Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
752/07.7TBCTX-C.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
IDONEIDADE DO MEIO
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A circunstância da Requerida, não obstante para o efeito notificada, não haver deduzido oposição ao requerimento de substituição da caução, apresentado pela Requerente, não tem o efeito de se julgar logo idónea a caução oferecida pela Requerente em substituição da primeira.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 752/07.7TBCTX-C.E1
Cartaxo


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. No incidente de prestação de caução, que corre por apenso à ação declarativa, com processo sumário, instaurada por (…) – Org. e Prod. De Hortof., S.A., contra (…) – Produtos Agrícolas da (…), Ldª, foi proferido despacho que, designadamente, consignou:
“ (…) III. Compulsados os diversos apensos e autos principais, verifica-se que tendo sido proferida sentença condenatória da R., da mesma veio esta interpor recurso peticionando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e oferecendo-se para prestar caução.
Determinada a prestação de caução, veio a mesma Requerer, em substituição do meio de caução determinado, seja admitida hipoteca voluntária sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), sito no Lugar de (…), freguesia da (…), do concelho da Povoa de Varzim, ao qual atribui um valor de mercado superior a € 150.000,00.
Analisada tal certidão matricial verifica-se tratar-se de prédio rústico, parcela de terreno de lavradio com 1,961000 hectares e com o valor patrimonial de € 74,87 (determinado no ano de 1989).
Mesmo desconsiderando que não foi junto certidão de registo predial, por onde se pode efetivamente, verificar a titularidade do direito de propriedade (o que a caderneta predial não permite), o que é facto é que o valor que a R. atribui ao imóvel não se mostra sustentado em mais nenhum elemento que não seja a sua própria avaliação, necessariamente, pessoal, parcial e subjetiva.
Considerando-se a condenação da R. em quantia que, para efeitos de caução, se fixou no valor de 16.438,26, a que acrescem juros, diga-se que a caução oferecida não tem como se afigurar idónea.
Impõem-se, assim, nos termos do disposto nos artigos 650.° n.° 2, 915.° n.º 1, 907.° n.° 3, 912.° e 913.° do Código de Processo Civil, considerar inidónea a caução oferecida.
IV. Em face do exposto, considerado a caução oferecida, hipoteca voluntária sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), sito no Lugar de (…), freguesia da (…), do concelho da Póvoa de Varzim, outra conclusão não é possível senão a de que a mesma não é garante suficiente, razão pela qual cumpre julgar inidónea a caução oferecida, o que, em conformidade se decide.”

2. É deste despacho que a Requerente recorre, formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“A) Versa o presente recurso sobre o despacho de 28-11-2016 com a ref.ª 73663922, proferido nos autos de Incidente de Caução que corre por apenso à acção declarativa de condenação intentada por (…) – Org. e Prod. de Hortof., S.A. contra a Ré (…) – Produtos Hortícolas da (…), Lda., que considerou inidónea a caução oferecida: hipoteca voluntária sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (…), sito no Lugar de (…), freguesia da (…), do concelho da Póvoa de Varzim.
B) O Tribunal a quo entendeu, sem ordenar a realização de qualquer diligência probatória, que o imóvel não tem valor para garantir a quantia supra de 16.438,26 €.
C) O Tribunal não podia bastar-se com a avaliação que consta na matriz predial, cujo valor patrimonial foi determinado em 1989, e apenas releva para efeitos fiscais, sendo que nos prédios rústicos é aferido pelo seu rendimento agrícola, e não tem qualquer referência ao valor de mercado, não servindo tal valor patrimonial para aferir do valor do imóvel, oferecido em garantia.
D) O Tribunal decidiu pela inidoneidade, sem dispor de quaisquer elementos válidos que permitissem concluir acerca do valor do imóvel, sem prejuízo do valor indicado pela Ré, que o Tribunal a quo entendeu não valorar.
E) O Tribunal tinha o dever de convidar a Ré a apresentar outros elementos demonstrativos da caução oferecida, nos termos e para os efeitos do artigo 590º, n.º 3, do CPC, ou desde logo e oficiosamente ordenar a prova pericial, através de avaliação.
F) Parece manifesto que incumbia ao Tribunal, para boa decisão, ordenar a realização de perícia, através de perito da lista oficial, a fim de ser proferida decisão conscienciosa.
G) O despacho recorrido violou os arts. 590º, 6º, 7º, e 908º, todos do CPC.
H) O Tribunal a quo concluiu que o prédio não tinha o valor de mercado indicado pela Ré, sem fundamentar, sequer minimamente, porque entende em sentido diverso.
I) In casu, a falta de fundamentação é total e gritante, o que face à importância da decisão, faz com que a R. não perceba os motivos da decisão do Tribunal a quo. Impossibilitando até, o exercício esclarecido do direito ao recurso.
J) Termos em que o despacho proferido é nulo, nos termos do artigo 615º, n.º 1, b), do CPC, aplicável aos despachos ex vi art. 613º do CPC, o que desde já se argui para os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por decisão que julgue idónea a caução oferecida ou, caso assim não se entenda, deve ser ordenada a realização de avaliação sobre o imóvel para apurar o valor real ou de mercado do mesmo.
Assim decidindo, farão Vª Exªs, aliás como sempre, JUSTIÇA.”
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir (i) se o despacho é nulo por falta de fundamentação e (ii) se a caução oferecida é idónea.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Relevam os factos e ocorrências processuais supra relatadas e ainda que a Requerida, notificada do requerimento de substituição da caução, não deduziu oposição.

