Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
228/17.4GAVNO.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: -A análise crítica das provas, tal como consta da fundamentação da decisão recorrida, permite perceber, sem margem para dúvidas, qual o raciocínio lógico dedutivo que o tribunal seguiu para dar como provada a factualidade que deu como provada, porque razão o tribunal assim se convenceu e porque razão não lhe mereceu credibilidade a versão dos factos apresentado pelo arguido, em suma, o porquê da decisão, pelo que carece de fundamento a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação.
-As razões em que o recorrente baseia a sua divergência quanto ao decidido, em suma, na credibilidade que mereceram ao tribunal as declarações do ofendido e depoimentos das testemunhas inquiridas (em detrimento das suas próprias declarações), no que à matéria de facto objetiva respeita, não é razão bastante para questionar a correção de raciocínio que levou o tribunal a formar sua convicção no sentido em que a formou, em suma, a concluir que essa convicção está errada, se formou de modo arbitrário, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova a que se encontra vinculado, ex vi art.º 127 do CPP.

- Em sede de escolha e de medida concreta da pena, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, também nesta matéria, deve cingir-se á reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normas legais pertinentes, não sendo de modificar penas que, dentro desses princípios e dessas normas, ainda se revelem congruentes e proporcionadas.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Ourém, correu termos o Proc. Comum Singular n.º 228/17.4GAVNO, no qual foram julgados:

- o arguido LSS………………– pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real efetivo, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do Código Penal, e um crime de ameaça agravada, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 153 n.º 1, 155 n.º 1 al.ª a) e 30 n.º 2, todos do Código Penal (fls. 265 ss.), e – mediante acusação do assistente FJP – um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 do CP (fls. 239 ss.);

- o arguido FJP………………………….., pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 do CP (fls. 246 ss.) - acusação deduzida pelo assistente LSS.

E foram deduzidos os seguintes pedidos de indemnização civil:

1) Por FJP, pedindo a condenação do arguido/demandado LSS no pagamento da quantia de €2.500,00, acrescida de juros desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

2) Por LSS, pedindo a condenação do arguido demandado FJP no pagamento da quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de €249,00 de danos patrimoniais, e ainda juros legais até efetivo e integral pagamento;

3) Pelo CHL, EPE, contra LSS, pedindo de reembolso de despesas hospitalares, num montante de €169,41 (fls. 278 e ss.)

A final veio a decidir-se:

A. Quanto à matéria crime:

A1. Condenar LSS, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo:

- de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa;

- de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, absolvendo-se o mesmo da forma continuada de tal crime.

- de um crime de injúria , p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa;

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €1.375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros).

A2. Absolver o arguido FJP da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do CP.

B. Quanto aos pedidos cíveis:

- Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por LSS contra FJP;

- Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por FJP contra LSS e condenar este no pagamento àquele de uma indemnização no valor de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal civil, calculados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado;

- Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por CHL, EPE, contra LSS e condenar o demandado no pagamento àquele de uma indemnização de 169,41 (cento e sessenta e nove euros e quarenta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros civis, desde a data de notificação do respetivo pedido até efetivo e integral pagamento.

---

2. Recorreu o arguido LSS dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1 - A sentença não está devidamente fundamentada ao considerar provados os factos (pontos 4 e 5), violando o disposto do artigo 410 n.º 2 do Código de Processo Penal, em consequência, devem esses factos serem declarados como não provados, de acordo com as regras de razoabilidade, experiência e bom senso.

2 - Deu como provados os factos 1 a 18, de acordo com prova documental que se encontra junta aos autos, pontuada pelos depoimentos prestados pelo ofendido e pelas testemunhas, o que não resulta, atendendo a que as mazelas a existirem, não resultaram como consequência direta e necessária da conduta do arguido.

3 - Não ficou provado, em face dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela acusação, que resultassem tais lesões, bem como as ameaças.

4 - Assentando a douta sentença do tribunal a quo nas declarações do arguido, a mesma certamente que não pode colher a verdade, uma vez que o depoimento do arguido revelou-se muito confuso.

5 - As testemunhas foram unanimes ao referir que o arguido não desmaiou e não bateu com a cabeça.

6 - Quem iniciou as agressões foi o ofendido e não o arguido, sendo que esse facto foi completamente omisso pelo tribunal a quo.

7 - As lesões referidas revelam uma dimensão incoerente com os factos provados e não provados, sendo que é de referir que o ora ofendido sofreu, dias antes do ocorrido, uma queda de uma árvore, que o mesmo confessou ao tribunal a quo.

8 - Quanto à expressão “tenho duas espingardas, espeto-te uns tiros”, igualmente não resultou provado, nenhuma testemunha ouviu o arguido a proferir tal expressão.

9 – Não resultando provado tal crime e, como tal, deverá ser o arguido absolvido de tal crime.

10 - A sentença condenou o arguido, como autor material e na forma consumada, do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143 n.º 1 do Código Penal, do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 do Código Penal, e do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181 do Código Penal, em 250 dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de 1.375,00€ (mil trezentos e setenta e cinco euros).

11 - Pena demasiadamente exagerada, atendendo às circunstâncias já acima relatadas, uma vez que o arguido não ameaçou o ofendido.

12 - Por outro lado, o arguido encontra-se numa situação financeira precária, auferindo apenas de uma reforma de 334,00€ (trezentos e trinta e quatro euros) mensais, o que nos leva a concluir que na douta sentença não foram tidas em conta todas as circunstâncias atendíveis e com relevância para se fixar a medida da pena.

13 - E nessa medida, não podemos concordar com o número de dias fixados para a multa (250), nem mais com a fixação da taxa diária (5.50€), devendo a mesma ser norteada em função da situação económica precária do recorrente e dos seus encargos pessoais.

14 - Devendo a fixação ser fixada em € 5.00 (cinco euros) – art.º 47 n.º 2 do Código Penal.

15 - A douta sentença, a decidir assim, violou, entre outros, o disposto nos artigos 70, 71 e 218 do Código Penal.

16 - Considerando-se como ajustado o mínimo legal de € 5,00/dia.

17 - No mais, sempre se diz que deverá o recorrente beneficiar do princípio in dubio pro reo, relativamente aos crimes de ofensa à integridade física, ameaça agravada e injúria, devendo ser absolvido.

