Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
170/14.0TTABT.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não tendo a audiência de julgamento sido objeto de gravação, uma eventual alteração da decisão de facto proferida em 1ª instância só poderá resultar de uma de duas situações:
- se do processo constar um concreto meio probatório que imponha decisão diversa, o que sucederá por exemplo com um documento autêntico que o tribunal a quo tenha desconsiderado;
- se a Relação entender dever fazer uso dos poderes oficiosos que lhe são conferidos pelo art.º 662º, nº 2, do Código de Processo Civil.
2. A presunção de laboralidade acolhida no art.º 12º, nº 1, do Código do Trabalho, poderá ser ilidida se no caso ocorrerem factos relevantes e ponderosos, que afastem a ideia de subordinação jurídica inerente a um contrato de trabalho.
(sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 170/14.0TTABT.E1


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:


No Tribunal do Trabalho de Abrantes, e em ação com processo comum, instaurada a 9/7/2014, B…, identificado nos autos, demandou C…, Lda., com sede em Lisboa, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia total de € 27.159,00, acrescida das retribuições vincendas até trânsito em julgado da decisão judicial, sendo € 4.000,00 de indemnização por despedimento, € 509,00 de salário de Junho de 2014, € 8.509,00 de férias e subsídios de férias vencidos em 2010,2011,2012, e 2013, € 3.906,00 de subsídios de Natal relativos aos mesmos anos, € 1.500,00 de férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal proporcionais, € 6.642,00 de trabalho suplementar prestado, € 328,80 de trabalho prestado em feriados, € 885,90 de trabalho noturno, e € 825,20 de 15 dias trabalho prestado ao sábado, em 2013. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. em 5/3/2010, como motorista, passando a partir de 26/5/2010 a exercer também funções de técnico auxiliar e assistente de médico, auferindo uma remuneração mensal variável entre € 800,00 e € 1.000,00; embora essa relação contratual, não reduzida a escrito, configurasse um contrato de trabalho subordinado, era apelidada de contrato de prestação de serviços, com horários de trabalho definidos pela R., e instrumentos de trabalho por ela fornecidos; para além disso, a 13/6/2014 a representante legal da demandada despediu-o verbalmente, de forma necessariamente ilícita, face ao art.º 381º, al. c), do Código do Trabalho (C.T.)..
Tendo entretanto o processo transitado para a 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, em Tomar, aí se procedeu à audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), tendo-se gorado a tentativa de conciliação nesse âmbito realizada.
A R. veio contestar de seguida, impugnando os factos alegados pelo A., sustentando existir entre as partes uma mera prestação de serviços, e concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição dos pedidos.
À contestação veio ainda responder o A., na parte em que considerou ocorrer defesa por exceção, para reafirmar a posição assumida e os pedidos formulados na p.i..
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram consignados os factos já então assentes, sendo dispensada a elaboração de base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento, sendo depois proferida sentença, que julgou a ação inteiramente improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos contra ela formulados.
Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar o A.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
(…)
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Notificada da interposição do recurso, a R. veio apresentar a sua contra-alegação, aí concluindo o seguinte:
(…)
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Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir.
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De acordo com as conclusões da alegação do recorrente, que como se sabe delimitam o objeto do recurso (cfr. arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do C.P.C.), as questões que no caso dos autos vêm suscitadas pelo apelante reconduzem-se, na prática, a duas áreas temáticas, a saber:
- impugnação da matéria de facto dada como provada e como não provada pelo tribunal recorrido;
- qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre A. e R..
Antes porém de abordarmos cada uma de tais vertentes do recurso interposto, relembremos a factualidade apurada no tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1 - A Ré é uma sociedade que tem por objeto social a “Prestação de serviços médicos de urgência, cuidados de saúde, medicina do trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho e outros necessários à prossecução destes fins” (alínea A) dos factos assentes).
2 - No exercício da sua atividade social a Ré obriga-se a prestar serviços de Medicina do Trabalho a empresas suas clientes, para o que dispõe de duas unidades móveis, que por conveniência daquelas, se desloca aos locais com estas previamente acordados, a fim de prestar aos seus trabalhadores exames médicos no âmbito da Medicina do Trabalho (alínea B) dos factos assentes).
