Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | BUSCA CONSENTIMENTO ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL | ||
Data do Acordão: | 07/14/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - O artigo 174º, nº 5, al. b), do C. P. Penal, ressalva da validação pela autoridade judiciária, prevenida no nº 3 do mesmo normativo, as buscas efetuadas por órgão de polícia criminal nos casos em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado. II - O consentimento do visado, livre e esclarecido, tem de preceder a busca, podendo ser prestado de forma verbal, impondo-se, quando assim acontece, que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I 1 – Nos autos de inquérito em referência, precedendo primeiro interrogatório judicial do arguido NSN (de par com o co-arguido JPFL), a Mm.ª Juiz de instrução, por despacho de 18 de Março de 2015, decidiu determinar que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
2 – O arguido interpôs recurso daquele despacho. Pretende vê-lo revogado, sujeitando-se à medida de obrigação de permanência na habitação. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I.O presente recurso tem como objeto, o despacho da Mmª Juíza proferido no dia 18-03-2015, que aplicou ao arguido NSN a medida de coação mais gravosa prevista - Prisão Preventiva. II. Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido merece censura, em virtude da violação por erro de interpretação e subsunção dos factos ao direito. III. Por um lado, porque, trata-se de um despacho que aplicou medidas de coação, por força de prova obtida por método proibido, mais concretamente prova nula. Assim, também é, o despacho nulo, devendo o mesmo ser Revogado, conforme dispõe o n.º 1 do art. 121.º do C.P.P. IV. Por outro lado, porque a prova indiciária é incerta e insuficiente, não se descortinando factos que permitam concluir com firmeza que o arguido praticou o crime de tráfico de estupefacientes. V. Conforme resulta do douto despacho, a defesa do co-arguido arguiu a nulidade da busca realizada à habitação do recorrente e da consequente apreensão e validação de tais meios de prova e provas obtidas, uma vez que a mesma consubstancia prova ilegal, dado que não foi efetuada em nenhuma das exepções previstas (art.º 174.º n.º 5 e 251.º do C.P.P). VI. Efetivamente, o arguido não se opôs à entrada dos agentes na sua habitação, porque não tinha nada "a temer". VII. Não nos pode causar a mesma estranheza que causou ao douto tribunal, o facto de tais objetos se encontrarem no quarto de dormir do arguido pois era nessa divisão que se encontrava o co-arguido, o qual, poderá ter levado tais objetos (balança e moinho de café) e produto estupefaciente para a habitação do arguido. VIII. Foi requerida pelo arguido, exames aos objetos aprendidos (perícia dactiloscópica e/ou lofoscópica), dado que o mesmo refere que nunca viu, muito menos teve contacto com os objectos. IX.A busca realizada não foi consentida nesse momento pelo arguido, cfr. resulta do douto despacho: "sendo-lhe referido tal como anteriormente que tal facto tinha de ser expresso por escrito, tendo o mesmo respondido positivamente, salientando que morava sozinho naquela habitação", tendo o arguido assinado o Termo de Busca, em momento posterior já na esquadra, quando se encontrava privado da sua liberdade. X. Sendo declaradas nulas as provas obtidas de forma ilegal, fica prejudicado o despacho que ordenou a prisão preventiva do arguido, dado que nelas se baseou. XI. Entende o arguido/recorrente que a Mmª Juiza de Instrução, deveria ter proferido despacho de não validação da busca efectuada à residência do arguido, por considerar que esta diligência é ilegal e proibida, tendo em conta a forma como a mesma se realizou, não podendo ter qualquer efeito a prova obtida pelo meio como foi. XII.O douto despacho recorrido violou as seguintes disposições legais: 122.º n.º 1, 125.º 126º n.º 3, 174.º n.º 2, n.º 3 n.º 5, 251.º n.º 1, 256.º do C.P.P. e art. 21.º do D.L n.º 15/93 de 22 de Janeiro. Termos em que, deve ser revogado o despacho recorrido, em virtude dos meios de obtenção de prova (busca) e respetivas provas serem nulas e, em consequência declarar a nulidade do despacho recorrido, revogando a medida de coacção a que o arguido/recorrente está sujeito (Prisão Preventiva). XIII. Por mera cautela, recorre-se ainda pelo fundamento da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dado que, a Mmª Juíza "a quo" considerou que as declarações do arguido não lograram convencer minimamente, pela falta de coerência interna e por não se mostrarem consentâneas com as regras da experiência e da normalidade. XIV.O Tribunal "a quo" sustentou a sua convicção na base de uma experiência provável, mas que, por si só, não pode, nem é, o bastante para a decisão, de que foi alvo o arguido e agora recorrente. Sustentou ainda, a sua convicção na base de uma experiência provável, mas também esta, não fundamentada, não basta ter a convicção que o crime se praticou, sobre este também não temos dúvida, mas quanto à imputação do crime ao arguido e ora recorrente, não há qualquer outro elemento de prova, o mesmo nega. XV. Resulta assim que, esta mera convicção, resultante da experiência, só por si não basta, não pode ser ela discricionária, tem que ser acompanhada de elementos de prova, firmes, concretos e inabaláveis. XVI. Não sendo suficientes para a aplicação da medida de coação mais gravosa (prisão preventiva) de que foi alvo o arguido e agora Recorrente. XVII. Deveria, o Tribunal a quo, no respeito pelo Principio in dubio pro reo, ter colocado a dúvida sobre se foi efectivamente o Arguido e ora Recorrente a praticar o ilícito, ao menos a dúvida, o que não fez. XVIII.