18 - A sentença a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 70, 71 e 218 do Código Penal, pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente, nos termos enunciados nas conclusões.

---

3. Responderam o Ministério Público e o assistente ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

3.1. O Ministério Público:

1 - A sentença recorrida não se encontra ferida de qualquer erro na apreciação da prova, a qual foi devidamente ponderada e apreciada.

2 - Os factos dados como provados e o enquadramento jurídico dos mesmos constituem fundamento suficiente para a condenação do arguido.

3 - A douta sentença recorrida não padece dos vícios constantes do artigo 410 número 2 do Código de Processo, tendo sido produzida em sede de audiência de discussão e julgamento prova bastante para fundamentar os factos provados e não provados, tendo apreciado corretamente toda a prova produzida, designadamente, aquela que foi feita em benefício do recorrente.

4 - Não deverá ser alterado qualquer ponto da matéria de facto dada como provada, designadamente, devendo manter-se a douta sentença nos exatos termos em que foi proferida.

5 - Relativamente à medida concreta das penas parcelares e da única aplicada, o tribunal a quo fez uma ponderação razoável, justa e benevolente dos critérios estabelecidos na lei, designadamente, ao nível das condições socioeconómicas do arguido e às circunstâncias que rodearam este caso, pelo que aquela deverá ser confirmada.

6 - Assim, deverá manter-se a douta sentença nos exatos termos em que foi proferida.

3.2. O assistente FJP:

1 - Nas suas conclusões o arguido alega que foram dados factos como provados que não tiveram suporte em nenhuma da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, bem como alega que a decisão não teve em conta os rendimentos e as despesas suportadas pelo arguido a fim de ser decidida a medida da pena e a sua quantificação.

2 - Entende o assistente que o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, quanto ao facto constante do ponto 4 dos factos dados como provados.

3 - Para o efeito o recorrente deve especificar, além do mais, “as provas que impõem decisão diversa da recorrida”, devendo tal especificação fazer-se “por referência ao consignado na ata”.

4 - O incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

5 - No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção às provas que impõem decisão diversa.

6 - Deve ser indeferido o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto, o que desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.

7 - Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona, mas que não se admite, não assiste razão ao arguido quanto ao alegado no seu recurso.

8 - A sentença, de que o arguido ora recorre, apreciou todas a prova produzida, nomeadamente as declarações do arguido, do assistente, das testemunhas e dos documentos juntos, especialmente os relatórios médicos.

9 - As declarações do assistente J e das testemunhas arroladas pelo mesmo foram prestadas de forma clama, serena, clara, precisa e concisa, conhecedores dos factos, por terem presenciado os mesmos.

10 - Pelo que todos foram unânimes em afirmar que o arguido praticou os factos constantes dos factos dados como provados.

11 - O arguido prestou o seu depoimento de forma extremamente exaltada, inquieta e impulsiva, não sendo tal depoimento corroborado, quer pelas testemunhas por si indicadas, quer pelas testemunhas que presenciaram os factos.

12 - Também quanto a este facto não assiste razão ao arguido quanto ao alegado no seu recurso.

13 - Deve manter-se a sentença na íntegra, julgando-se improcedente, por não provado, o recurso apresentado, com todas as consequências legais daí resultantes.

14 - Ao contrário do alegado pelo recorrente, não se provou e nenhuma prova foi nesse sentido, de que o assistente se tenha dirigido ao arguido e muito menos que o tenha agredido.

15 - O que resultou da prova testemunhal e da prova documental produzida nos presentes autos foi que o arguido agrediu, ameaçou e injuriou o assistente, tendo, inclusivamente, causado danos ao mesmo, nomeadamente, traumatismo da cabeça, traumatismo no pé direito e fratura no tornozelo.

16 - Também resultaram provados os danos causados ao assistente pelo arguido.

17 - Também a sentença proferida teve em conta os rendimentos do arguido, as suas despesas na decisão da medida e quantificação da medida da pena.

18 - Bem andou a Meritíssima Juiz ao proferir a decisão ora contestada pelo recorrente.

19 - Deve manter-se a decisão recorrida e, consequentemente, ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo recorrente, com todas as consequências legais daí resultantes, o que desde já e aqui se requer.

20 - Nestes termos, requer-se a prolação de acórdão que:

a) Determine o indeferimento do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, em virtude de não ter respeitado os requisitos para o efeito, com todas as consequências legais daí resultantes;

b) Julgue a improcedência do recurso interposto e, consequentemente, mantenha na

íntegra a sentença recorrida, com todas as consequências daí resultantes.

---

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso (parecer de 6.12.2019), reduzindo-se a pena única da multa aplicada para 230 dias, atento o máximo aplicável, que é de 370 dias e não 380 dias, como se considerou na sentença recorrida.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).

6. Foram dados como provados na decisão recorrida os seguintes factos:

1. No dia 20.05.2017, cerca das 10h, na rua …………., Cercal, Ourém, LSS iniciou alteração verbal com FJP junto à serventia de acesso à sua residência e, nesse seguimento, o arguido LSS desferiu um soco que atingiu FJP no pescoço, causando a sua queda ao chão.

2. Ato contínuo, o arguido LS desferiu um pontapé no corpo do ofendido FP, não obstante este já se encontrar no chão.

3. As agressões apenas terminaram com a pronta intervenção de JPP, que agarrou o arguido LS, assim o impossibilitando de prosseguir com a sua conduta.

4. Como consequência direta e necessária da sua conduta, o arguido provocou lesões e dores no ofendido FP, concretamente, traumatismo da cabeça, com perda de conhecimento, traumatismo no pé direito e fratura no tornozelo, tendo tido alta com imobilização gessada, indicação para repouso e canadianas, o que originou como sequela limitações articulares ao nível do tornozelo, no membro inferior direito, e algias, cuja data de consolidação de lesões é fixável em 60 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral.

5. O arguido, após a conduta supra descrita proferiu, a seguinte expressão: “tenho duas espingardas, espeto-te uns tiros”.

6. Em consequência, o ofendido FP saiu da sua residência com medo que o arguido cumprisse o que havia dito.

7. O arguido LSS agiu de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e saúde do ofendido e de lhe produzir as lesões e dores verificadas, o que representou

8. Ao ouvir as expressões proferidas pelo arguido, o ofendido sentiu receio, medo e inquietação pela sua vida e integridade física, ficando convicto da sua seriedade, tendo o arguido agido de forma livre e consciente, proferindo as mesmas bem sabendo que eram adequadas a produzir receio, medo e inquietação ao ofendido, o que representou.