3 - A Ré contratou o Autor como motorista do veículo móvel de medicina do trabalho, mediante um contrato apelidado de “contrato de prestação de serviços” não reduzido a escrito (alínea C) dos factos assentes).
4 - O Autor manteve a relação contratual com a Ré entre 5 de março de 2010 e 13 de junho de 2014, no âmbito da qual emitiu “recibos verdes” (alínea D) dos factos assentes).
5 - Para o desempenho das funções que estavam acometidas ao Autor, a Ré forneceu-lhe um computador, o qual se destinava a receber os emails, que lhe eram enviados pela Ré (alínea E) dos factos assentes).
6 - Ao Autor estava distribuído um telemóvel, que este usava para efetivar comunicações com a Ré e clientes desta, bem como uma viatura automóvel que compõe a unidade móvel de saúde (alínea F) dos factos assentes).
7 - Os equipamentos que o autor usava para concretizar os exames médicos eram fornecidos pela Ré, incluindo o acesso à internet, que foi providenciado pela Ré (alínea G) dos factos assentes).
8 - A Ré solicitou que o Autor se inscrevesse como prestador de serviço, o que o autor concretizou (alínea H) dos factos assentes).
9 - A Ré nunca liquidou ao Autor qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de natal (alínea I) dos factos assentes).
10 - O Autor inicialmente prestou exclusivamente serviços de motorista para transportar os médicos, depois passou efetivamente a auxiliar os médicos e consultas de medicina do trabalho na unidade móvel (alínea J) dos factos assentes).
11 - A Ré liquidava ao Autor por cada hora de serviço prestada a importância de €4,75 (alínea L) dos factos assentes).
12 - No início da relação contratual estabelecida entre Autor e Ré, o Autor disponibilizou-se para prestar serviço de motorista, transportando médicos aos domicílios indicados pela Ré.
13 - No início o Autor apenas prestava os seus serviços de motorista, quando previamente era contactado pela Ré para o efeito, recebendo como contrapartida uma importância correspondente a um valor por cada hora que estivesse ao serviço da Ré.
14 - Em meados de 2010 a Ré acordou com o Autor que este passaria a exercer as suas funções de motorista no veículo móvel de medicina do trabalho que a Ré entretanto havia adquirido.
15 - A Ré solicitou ao Autor, nos dias que indicasse estar disponível para prestar a sua atividade estivesse disponível das 8.00 às 20.00 horas.
16 - A Ré indicava-lhe os locais onde o autor deveria comparecer e respetivas horas.
17 - A Ré deu formação ao autor para que este pudesse realizar alguns exames médicos, tais como rastreio visual, espirometria, audiometria, electrocardiologia, glicémia e rastreio do colesterol, passando assim o autor a realizar estes exames.
18 - Estes exames realizam-se habitualmente aos utentes que comparecem na unidade móvel de medicina do trabalho.
19 - Depois de ter recebido formação o autor passou a deslocar-se, conjuntamente com a médica de Medicina do Trabalho, na unidade móvel, que conduzia.
20 - O autor deslocava-se na unidade móvel para os locais, previamente calendarizados e designados pela Ré, onde haviam sido contratualizados os serviços de medicina do trabalho.
21 - Dias houve em que o autor iniciou a sua prestação de serviço antes das 8.00 horas da manhã.
22 - A Ré endereçava ao Autor, mapas designados por “Mapa Saídas Unidade Móvel”, nos quais fazia constar os serviços que o Autor diariamente tinha de realizar.
23 - O Autor prestava trabalho para a Ré de segunda a sexta-feira, em conformidade com as solicitações da Ré e a disponibilidade do autor e do médico que o acompanhava, sendo certo que no último ano (2013/2014) o autor não prestou trabalho para a Ré nem à quinta-feira, nem à terça-feira à tarde.
24 - O Autor tinha de indicar à Ré a sua disponibilidade das 8.00 horas às 20.00 horas a fim de que esta de harmonia com tal disponibilidade pudesse distribuir o serviço agendado em conformidade com o solicitado pelos seus clientes.
25 - O Autor como se fazia acompanhar nas suas deslocações com um médico, normalmente ia buscá-lo e levá-lo à sua residência.
