Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
589/12.1IDFAR-A.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: A norma aplicável à notificação ao arguido da decisão de substituição da pena de prisão por prisão subsidiária (ou decisão equivalente) – consequentemente a forma dessa notificação - é a do preceito vigente à data de prestação do termo de identidade e residência.
Assim, porque prestado o TIR já nos termos exigidos pela nova redacção dada aos artigos 196º e 214.º do C.P.P. pela Lei nº 20/2013, qualquer dos preceitos é aplicável ao caso sub iudicio já na nova redacção.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal e em que é arguido AA, por despacho do Mº Juiz de 02-02-2016 foi convertida a pena de multa de 200 dias de que faltam cumprir 133 dias de prisão subsidiária e ordenada a emissão de mandados de captura.


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Inconformado o arguido interpôs recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões:

a) O arguido ora recorrente foi condenado numa pena de multa, a qual não pagou por não ter bens executáveis e penhoráveis com que o pudesse fazer, conforme buscas e informações obtidas pelo Tribunal e constantes do processo, bem como a situação pessoal de desempregado.

b) Por sua vez, conforme se fundamentou nos números 1 a 5, desta alegação, salvo o devido respeito, o arguido ora recorrente não foi devidamente notificado, quer da douta promoção do Mº Público, quer da decisão judicial de converter a pena de multa em pena de prisão efectiva.

c) Na verdade, dada a natureza da decisão em causa que atinge o direito fundamental à liberdade e contente, em grande medida, com o que a nossa consciência ética e o nosso ordenamento jurídico entende como dignidade humana (artºs 1º e 2º, da C. R. Portuguesa), a nosso ver deveriam tais notificações ser de natureza pessoal por oficial de justiça ou autoridade policial e, no mínimo, por meio de carta registada com aviso de recepção (artºs 111, nºs 1, al. c), nº 2 ; 113º, nº 1, als. a) e b) e nºs 2 e 10; 105º; 333º e 334º, todos do C. P. Penal), por identidade de razões e à semelhança do que deve ser feito no caso de sentença lida e publicitada sem a presença do arguido.

d) A opção por outro modelo de notificação mais aligeirado e menos conforme com as regras da confiança, da certeza e da segurança jurídicas, salvo sempre o devido respeito – que é muito – deveria levar o tribunal a quo a optar pelas formas de notificação mencionadas na conclusão precedente, sob pena da promoção e decisão comunicadas serem anuláveis, bem como os actos subsequentes, o que aqui se arguí e se pretende ver declarado.

e) Além disso, sempre com o devido e costumado respeito, conforme ao alegado nos números 6 a 12, desta alegação, entendemos que, o disposto nos artºs 47º e 49º nº 3, do Código Penal, levam a concluir que a sistemática do artº 491º do Código Penal, leva a concluir que verificada a inexistência de bens ou rendimentos do arguido susceptíveis de penhora, somos de entender, que não o tendo feito o arguido, deve o Ministério Público emitir “parecer” sobre a suspensão da execução da pena (nº 3 do artº 491º do C. P. Penal).

f) Nesta sistemática ao atribuir ao Mº Público o poder-dever de emitir “ parecer” sobre a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, temos para nós, que isso significa que a decisão da matéria da execução da pena subsidiária, não é uma operação automática, antes impõe uma intervenção ponderada e fundamentada sobre tal decisão, podendo inclusive intervenção activa no sentido do apuramento da situação pessoal, social, económica e financeira do arguido que não pagou a pena de multa, ponderando em primeira mão a opção por suspender a execução da pena de multa por o período de um a três anos, no caso, como o em apreço, em que o arguido ora recorrente, está desempregado e não tem quaisquer bens móveis, imóveis, rendimentos ou outros, que lhe permitissem o pagamento da multa, tudo como se comprova de informações constantes dos autos a fls. (vide por exemplo o alegado no número 23 acima)

g) De igual carência de fundamentação, carece a decisão judicial recorrida, que se limita a dizer: “Como se promove”, o que, no nosso entendimento se traduz, numa total ausência de fundamentação da decisão. Posto que, nem sequer alude à falta do pagamento da pena de multa pelo recorrente, nem pondera, quaisquer dos pressupostos que presidem à aplicação de um novo período de suspensão da execução da pena de prisão, de 1 a 3 anos, sujeito a medidas de conduta não restritivas da liberdade, nem condicionadas por razões de cariz económico e financeiro. Razão comprovada para o não pagamento da pena de multa em apreço. O arguido ora recorrente não a pagou por, comprovadamente, não ter meios económicos e financeiros para o fazer.