9. Sabia o arguido que as condutas supra descritas eram proibidas e punidas por lei penal.

10. Nas mesmas circunstâncias referidas em 5, o arguido LSS chamou “cabrão” a FJP.

11. Com tal expressão o arguido quis e conseguiu atingir FJP na sua honra e consideração, bem sabendo que tal lhe era proibido por lei criminal.

12. Em virtude do referido em 1 a 11 FJP saiu da sua casa e foi viver para casa da sua irmã J, em Leiria.

13. Em virtude do referido em 1 a 11 FJP, e ademais do aí referido quanto às lesões físicas, o mesmo sentiu-se humilhado, inquieto, com medo, com vergonha e afetado na sua honra e consideração.

14. Em virtude do provado em 1 a 4, FJP recebeu tratamento hospitalar No CHL, EPE, nos dias 21 de maio, 27 de junho, 7 e 10 de agosto de 2017, o que importou um gasto de 169,41€, ainda em dívida.

Mais se provou:

15. FJP:

a. Encontra-se reformando, auferindo uma reforma de quase €2.000,00 (dois mil euros) mensais;

b. Vive sozinho, em casa própria, não tendo filhos, mas tendo o apoio dos demais familiares, designadamente, da sua irmã Lúcia;

c. Não tem outras despesas mensais que não as de subsistência;

d. Tem a 4.ª classe de escolaridade.

16. LSS:

a. Encontra-se reformado, auferindo uma reforma de €334,00 (trezentos e trinta e quatro euros) mensais;

b. Vive atualmente sozinho, estando separado da sua esposa desde a data dos factos referidos supra sendo que nem mulher nem filhos lhe falam;

c. Vive em casa própria;

d. Gasta, em despesas de farmácia, a quantia mensal de cerca de €30,00 (trinta euros) mensais;

e. Tem a 4.ª classe de escolaridade.

17. Desde a data dos factos que a situação tem estado pacificada.

18. Em 27.05.2019 nenhum dos arguidos tinha qualquer condenação averbada aos respetivos registos criminais;

7. E não se provou:

a) Que, nas circunstâncias referidas em 1 e 2, FP tenha perdido o conhecimento;

b) Que, nas circunstâncias referidas em 2, o arguido LS tenha desferido mais do que dois pontapés;

c) Que, nas circunstâncias referidas em 5, o arguido LS tenha ainda dito que os tiros seriam “a ti e à Lúcia”;

d) Desde a data referida em 1, e até ao dia 03.07.2017, o arguido LS proferiu a expressão “dou-te dois tiros nos cornos” por diversas vezes, dirigindo a expressão ao ofendido, que a escutou;

e) Que a expressão referida em c) tenham sido proferida no âmbito do mesmo contexto e circunstancialismo, tendo o arguido LS proferido a mesma de forma repetida e frequente no mesmo período;

f) Que na data referida em 1, no regresso a sua casa, e quando se encontrava a passar na serventia, sem que nada o justificasse, FJP se tenha aproximado de LS e tenha dito “Ó meu cabrão, ela é minha irmã! E eu parto-te os cornos”, e em momento contínuo começou a agredi-lo, tendo dado um murro na direção da cara, de que LS conseguiu desviar-se, vindo ainda a desferir outro murro, agora acertando nos óculos de LSS, tendo os mesmos ficado partidos;

g) Que, de seguida, FJP tenha tentando de novo desferir um murro, sendo que LSS se desviou, acabando FJP a cair desamparado no chão, quieto, sem nada dizer, olhando para LSS;

h) Que FJP, com a supra referida expressão, teve o propósito de ofender, como ofendeu, LSS na sua honra e consideração, e em circunstâncias que facilitaram e efetivaram a sua divulgação, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei;

i) Que, em virtude do ora referido, LSS:

a. sentiu-se ofendido, dominado por um sentimento de enorme injustiça, porque esta situação levou a que o seu casamento entrasse em rutura total, tendo ainda ficado envergonhado perante amigos e familiares, ficando deprimido e entristecido, completamente sozinho e abandonado pelos mais próximos;

b. Gastou €249,00 no arranjo dos óculos.

---

8. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se na fundamentação – com base na análise critica de toda a prova produzida, “entrecruzando os vários elementos de prova - art.º 127 do CPP”, à luz das regras de experiência comum e da livre convicção:

Concretizando, escreve-se:

“Importa desde logo referir que ambos arguidos (e simultaneamente assistentes) deram a sua versão dos factos.

LS (que, avance-se, prestou declarações ao longo de todo o julgamento de forma extremamente impulsiva e inquieta e, como veremos, pouco corroborada pela demais prova) referiu que no dia referido na acusação saiu de casa com a sua esposa para regar a horta e desentendeu-se com a mesma, pelo que a mandou para casa. Diz que FP, irmão da sua esposa (seu cunhado), andava por ali e deve ter ouvido, e que, ao acabar rega e ao ir para casa, na serventia de acesso a sua casa, este se aproximou de si e disse “oh cabrão, ela é minha irmã, eu parto-te os cornos”, e começou a agredi-lo com murros na cara. Refere que se desviou do primeiro, mas que FP lhe desferiu um outro que lhe partiu os óculos. Afirma que correu atrás dele, mas ele fugiu. Contudo, diz que depois FP voltou atrás de si e, quando lhe ia dar mais um murro, ele próprio se desviou e por isso FP se desequilibrou e caiu ao chão, ficando sentado a olhar para si e a pestanejar, não tendo desmaiado. Descreve que na altura perguntou a FP “estás bem, para que te metes onde não és chamado? Vê lá se te portas bem, ouviste?”. Diz que nessa altura viu dois senhores a sair de um café que aí se encontra em frente e que um senhor de nome P lhe fez um “nó de gravata” no pescoço, enquanto o outro senhor se baixou a falar com FP. Contudo, refere que tais pessoas não terão visto o ocorrido em virtude dos arbustos que há no local não permitirem visibilidade para o local onde estavam.

Diz ainda que FP andou com a sua mulher uns dias antes a apanhar laranjas e caiu da escada, queixando-se das costas e do pé, não sendo as lesões decorrentes, por isso, de qualquer agressão por si praticada.