26 - O Autor era quem preparava para o médico toda a documentação e equipamento que este teria que usar e fazia os exames necessários durante as consultas.
27 - No dia 13 de junho de 2014, na sequência de uma conversa mantida entre Autor e a Dr.ª D…, gerente da Ré, terminou a relação contratual estabelecida entre Autor e Ré.
28 - A atividade prestada pelas unidades móveis é de natureza incerta, pois as necessidades de realização dos exames médicos aos trabalhadores das empresas suas clientes depende das concretas necessidades e disponibilidade que a cada momento lhe são transmitidas por aquelas empresas.
29 - As necessidades de realização de exames médicos por intermédio da unidade móvel variam consoante as necessidades de serviço que vão sendo marcados ao longo do mês, as quais decorrem da concreta disponibilidade das empresas clientes, em função da qual a Ré procede à organização do serviço a prestar para responder às necessidades e disponibilidades das empresas suas clientes.
30 - A atividade das suas unidades móveis é dimensionada e contratada para cada momento e concretas necessidades sentidas.
31 - Os colaboradores adstritos às unidades móveis são um médico e um técnico, que lhe presta apoio técnico e administrativo necessário e que normalmente procede à condução da unidade móvel.
32 - A atividade da unidade móvel variava em função das concretas requisições das empresas clientes.
33 - Era a Ré quem planificava os serviços prestados pelo autor, planificação essa que lhe era comunicada antecipadamente.
34 - A Ré aferia do cumprimento da planificação dos serviços.
35 - Ao autor era comunicada a necessidade de prestar serviços em determinado dia e em determinado local e para a realização prevista de determinado número de exames, com uma duração estimada, sendo o horário apenas indicativo das horas em que deviam ser efetuados e onde.
36 - Esta informação era efetuada ao autor à medida que os clientes da Ré lhe solicitavam a prestação dos serviços podendo por isso ser agendada com antecedência de alguns dias ou com antecedência de uma semana, 15 dias ou mensal.
37 - Uma vez realizados os exames, ainda que tivessem durado por período inferior ao previsto, o Autor poderia ir à sua vida, sem disso dar conhecimento à Ré, pois apenas teria de lhe enviar posteriormente um relatório dos exames efetuados.
38 - O autor ficava incumbido de apresentar relatório com enumeração dos serviços prestados, os quais lhe eram pagos em função do número de horas despendidas.
39 - A Ré pagava ao autor os serviços por este prestados em conformidade com a relação das horas que o Autor reportava mensalmente.
40 - O Autor teve sempre um rendimento variável, que resultava do número de horas decorrentes da concreta prestação de serviços nesse mês.
41 - O Autor não estava sujeito a qualquer controlo de assiduidade pela Ré.
42 - O Autor não tinha de justificar faltas e pontualmente informava a Ré que não estava disponível para prestar serviço.
43 - O autor determinava os seus períodos de ausência sem imposição relativamente a estes dos seus períodos de duração e datas, por parte da Ré.
44 - No dia 13 de junho de 2014, no final da tarde o Autor e a médica do trabalho Dr.ª …, reuniram com a Dr. D…e o Dr. E…, a médica do trabalho manifestou a sua intenção de cessar nesse dia a sua colaboração com a Ré, o que veio a concretizar, tendo-se despedido dos presentes e abandonado a reunião.
45 - Os montantes mensais que foram liquidados pela Ré ao Autor ao longo dos anos variaram entre os €218,50 e €1.616,23
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Para contrariar o sentido absolutório da sentença recorrida veio antes de mais o apelante pôr em causa a factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, pugnando para que dele passe a constar matéria que demonstre a existência duma real subordinação jurídica na relação contratual estabelecida entre as partes.
Em concreto, o recorrente vem impugnar os pontos 23, 24, 28, 35, 36, 37, 41, 42, e 43, da decisão de facto, contrapondo-lhes determinados documentos juntos aos autos, respeitantes a mensagens de correio eletrónico trocadas entre A. e R., que na sua tese provariam que o demandante desenvolvia a sua atividade ao serviço da apelada inteiramente sob as ordens a direção desta, designadamente no que se refere à planificação e à gestão do tempo de trabalho. Nessa lógica, estaria pois suficientemente demonstrada a relação laboral alegada na ação, e não a mera prestação de serviços considerada pela 1ª instância.