h) Ainda assim, se o Tribunal, o que, sem conceder, por mera hipótese se admite, sempre poderia fazer uso do poder dever consagrado no artº 490º, nº 2, do C. P. Penal, recorrendo aos Serviços de Reinserção Social para obter mais informações, para proferir uma decisão efectivamente ponderada e fundamentada, como o impõem as disposições legais contidas nos artºs 97º, nº 5, 340º, 365º e 372º do C. Penal, com vista a cumprir os desideratos contidos na lei substantiva, nomeadamente, nos arts. 47º e 49º, nº 3, ambos do C.Penal.

i) Nesta parte, salvo melhor opinião, a referida ausência de fundamentação da decisão recorrida, torna a nula, impondo-se a sua anulação, e impondo a elaboração de uma nova que atenda às razões acima aludidas, de forma ponderada e fundamentada.

j) De qualquer, modo, à cautela, insiste-se em fundamentar este recurso, com maior incidência nos valores legais substantivos.

k) Com efeito, resulta demonstrado nos autos a fls. … (“vista – 19-11-2015”) a informar de “que é do conhecimento da secretaria, obtido por diversas buscas por bens penhoráveis realizadas, muito recentemente, noutros processos, que ao arguido AA não são conhecidos bens penhoráveis.”

l) Isto para além de estar desempregado, conforme o demonstra o inquérito policial ordenado pelo Tribunal, realizado no dia 8 de Dezembro de 2015.

m) Portanto, atentos os princípios da aquisição e do aproveitamento da prova recolhidas no processo em apreço, está provado, de forma abundante, que a razão que levou ao não pagamento da multa em que foi condenado o arguido ora recorrente, não foi uma atitude de desconsideração e de não integração dos valores em vista com a decisão condenatória, mas sim a falta de meios económicos e financeiros que o impossibilitaram de o fazer.

n) Á semelhança do princípio consagrado no nosso sistema jurídico que se traduz na proibição da prisão por dívidas, consagrando o nosso sistema processual um sistema em que há bens absoluta e relativamente impenhoráveis (artºs 738º nºs 1 e 3 , do C. P. Civil), como considerar a possibilidade de se condenar à prisão efectiva, quem sem qualquer intenção ou acto de vontade e sem culpa sua se encontra sem meios económicos e financeiros como que pudesse e possa pagar o quantitativo monetário da pena de multa.

o) Razão porque, perante tal factualidade, não se pode converter a falta de pagamento de uma pena de multa no cumprimento subsidiário de uma pena de prisão, quando esta é uma medida de última ratio e dos nossos valores constitucionais de tutela da dignidade humana e da igualdade dos direitos e deveres dos cidadãos, independentemente do seu património, riqueza, condição social, económica, etc. (artºs 1º, 2º, 13º, 20º, 27º, 30º, e outros, da C. R. Portuguesa).

p) Considerando a situação em análise de outro modo, sempre com o devido respeito, seria a condução do arguido à prisão, reconduzível a uma situação de tratamento desigual.

q) Em suma, seria como que admitir a prisão por dívidas, à qual se sujeitariam, em regra os menos remediados ou mais pobres, posto que os mais remediados ou ricos, sempre dela se livrariam pagando as dívidas, ou, como no caso, solvendo a dívida do quantitativo da multa, usando para o efeito o património e riqueza na sua disponibilidade, coisa que o arguido, desde que as empresas de que proprietário e gestor, como a sociedade co-arguida, foram declaradas insolventes, ficando o ora recorrente desprovido totalmente de quaisquer outros bens ou rendimentos que lhe permitissem pagar quer as custas do processo quer, a pena de multa em que foi condenado.

r) Ou seja, admitindo a solução da decisão recorrida seria tolerar que as desigualdades pessoais e a condição social e de riqueza, permitissem um tratamento diferente por parte da Justiça, solução que não tem acolhimento no nosso sistema legal jurídico-penal, nem acolhimento dominante nos valores integrantes e assumidos como fundamentais à coesão da nossa sociedade.

s) Assim, além de não haver razão que fundamente e justifique a conversão imediata da pena de multa em prisão subsidiária, podendo o nosso sistema de justiça fazer um uso mais apurado, nomeadamente da norma e medidas alternativas à prisão, conformes ao sistema consagrado no artº 49º nº 3, do C. Penal.

t) Ademais, além do conhecido e notório excesso de presos face às capacidades de acolhimento do sistema carcerário nacional, também importa atentar no efeito criminogenio das prisões, para além do profundo estigma social a quem por lá passa, quando, no caso do arguido, tirando as consequências da crise financeira e imobiliária que afectou, nos últimos anos, sempre teve um comportamento quase absolutamente exemplar, o que a pobreza a que ficou reduzido, ainda assim, lhe permite continuar a levar.

u) Assim sendo e contando com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra, que leve à aplicação de medida não detentiva.