Sendo certo que tem duas espingardas, conforme assume, sublinha que nunca disse o que consta da acusação a tal propósito e que, tendo ouvido rumores no café sobre querer dar dois tiros ao cunhado FP, até foi voluntariamente entregar as armas à GNR.

Nega ainda ter chamado cabrão ao seu cunhado FP.

Já FP, num discurso com características e postura mais genuínas, mas com evidentes lapsos de memória (que depois, em sede de prova testemunhal, se veio a explicar que podem ter que ver com questões clínicas do mesmo e que podem estar ainda subdiagnosticadas – cfr. LS e sobretudo JS), referiu que se recorda que ouviu LS a chamar nomes à irmã e a viu fugir pelo terreno abaixo. Refere que não disse nem fez nada, mas que LS veio depois ter consigo à serventia da casa e o começou a agredir. Refere que o mesmo lhe pisou o pé, partindo-lhe a tíbia e o perónio, e que depois o empurrou, vindo a cair no chão, de costas, batendo com a cabeça, e ficando alguns segundos desmaiado. Não se recorda de qualquer murro ou de agressões quando já estava no chão. Recorda-se, de todo o modo, de aparecerem depois PV e JP, que tinham visto as agressões, sendo que estes vieram a agarrar LS para parar a situação, tendo depois ele próprio sido levado pelos mesmos, a coxear, para o café.

Afirma ainda que LS, neste dia e ocasião, lhe disse ainda “eu mato-te, dou-te um tiro nos cornos”, mas não se recorda de ter sido apelidado de cabrão ou de LS ter falado de espingardas. Refere também que inexistem situações posteriores de confrontos deste género entre ambos.

Diz que no dia seguinte foi ao hospital (cfr. ainda quanto a tanto e despesa assumida pela entidade hospitalar o documento de fls. 279) e que só aí se apercebeu da dimensão das lesões sofridas, tendo andado de canadianas cerca de 5 semanas (cfr. ainda quanto às lesões sofridas o teor do relatório medico legal de fls. 7 a 10 e 130 a 131 e ainda fls. 43 a 45 e 199 ss.). Confirma que dias antes disto tinha caído de uma árvore, mas que aí apenas se magoou nas costas.

Tratam-se, assim, de versões que, no essencial, são opostas (embora convergentes no sentido de que PV e JP compareceram no local no momento dos factos).

Ora, diga-se que a demais prova testemunhal corrobora de forma credível e sustentada a versão de FP, indo até mais além, preenchendo de forma credível e lógica as falhas de memória que FP demonstra…

Importa referir que LS (ex-mulher de LS e irmã de FP), embora contextualize os factos, não assistiu a qualquer agressão nem ouviu qualquer expressão proferida por qualquer um deles, apenas podendo assegurar que LS nesse dia e ocasião estava exaltado

Importantes foram os depoimentos, que se afiguraram sinceros e credíveis, de PV e PO. Pese embora seja notório que os mesmos não simpatizam com LS, tal não fez com que prestassem um depoimento menos lógico ou menos sereno e sincero.

JPV refere que estava no café à frente da serventia da casa onde os arguidos estavam a discutir e apercebeu-se da discussão, mas na altura não percebendo o que diziam em concreto. Questionado, diz que existiam arbustos, mas que não tapam a visibilidade para o que estava a ocorrer (como, de resto, também asseguraram as demais testemunhas, conforme infra se refere) e que, por isso, a certa altura viu LS mandar um murro em FP na zona do pescoço, tendo este caído ao chão, sendo que depois, com este já caído, ainda lhe deu pontapé (não sabe se mais que um), pelo que nesse momento se aproximou logo da situação e agarrou LS pelos colarinhos para parar a agressão. Diz que viu F parado, mas já não desmaiado. Diz também que nem LS nem FP estavam a usar quaisquer óculos (pelo que não se atribui a despesa documentada a fols. 251 à presente situação).

Sublinha que LS estava descontrolado, dizendo “oh cabrão, eu mato os dois, eu vou buscar a espingarda e mato os dois”. Afirma que não sabe se tal expressão era dirigida a F e L ou a si e a JP. Do que não tem dúvidas é que LS, dirigindo-se a FP, disse “seu cabrão, vou-te dar um tiro nos cornos”.

Refere que depois levaram FP para junto do café, que se queixava muito do pé, e puseram gelo, vindo a levá-lo a casa.

Perguntado se naquele dia ouviu também FP a chamar cabrão a LS, o mesmo afirmou que não, que podem ter existido nomes recíprocos, mas que não ouviu chamar cabrão.

Refere que FP ansioso e com medo (“está diferente”) e que acabou por ir para casa da irmã, o que já era habitual, mas não por tanto tempo.

Afirma ainda que ouviu LS nos tempos seguintes a chamar nomes e ameaçar FP, mas nesta parte de forma algo vaga.

PO, que conhece ambos arguidos de vista e que prestou um depoimento desinteressado e equidistante, referiu que, estando também no café, na rua……., em Cercal, Ourém, frente ao sucedido e com visibilidade para o que estava a ocorrer, estando inicialmente de costas, foi alertado pelo barulho e quando se virou viu FS a fazer um gesto com os pulsos (sem que o descrito consubstancie qualquer gesto agressivo) e LS a puxar a mão atrás e a bater na cabeça de FP, que acabou por cair ao chão, não tendo ideia de este ter ficado inconsciente. Afirma que viu também LS a dar um pontapé nas pernas de FP (recordando-se apenas de um pontapé), vendo depois JP a segurar LS pela camisa e outro senhor a levantar FP.

Não ouviu as concretas expressões ditas na discussão entre eles.

Também NJ (vizinho de ambos arguidos), estando no café em frente, na esplanada, com os já referidos PV e PO e ainda outros senhores, referiu que viu ambos a falar exaltadamente (gesticulavam sem nada de agressivo, mas percebendo-se que era uma discussão, embora sem que tivesse ouvido expressões concretas). Confirma a existência de arbustos, mas sem que tapassem a visibilidade para o ocorrido. Afirma que se recorda de ver LS a empurrar FP, que caiu ao chão (não sabendo se ficou inconsciente), vindo depois a ser trazido para o café, onde se queixava de dores na perna e cabeça, vindo a vê-lo um dia depois com gesso na perna. Refere que ouviu o Sr. LS a ameaçar FP, mas não se recorda das expressões concretas.