É possível que de um facto verificado seja, logicamente, deduzível uma única consequência, mas o facto indiciante pode conduzir a uma pluralidade de factos ambíguos sem uma univocidade indicativa que nos conduza à certeza lógica da existência do facto a provar. XIX. Só há prova indiciária suficiente quando contém indícios precisos, relevantes e concordantes. XX.O facto do produto estupefeciente e objetos apreendidos (balança e moinho de café), se encontrarem na residência do arguido, não pode, por si só, levar à elevada indiciação de que tais objetos e produto pertencem ao arguido e consequentemente que destinava tal produto à sua venda a terceiros. XXI. Deveria ter pesado sim que, não era o arguido que detinha em seu poder os apreendidos 1.279,70, numa bolsa à cintura. XXII. Também não se pode concluir que, o produto apreendido, constituía, depois de fraccionado, cerca de 950 doses médias individuais, pois o único exame que foi realizado a tal produto foi o teste rápido, sendo que o referido teste não dispensa o exame laboratorial. Assim, em bom rigor, não existe nos autos exame do LPC que identifique sem margem para dúvida a quantificação do teor estupefaciente da substância em causa. XXIII. Resta, apenas, acrescentar que a alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, para a aplicação da medida de coacção, tem de aferir-se no plano fáctico e não no plano jurídico, e existe insuficiência de factos assentes para ter sido proferida a decisão ora recorrida. XXIV. Desta feita, recorre-se do douto despacho da Mmª JIC que aplicou ao arguido NSN, a medida de coacção prisão preventiva, a qual, nos termos da lei, só poderia se coexistissem os perigos concretos listados no art. 204.º do CPP; tipo de crime com moldura penal em abstracto enquadrável no disposto no art. 202.º n.º 1 al. a) do mesmo CPP, adequada ou suficiente para assegurar as finalidades pretendidas; XXV. Só deverá haver lugar à medida mais gravosa do elenco do C.P.P., quando nenhuma das demais medidas for, por si, suficiente para acautelar essas finalidades. XXVI. Ora, formalmente ao caso em apreço, cabe a possibilidade da prisão preventiva; mas é necessário saber se qualquer das demais medidas não garantiria os mesmos efeitos; o que, face aos princípios da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade da prisão preventiva, deveria constar no Despacho recorrido detalhada e fundamentadamente. XXVII.O despacho recorrido não é explícito, quantos aos motivos que em concreto levam a que a Mmª JIC decida aplicar a prisão preventiva e não qualquer das outras medidas previstas no CPP; faltando assim fundamentação suficiente para justificar a estrita necessidade da aplicação da prisão preventiva. XXVIII. Tenta-se a todo o custo, justificar que, pelo facto de estarmos perante o crime de tráfico de estupefacientes, que a prisão preventiva é a única medida de coação suficiente para afastar o perigo de continuação da atividade criminosa. XXIX. Mas, podemos afastar tal permissa, referindo tal como fez Maia Gonçalves, nas notas do art.º 209.º: "Não existem agora, casos de obrigatoriedade legal de prisão preventiva". XXX. Ora, salvo o devido respeito, caso não venha a ser considerada inválida a prova, nos termos supra alegados, não poderá contudo, ser considerada suficiente e certa a prova indiciária, não se descortinando factos que permitam concluir com firmeza que o arguido praticou o crime em apreço. XXXI.O douto Despacho que determinou a medida de coacção prisão preventiva, é, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, não só carecido de fundamentação de facto e de direito; como além disso a interpretação que o despacho faz dos artigos 202.º e 204.º CPP, no caso presente, é inconstitucional, por violação do artigo 28.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. XXXII. Pois reservando a Constituição da República Portuguesa carácter excepcional à prisão preventiva, não pode o despacho bastar com a eventual gravidade do crime, a eventual existência do requisito previsto do artigo 204.º al c), e o simples "descartar" de outras medidas menos gravosas, para concluir que a única medida possível é a prisão preventiva. XXXIII. Fica-se sem saber, e o despacho não o diz correta e fundamentadamente, porque razão, motivo ou justificação não se poderia ao arguido, in casu aplicar outra(s) medida(s) das previstas na lei, elas também garantes da boa continuação do processo, a salvo dos perigos aludidos no artigo 204.º do C.P.P. XXXIV.Com todo o respeito, a fundamentação é claramente insuficiente, de facto de direito; como além disso a interpretação que o despacho faz dos artigos 202.º e 204.º C.P.P.,no caso presente, é inconstitucional, por violação do artigo 28.º da C.R.P. ao não se atender ao carácter excepcional que a Lei fundamental reserva à prisão preventiva; pelo que, porque infundamentado quanto à necessidade exclusiva da medida de prisão preventiva em detrimento das outras, deve o douto despacho ser revogado. XXXV. Ao se ter violado o percurso lógico que preside à aplicação das medidas de coacção, considerando desde logo a aplicada (prisão preventiva) ainda antes de se demonstrar a existência de um perigo de continuação de actividade criminosa, atendendo-se à última e residual medida de coacção, violou-se os artigos 193.º e 202.º n.º 1 do C.P.P. XXXVI. A prisão preventiva não surge como a única medida que in casu assegure as finalidades que com ela se querem atingir e que obste aos perigos previstos no art. 204.º CPP. XXXVII. Falta ao despacho dizer (e de modo fundamentado com suficiência) que tais perigos não podem ser francamente prevenidos com a obrigação de apresentação periódica, mensal ou quinzenal, a autoridade judiciária ou policial, aliada à medida de proibição de contactos com pessoas conotadas, ou em última análise a obrigação de permanência na habitação (sujeitas a controlo eletrónico à distância), cumulada com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas (art.º 201.º do C.P.P.). XXXVIII. Com estas medida ou medidas e, face aos factos supra explanados, a situação ficaria totalmente acautelada, mesmo quanto aos eventuais perigos de continuação de actividade criminosa. XXXIX. Nesta medida os despachos recorridos violam as disposições dos artigos 193.º, 198.º, 200.º, 201.º, 202.º e 204.º todos do CPP, bem como o artigo 28.º da CRP.»