A verdade é que, no que toca à decisão de facto, e à sua pretendida alteração, nenhuma razão poderá ser reconhecida ao recorrente. Senão vejamos:
Não resulta dos autos que a audiência de julgamento tenha sido objeto de gravação, e nessa medida não constam do processo todos os meios probatórios que fundamentaram a decisão agora questionada, por forma poder fazer-se uma eventual reapreciação da mesma.
Nestas circunstâncias, a modificabilidade daquela decisão só poderia ocorrer em duas situações:
- se ainda assim constassem do processo concretos meios probatórios que impusessem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. art.º 640º, nº 1, al. b), do C.P.C.), o que sucederia designadamente se estivessem em causa documentos autênticos que o tribunal a quo tivesse desconsiderado;
- se a Relação entendesse dever fazer uso dos poderes oficiosos conferidos pelo art.º 662º, nº 2, do mesmo C.P.C., ordenando a renovação da prova, anulando a decisão proferida por reputá-la deficiente, obscura, ou contraditória, ou determinando ainda uma melhor fundamentação da mesma.
Parece-nos evidente que nenhuma das apontadas situações ocorre na hipótese dos autos.
Com efeito, os documentos ora invocados pelo recorrente são documentos particulares, e como tal não dispõem de particular força probatória, sendo valorados de acordo com a livre convicção do juiz (cfr. art.º 607º, nº 5, do C.P.C.). Não há portanto, neste particular, qualquer prova documental que imponha aqui que se profira decisão diversa da recorrida.
No que respeita ao conteúdo, propriamente dito, da decisão de facto, o mesmo relata-nos uma versão da realidade das coisas que se afigura verosímil e coerente, não suscitando particulares dúvidas.
Por outro lado, também é certo que a motivação da referida decisão, aliás não diretamente questionada pelo recorrente, padeça de deficiência que justifique qualquer esclarecimento adicional. A Ex.º Juíza a quo fundamentou devidamente a sua convicção, de forma detalhada mas concisa, fazendo a análise crítica das provas em termos que se nos afiguram corresponder adequadamente às exigências previstas no nº 4 do referido art.º 607º.
De qualquer maneira, e ainda que se entendesse de forma diferente, sempre haveria motivos para no caso dos autos não se atender à modificação do julgamento de facto que vem defendida pelo apelante.
É que a impugnação que a propósito vem deduzida no recurso interposto, tanto na alegação do recorrente, como nas respetivas conclusões, vem desenvolvida em termos genéricos, que não se mostram conformes às formalidades prescritas no já citado art.º 640º, nº 1. Muito embora o apelante tenha enumerado quais os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados (al.a)), não consignou qual seria a decisão que, quanto a cada deles, deveria em seu entender ter sido proferida (al. c)), limitando-se a esse propósito a aludir ao conteúdo de alguns dos ‘emails’ que supostamente fundamentariam a sua pretensão.
Ou seja: tal como decorre linearmente do mesmo art.º 640º, nº 1, haveria até fundamento para se concluir pela rejeição do recurso, na parte em que nele vem questionada a decisão de facto.
Em face do circunstancialismo apontado, e pelas razões que se referiram, não havendo fundamento para alterar a matéria de facto que vem dada como provada, há que dá-la por definitivamente assente, tal como a mesma vem consignada na sentença recorrida.
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Afastada que está a pretendida alteração da factualidade relevante para a decisão de mérito, fica necessariamente comprometida a parte do recurso que pugnava pela reversão do sentido absolutório da sentença recorrida, de modo a considerar-se estarem A. e R. vinculados entre si por uma relação de trabalho subordinado.
A lógica argumentativa do recorrente assentava com efeito, no essencial, no pressuposto da verificação de factos que indiciariam suficientemente aquela qualificação jurídica, para o contrato estabelecido entre as partes, e que decorreriam da procedência daquele primeiro segmento do recurso interposto.