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A Digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, sem conclusões, entende ser de manter o decidido.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde defende a improcedência do recurso.


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B - Fundamentação:

B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:

1) - Por factos de 2010 e 2012 o arguido foi julgado e condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 10 €, num total de 2.000 € - certidão de sentença a fls. 8 a 11 – pela não entrega de 46.108,09 € de IRC e IRS relativos a Dezembro de 2010 e 10.730,46 de IVA cobrado em 2012.
2) - Tal decisão, de 17-06-2015, transitou em julgado.
3) - O condenado prestou TIR em 18-10-2012 e em 04-03-2015 – fls. 90-91.
4) - O condenado não comunicou qualquer alteração de residência.
5) - Por despacho de 02.02.2016 foi convertida em prisão subsidiária a multa aplicada.
6) – Tal despacho foi notificado ao defensor e ao arguido, a este por via postal simples com prova de dpósito para a morada constante do TIR prestdo em 04-03-2015.
7) – Do TIR prestado em 04-03-2015 consta que ao arguido foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
8) - É este o teor do despacho recorrido:

«O arguido AA, por decisão de fls. 683 e ss., na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de 10 € (dez euros), o que perfaz o montante global de 2.000 € (dois mil euros).

Devidamente notificado (fls. 697 e 698) para proceder ao pagamento, o arguido não pagou.

Não foi instaurada acção executiva para pagamento coercivo do referido montante, por não serem conhecidos ao arguido bens penhoráveis.

Novamente notificado para pagar a multa (fls. 719), com a advertência de que, nada dizendo, a pena de multa seria convertida em prisão subsidiária, o arguido nada disse.

Atendendo a que a multa não foi paga voluntariamente ou coercivamente tem o arguido, nos termos do art.º 49º, 1, do CP, de cumprir prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a dois terços.

Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 49º, 1, do CP, deferindo a douta promoção que antecede, decide-se:

Converter a pena de 200 (duzentos) dias de multa que falta cumprir em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.

Notifique e, após trânsito, passe e entregue mandados de captura a fim de o arguido Mark Mcfadden cumprir a pena de prisão subsidiária acima referida, fazendo constar dos mesmos que poderá obstar à execução da prisão pagando a multa em que foi condenado.

Boletins ao registo criminal.»


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B.2 - Cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, as questões abordadas no recurso pelo arguido reconduzem-se a apurar.

a) - se a referida decisão de substituição da pena de prisão por prisão subsidiária é nula.

b) - se não, qual a forma que deve revestir a notificação ao arguido da decisão de substituição da pena de prisão por prisão subsidiária;

c) - se a decisão deveria ter sido outra.


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B.3 – No primeiro ponto de inconformidade o recorrente suscita a questão da nulidade da decisão judicial. Dizemos primeira por uma questão de metodologia, já que é tema de que se impõe conhecer prioritariamente, pois a conclusão de que a decisão sofre de invalidade torna inútil saber se foi adequadamente notificada.

Nas suas conclusões g) e i) invoca o recorrente essa nulidade nos seguintes termos: «De igual carência de fundamentação, carece a decisão judicial recorrida, que se limita a dizer: “Como se promove”, o que, no nosso entendimento se traduz, numa total ausência de fundamentação da decisão».

Quer-nos parecer que o recorrente labora em lapso pois que a decisão recorrida, aquela que procedeu à substituição da pena de multa e que consta de fls. 723 dos autos principais, não tem esse conteúdo, mas sim o que foi referido supra em 8).

A decisão que tem esse conteúdo, o “como se promove” de fls. 717, é anterior ao despacho recorrido e recaiu sobre promoção do Ministério Público quanto à notificação do arguido para proceder ao pagamento da multa com a advertência de que, não o fazendo, aquela seria convertida em prisão subsidiária.

Despacho ordenador de acto de livre resolução do tribunal recorrido e, como tal irrecorrível – al. b), do nº 1 do artigo 400º do C.P.P..

Por isso que o despacho recorrido não sofra de invalidade por ausência de fundamentação.