3 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso. Propugna pela confirmação do julgado. Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões: «1. O douto despacho recorrido não padece de quaisquer vícios ou nulidades. 2. Não foram violadas quaisquer normas substantivas ou adjectivas aplicáveis ao caso sub judice, bem pelo contrário, o douto despacho recorrido fez correcta interpretação dos factos e aplicação das normas que se impunham. 3. Inexiste qualquer vício que afecte a validade da busca domiciliária, a qual foi consentida pelo Recorrente, num primeiro momento, antes do seu início, na forma oral e depois, já na Esquadra, documentada em termo de autorização de busca assinado pelo próprio Recorrente. 4. Os elementos de prova coligidos à data da prolação do despacho recorrido eram bastantes e suficientes, sendo certo que o Recorrente nada requereu em sede de 1.º interrogatório judicial e que os exames aludidos serão certamente levados em conta em sede própria, ou seja, em despacho final de inquérito. 5. O despacho recorrido é claro, preciso e concordante no raciocínio que reproduz, traduzindo os motivos que, em concreto, determinaram que se considerasse como fortemente indiciada a posse, por parte do Recorrente, do estupefaciente, moinho e balança apreendidos bem como que aplicasse a prisão preventiva e não qualquer das outras medidas previstas no CPP, sendo a sua fundamentação suficiente e demonstrativa da estrita necessidade da aplicação daquela medida de coacção. 6. A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo das normas conjugadas dos artigos 202.º e 204.º do CPP não viola o art.º 28.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 7. A medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, ainda que sujeita a vigilância electrónica, é, no caso concreto, insuficiente porque ineficaz, a debelar o perigo de continuação da actividade criminosa de tráfico de estupefacientes.»
4 – Nesta instância, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, louvado na resposta, é de parecer que o recurso não merece provimento.
5 – Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame das questões relativas (i) à validação de prova nula, (ii) à falta de fundamentação da decisão sobre a indiciação dos factos e crime imputados e quanto à não aplicação de medidas coactivas menos gravosas, e à verificação do perigo de continuação da actividade criminosa. II 6 – O despacho da Mm.ª Juiz de instrução é do seguinte teor: «DESPACHO I. Validação da detenção Valido a detenção dos arguidos NSN e JPFL, nos termos dos artigos 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n.º 1, al. a) e 256.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por ter sido realizada por órgão de polícia criminal, em flagrante delito pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos. II. Da validade da busca domiciliária efectuada Pelo arguido JPFL foi invocada a nulidade da busca realizada à residência do arguido NSN, por não se terem verificado os pressupostos do artigo 174.º do Código de Processo Penal, nem nenhuma das excepções plasmadas no n.º 5 do mesmo artigo, não se inserindo também a situação em apreço nas excepções do artigo 251.º do Código de Processo Penal. Ora, conforme decorre do auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 destes autos, ao arguido NSN foi solicitada, pelos agentes policiais presentes no local, autorização para entrar no interior da sua residência, autorização que foi prestada e posteriormente documentada por Termo de Busca constante de fls. 20. Mais resulta do teor do referido auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 que o arguido NSN, foi novamente questionado pelos agentes policiais se podiam passar busca à sua residência, “sendo-lhe referido tal como anteriormente que tal facto tinha depois de ser expresso por escrito, tendo o mesmo respondido positivamente, salientando que morava sozinho naquela habitação”. Assim, atento o teor do auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 e do Termo de Busca constante de fls. 20, afiguram-se-nos preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 174.º, n.º 5, alínea b) e 177.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, sendo certo que a exigência de documentação, por qualquer forma, do consentimento do visado, se mostra cabalmente verificada, não exigindo a lei que tal documentação seja prévia à realização da busca. Assim, improcede a invocada nulidade da busca realizada à residência do arguido NSN, mostrando-se a mesma perfeitamente válida e regular. III. Da aplicação de medidas de coacção A. Da factualidade indiciada Sem prejuízo de ulteriores diligências de investigação, resultam fortes indiciados os seguintes factos: 1) No dia 16 de Março de 2015, pelas 17h00, numa residência situada na Rua (…..) em (….), no interior do quarto de dormir de NSN, este detinha: a. 95,07gr de uma substância que reagiu positivamente para heroína, acondicionada num saco de plástico guardado num guarda-fatos; b. uma balança de precisão, DIAMOND 500, em cima de uma cómoda e; c. um moinho de café dentro de um saco de plástico, em cima da cama. 2) A heroína apreendida constituía, depois de devidamente fraccionada, cerca de 950 doses médias individuais. 3) O arguido NSN destinava o referido produto estupefaciente à venda a terceiros. 4) Ainda neste circunstancialismo, JPFL detinha €1.279,70 numa bolsa que trajava à cintura, distribuídos da seguinte forma: d. sete notas de €50,00; e. trinta e oito notas de €20,00; f. onze notas de €10,00; g. sete notas de €5,00; h. cinco moedas de €2,00; i. onze moedas de €1,00; j. seis moedas de €0,50; k. uma moeda de €0,20; l. quatro moedas de €0,10; m. uma moeda de €0,05; n. uma moeda de €0,02; o. três moedas de €0,01. 