Também JP viu o sucedido quando tinha saído do café e estava já a subir as escadas que dão para o adro da igreja. Diz que ao ouvir barulho, e embora não ouvisse concretamente o que tenham dito, olhou cá para baixo e viu F tentar defender-se de LS (embora depois diga que se estavam a agredir um ao outro). Não viu a agressão desde início, mas sabe que viu pelo menos LS a dar um pontapé em FP já estando este caído ao chão, não se recordando de ver o mesmo desmaiado.

Recorda-se, de todo o modo, de ter ainda ouvido LS dizer “tenho 80 anos, não tenho nada a perder, não me importo de dar dois tiros”, mas sem certeza a quem se dirigia a expressão.

Afirma igualmente que levaram depois FP para o outro lado da estrada, sendo que este coxeava e se queixava de dores no pé, e tendo depois visto o mesmo triste com o sucedido. JQ, irmã de FP e cunhada de LS, referiu de forma serena e segura que o seu irmão, que já costuma por vezes ir a sua casa, mas que nunca tinha estado tanto tempo, acabou por ficar em sua casa cerca de 3 meses, não apenas porque assim o ajudava a ir ao médico e a fazer as coisas, mas também porque se sentia ameaçado. Refere que FP quando veio para sua casa tinha um hematoma na cabeça e tíbia e perónio partidos, tendo andado com muletas, tendo passado a andar triste e angustiado.

Acresce que nenhuma testemunha afirma, assim de forma sustentada, qualquer agressão física ou verbal por parte de FP para com LS.

De realçar também que não obstante as falhas de memória nalgumas partes do discurso de FP, face ao modo circunstanciado, essencialmente convergente e credível com que JPV, PO, NJ e J e JP (que presenciaram os factos) descreveram o ocorrido e as lesões e sentimentos vivenciados por FP. Note-se que, independentemente das simpatias ou antipatias que nutrem, tiveram discursos lógicos, credíveis, sendo que não hesitaram em dizer o que viram e ouviram, mas também o que não viram ou não ouviram, sendo que as lesões são compatíveis com o que descrevem. Acresce que as pequenas diferenças dos depoimentos quanto a concretas expressões e concretas agressões são naturais face ao tempo decorrido e processos de memorização, de todo o modo, afigura-se que do conjunto do exposto é de concluir que LS desferiu um soco e um pontapé em FP, o chamou, pelo menos, de cabrão, e o ameaçou nos termos que se dão como provados.

Já os factos relativos à culpa resultam da materialidade dos factos, nos termos supra analisados, à luz de regras de experiência comum.

De todo o supra exposto, resultaram provados os factos n.ºs 1 a 14 e 17 e não provados das al.ªs a) a i) (estes últimos, mais não seja por homenagem ao princípio constitucional in dubio pro reo).

No que tange aos factos dados como provados quanto às condições atuais vivenciais e sócio económicas dos arguidos (factos provados n.ºs 15 e 16), se atendeu ao que os próprios afirmaram, por nesta parte se afirmarem como sinceros e credíveis.

Por fim, quanto ao facto provado n.º 18, foi relevante o teor do certificado dos registos criminais atualizado juntos aos autos”.

---

9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).

Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito.

Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.ºs 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do CPP, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).

Feitas estas considerações, e atentas as conclusões da motivação do recurso interposto pelo arguido, assim consideradas, delas se extraem as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:

1.ª – Se a sentença recorrida é nula, por não estar “devidamente fundamentada”, ao considerar como provada a factualidade descrita nos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada/violação do disposto no art.º 410 n.º 2 do CPP e do princípio in dubio pro reo;

2.ª – Se a pena aplicada ao arguido, em face da factualidade dada como provada, deve ser reduzida.

---

Questão prévia.

O assistente vem alegar que deve ser indeferido o recurso do arguido relativamente à matéria de facto, uma vez que o recorrente “nem na motivação nem nas conclusões” faz menção às provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Do mesmo modo, Ministério Público, na resposta à motivação do recurso, onde alega que:

Por um lado, que o recurso sobre a matéria de facto “não tem por objeto a reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão proferida… mas apenas a correção de erros de julgamento ou de procedimentos…”;

Por outro, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, com fundamento na errada avaliação dos depoimentos e declarações prestados em audiência, o mesmo:

i – não indica os pontos da matéria de facto que “considera incorretamente julgados…”;

ii – não indica as provas que impõem decisão diversa da recorrida, com “menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação, devendo especificar qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e quais os motivos…”;

iii - fez uma “remissão genérica para os depoimentos das testemunhas e declarações do arguido”, pelo que a matéria de facto dada como provada, assim impugnada, não pode ser devidamente sindicada pelo tribunal de recurso.

Vejamos.

Dispõe o art.º 412 n.º 3 do CPP que, “quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas al.ªs b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

A propósito escreve Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição, Rei dos Livros, 789: “Neste artigo estabelecem-se os requisitos da motivação, sendo patente que a lei é aqui particularmente exigente, muito mais até do que o era a lei anterior quanto à estruturação das alegações. E esta tomada de posição da lei através desse artigo é secundada por outras disposições, determinando a não admissão ou a rejeição do recurso, não só quando falte a motivação, mas ainda quando… a motivação não contenha as indicações das al.ªs a), b) e c) do n.º 2 e, versando matéria de facto, as indicações das al.ªs a), b) e c) do n.º 3. É, portanto, uma matéria a que haverá que prestar particular cuidado, pois o código denota o intuito de não deixar prosseguir recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões”.

O Tribunal Constitucional veio a decidir, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do art.º 412 n.º 2 do CPP, quando interpretado no sentido que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas al.ªs a), b) e c), tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (acórdão do TC de 9.07.02, in DR, I Série-A, de 7.10.2002); esta orientação vinha já sendo seguida noutros acórdãos daquele tribunal, concretamente no que respeita à falta de conclusões da motivação ou quanto à deficiência das mesmas, como se dá conta naquele acórdão.

Na sequência daquela jurisprudência veio a ser alterada a redação do art.º 417 n.º 3 do CPP (pela Lei 20/2013, de 21.02), impondo agora ao tribunal, de forma expressa, a notificação ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões, quando destas não for possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412 do CPP.