Mas mantida que foi a matéria de facto em causa, tal como se referiu, resta-nos então fazer a reapreciação da solução de direito acolhida na 1ª instância. Nela, em síntese concluiu-se haver indícios que configurariam a presunção de laboralidade prevista no art.º 12º do C.T., mas estar a mesma ilidida por factos que decisivamente apontariam no sentido de ocorrer uma mera prestação de serviços.
Na sentença recorrida, a Ex.ª Juíza fez aliás uma exaustiva abordagem sobre a distinção teórica a fazer entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, e sobre o quadro legal pertinente ao assunto, em termos que não nos suscitam reparos, e que por isso naturalmente nos escusamos de aqui retomar.
Mas relembremos o que aí também se escreveu, a propósito da hipótese concreta dos autos:
‘…
De todos estes factos resulta clara a verificação de alguns dos índices de subordinação jurídica que se deixaram supra referidos: os instrumentos de trabalho pertenciam à Ré e a atividade era exercida nos locais indicados pelo beneficiário do trabalho/Ré, tendo o autor que elaborar um relatório dos serviços prestados.
No entanto podemos afirmar que estes elementos têm escassa relevância na qualificação do contrato.
Com efeito, face às caraterísticas do trabalho a desenvolver, este teria que ser prestado dentro e com a viatura móvel, sendo esta dotada de todo um equipamento necessário e imprescindível para que o autor se pudesse dirigir aos clientes da Ré e prestar-lhe os serviços contratados (por exemplo a utilização do veículo, do computador, do telemóvel).
Neste contexto não se vislumbra como seria possível desenvolver esta atividade específica, de forma eficaz, de outra forma, que não a implementada pela Ré, pois não seria possível ser o prestador a escolher os locais onde prestar o serviço nem o equipamento a utilizar, pois este tem caraterísticas técnicas necessárias para garantir a realização do serviço prestado por parte da Ré.
Em resumo esta atividade só poderia ser realizada nos locais indicados pela Ré previamente acordados com os seus clientes e com o equipamento fornecido pela Ré, atentas as suas características técnicas.
Como escreve Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pág. 141 “pode dar-se o caso de o trabalhador autónomo se encontrar contratualmente obrigado a utilizar certos materiais, ou a seguir um dado modelo ou figurino, ou até a realizar pessoalmente a atividade necessária à consecução do resultado. Mas tratar-se-á então de condições contratualmente estabelecidas, fundadas em consenso das partes e não na autoridade diretiva (supra-ordenação) de uma perante outra.”: ora, quando da celebração e alteração do contrato, as partes acordaram que o Autor prestaria o serviço indicado e nos termos indicados, tendo o autor recebido formação para se habilitar a prestar tal serviço, o que aponta para que as condições foram contratualmente estabelecidas por acordo.
Assim, para além de decorrer da factualidade assente nomeadamente dos factos enumerados sob os números 14 a 20, 29 a 35, o serviço tinha de ser executado e desenvolvido junto dos clientes indicados pela Ré, na medida das necessidades destes e com o equipamento fornecido pela Ré, como as partes estabeleceram contratualmente a prestação da atividade em tais condições, e daí a irrelevância de tais indícios
Da matéria de facto apurada resulta não só que o autor recebia orientações da Ré referentes à realização do serviço, como resulta que tinha de entregar relatórios sobre os serviços prestados, resultando que se encontrava inserido na organização da Ré, pois trabalhava em equipa (com o médico que o acompanhava), as horas de início e término da sua atividade, o que poderia apontar para a existência de subordinação.
Contudo tendo em atenção a atividade explorada pela Ré prestação de serviços de medicina do trabalho a empresas suas clientes, nos locais previamente acordados, tal pressupõe, necessariamente uma organização, com mapas de saídas das unidades móveis, uma vez que os serviços teriam de ser previamente agendados, sendo certo que para o exercício dessa atividade era necessário que fossem observadas determinadas regras técnicas, nomeadamente no tipo de exames a realizar a cada pessoa. Assim as orientações emanadas da Ré visavam o cumprimento das regras impostas por outras entidades, regras essas destinadas à prestação e satisfação das necessidades de controlo do bem-estar e da condição física dos colaboradores dos clientes da Ré.