5) O arguido NSN não exerce actividade laboral regular, subsistindo com os proventos da venda de heroína a terceiros. 6) O arguido NSN agiu de forma livre, deliberada e consciente, detendo a quantidade de heroína que foi apreendida, no intuito de a vender a terceiros mediante as respectivas contrapartidas pecuniárias, o que representou, quis e conseguiu. 7) O arguido NSN conhecia a natureza e características do produto estupefaciente apreendido e que destinava à comercialização. 8) O arguido NSN não ignorava o carácter censurável da sua conduta, bem sabendo que a mesma era proibida e punida por lei Penal. 9) O arguido NSN é toxicodependente. 10) O arguido NSN foi condenado, por sentença proferida em 16.11.2010, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 484/10.9PAOLH, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita à obrigação de se abster de frequentar locais e de conviver com indivíduos referenciados por tráfico de estupefacientes e de se apresentar quinzenalmente no posto policial mais próximo da sua área de residência, pela prática, em 18.04.2010, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01. 11) O arguido JPFL foi condenado, por sentença proferida em 16.04.2013, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 7170/11.0TALRS, do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00, pela prática, em 31.10.2011, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23.02. B. Dos elementos probatórios Os factos que ora indiciariamente se apuram encontram a sua base de sustentação probatória na conjugação dos diversos elementos que se elencam: no auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13, nos autos de apreensão de fls. 16 e 26, no termo de autorização de busca de fls. 20, e respectiva reportagem fotográfica de fls. 21 a 23, no teste rápido que constitui aditamento n.º 1, de fls. 17, e nos CRC´s de fls. 55 a 60. Da conjugação dos referidos elementos, resulta uma imagem bem definida e clara da actividade de tráfico a que o arguido NSN se dedica. Com efeito, a quantidade de estupefaciente apreendida é muito elevada, ultrapassando em larga medida o suficiente para um mero consumo individual, o que denota claramente que o arguido NSN destinava tal produto à venda a terceiros. Acresce considerar o facto de terem sido apreendidos, de igual modo, dois instrumentos normalmente associados ao fraccionamento e pesagem de produto estupefaciente – a balança de precisão e o moinho de café -, sem esquecer que tais instrumentos foram encontrados, não na cozinha da habitação, mas sim no quarto de dormir, um em cima de uma cómoda e outro em cima da cama, donde resulta o reforço claro da convicção da comercialização de produto estupefaciente por este arguido, já de si fortíssima a partir da quantidade de produto estupefaciente apreendido. É certo que o arguido NSN, tendo prestado declarações em sede de 1.º interrogatório judicial, negou a posse dos referidos objectos, dizendo que os mesmos não lhe pertencem e que nunca os tinha visto, bem como que os mesmos só podem ter sido trazidos pelo arguido JPFL que ali se tinha deslocado para o arguido NSN lhe instalar um programa no telemóvel. Sucede que as declarações prestadas pelo arguido NSN não lograram convencer minimamente, pela falta de coerência interna das mesmas, bem como por não se mostrarem consentâneas com as regras da experiência e da normalidade. Pelo arguido NSN foi afirmado que tais objectos só podem ter sido trazidos pelo arguido JPFL, não tendo contudo certeza se foi ele que trouxe um saco de supermercado ou a sua companheira que ali chegou momentos depois do arguido JPFL. Afirmou o arguido NSN que no decurso dos confrontos físicos ocorridos entre o arguido JPFL e a sua companheira, que sucederam num quartinho contíguo ao quarto de dormir onde foram apreendidos os objectos e encontrado o arguido JPFL escondido, tais objectos voaram e ficaram ali caídos no chão. Mais afirmou que quando a polícia bateu à porta o arguido JPFL fugiu logo para esse quarto de dormir contíguo àquele onde se deram os confrontos físicos e onde ficaram espalhados no chão os objectos, tendo o arguido NSN ficado, inclusive, convencido que o arguido JPFL havia fugido por uma porta existente nesse quarto de dormir e que dá para as traseiras da habitação. Ora, desde logo, não faz qualquer sentido que uma pessoa que se desloca à casa da outra apenas para lhe ser instalado um programa no seu telemóvel, leve consigo a quantidade de produto estupefaciente apreendido, muito menos a balança de precisão e o moinho também apreendidos. Menos sentido faz ainda que perante a chegada da polícia, e estando tais objectos espalhados pelo chão de um dos quartos da habitação, o alegado verdadeiro detentor dos mesmos, ao invés de fugir pela porta das traseiras deixando tais objectos, os recolha para se esconder com eles no quarto contíguo, e ainda os espalhe pelo quarto de modo que a balança seja encontrada em cima da cómoda, o moinho em cima da cama e o produto estupefaciente dentro do guarda-fatos. Acresce que, pelo arguido JPFL foi negada a posse dos referidos objectos. Assim, por carecem de qualquer coerência e porque se mostram completamente desconformes com as regras da experiência e da normalidade as declarações prestadas pelo arguido NSN não lograram convencer minimamente, resultando sim, dos elementos probatório recolhidos e já referidos, a forte indiciação da posse pelo arguido NSN dos referidos elementos apreendidos no seu