Tal imposição, como do preceito resulta expressamente, respeita apenas às deficiências das conclusões (ou falta de conclusões), que não da própria motivação.

No caso em apreço o recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo art.º 412 n.ºs 3 al.ª b) e 4 do CPP – concretamente, não especificou as “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, por “referência ao consignado em ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364”, indicando “concretamente as passagens em que se funda a impugnação” - o que condiciona a própria delimitação da impugnação, já que fica-se sem perceber quais as provas concretas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, pelo que impossibilitado está este tribunal de conhecer da matéria de facto, sendo certo que carece de fundamento legal o convite ao aperfeiçoamento da motivação do recurso.

De facto, como se escreveu a este propósito no ac. do TC n.º 140/2004, de 10.03 – que julgou não inconstitucional a norma do artigo 412 n.ºs 3 alínea b) e 4 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências - “não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso – falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correção dos vícios formais detetados, constitui exigência desproporcionada.

… a indicação exigida pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 412 do Código de Processo Penal – repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos – é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto”.

Consequentemente, em face do que se deixa dito, não se conhece da impugnação da matéria de facto.

---

9.1. – 1.ª questão: se a sentença recorrida é nula, por não estar “devidamente fundamentada”, ao considerar como provada a factualidade descrita nos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada/violação do disposto no art.º 410 n.º 2 do CPP/violação do princípio in dubio pro reo.

1 - Alega o recorrente que a sentença não está devidamente fundamentada, ao considerar como provados os factos descritos nos pontos 4 e 5, violando o disposto no art.º 410 n.º 2 do CPP.

Esta questão, assim apresentada, desdobra-se em duas, que o recorrente parece confundir.

De facto, a falta de fundamentação ou deficiente fundamentação – de modo a que o recorrente e demais destinatários da decisão percebam o raciocínio que levou o tribunal a dar como provada determinada factualidade (no caso, os pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada) - enquanto deficiência da sentença, a existir, terá como consequência a nulidade da sentença, ex vi art.º 374 n.º 2 e 379 n.º 1 al.ª a) do CPP, quando a violação do art.º 410 n.º 2 do CPP – por o tribunal ter dado como provados tais factos em violação das regras da “razoabilidade, experiência e bom senso”, de acordo com o alegado – e a entender-se que tal violação é notória, evidente, manifesta, em face do teor da sentença, apreciada na sua globalidade – tem como consequência a nulidade do julgamento, por erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, questão que nada tem a ver com a falta de fundamentação.

Nem um nem outro daqueles vícios se verificam.

Vejamos.

O tribunal deu como provados tais factos:

(Que, “como consequência direta e necessária da sua conduta, o arguido provocou lesões e dores no ofendido FP, concretamente, traumatismo da cabeça, com perda de conhecimento, traumatismo no pé direito e fratura no tornozelo, tendo tido alta com imobilização gessada, indicação para repouso e canadianas, o que originou como sequela limitações articulares ao nível do tornozelo, no membro inferior direito, e algias, cuja data de consolidação de lesões é fixável em 60 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral”;

E que “o arguido, após a conduta supra descrita proferiu, a seguinte expressão: «tenho duas espingardas, espeto-te uns tiros»”).

Em síntese:

Porque as declarações do arguido - que negou ter agredido FP, o qual, segundo declarou, “andou com a sua mulher uns dias antes a apanhar laranjas e caiu da escada, queixando-se das costas e do pé, não sendo as lesões decorrentes… de qualquer agressão por si praticada”, e negou ter dito as expressões que constam da acusação – foram prestadas ao longo de todo o julgamento “de forma extremamente impulsiva e inquieta” e foram contraditadas:

1) Pelas declarações do ofendido, que fez um discurso que ao tribunal se afigurou genuíno, descrevendo o que se passou, e confirmou ter caído de uma árvore dias antes, mas que nessa altura apenas se magoou nas costas;

2) Pela demais prova testemunhal, que corrobora “de forma credível e sustentada a versão de FP… preenchendo de forma credível e lógica as falhas de memória que FP demonstra”, concretamente:

- o depoimento de PV, que ao tribunal se afigurou sincero e credível, que relatou ao tribunal que se apercebeu da discussão, quando estava no café em frente do local onde os factos se passaram, e viu LS “mandar um murro em FP na zona do pescoço, tendo este caído no chão” e que, com este já caído, lhe deu pontapé “(não sabe se mais que um), pelo que… se aproximou logo da situação e agarrou LS”, que LS estava descontrolado, dizendo “oh cabrão, eu mato os dois, eu vou buscar a espingarda e mato os dois”, “seu cabrão, vou-te dar um tiro nos cornos”, que depois levaram FP para junto do café e que este se “queixava muito do pé, e puseram gelo, vindo a levá-lo a casa”;

- o depoimento de PO, que prestou um depoimento que ao tribunal se afigurou “desinteressado e equidistante”, referindo que estava no café em frente ao sucedido e com visibilidade para oque estava a ocorrer, e alertado pelo barulho, virou-se e viu “LS a puxar a mão atrás e a bater na cabeça de FP, que acabou por cair ao chão… viu também LS a dar um pontapé nas pernas de FP (recordando-se apenas de um pontapé), vendo depois JP a segurar LS…”;

- o depoimento de NJ, que estava no café em frente ao sucedido e viu “LS a empurrar FP, que caiu ao chão… vindo depois a ser trazido para o café, onde se queixava com dores na perna e cabeça, vindo a vê-lo um dia depois com gesso na perna…”;

- o depoimento de JP, que não viu a agressão desde o início, mas viu “LS a dar um pontapé em FP, já estando este caído no chão”, ouviu LS dizer que “tenho 80 anos, não tenho nada a perder, não me importo de dar dois tiros”, embora sem a certeza a quem se dirigia tal expressão, e que levaram FP para o outro lado da estrada, “sendo que este coxeava se queixava de dores no pé”;

- o depoimento de JQ, irmã de FP e cunhada de LS, que prestou um depoimento de forma serena e segura, referindo que FP acabou por ficar em sua casa cerca de três meses, que quando veio para sua casa “tinha um hematoma na cabeça e tíbia e perónio partidos, tendo andado de muletas”.

E porque, em síntese, não obstante as falhas de memória nalgumas partes do discurso de FP, face ao modo “circunstanciado, essencialmente convergente e credível com que JPV, PO, NJ e JP (que presenciaram os factos) descreveram o ocorrido e as lesões e sentimentos vivenciados por FP… tiveram discursos lógicos, credíveis… não hesitaram em dizer o que viram e ouviram, mas também o que não viram ou ouviram, sendo que as lesões são compatíveis com o que descreveram… as pequenas diferenças dos depoimentos quanto a concretas expressões e concretas agressões são naturais, face ao tempo decorrido e processos de memorização… do conjunto do exposto é de concluir que LS desferiu um soco e um pontapé em FP, o chamou, pelo menos, de cabrão, e o ameaçou nos termos que se dão como provados”.

Ou seja, concorde-se ou não com o decidido, o tribunal disse claramente, por um lado, quais as provas em que se baseou para formar a sua convicção no sentido em que a formou, por outro, porque razão tais provas o convenceram que os factos assim se passaram, tal como foram dados como provados, não deixando de anotar:

Por um lado, que, não obstante a existência de arbustos entre o café e o local onde os factos se passaram, aqueles não tapavam a visibilidade de quem se encontrava junto do café situado em frente ao local onde os factos ocorreram (não havendo, por isso - deduz-se - razões objetivas para duvidar que aquelas testemunhas presenciais viram o que relataram ter visto);

Por outro, nada permite relacionar a queda do ofendido, dias antes, com as lesões que apresentava na sequência dos factos, lesões essas compatíveis com a agressão (veja-se ainda, como consta da fundamentação, “o teor do relatório médico-legal de fol.ªs 7 a 10 e 130 a 131 e ainda fol.ªs 43 a 45 e 199 e ss.”).

E esta análise crítica das provas, tal como consta da fundamentação da decisão recorrida, permite perceber, sem margem para dúvidas, qual o raciocínio lógico dedutivo que o tribunal seguiu para dar como provada a factualidade que deu como provada, porque razão o tribunal assim se convenceu e porque razão não lhe mereceu credibilidade a versão dos factos apresentado pelo arguido, em suma, o porquê da decisão, pelo que carece de fundamento a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação.

---

2 - Por outro lado, alegando o recorrente que os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 o foram em violação das regras da “razoabilidade, experiência e bom senso”, em violação do art.º 410 n.º 2 do CPP, não invocando expressamente a existência de erro notório na apreciação da prova, parece pretender que a sentença enferma daquele vício.

Mas não.

O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, existirá e será relevante quando, apreciada a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, dela ressalta como evidente, manifesta, uma falha grosseira na análise e valoração da prova, porque se deu como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido.

Existirá tal erro – escrevem Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, vol. II, 2.ª edição, 740 – “… quando se dá como provado algo que notoriamente está errado… quando a versão dada pelos factos é perfeitamente admissível não se pode afirmar a verificação do referido vício”.

Dito de outro modo, haverá “um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios” (Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 76).

Assim entendido, não se descortina na decisão recorrida o invocado vício de erro notório na apreciação da prova - erro notório, manifesto, que ressalte aos olhos do observador comum – sendo que tal erro terá de resultar do texto da decisão recorrida.

De facto, lida e relida a fundamentação da decisão recorrida, dela bem se vêm – como supra já se deixou dito - as razões pelas quais o tribunal deu como provada aquela factualidade (cuja prova o recorrente questiona), razões que evidenciam, por um lado, a criteriosa análise (crítica) das provas produzidas em julgamento, por outro, a correção de raciocínio que o tribunal seguiu para dar como provada aquela factualidade, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127 do CPP, mostrando-se a convicção do tribunal assim formada como lógica, coerente, conforme com as regras da experiência, da lógica e os critérios da normalidade do acontecer.

Carece de fundamento, por isso, a invocada violação do art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP.

Sempre se dirá:

Por um lado, o recorrente, podendo fazê-lo, não impugnou validamente a matéria de facto, pelas razões que acima se deixaram expostas, o que impede que este tribunal conheça do recurso no que respeita à matéria de facto.

Por outro, assentando a sua divergência quanto ao decidido, em síntese, na credibilidade que mereceram ao tribunal as declarações do ofendido e depoimentos das testemunhas que corroboraram a sua versão (em detrimento das suas próprias declarações), sendo certo que o tribunal – como supra se deixou dito - deixou claro porque razão lhe mereciam credibilidade tais declarações e depoimentos, temos entendido que tal divergência, por si, não é razão bastante para questionar, com seriedade, a correção de raciocínio que levou o tribunal a dar como provada a factualidade dada como provada.

De facto, vigorando entre nós o princípio da imediação e da oralidade – privilégio de que desfruta o tribunal da primeira instância, perante o qual a prova é produzida – a convicção assim formada, com base em tais princípios, só poderá ser afastada desde que se demonstre que ela é inadmissível em face das regras da experiência comum, ou seja, que, em face de tais regras, essa convicção não tem lógica, não é coerente, não é possível que os factos assim se tenham passado, em suma, que tal convicção se formou em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127 do CPP, situação que no caso não se verifica.

E isto porque – escreve-se a este propósito no acórdão da RC de 8.02.2012, de que foi relator o Exm.º Desembargador Brízida Martins, in www.dgsi.pt - “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível), sem que se evidencie no juízo alcançado um atropelo das regras a lógica, da ciência e da experiência comum…”.

No mesmo sentido pode ver-se o acórdão do STJ de 13.02.2003, in www.dgsi.pt, que mantém atualidade, onde se escreveu que, “se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que proferida em obediência à lei, que impõe que ele julgue de acordo com a sua convicção…”.

E ainda o acórdão do TC n.º 198/2004, de 30.03.2004, DR, II Série, de 2.06.2004: “… a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode… assentar de forma simplista no ataque da fase final de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na valoração dos passos para a formação de tal convicção, designadamente, os dados objetivos que se apontam na motivação… Doutra forma seria uma inversão das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem julga pela convicção dos que esperam a decisão”.

Concluindo, as razões em que o recorrente baseia a sua divergência quanto ao decidido, em suma, na credibilidade que mereceram ao tribunal as declarações do ofendido e depoimentos das testemunhas inquiridas (em detrimento das suas próprias declarações), no que à matéria de facto objetiva respeita, não é razão bastante para questionar a correção de raciocínio que levou o tribunal a formar sua convicção no sentido em que a formou, em suma, a concluir que essa convicção está errada, se formou de modo arbitrário, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova a que se encontra vinculado, ex vi art.º 127 do CPP.

