Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2052/15.0T8FAR.E2
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nos procedimentos cautelares a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP, atenta a regra especial estabelecida no artigo 7.º, n.º 4, do RCP;
2 - Nos recursos interpostos nos procedimentos cautelares a taxa de justiça devida é, igualmente, determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP;
3 - A tal não obsta o disposto no artigo 6.º, n.º 2, ou ainda no artigo 7.º, n.º 2, do RCP, regras previstas para recursos em processos sujeitos à tabela I anexa ao RCP;
4 - Por conseguinte, nos procedimentos cautelares, em primeira instância e em sede de recurso, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Os presentes autos consistem em procedimento cautelar comum que (…) SGPS,S.A. intentou contra (…), SA e (…), BV, com vista a ver decretadas as seguintes providências:
(a) a inibição das Requeridas, seus administradores atuais ou futuros, e ou procuradores, de fazerem qualquer promessa de cessão, ou cessão, das ações da sociedade Requerida (…) S.A., e
(b) a inibição das Requeridas, seus administradores atuais ou futuros, e ou procuradores, de venderem, prometerem vender, permutar ou onerar o terreno devidamente identificado nos autos.

Produzida que foi a prova apresentada pela Requerente, sem audiência das Requeridas, o procedimento cautelar foi julgado procedente, decretando-se as requeridas providências. Deduzida que foi oposição, proferiu-se decisão determinando o levantamento das providências cautelares antes determinadas, sem que houvesse lugar a produção de outras provas. De tal decisão foi interposto recurso, sem impugnação da decisão relativa à matéria de facto, recurso que foi julgado improcedente.


II – O Objeto do Recurso

Volvidos os autos à 1.ª instância, a Requerente apresentou-se a requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em sede de 1.ª instância e em sede recursória, apelando ao regime inserto no art. 6.º, n.º 7, do RCP. Sustentou, para tanto, estarem reunidas as condições para que tenha lugar a pretendida dispensa, a saber:
- a causa não versou sobre questões complexas ou controvertidas;
- no recurso não houve reapreciação da decisão relativa à matéria de facto;
- a conduta processual das partes foi correta;
- trata-se de um procedimento cautelar, a questão em apreciação ficou-se pela análise da aparência do direito.

Foi proferida decisão indeferindo a pretensão da Requerente, conforme segue:
«Ora, para além de que a dispensa deve ser excepcional nos termos supra referidos, nestes autos, com questões complexas, exigindo a análise e interpretação exaustiva de documentos de teor bastante complicado, tendo havido uma tramitação acentuada e grande litigiosidade com dezenas de requerimentos e inúmeros documentos nos autos, que neste momento têm 13 volumes e mais de 3.600 páginas, tendo o procedimento cautelar estado pendente sem decisão definitiva quase 2 anos, entende-se que não há lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do 6º, n.º 7, do RCP.»

Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em sede de recurso, na totalidade ou, assim não se entendendo, em 90%. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. O artigo 7.º, n.º 2, do RCP estatui o seguinte: “Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.”
2. Sendo que, de acordo com a Tabela i-B do mesmo RCP dispõe que, “para além dos (euro) 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3UC, no caso da col. A, 1,5 UC”.
3. In casu, por ter existido recurso da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, para a Veneranda Relação, poderia, em teoria, acrescer, 1,5 UC por cada fracção de 25.000,00 € acima dos 275.000,00 €, até ao limite do valor da presente causa, fixado em 1.385.702,76 €.
4. Ora, como é bom de ver, o remanescente da taxa de justiça é devido, em sede de recurso, e única e simplesmente pelo facto de ter existido recurso.
5. Pelo que, os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo relativamente à dispensa do pagamento desse remanescente falecem.
6. A análise que o Tribunal a quo efectua, para concluir pela não dispensa requerida, prende-se unicamente com o trabalho desenvolvido pela 1.ª instância.
7. Como se pode ler no Despacho recorrido, os únicos motivos invocados são: “questões complexas, exigindo a análise e interpretação exaustiva de documentos de teor bastante complicado, tendo havido uma tramitação acentuada e grande litigiosidade com dezenas de requerimentos e inúmeros documentos nos autos, que neste momento têm 13 volumes e mais de 3.600 páginas, tendo o procedimento cautelar estado pendente sem decisão definitiva quase 2 anos”. (sic)
8. O Tribunal a quo nem tão pouco se reporta ao trabalho desenvolvido pelo Tribunal de Recurso, que era, na realidade aquele que mais importava analisar.
9. O que o Regulamento das Custas Processuais estatui é que há lugar ao pagamento (se não for dispensado) do remanescente da taxa de justiça devida em sede de recurso. Ou seja, não tivesse havido recurso, não se estaria a discutir este assunto, pois não seria devido qualquer outro pagamento relativo a taxa de justiça, tornando-se, completamente irrelevante, as “questões complexas, exigindo a análise e interpretação exaustiva de documentos de teor bastante complicado, tendo havido uma tramitação acentuada e grande litigiosidade com dezenas de requerimentos e inúmeros documentos nos autos, que neste momento têm 13 volumes e mais de 3.600 páginas, tendo o procedimento cautelar estado pendente sem decisão definitiva quase 2 anos”.
10. Salvo opinião em contrário, e com o devido respeito, que, repita-se, é muito, o Tribunal a quo não analisou a questão que se lhe foi colocada, à luz da Lei, violando, entre outros, o CRP, e em concreto, os artigos 6.º, n.º 7, 7.º, n.º 2 e Tabela I-B.
11. As questões que foram colocadas para apreciação do Venerando Tribunal da Relação diziam apenas respeito a matéria de Direito, em concreto, se se encontrava verificado, ou não, o pressuposto da aparência do direito da Recorrente.
12. Não houve, desse modo, por parte do Venerando Tribunal ad quem, a necessidade de análise da matéria factual, ou de questões jurídicas complexas e/ou controvertidas.
Bem pelo contrário, as questões submetidas nos recursos apresentados revelaram-se simples e diretas.
13. O Venerando Tribunal ad quem não necessitou despender tempo e recursos para proferir o Acórdão, tendo facilmente decidido a questão, sem tão pouco ter necessidade de analisar as demais questões suscitadas pelas partes, por ter, desde logo, refutado a existência da aparência do direito da recorrente.
14. O recurso então interposto para a Veneranda Relação, da Sentença proferida pela 1.ª instância, revelou-se de fácil e simples Decisão.
15. O Tribunal a quo não analisou, sequer, o trabalho desenvolvido pela Veneranda Relação, em sede do recurso interposto da Sentença proferida para fundamentar o Despacho de que se recorre. O invocado pelo Tribunal a quo para não dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça cinge-se ao trabalho desenvolvido na 1.ª instância, e, mesmo assim, os fundamentos que invoca são demasiado ténues.
16. Não obstante, ainda que se entenda que deverá ser efectuada uma análise ao processo como um todo e não apenas à análise que tenha sido efectuada pelo Tribunal ad quem, sempre existiriam motivos para dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tal como o permite o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, pois estão reunidas condições para essa dispensa.
17. Todas as questões submetidas à apreciação do Tribunal foram de simples apreciação, tratando-se de questões simples e não de questões jurídicas complexas ou controvertidas.
18. As partes nunca foram condenadas incidente. O que significa que todas as questões suscitadas nas “dezenas de requerimentos e inúmeros documentos nos autosforam todas devidamente fundamentadas e necessárias ao andamento da causa.
19. A conduta processual de ambas as partes sempre se pautou por uma normal atividade, sem recurso a expedientes dilatórios, de forma cooperante, sempre com vista à obtenção da justa composição do litígio, pelo que, por não ser censurável, não justifica qualquer tipo de penalização em sede de taxa de justiça.