quarto de dormir, bem como, atentas as concretas circunstâncias e a natureza dos mesmos, a forte indiciação de que o arguido NSN destinava tal produto estupefaciente à sua venda a terceiros. Do mesmo modo, não mereceram credibilidade as declarações prestadas pelo arguido NSN quanto à sua situação socioeconómica, resultando patente de qualquer dos modos, que o mesmo não exerce actividade laboral regularem, subsistindo com os proventos da venda de heroína a terceiros. No que concerne ao facto de o arguido NSN ser toxicodependente, tal foi admitido pelo próprio. Quanto ao arguido JPFL, resultando fortemente indiciada a posse pelo mesmo das quantias monetárias que lhe foram apreendidas, posse que o próprio admitiu, não resulta contudo suficientemente indiciado que tais quantias monetárias sejam o produto da venda de heroína, pertença de ambos os arguidos, a terceiros, o que os arguidos haviam levado a cabo no dia 16 de Março de 2015. Com efeito, pese embora não se tenha mostrado absolutamente credível a justificação dada pelo arguido JPFL para a posse das aludidas quantias, dada a diversidade de notas e moedas apreendidas, certo é que da simples detenção de tais quantias e da presença do arguido na habitação do arguido NSN no momento da chegada dos agentes policiais e da apreensão do produto estupefaciente e demais objectos relacionados com o tráfico de droga, não se pode inferir, ainda que em sede de indícios, a detenção pelo arguido JPFL do referido produto estupefaciente e demais objectos, e bem assim, uma qualquer participação deste na actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido NSN. Na verdade, no que concerne ao arguido JPFL, e em face da conjugação dos elementos probatórios existentes, resulta tão só a forte indiciação da detenção das quantias que lhe foram apreendidas. Os antecedentes criminais dos arguidos resultam do teor dos Certificados de Registo Criminal respectivos, constantes a fls. 55 a 60. C. Da qualificação jurídica dos factos indiciados Os factos indiciados, sem prejuízo do desenvolvimento do inquérito e de uma consequente adequação da qualificação jurídica dos factos, são susceptíveis de integrar a prática, pelo arguido NSN, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos. Com efeito, nesta sede indiciária, tudo aponta para a circunstância de o arguido se dedicar ao tráfico de estupefaciente de forma regular, sendo a quantidade de produto estupefaciente apreendida claramente incompatível com o juízo de menor ilicitude implicado no artigo 25.º daquele diploma legal. Está, também, afastada a previsão normativa do artigo 26.º do referido diploma em face dos factos fortemente indiciados. Quanto ao arguido JPFL, e em face dos factos indiciados supra, não se vislumbra, por ora, a prática por este arguido do imputado crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. D. Das exigências cautelares e medidas de coacção a aplicar aos arguidos As medidas de coacção e de garantia patrimonial constituem uma restrição do direito à liberdade (pessoal ou patrimonial) da pessoa constituída arguida (artigo 192.º, n.º 1, artigo 58.º, n.º 1, aliena b), artigo 60.º e artigo 61.º, n.º 3, alínea d), todos do Código de Processo Penal) que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias, tendo em vista a boa administração da justiça, a descoberta da verdade material e o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada com a prática do crime, interesses potencialmente conflituantes com o direito á liberdade constitucionalmente garantido. A aplicação de medidas de coacção em processo penal está sujeita a apertados condicionalismos. Tratando-se de limitar a liberdade das pessoas, sempre haverá que respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, vertido igualmente no artigo 193.º do Código de Processo Penal. As medidas de coacção assumem carácter instrumental, destinando-se a acautelar os perigos previstos no artigo no artigo 204.º do Código de Processo Penal. Mesmo quando se verifique um destes perigos, em concreto, a aplicação das medidas depende: (i) da prévia constituição como arguido – artigo 192.º, n.º 1 do Código de Processo Penal; (ii) e de um juízo positivo de necessidade e adequação às exigências cautelares que o caso requerer e de proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas – artigo 193.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. O Ministério Público requereu a aplicação, a ambos os arguidos, da medida de coacção de prisão preventiva (artigo 202.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal). Ora, no que concerne ao arguido JPFL, não resultando, por ora, indiciada a prática, pelo mesmo, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ou de qualquer outro, não cabe aplicar-lhe qualquer outra medida de coacção para além do Termo de Identidade e Residência já prestado, decorrência legal da sua constituição como arguido nos presentes autos. Já no que respeita ao arguido NSN, e desde logo, o crime indiciado permite aplicação da medida proposta pelo Ministério Público (artigo 202.º, n.º 1, alíneas a), c) (esta por referência ao artigo 1.