Quer através das orientações dadas ao autor, através dos emails, do telemóvel, ou mesmo pessoalmente, a Ré acabava por ser um mero intermediário entre os seus clientes e o autor de modo que este na execução da atividade cumprisse integralmente o pretendido pelos clientes da Ré (quer quanto ao tipo de exames a realizar, quer as horas em que teriam lugar, quer o próprio local onde seriam efetuados).
Neste contexto as orientações da Ré, bem como os relatórios e documentação que o autor teria de apresentar, assumem diminuto significado para qualificar a relação como de trabalho subordinado.
…..
De acordo com os factos apurados o autor recebia uma determinada quantia à hora, como contrapartida da atividade prestada, sendo o pagamento feito mensalmente em função das horas prestadas (factos n.ºs 39 e 40), ou seja, o trabalhador era pago em função dos serviços concretamente prestados, sendo que quando gozava férias a ré não lhe pagava qualquer quantia durante esse período. A ré solicitou ao autor que se inscrevesse como prestador de serviços, o que o autor concretizou, emitindo e entregando à Ré recibos que titulavam as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento do trabalho independente, vulgarmente conhecidos por “recibos verdes”.
…..
De toda esta panóplia de factos com relevo para apreciação da qualificação jurídica do contrato celebrado entre Autor e Ré, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que para além de resultar da vontade das partes aquando do início da relação contratual a celebração de um contrato de prestação de serviços, o autor desenvolveu o seu trabalho de forma autónoma e sem qualquer subordinação jurídica à Ré.
Com efeito, o autor não tinha um horário de trabalho, mas sim tinha de se apresentar nos locais onde desenvolvia a sua atividade nas horas pré combinadas com os clientes da Ré, não tinha de apresentar justificação das faltas, como seria normal que o tivesse caso fosse trabalhador subordinado. O autor organizava ele próprio o seu trabalho sem a fiscalização da Ré, quer quanto à assiduidade ou absentismo, apenas tinha de informar da Ré da sua disponibilidade para esta poder ou não atribuir-lhe tarefas.
……
Por fim importa ainda salientar o facto de ressaltar da matéria de facto provada que o autor não era fiscalizado, pela Ré, nem estava sujeito ao poder disciplinar da ré, pois apenas resulta dos documentos juntos aos autos que sempre que qualquer coisa não corria bem com os clientes da ré eram feitas ao autor recomendações sendo este alertado pela ré para os problemas que iam surgindo de forma a evitar que os mesmos se repetissem’.
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A lógica de raciocínio adotada na sentença recorrida, com a qual no essencial concordamos, insere-se na generalidade da orientação que a jurisprudência tem vindo a elaborar sobre a temática ‘trabalho subordinado v/ prestação de serviços’, tendo como pano de fundo o aludido art.º 12º do C.T..
Com efeito, e a título meramente exemplificativo, recordemos o que a propósito se decidiu no Ac. desta Relação de Évora de 11/6/2015[2]:
‘O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009 estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização’.
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Importa no entanto sublinhar que, no caso concreto dos autos, e para além dos factos que já foram apontados na sentença recorrida, e que infirmarão a presunção daquele art.º 12º, há um outro que nos parece ser também, no mesmo sentido, particularmente significativo.
Referimo-nos aos valores mensais que foram pagos pela R. ao A. ao longo dos pouco mais de quatro anos em que perdurou a relação contratual existente entre eles, e que variaram entre os € 218,50 e os € 1.616,23 (cfr. facto 45).
Essa considerável discrepância, que se afasta de todo da ideia de estabilidade que está inerente ao índice de laboralidade acolhido na al. d) do mesmo art.º 12º, parece-nos ser frontalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, em que a regularidade da retribuição constitui sem dúvida um dos elementos que melhor caracteriza a natureza jurídica da relação contratualizada.
Daí que, também por tal motivo, e à semelhança do que se decidiu na sentença recorrida, concluímos não se mostrar configurada a alegada relação laboral que A. e R. teriam alegadamente celebrado.
Improcedem pois, e em suma, todas as conclusões da alegação do apelante.
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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 12-05-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Joaquim António Chambel Mourisco
José António Santos Feteira
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[1] (...)
[2] In www.dgsi.pt