20. Ambas as partes limitaram-se (sem qualquer violação dos deveres de boa fé, cooperação, razoabilidade ou prudência) a lançar mão dos normais meios impugnatórios que teve por adequados à defesa dos seus interesses, sem qualquer excesso ou requerimento abusivo ou injustificável.
21. O Tribunal da 1.ª instância não teve necessidade de realizar audiência de discussão e julgamento, razão pela qual não foram levados a cabo típicos procedimentos processuais em sede instrutória, pelo que se pode concluir que a tramitação processual se revelou de dificuldade inferior à grande maioria dos casos.
22. Por seu turno, e como já se alegou, o recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação não versava matéria de facto, pelo que não foi despendido tempo na reapreciação da prova.
23. Neste sentido, num caso de “relativa complexidade”, decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte por acórdão proferido em 08.01.2016, no âmbito do processo n.º 01155/10.1BEBRG: “Face a todo o exposto, atendendo ao comportamento processual das partes, em concreto ao das Recorrentes, sem qualquer reparo negativo a apontar, e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser deferir o pedido de redução do montante de custas, na vertente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.”
24. Já num processo onde existiram “vários recursos e incidentes” – o Tribunal da Relação de Évora que: “No caso em concreto, pese embora existam vários recursos e incidentes, a complexidade do processo pode ser qualificada como normal para um processo de expropriação. De resto o processado anormal, foi oportunamente taxado como incidentes. E se houve alguns recursos, a sua taxação foi feita autonomamente, aumentando o valor da taxa de justiça que seria devida se o processo não os tivesse tido. Daí que este processo, atenta a sua complexidade, não tenha em termos de serviço efectivamente prestado, exigido do Estado uma actividade para além da que é exigida no caso dos normais processos de expropriação, independentemente do seu valor.
25. Mostra-se assim, em concreto, que a taxa de justiça, contada nos termos do CCJ aplicável, é manifestamente desproporcionada ao serviço prestado” (Acórdão proferido em 17-03-2010 no processo n.º 302-/1997.E1, disponível em www.dgsi.pt).
26. Noutra situação (de elevada complexidade) decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 07.11.2013, proferido no âmbito do processo n.º 332/04.9TBVPA.P1, que: “(...) No caso concreto, estamos perante uma acção ordinária que teve início e 16.07.2004; recebeu os articulados da petição inicial, contestação e réplica; e 15.12.2004 já tinha saneador produzido; foi realizada uma peritagem e foram pedidos esclarecimentos aos peritos; em Julho de 2005 já estava pronto para julgamento; na audiência que se prolongou em termos úteis por dois dias de trabalho foram ouvidas no total de 13 testemunhas; foi proferida sentença em 1.ª instância; foi interposto recurso para a Relação; foi proferido Acórdão pela Relação do Porto; foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça; foram arguidas nulidades do Acórdão; foi proferido novo Acórdão a julgar improcedente esse requerimento. (...) No tocante às matérias abordadas no processo tratou-se de apreciar o incumprimento de uma união de contratos composta por um contrato-promessa de arrendamento e um contrato promessa unilateral de venda e os pressupostos da respectiva obrigação de indemnizar.
Na conta elaborada apurou-se o valor de € 16.830,00 de taxa de justiça devida por cada uma das partes (a que acresce a taxa de justiça de incidentes que estão excluídos desta questão), num total de € 33.660,00 que se nos afigura claramente excessivo para o volume do processado (perfeitamente comum), a complexidade das matérias abordadas (relativamente escassa) e a conduta processual das partes (relativamente à qual nenhuma reserva ou critica calha fazer).
27. Em suma, no caso justifica-se que a conta final não considere o remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor tributário superior a € 275.000,00 (...).” (disponível em www.dgsi.pt).
28. In casu, estamos em sede de procedimento cautelar comum e do conjunto dos pressupostos gerais de que depende a procedência desta medida cautelar a apreciação ficou-se pela análise da aparência do direito.
29. Sendo que as partes não tiveram qualquer comportamento processual que tenha contribuído para a complexidade dos presentes autos, antes tendo adotado uma postura processual censurável.
30. A Requerente está ciente que o direito de acesso aos tribunais não compreende o direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo a imposição de uma contrapartida pela prestação de tal serviço.
31. No entanto, o custo associado ao recurso aos Tribunais não pode ser tão elevado que resulte na negação da Justiça aos cidadãos e às empresas.
32. Deverá existir, ainda que não em termos absolutos, correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o principio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º da CRP e com o direito de acesso à justiça previsto no artigo 20º da CRP.
33. A existência de correspetividade entre os serviços prestados pelo Tribunal e a taxa de justiça a liquidar, redunda no respeito pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e de acesso à justiça.