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B.4 – Invoca o arguido, nas suas conclusões a) a d) que a notificação à sua pessoa do despacho que converteu a pena de multa em pisão subsidiária deveria ter sido efectuada por forma mais solene, designadamente, “de natureza pessoal por oficial de justiça ou autoridade policial e, no mínimo, por meio de carta registada com aviso de recepção, para tanto invocando “identidade de razões e à semelhança do que deve ser feito no caso de sentença lida e publicitada sem a presença do arguido” [conclusão c)].

No seu entender “a opção por outro modelo de notificação mais aligeirado e menos conforme com as regras da confiança, da certeza e da segurança jurídicas, salvo sempre o devido respeito – que é muito – deveria levar o tribunal a quo a optar pelas formas de notificação mencionadas na conclusão precedente, sob pena da promoção e decisão comunicadas serem anuláveis, bem como os actos subsequentes, o que aqui se arguí e se pretende ver declarado” [conclusão d)].

Em seu apoio invoca os artigos 111, nºs 1, al. c), nº 2; 113º, nº 1, als. a) e b) e nºs 2 e 10; 105º; 333º e 334º, todos do C. P. Penal.

Quer-nos parecer, no entanto, que outros aspectos normativos são olvidados pelo recorrente. Desde logo que nenhum preceito exige que a notificação do despacho recorrido ou mesmo a sentença condenatória siga aquelas formas de notificação. Sequer qualquer dos preceitos por si citados.

A notificação de uma decisão judicial vertida em despacho [al. c) do nº 1 do artigo 111º] pode revestir – no que ao caso concreto respeita - qualquer das formas previstas nas als. a), b) e c) do nº 1 do artigo 113º do diploma. Ou seja, incluindo a via postal simples nos casos previstos em normas que outras.

Quanto à sentença condenatória regem os artigos 113º, nº 10 e 373º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal, em termos assaz claros. A sentença é lida publicamente e o arguido, mesmo que não presente, considera-se devidamente notificado.

E o artigo 113º, nº 10 apenas prevê que a notificação de sentença (entre os actos ali previstos) deve ser, igualmente, comunicada ao arguido (que não apenas ao defensor nomeado ou constitído), não prevendo uma “forma” de notificação específica para o arguido. Limita-se o preceito a exigir uma notificação conjunta.

Os restantes preceitos invocados pelo recorrente não regem sobre a matéria.

Ou seja, apesar de aparentemente se discutir a forma de notificação, essa é apenas a segunda questão que supõe resolvida uma outra.

A questão central é saber se o artigo 196º do C.P.P. – designadamente as alíneas b), c), d) e e) do nº 3 do preceito – tem aplicação ao caso dos autos, isto é, se as consequências inerentes à actual redacção do artigo 196º podem ser aplicadas ao caso dos autos, preceito esse devidamente interpretado em conjunto com o artigo 214º, nº 1, al. e) do mesmo código.

E, apesar de o arguido ter prestado TIR inicialmente em 18-10-2012, o que invibializaria a aplicabilidade da actual redacção do nº 3 do artigo 196º do C.P.P. ao caso sub iudicio por implicar uma interpretação rectroactiva das alterações ao C.P.P introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21-02, certo é que o arguido veio a prestar novo TIR em 04-03-2015 já nos termos exigidos pela nova redacção do preceito.

Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 22 de Setembro de 2015 (Proc. Nº 722/12.3GFSTB-A.E1 - http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/704313e5261077c380257ecf003149cb?OpenDocument), a propósito de questão semelhante (substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade) as alterações introduzidas nesses preceitos do Código de Processo Penal pela Lei nº 20/2013 na al. e) do nº 3 do artigo 196º e na al. e) do nº 1 do artigo 214º são explícitas.

No primeiro daqueles preceitos, o artigo 196.º, do termo de identidade e residência, (nº 2) “para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º”, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e (nº 3) do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: “e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena”.

Já no outro preceito, o artigo 214.º, determina-se que as medidas de coacção se extinguem de imediato [nº 1, al. e)] «com o trânsito em julgado da sentença condenatória» (versão anteriormente vigente), “à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena” (expressão adicionada pela Lei nº 20/2013).

Em resumo, a norma aplicável à notificação ao arguido da decisão de substituição da pena de prisão por prisão subsidiária (ou decisão equivalente) – consequentemente a forma dessa notificação - é a do preceito vigente à data de prestação do termo de identidade e residência.

