promete continuar.

Perante este quadro é possível formular um juízo de prognose favorável, quanto ao seu comportamento futuro.

Quanto às exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas do ordenamento jurídico elas são muito elevadas, face à necessidade de proteger de forma eficaz os menores de 14 anos, perante condutas sexuais que podem prejudicar gravemente o livre desenvolvimento personalidade dos mesmos.

No caso concreto, perante o esforço feito pelo arguido no sentido de resolver os problemas decorrentes da sua perturbação de personalidade e de se reinserir na sociedade afigura-se-nos que estamos perante um caso limite em que a pena suspensa na sua execução, não deve ser recusada já que pode ficar sujeita a condições, benéficas para a comunidade e para o arguido, em termos de prevenção especial, com repercussões a nível da prevenção geral.

Assim, suspende-se a execução da pena pelo período de cinco anos, nos termos do art. 50º nº 5 do C.Penal, a qual deverá ser acompanhada de regime de prova, nos termos do art. 53º nº 1 a 3 do C. Penal.

O tribunal da primeira instância elaborará o plano de reinserção social do arguido, de acordo com o art. 54º do C. Penal, plano esse que incluirá, para além do mais, que se afigurar necessário, o continuar o tratamento psiquiátrico e psicológico que tem vindo a seguir.

IV – Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento parcial ao recurso e em consequência:

a)Substitui-se o termo constante do facto n.º47”Afirma-se”, por “Está”.

b) Altera-se o enquadramento jurídico-penal dos factos, que integram dois crimes de abuso sexual de menor de trato sucessivo, um previsto e punível no artigo 171.º, n.º2 do C. Penal (factos 5 a 19) e outro previsto e punível no art. 171º, nº 3 al. b) do C.Penal (factos 20 a 31);

c) Mantêm-se as penas parcelares quanto aos dois crimes de abuso sexual, a que se alude em b) e 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (art. 171º nº2 C.Penal) e de 10 (dez) meses de prisão (art. 171º nº3 al. b) do C- Penal):

d) Em cúmulo jurídico condena-se o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, que se suspende por igual período, mediante regime de prova, nos termos do art. 53º nº 1 a 3 e 54 do C.Penal, que contemple para além do mais que se afigure necessário, a continuação do tratamento psiquiátrico e psicológico, que tem vindo a seguir.

Sem custas.

Évora, 29 de Novembro de 2016

(texto elaborado e revisto pelo relator)

JOSÉ MARIA MARTINS SIMÃO

MARIA ONÉLIA NEVES MADALENO