34. Ambas as partes têm direito a uma Justiça a custos razoáveis, para que não fiquem impossibilitados do acesso aos Tribunais face à contingência de poderem ter de suportar montantes exagerados em custas.
35. Na falta de demais critérios, poderemos fazer apelo ao artigo 530.º, n.º 7, do CPC.
36. É patente que os presentes autos não revelaram especial complexidade, pois não se pode dizer que estavam em causa questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importassem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
37. Como se disse supra, não houve a necessidade de reapreciar a matéria de facto dada como indiciariamente provada, pois a recorrente não a impugnou.
38. Além do mais, não poderá passar em branco, sendo de assinalar, o atual contexto de crise, que afeta de sobremaneira a capacidade financeira de todos os cidadãos, não sendo a recorrente e as recorridas exceção.
39. O valor da ação não pode ser considerado elemento exclusivo na ponderação da complexidade do processo e de geração de custos para o sistema, pelo que é imperioso permitir-se a fixação da taxa de justiça de acordo com critérios consentâneos com os princípios gerais de Direito.
40. Entende pois a recorrente que estes autos configuram uma situação excecional, enquadrável no espírito do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, pretendendo salvaguardar-se uma situação em que a mera aplicação formal do dispositivo legal crie uma verdadeira situação de injustiça, face à total desproporcionalidade entre o montante das custas finais apuradas a cargo da parte vencida e a concreta factualidade do processo.
41. Não dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça traduzir-se-ia na aplicação de um verdadeiro imposto.
42. Sendo que está hoje assente que a taxa de justiça tem a natureza de taxa e não de imposto – vide Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 412/89, de 15.09.1989, 307/90, de 04.03.1991, 42/92, de 11.06.1992, 240/89, de 22.03.1994, 214/2000, de 05.04.2000).
43. Seria, assim, INCONSTITUCIONAL, por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso aos tribunais, a desaplicação da norma que permite dispensar o pagamento de montantes exorbitantes no que tange à fixação da taxa de justiça, unicamente pautada pelo critério do valor da causa.
44. Ainda recentemente o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, em 15-12-2016, no processo n.º 1981/11.4TBPTM.E1, cujo sumário se transcreve: “I-Depois da Lei n.º 7/2012, o valor da ação deixou de ser o único elemento a considerar para efeitos de fixação da taxa de justiça. II - Os critérios de cálculo da taxa de justiça devem pressupor e garantir um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado, motivo por que a lei permite que se dispensa a parte do pagamento do remanescente da taxa de justiça” (disponível em www.dgsi.pt).
45. E ainda mais recentemente, correu termos pelo Juízo Central Cível de Faro, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sob n.º 1604/15.2T8FAR, procedimento cautelar (arresto), sendo partes na causa as mesmas dos presentes autos, tendo existido igualmente recurso para a Veneranda Relação de Évora da Sentença proferida em 1.ª instância, sendo em tudo muito idêntica a causa à dos presentes autos (mutatis mutandis), em que, levantada a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao Venerando Tribunal da Relação de Évora decidiu dispensar.
46. Como se demonstrou supra, a Jurisprudência vem defendendo uma interpretação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP segundo a qual é lícito ao Juiz, aquando da ponderação das especificidades da situação concreta, e à luz dos princípios constitucionais da garantia de acesso aos tribunais e da proibição do excesso, dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer a título integral, quer a título meramente parcial.
47. Efetivamente, a plena realização dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação impõe que o juiz, na sua função moderadora, possa determinar a redução do montante devido a título de remanescente de taxa de justiça, quando as especificidades do caso concreto assim o determinem.
48. Assim decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido em 09-02-2017, no processo n.º 473/10.3TBVRL-B.G1: “Numa interpretação conforme à Constituição, a ressalva da parte final do n.º 7 do art.º 6.º do RCP deve ser entendida como atribuindo ao juiz o poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do Regulamento e dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275 000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (disponível em www.dgsi.pt).
49. Assim, caso se entenda que o caso sub judice não revestiu a simplicidade exigida para a dispensa integral do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que não se concede e somente por mero dever de patrocínio se pondera, deverá a Recorrente ser dispensada do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta o reduzido grau de complexidade do processado e a conduta dos litigantes.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer da seguinte questão: da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos presentes autos de procedimento cautelar, o que pressupõe, como questão prévia, a questão de saber se há lugar ao pagamento a dispensar.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar
Aqueles que constam do relato que antecede.