Assim, porque prestado o TIR já nos termos exigidos pela nova redacção dada ao artigo 196º pela Lei nº 20/2013, qualquer dos preceitos é aplicável ao caso sub iudicio já na nova redacção.

Naturalmente que o AUJ nº 6/2010 e sua fundamentação é questão que nem vale a pena abordar nem sobre ela emitir opinião pois que alterado o universo normativo que lhe deu vida. O mesmo se diga de toda a jurisprudência sobre o tema ou temas conexos, que até 2012 não levavam em linha de conta esta nova realidade normativa.

De tudo se extrai que são aplicáveis ao arguido as consequências – todas ela – que se extraem das várias alíneas do nº 3 do artigo 196º do Código de Processo Penal, pelo que a notificação do despacho recorrido é válida e não lhe podem ser assacados vícios que inquinem o processado.

Improcede, portanto, esta segunda razão de inconformidade do recorrente.


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B.5 – Como última razão de desacordo o recorrente adianta vários argumentos que reconduzem a um tema central, a inadequação substancial da decidida conversão da multa em prisão subsidiária, que não deveria ter operado “automaticamente” essa reversão na medida em que “provado” nos autos que o recorrente não tem bens para pagar a multa.

Aqui parece-nos, igualmente, que se olvidam três realidades determinantes: a sentença não recorrida que condenou o arguido; os esforços feitos pelo tribunal recorrido para encontrar bens ao arguido; o dever deste de agir.

No primeiro ponto é bom realçar que o arguido foi condenado em 17 Junho de 2015, isto é, há cerca de um ano, numa pena de multa que o tribunal entendeu que o arguido podia pagar e este, não reagindo contra esta decisão, acatou-a quando esse seria o momento adequado a uma reacção contrária a um juízo de suficiência e no sentido de demonstrar – durante a audiência de discussão e julgamento - a sua incapacidade de proceder ao seu pagamento.

Por outro lado é certo que estamos a falar de um arguido condenado por crime de carácter fiscal, logo económico no sentido de não entrega ao Estado de valores que detinha e em montantes elevados (46.108,09 € de IRC e IRS relativos a Dezembro de 2010 e 10.730,46 de IVA cobrado em 2012). E se o arguido os detinha e não entregou ao Estado a presunção simples que se impõe é que com eles ficou ou do seu paradeiro sabe, pois que da sua parte não houve prova de que tais valores se tivessem esfumado.

Quanto ao segundo ponto - os esforços feitos pelo tribunal recorrido para encontrar bens ao arguido – apenas se pode concluir que o tribunal não encontrou bens em nome do arguido ou na sua posse. Não se pode concluir que o arguido os não tenha.

Por isso o que o tribunal recolheu não foi a prova da inexistência de bens do arguido, apenas se demonstra que o tribunal, através dos limitados meios ao seu dispor, não encontrou bens executáveis.

Por fim, e para mais perante uma sentença tão recente que concluiu que o arguido podia pagar a multa, convém recordar que ao arguido competia vir aos autos – e para tanto foi notificado – demonstrar que não podia pagar a multa, conforme resulta da previsão do nº 3 do artigo 49º do Código Penal.

E só perante esse posicionamento do arguido nos autos seria exigível ao tribunal recorrido ponderar da veracidade do invocado e decidir por uma alternativa face à previsão dos nsº 1 e 3 do artigo 49º do Código Penal.

Ora o arguido, devidamente notificado para pagar a multa, disse … nada, quando lhe competia demonstrar que não podia pagar a multa. Porque, note-se, não é (neste momento processual) ao tribunal que incumbe provar que o arguido tem bens para pagar a multa. Essa foi questão já decidida em sede de sentença.

Relativamente aos restantes argumentos aduzidos pelo arguido convém rememorar que os factos relevantes são aqueles que estão demonstrados nos autos e não aqueles que se invocam apenas em sede de recurso.

O recurso serve para impugnar uma decisão tomada com base em factos determinados e que sejam processualmente aceitáveis, designadamente após possibilidade de contraditório. Seguramente não serve para invocar “factos” novos que se imaginam relevantes mas não foram apresentados, demonstrados e contraditados antes da decisão recorrida.

Razão porque as restantes conclusões do recurso se apresentam sem sustentáculo factual que permitam a sua relevância processual.

Ou seja, o recurso é totalmente improcedente.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso.

Notifique.

Custas pelo recorrente com 4 (quatro) Ucs de taxa de justiça.

Évora, 05 de Julho de 2016

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

António Condesso