2. Direito.
2.1. Se o despacho é nulo por falta de fundamentação.
Considera a Requerente que o despacho recorrido é nulo, porque conclui, sem fundamentação, que o prédio dado de caução não tem o valor de mercado por si indicado.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [artº 615º, nº 1, al. b), do CPC], disciplina aplicável aos despachos com as necessárias adaptações (artº 613º, nº 3, do CPC).
A falta de fundamentação aqui prevista, enquanto vício de construção da decisão judicial, é a total ou absoluta; a fundamentação deficiente ou insuficiente não constitui um vício formal da decisão, mas um vício substancial, ou seja, não constitui um erro de construção da decisão, mas um eventual erro de julgamento.
“A falta de motivação a que alude a alínea b) do nº 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença”[1]
No caso dos autos, a decisão recorrida concluiu que o prédio não tinha valor suficiente para garantia do pagamento da quantia que se destina a caucionar e explicou porquê; a quantia a caucionar é de € 16.438,26 e o valor patrimonial do prédio (determinado no ano de 1989) é de € 74,87. É esta a razão.
A decisão recorrida mostra-se fundamentada; se a fundamentação é suficiente para a conclusão que dela se extrai é uma questão diferente que se prende com o mérito da decisão e não com a sua construção.
Não se reconhece, assim, a invocada nulidade da decisão recorrida, improcedendo o recurso quanto a esta questão.

2.1. Se a caução oferecida é idónea.
Sob a epígrafe “prestação espontânea de caução”, o artº 913º, do CPC, dispõe:
“1. Sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
2. A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
3. Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 908º e 909º”.
Esta disciplina é aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor da outra, caso em que a parte requerida, em vez de ser citada, é notificada (artº 915º do CPC).
No caso dos autos a Requerente, ré nos autos principais, ofereceu-se para prestar caução “pelo valor e prazo que vier a ser fixado pelo tribunal”, tendo em vista a atribuição de efeito suspensivo ao recurso da decisão final proferida nos autos principais.
Requerimento que não observou a previsão do artº 913º, nº 1, do CPC, uma vez que a Requerente não indicou, como a lei exige, nem o valor a caucionar, nem o modo de prestação da caução.
Ainda assim, de acordo com a decisão recorrida, em 1/6/2016, foi proferido despacho que fixou o montante a caucionar e determinou a prestação de caução, por meio de depósito autónomo, no prazo de dez dias.
A Requerente não prestou a caução e apresentou requerimento para substituição do modo de prestação da caução por hipoteca voluntária sobre um prédio que identificou e de que juntou a certidão matricial.
Procurando reconduzir o processado à disciplina do artº 913º do CPC, importará reter, a nosso ver, que a circunstância da Requerida, não obstante para o efeito notificada, não haver deduzido oposição ao requerimento de substituição da caução, apresentado pela Requerente, não tem o efeito de se julgar logo idónea a caução oferecida pela Requerente em substituição da determinada pelo despacho de 1/6/2016, precisamente porque este despacho criou à Requerida fundadas expetativas de que a caução seria prestada por depósito autónomo, ou seja, na terminologia da 1ª parte do nº 3 do artº 913º, do CPC, esta sua revelia não pode haver-se por operante.
Por ser assim, tem aplicação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artºs 908º e 909º (2ª parte do artº 913º, nº 3 do CPC), ou seja, e para o que no caso releva, o juiz profere decisão sobre a apreciação da idoneidade da caução, após a realização das diligências necessárias (artº 909º, nº 3, do CPC).
E a apreciação da idoneidade da caução no concreto caso dos autos não dispensa, a nosso ver, a necessária realização de diligências.
Inicialmente importará conhecer se o prédio cuja hipoteca voluntária se oferece pertence, ainda que presumidamente, à Requerente e os ónus e encargos que sobre ele incidem.
Depois, se for o caso, importará determinar, ainda que aproximadamente, o valor de mercado do prédio; de facto, o valor patrimonial apurado no ano de 1989, não se mostra suficiente para determinar aquele valor, economizando razões, pela depreciação do valor da moeda entretanto ocorrida que, por facto notório, não pode deixar de ser considerado (artº 412º, nº 1, do CPC).
O recurso procede.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida e em ordenar o prosseguimento dos autos nos termos supra expostos.
Custas a final, por quem as houver que pagar.
Évora, 8/6/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
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[1] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol 3º, 3ª ed. pág. 194.