B – O Direito

A taxa de justiça consiste no montante pecuniário devido pelos utentes da justiça como contrapartida da prestação concreta do serviço de justiça por parte dos tribunais, no exercício da função jurisdicional. Corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, cabendo o seu pagamento às partes intervenientes no processo, seja na qualidade de autor ou de réu, seja na qualidade de exequente ou de executado, seja na qualidade de requerente ou requerido, seja na qualidade de recorrente ou requerido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais – cfr. art. 530.º, n.º 1, do CPC.

No âmbito deste diploma, o art. 6.º, sobre a epígrafe «Regras gerais», determina, designadamente e no que aqui importa salientar, o seguinte:
«1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

(…)
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.»


Analisada a tabela I anexa ao RCP, dela se alcança a especificação das Unidades de Conta devidas, consoante o valor da ação, em euros, por tranches e até ao montante de €275 000, abrangendo 3 tipos de situações, agrupadas nas colunas A, B ou C, versadas nos arts. 6.º, n.ºs 1, 2 e 5, 7.º, n.ºs 2 e 3, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.ºs 3 e 7, do RCP. No termo da tabela, consta a seguinte menção:
«Para além dos € 275 000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25 000 ou fração, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC no caso da col. B, e 4,5 UC no caso da col. C.»

Constata-se que na coluna B, com base na qual se fixa a taxa devida nos recursos, o valor de UC corresponde a metade do valor de UC previsto na coluna A, com base na qual se fixa a taxa de justiça devida na correspondente ação que corre termos na 1.ª instância.

O art. 7.º do RCP, por sua vez, sob a epígrafe «Regras especiais», estabelece o seguinte:
«1 - A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela i, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, que fazem parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.
3 - Nos processos de expropriação é devida taxa de justiça com a interposição do recurso da decisão arbitral ou do recurso subordinado, nos termos da tabela i-A, que é paga pelo recorrente e recorrido.

4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento.
5 - Nas execuções por custas, multas ou coimas o executado é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nos termos da tabela ii.
6 - Nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4.
7 - Quando o incidente ou procedimento revistam especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela ii.
8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.»

Constata-se, assim, que nos processos especiais, nos casos não especificamente previstos na tabela II, a taxa de justiça devida fixa-se com base na tabela I, sendo certo que, tratando-se de recursos, a taxa de justiça é reduzida a metade do valor da ação propriamente dita (cfr. coluna A e coluna B da tabela I).
A tabela II referida no art. 7.º do RCP comporta a indicação das Unidades de Conta quer em taxa de justiça normal quer em taxa de justiça agravada por espécie de procedimento ou incidente, sendo que, no que tange a procedimentos cautelares, prevê a taxa de justiça normal de 3 UC naqueles cujo valor se cifre até € 300 000 e a taxa de justiça normal de 8 UC naqueles cujo valor seja igual ou superior a € 300 000,01; aos procedimentos cautelares de especial complexidade são indicadas 9 a 20 UC. Regime este que, por certo, leva em linha de conta o caráter em regra mais simplificado e menos complexo dos procedimentos e incidentes enunciados no art. 7.º, n.º 4, do RCP.