E sendo assim, como é, faz qualquer sentido a invocada violação do princípio in dubio pro reo, pois que esta supõe uma situação de dúvida – dúvida séria, razoável – e que, ainda assim, perante tal dúvida, o tribunal decida em desfavor do arguido, o que no caso não aconteceu; ao tribunal recorrido nenhumas dúvidas se suscitaram, em face das provas produzidas (supra analisadas), e a este tribunal, em face do que se deixa exposto, também não se suscitam, concretamente, quanto à prática, pelo arguido, dos factos dados como provados e pelos quais veio a ser condenado.

Improcede, por isso, a 1.ª questão

---

9.2. - 2.ª questão: se a pena aplicada ao arguido, em face da factualidade dada como provada, deve ser reduzida.

O tribunal condenou o arguido:

Pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa;

Pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa;

Pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa;

E, em cúmulo jurídico, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €1.375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros).

Pretende o arguido recorrente, sem questionar as penas parcelares aplicadas, que a pena aplicada, de 250 dias, à taxa diária de 5,50 euros, é “demasiado exagerada, atendendo às circunstâncias já acima relatadas, uma vez que o arguido não ameaçou o ofendido”, devendo a taxa diária ser reduzida para os 5,00 euros, em síntese, porque não foram tidas em conta “todas as circunstâncias atendíveis e com relevância para se fixar a medida da pena”.

Antes de mais deve dizer-se que o arguido não concretiza quaisquer circunstâncias que tenham sido dadas como provadas e que, sendo relevantes para a determinação da medida concreta da pena, não tenham sido atendidas, sendo certo que só àquelas o tribunal pode atender, depois, não é verdade, de acordo com a matéria de facto dada como provada – e que se tem como assente – que o arguido “não ameaçou o ofendido” (demonstrado ficou que o arguido, disse para o ofendido que tinha duas espingardas em casa e que lhe espetava uns tiros).

Isto seria bastante para dizer que o recorrente não concretiza quaisquer factos ou circunstâncias (provados) donde se infira que a pena aplicada não obedeceu aos princípios legais ou critérios que devem nortear o julgador na determinação da medida concreta da pena.

De facto, como se escreveu no acórdão deste tribunal de 16.06.2005, in www.dgsi.pt, em excerto transcrito pelo Ministério Público no parecer que emitiu nos autos, “em sede de escolha e de medida concreta da pena, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, também nesta matéria, deve cingir-se á reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normas legais pertinentes, não sendo de modificar penas que, dentro desses princípios e dessas normas, ainda se revelem congruentes e proporcionadas”.

Sempre se dirá que, ante o conjunto dos factos, a gravidade das suas consequências e a conexão existente entre eles (três crimes, que protegem bens de diversa natureza, praticados numa mesma ocasião, diante de terceiros), o dolo com que o arguido atuou (dolo direto) e a personalidade do arguido – que se revela pela forma como os leva a cabo, mas também pela postura que assume perante os mesmos, reveladora que não interiorizou o desvalor das suas condutas, a pena única aplicada, a ser fixada dentro da moldura de 380 dias e 200 dias, mostra-se criteriosamente ponderada.

Porém, deve dizer-que que o tribunal considerou que o limite máximo da pena aplicável era de 380 dias, sendo esse o valor de referência para aplicar os 250 dias que aplicou, quando efetivamente o limite máximo é de 370 dias.

Trata-se de um lapso manifesto, erro de cálculo da soma das penas parcelares aplicadas, que aqui pode ser corrigido, ex vi art.º 380 n.ºs 1 al.ª a) e 2 do CPP, e se corrige, alterando a referência a “380 dias de multa”, que consta a fol.ªs 369 da sentença recorrida, para “370 dias de multa”.

E considerando correta a aplicação da pena aplicada, dentro da moldura de 200 dias a 380 dias, a uma diminuição do limite máximo da pena corresponderá, naturalmente, até por uma questão de coerência lógica, já que apenas o arguido recorre, uma redução da pena a aplicar, pelo que, de acordo com tais critérios, se reduz a pena única para 235 dias.

A taxa diária da pena de multa.

O tribunal fixou a taxa diária da pena de multa em 5,50 euros, pois que – escreveu-se – “«… a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito causar, pelo menos, algum desconforto, se não mesmo, um sacrifício palpável» (neste sentido acórdão do Supremo tribunal e Justiça de 3 de junho de 2004, Processo n.º 04P1266, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt) e «só em situações muito excecionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) poderá atualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a cinco euros» (acórdão da Relação de Coimbra de 1 de fevereiro de 2007… disponível para consulta em www.dgsj.pt)”.

Não divergimos deste entendimento, porém, a questão é se, perante a situação económico-financeira concreta do arguido e dos seus encargos pessoais, estamos perante uma situação de “fraquíssima capacidade económica” que justifique a redução da taxa diária da pena de multa para o seu limite mínimo de cinco euros, sendo certo que a multa – e não obstante o que supra se deixou dito – não pode representar para o condenado um sacrífico que não seja razoável exigir-lhe.

No caso, ante a situação económico-financeira do arguido, tal como demonstrada ficou – a viver com uma reforma de 334,00 euros mensais, sozinho, com despesas de farmácia mensais a rondar os 30,00 euros – uma taxa acima do limite mínimo legalmente previsto (de acordo com o decidido atingir-se-ia o montante de 1.292,50 euros) representaria um sacrifício desproporcionado para o arguido e, de acordo com os critérios da normalidade da vida, seria suscetível de pôr em causa a sua sobrevivência com o mínimo de dignidade.

Por isso, em face do que se deixa dito, entendemos justificar-se a redução da taxa diária da pena de multa para 5,00 euros, com a qual se atingirá, ainda assim, o montante global de 1.175,00 euros, o qual não deixará de representar um real sacrifício para o arguido e, desse modo, dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente:

- reduzir a pena única aplicada para 235 dias de multa;

- reduzir a taxa diária da pena de multa aplicada para 5,00 euros.

- manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.

Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, integralmente revisto antes de assinado)

Évora,18/02/2020

(Alberto João Borges)

(Maria Fernanda Pereira Palma)