º, al. m) do Código de Processo Penal) e e) do Código de Processo Penal), restando apreciar a necessidade. À luz dos factos indiciados, verifica-se, com indiscutível clareza, que está presente o perigo de continuação da actividade criminosa, atentos, desde logo, os elevados proventos que tal actividade, consabidamente, possibilita ao arguido, o que torna previsível o impulso de manter tal actividade, associado à facilidade com que tais rendimentos são obtidos, bem como à circunstância de o arguido ser toxicodependente, o que torna ainda mais previsível o impulso de manter o esquema necessário à aquisição do produto consumido. Por sua vez, a dependência leva à necessidade de alimentar o vício e, com isso, de prosseguir o tráfico. Acresce que não são conhecidos ao arguido rendimentos suficientes para manter o consumo de produtos estupefacientes, o que potencia a continuação da actividade de tráfico que lhe proporciona certamente rendimentos de cuja falta se ressentiria. Por outro lado, não podemos deixar de evidenciar a insensibilidade ínsita no desvalor da conduta deste arguido face à condenação já anteriormente sofrida pela prática de crime da mesma natureza. Torna-se, assim, razoável um juízo de perigo de continuação da actividade criminosa, como previsto na alínea c) do artigo 204.º do Código de Processo Penal. Acresce ainda que o tráfico de estupefacientes funciona, como é sabido, através de redes, designadamente quando estão em causa elevadas quantidades, como é o caso dos autos. Ora, a inexistência de medidas de coacção faria com que o arguido continuasse exposto aos contactos e pressões das pessoas que conhece no meio do tráfico, interessadas em manter vivo o canal de distribuição. Este contexto, de grande probabilidade, aliado às demais considerações já tecidas, reforça ainda mais a convicção de verificação de perigo de continuação da actividade criminosa. Ao tráfico encontra-se associada, como é do conhecimento geral, alguma criminalidade-satélite, e os estupefacientes, para além de provocarem adição, têm efeitos devastadores sobre o corpo, sendo um verdadeiro problema de saúde pública. Daí se dar por verificado o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, precisamente pelo risco de continuação da prática do tráfico – cfr. artigo 204.º, al. c) do Código de Processo Penal. Não se afigura haver, por ora, elementos que indiciem o perigo de fuga. Para acautelar tais riscos, não se mostra adequado o Termo de Identidade e Residência, por não ter intensidade suficiente para conter o impulso proveniente da actividade de tráfico de produtos estupefacientes. Também não se afigura adequada, em concreto, a caução carcerária, já que o arguido não tem rendimentos suficientes para o efeito, e, em todo o caso, não se vê que se detivesse por essa via, atenta a forte pressão de necessidade pessoal para continuar o tráfico. A proibição de contactos com pessoas conotadas com o tráfico de estupefacientes e a obrigação de apresentações periódicas não seriam também suficientes para acautelar os perigos que no caso se verificam, uma vez que não há qualquer forma de controlo suficientemente eficaz para garantir a eficácia da medida (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 8 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 1853/08-1 in www.dgsi.pt). E será suficiente a medida de obrigação de permanência na habitação? Esta medida, mesmo sob vigilância (artigo 201.º do Código de Processo Penal), não é adequada para obviar aos assinalados perigos na medida em que não impede os contactos e transacções com os fornecedores e clientes de droga, o que ademais se pode inferir da possibilidade de utilizar as novas tecnologias de comunicação (telemóvel ou internet). Assim, a obrigação de permanência na habitação, mesmo com a proibição de contactos com pessoas conotadas com a actividade de tráfico de estupefacientes, não será a medida eficaz e adequada para obstar à continuação da prática da actividade criminosa, uma vez que o tráfico de estupefacientes poderá ser realizado a partir da habitação do arguido, ali contactando e recebendo terceiros sem que o sistema de vigilância electrónica seja capaz de controlar tal actividade pois apenas detecta afastamentos do arguido da residência (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 9 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 3/10.7SFPRT-A.P1, perfeitamente enquadrado no caso em apreço: “A vigilância electrónica associada à medida de permanência na habitação podendo, embora, obstar a um eventual perigo de fuga, não dá a mínima garantia de que, no sossego do lar, o arguido não continue a actividade de tráfico de estupefacientes, mostrando-nos a experiência comum como são, hoje, fáceis os contactos e as deslocações de compradores e intermediários e como é forte a solicitação dos elevados proventos económicos que tal tráfico proporciona.”). Entende-se, assim, que as medidas de coacção não privativas da liberdade e a medida de permanência na habitação, no caso vertente, são insuficientes e inadequadas às exigências cautelares e desproporcionais à gravidade do crime e da sanção que virá a ser aplicada, sendo previsível, face ao crime em questão (punível com pena de prisão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos), que o arguido será condenado, a final, numa pena de prisão efectiva (a este respeito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 31 de Janeiro de 2007, processo n.º 0710476, relatado por Guerra Banha in www.dgsi.pt). É que, no que toca ao tráfico de estupefacientes, quando adquire determinada dimensão, “só especiais motivos podem justificar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. Com efeito, trata-se de um domínio em que cumpre garantir que a pena de substituição não colida com as finalidades da punição, impondo-se assegurar que a comunidade não veja a suspensão como um sintoma de impunidade, descrendo, assim, do sistema penal.” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.11.2011, proferido no processo n.º 42/10.7GCVIS.C1, na base de dados da DGSI). Assim, a prisão preventiva é a única medida coactiva que se mostra adequada às exigências cautelares ínsitas nos perigos verificados nos autos, sendo proporcional aos factos praticados. Veja-se, a este propósito, o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.04.2010, proferido no processo n.º 224/08.2TABRG-A.G1, na base de dados da DGSI, num caso em que foram apreendidos ao arguido 485,60 gramas de haxixe (e uma quantidade comparativamente negligenciável de cocaína) e não tinha antecedentes criminais: “Com a entrada em vigor, em 15/09/2007, das alterações introduzidas pela Lei n° 48/2007, de 29/08, a prisão preventiva apenas pode ser aplicada, para além das situações previstas na al. c), do n° 1 do art° 202° e no n° 2 do art° 203°, a crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [202°, n° 1, al. a] e a crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [202°, n° 1, al. b], sendo que, nos termos do art° 1°, al. j), também do CPP, as condutas de tráfico de estupefacientes integram o conceito de «criminalidade altamente organizada». É ainda necessário que se verifique a existência de fortes indícios da prática de qualquer um dos crimes abrangidos pelas citadas alíneas a) e b) do n° 1, do art° 202°. No caso dos autos, os elementos probatórios indicados no despacho recorrido permitem concluir por essa forte indiciação no que concerne aos factos descritos no mesmo despacho e imputados ao recorrente, maxime que todas as substâncias de natureza estupefaciente que lhe foram apreendidas – a saber, haxixe (peso ilíquido de 485,6 gramas) cocaína (peso ilíquido de 10, 4 gramas) eram destinadas a terceiros.”. No caso, a quantidade de estupefaciente apreendida apontam para uma actividade tão intensa que se afigura que só uma medida detentiva, cortando definitivamente a possibilidade prática de o arguido se dedicar à actividade de tráfico, pode acautelar aqueles perigos, uma vez que a escala em que os factos em questão se mostram praticados não permite contar com a boa vontade para prosseguir num caminho desligado da cedência de estupefaciente. Relembre-se que o arguido não tem meios de subsistência suficientes para o sustento do seu consumo de produtos estupefacientes, demonstrando a quantidade apreendida que o tráfico ocupou já um lugar na sua vida e, certamente, na vida de um número substancial de pessoas que o rodeia (pois indicia forte procura, equilibrando a fortíssima oferta), que neste momento representará o centro gravitacional da existência do mesmo. Assim, a medida a aplicar deverá assentar na supressão da possibilidade de traficar, ou seja, através de detenção. Em face do exposto, decide-se, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e c) (esta por referência ao artigo 1.º, alínea m) do Código de Processo Penal) e 204.º, alínea c) do Código de Processo Penal, que: A. O arguido JPFL aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência já prestado; B. O arguido NSN aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coacção: a. Termo de Identidade e Residência já prestado; b. Prisão preventiva.»
7 – Defende o recorrente que o despacho revidendo incorre em erro de jure, na interpretação do disposto no artigo 174.º n.º 5 alínea b), do Código de Processo Penal (CPP), no ponto em que validou prova nula, nos termos prevenidos nos artigos 122.º n.º 1, 126.º n.º 3, 251.º n.º 1 e 256.º, do CPP, tal seja a busca domiciliária levada na casa de residência do arguido sem o prévio consentimento deste.
8 – A questão da nulidade da busca foi já suscitada na instância e, como decorre do proémio do deciso, acima transcrito, que se reedita, não veio a merecer provimento: «Ora, conforme decorre do auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 destes autos, ao arguido NSN foi solicitada, pelos agentes policiais presentes no local, autorização para entrar no interior da sua residência, autorização que foi prestada e posteriormente documentada por Termo de Busca constante de fls. 20. Mais resulta do teor do referido auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 que o arguido NSN, foi novamente questionado pelos agentes policiais se podiam passar busca à sua residência, “sendo-lhe referido tal como anteriormente que tal facto tinha depois de ser expresso por escrito, tendo o mesmo respondido positivamente, salientando que morava sozinho naquela habitação”. Assim, atento o teor do auto de notícia por detenção de fls. 11 a 13 e do Termo de Busca constante de fls. 20, afiguram-se-nos preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 174.º, n.º 5, alínea b) e 177.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, sendo certo que a exigência de documentação, por qualquer forma, do consentimento do visado, se mostra cabalmente verificada, não exigindo a lei que tal documentação seja prévia à realização da busca.»
9 – Sem desdouro para o esforço argumentativo do recorrente, não se mostram infirmados, por esta via recursiva, os fundamentos da decisão da Mm.ª Juiz de instrução, antes se retomando a argumentação que aquela, fundamentadamente, não sancionou.
10 – A alínea b) do n.º 5 do artigo 174.º, do CPP, ressalva da precedente validação pela autoridade judiciária, prevenida no n.º 3 do mesmo normativo, as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos «em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado».
11 – Tudo em respeito pelo consignado, desde logo, no artigo 34.º n.os 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
12 – O consentimento do visado, livre esclarecido, tem de preceder a busca, podendo ser prestado de forma verbal, impondo-se quando assim que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado.
13 – Neste sentido, por mais significativos: - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Dezembro de 1992 (Colectânea de Jurisprudência XVII-4-90); - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 2000 (Colectânea de Jurisprudência XXV-1-137); - Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora, 2007, pp. 471/472, nota 15 ao artigo 174.º); - Cons. Santos Cabral (no «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, 2014, pág. 736).
14 – No caso, dando por certo, à luz do auto de notícia (fls. 11-13), que o arguido, expressa e claramente, autorizou os agentes policiais a entrar e a proceder à busca na sua casa de residência, e que tal acto veio a ser documentado posteriormente (termo de fls. 20), não se vê qualquer infracção ao disposto no artigo 174.º n.º 5 alínea b), do CPP, como não se detecta qualquer invalidade que inquine tal meio de obtenção de prova.
15 – Termos em que, neste particular, não pode conceder-se provimento à douta argumentação do recorrente.
16 – O arguido invoca «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», alegando desde logo que a Mm.ª Juiz de instrução sustentou a sua convicção sobre a indiciação do crime imputado «na base de uma experiência provável», não fundamentada, ademais desconsiderando o princípio in dubio pro reo.
17 – Defende que o facto de os 95,07 gramas de heroína de par com a balança e moinho apreendidos se encontrarem na casa de residência do arguido não pode, por si, levar à conclusão indiciária de que tais materiais eram pertença deste e que os destinava à venda a terceiros, que o produto estupefaciente bastava a 950 doses médias individuais, e pretexta que não era o arguido quem detinha a quantia de € 1.279,70, numa bolsa à cintura.
18 – Importa, antes do mais, situar, em termos de sequela processual, a dissensão do recorrente, pois que o vício invocado, de «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», reportará, não tanto ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, referenciado à sentença, mas antes a uma invalidade (vale dizer, no caso, uma irregularidade, tal como prevenida no artigo 123.º, do CPP, visto o disposto no artigo 118.º, do mesmo Código), por desrespeito dos deveres de fundamentação prevenidos nos artigos 205.º n.º 1, da CRP, e 97.º n.º 5, do CPP.
19 – Sem embargo, como resulta evidente da transcrição supra, não pode merecer procedência a conclusão levada pelo recorrente, no sentido de que a Mm.ª Juiz de instrução descurou tais deveres de abonação do deciso.
20 – Com efeito, visitado o material probatório presente nos autos, bem como a gravação audio do interrogatório do arguido, não pode deixar de conceder-se a inverosimilhança das respectivas declarações, à luz das mais elementares regras da experiência comum, designadamente no ponto em que pretende responsabilizar o co-arguido pela detenção da heroína, aduzindo que, no decurso das agressões que o mesmo perpetrava sobre a companheira, os sacos voaram, espalhando-se pelo chão, enquanto o recorrente abria a porta à Polícia, mal se compreendendo, por um lado, que o co-arguido espalhasse, à vista, o moinho e a balança na divisão onde se escondeu e, por outro lado, que este apanhasse tais objectos do chão do «quartinho» e passasse com os sacos na mão para o quarto de dormir (sem ser visto pelos agentes policiais) e que, antes de se esconder, dispusesse o moinho e a balança nesta divisão.
21 – A Mm.ª Juiz de instrução fundou a decisão sobre a qualidade e quantidade de produto estupefaciente apreendido bem como sobre o número de doses consentidas pelo fracionamento da heroína com base no teste rápido levado (conforme documentado nos autos), o que, na fase capitular do inquérito à data do despacho revidendo, não pode deixar de considerar-se que concede uma dimensão (indiciária) seja da qualidade e quantidade do produto seja, considerado o consumo médio individual, das possibilidades de desdobramento daquela quantidade de heroína, por isso que o despacho recorrido não merece, também neste segmento, qualquer reparo.
22 – No que respeita à invocada falta de fundamentação do despacho revidendo no tocante ao despiste da aplicação ao recorrente de medida de coacção menos gravosa, terá de consentir-se que, também nesse particular, a decisão não merece reparo, bastando remeter para o respectivo teor (cfr. supra), de que resulta que a Mm.ª Juiz de instrução decidiu pela aplicação da prisão preventiva depois de enfatizar a concreta inaplicabilidade de medidas outras, designadamente de mero termo de identidade e residência, de caução carcerária, de proibição de contactos e de obrigação de permanência na habitação, assegurando a necessária transparência do deciso, não se vendo, em tal dizer (nem vindo adiantada pelo recorrente), qualquer opacidade de exame ou discernimento.
23 – Ademais, mesmo no que respeita à consideração do perigo de continuação da actividade criminosa como transcorre à evidência da decisão, acima transcrita, a Mm.ª Juiz de instrução não deixou de, expressa e perspicuamente, dar nota das condições pessoais e de desinserção do arguido e da vulnerabilidade que tal propicia relativamente aos consabidamente fartos e rápidos réditos advindos da transacção de estupefacientes, não se vendo qualquer violação ou interpretação menos constitucionalizada do disposto, maxime, nos artigos 202.º e 204.º, do CPP, à luz, designadamente, do consignado no artigo 28.º, da Lei Fundamental.
24 – Termos em que, sem demérito ou menoscabo pelo doutamente alegado, o recurso não pode lograr provimento.
25 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do arguido recorrente em custas, nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5 e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício. III 26 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, NSN; (b) condenar o arguido nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Évora, 14 de Julho de 2015
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto) |