Compaginando o regime decorrente dos ora referidos preceitos legais, alcança-se que os procedimentos cautelares estão submetidos às regras especiais em matéria de fixação da taxa de justiça devida, sendo esta determinada pela tabela II.

Por conseguinte, sendo de aplicar a tabela II e não já a tabela I, não há lugar a pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I, em consonância com o n.º 7 da norma, que se integra nas regras gerais. Logo, não cabe apreciar se é de dispensar o pagamento do remanescente, que não é, de todo, devido.

O que se verifica quer em primeira instância quer em sede de recurso. Na verdade, a inserção sistemática da norma que determina que «Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento» (cfr. art. 6.º, n.º 2, do RCP) revela-nos que estão aqui em causa os recursos nos processos que cabem nas regras gerais, relativamente aos quais inexista disposição especial. De igual modo, a inserção sistemática da norma que determina que «Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações» (cfr. art. 7.º, n.º 2, do RCP) implica se considere referir-se aos recursos nos processos especiais que não estejam especialmente previstos na tabela II, cuja taxa de justiça, por via disso, se fixa nos termos da tabela I (cfr. n.º 1 do art. 7.º do RCP).

Por conseguinte, nos recursos interpostos nos incidentes e procedimentos cautelares, procedimentos de injunção, procedimentos anómalos e nas execuções a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela II, atento o disposto no art. 7.º, n.º 4, do RCP.

O acerto desta solução legal alicerça-se, desde logo, no facto de a complexidade das questões suscitadas num concreto processo não serem diversas na primeira instância e na instância recursória que, como se sabe, não conhece de questões novas (salvo questões de conhecimento oficioso); donde, não se justificaria a aplicação da tabela II aos procedimentos cautelares e a aplicação da tabela I (B) aos recursos interpostos no âmbito desses mesmos procedimentos cautelares – o que culminaria no pagamento de 1,5 UC por cada tranche de € 25 000 para além dos € 275 000 em sede de recurso, excedendo o valor fixado para o processamento do mesmo procedimento cautelar em 1.ª instância. É que, como se demonstrou, a taxa de justiça prevista para os recursos, na tabela I, é reduzida a metade do valor previsto para a mesma ação enquanto corre termos em primeira instância.

Ora, se a concreta estrutura dos procedimentos cautelares implica na sujeição à tabela II (pois apresentam uma tramitação simplificada, assentam na análise sumária da situação de facto com vista a aferir a provável existência do direito, culminam em decisões imediatas mas provisórias) qualquer recurso que, no decurso deles, seja interposto, tendo por objeto questões neles suscitadas, apenas a essa mesma concreta tabela II pode estar sujeito.

Termos em que se conclui que nos procedimentos cautelares, ainda que em fase de recurso, a taxa de justiça é determinada de acordo com a tabela II, pelo que não há lugar a pagamento do designado «remanescente da taxa de justiça».

Sem custas.

Concluindo:
- nos procedimentos cautelares, a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP, atenta a regra especial estabelecida no art. 7.º, n.º 4, do RCP;
- nos recursos interpostos nos procedimentos cautelares, a taxa de justiça devida é igualmente determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP;
- a tal não obsta o disposto no art.º 6.º, n.º 2, ou ainda no art. 7.º, n.º 2, do RCP, regras previstas para recursos em processos sujeitos à tabela I anexa ao RCP;
- por conseguinte, nos procedimentos cautelares, em primeira instância e em sede de recurso, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se não haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP.

Sem custas.
Évora, 9 de Novembro 2017
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos