Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
875/19.0T8EVR.E2
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO MISTA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Da análise dos arts. 258.º e 261.º do Código do Trabalho e 71.º, n.º 2, da LAT, resulta que o conceito de retribuição constante nesta difere do conceito de retribuição constante daquele, uma vez que no Código do Trabalho a retribuição está adstrita ao trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador ou à sua disponibilidade para o exercer (art. 197.º do Código do Trabalho); já na LAT está adstrita ao carácter regular das prestações recebidas pelo trabalhador, desde que as mesmas não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
II – Da matéria apurada constatou-se que o salário do Autor integrava uma parte fixa e uma parte variável, sendo esta calculada por valores previamente fixados, ainda que distintos, consoante o Autor exercesse, por cada dia de trabalho completo, a sua atividade profissional em Portugal ou em Espanha ou exercesse apenas meio-dia de trabalho em qualquer dos países, e isto independentemente do número de quilómetros percorridos ou da realização de qualquer tipo de despesas.
III – Assim, o Autor recebia por dia, independentemente de realizar ou não qualquer despesa ou de vir a ter de suportar algum custo incerto, casual, fortuito ou imprevisível, sempre a mesma quantia nos dias de trabalho completo em que exercia a sua atividade em Portugal, sempre a mesma quantia nos dias de trabalho completo em que exercia a sua atividade em Espanha e sempre a mesma quantia nos dias em que apenas trabalhava meio-dia quer fosse em Portugal quer fosse em Espanha, não tendo a entidade empregadora feito prova da existência de qualquer custo aleatório efetivo que o Autor tenha suportado com essa parte da sua retribuição mensal.
IV – Pelo que se terá de concluir que a parte variável do salário que o Autor auferia integra o conceito amplo de retribuição previsto no art. 71.º, n.º 2, da LAT, uma vez que essa parte apenas variava em função dos locais onde o Autor trabalhava ou se o fazia em dia completo ou em meio-dia, e não em função de qualquer fator com carácter aleatório.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 875/19.0T8EVR.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
O sinistrado AA veio participar o acidente de trabalho de que foi vítima, ocorrido no dia 01-03-2018, encontrando-se a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida pela sua entidade patronal para a “Companhia de Seguros Tranquilidade”.
Efetuado, em 05-11-2019, o relatório do exame médico ao sinistrado, concluiu este que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31-08-2018, que a Incapacidade Temporária Absoluta ocorreu entre 02-03-2018 e 31-08-2018, fixável num período de 183 dias; e que a Incapacidade Permanente Parcial é de 6,0000%
Em 24-01-2020, realizou-se a tentativa de conciliação, não tendo sido possível conciliar as partes porque o sinistrado considera que o valor das ajudas de custo não transferido para a seguradora, por terem carácter regular, deve ser calculado para efeitos da indemnização a receber, a cargo da entidade patronal; e a seguradora por discordar da incapacidade fixada, considerando que, à data da alta, o sinistrado já se encontrava curado, sem qualquer desvalorização.
Os autos prosseguiram, tendo o Autor AA apresentado petição inicial de ação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra a “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.” (Seguradoras Unidas, S.A.”) e “T... – Transporte de Mercadorias, Lda.” (Rés), peticionando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e:
- ser a Ré “T... – Transporte de Mercadorias, Lda.” condenada a pagar-lhe a quantia de €3.539,82 a título de indemnização por incapacidade temporária;
- serem ambas as Rés condenadas na proporção da respetiva responsabilidade a pagar ao Autor o valor que vier a ser fixado a título de indemnização por Incapacidade Permanente Parcial;
- ser a Ré “Seguradoras Unidas” condenada a pagar ao Autor o valor de € 80,00, a título de despesas de transporte;
- tudo acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento; e
- ser a Ré condenada nas custas, incluindo as de parte.
A Ré “Seguradoras Unidas, S.A.” contestou, concluindo, a final, que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada, sendo a Ré absolvida do pedido, com as consequências legais decorrentes.
A Ré “T... – Transporte de Mercadorias, Lda.” veio apresentar contestação, concluindo, a final, que as verbas pagas ao Autor, a título de ajudas de custo, não integram a retribuição, pelo que deverá a contestação ser declarada procedente, por provada, absolvendo-se a Ré dos pedidos.
No apenso relativamente ao apuramento da incapacidade a fixar ao sinistrado, foi decidido que o Autor sofreu uma incapacidade permanente parcial de 2% a partir de 01-09-2018.
Proferido despacho saneador, foi apresentado o objeto do litígio e foram fixados os factos dados como assentes e os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida a respetiva sentença, em 19-07-2021 com a seguinte decisão:
Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1º Condeno a ré Generali – Seguros, S.A. a pagar ao autor:
a) A pensão anual e vitalícia, a partir do dia seguinte ao da alta, obrigatoriamente remível, no valor de 174,33€;
b) A quantia de 80,00€ a título de compensação com despesas de deslocação;
c) Os juros legais sobre as supra referidas quantias, até integral pagamento.
2º Absolvo a ré entidade patronal, T..., Ld.ª, dos pedidos formulados pelo autor.
3º Condeno o autor ao pagamento das custas do processo – artigo 527º, 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, 2, a), do Código do Processo do Trabalho.
*
Fixo à acção o valor de 2.700,53€.
A Ré “Generali Seguros, S.A.” veio requerer a retificação do ponto 12 dos factos provados, devendo onde consta que “O autor despendeu a quantia de 80,00€ com deslocações a diligências obrigatórias”, ficar a constar que despendeu 40,00€, alterando-se consequentemente a respetiva fundamentação de direito nessa parte, bem como esse mesmo valor na parte decisória.
Por despacho proferido em 27-09-2021, o tribunal a quo deferiu a solicitada retificação, determinando a correção nos três lugares onde foi feita a menção, por lapso, a €80.00, passando a neles a constar €40,00.
Não se conformando com a sentença, veio o Autor AA interpor recurso de apelação, o qual foi admitido, vindo, em 10-02-2022, a ser proferido acórdão neste tribunal, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em determinar a anulação da decisão recorrida, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a fim de que seja ampliada a matéria de facto, se necessário fazendo prévio uso do poder-dever consagrado no art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, de maneira a que se apure:
- a data do início do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Reaberta a audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 02-11-2022, na qual ficou a constar na parte decisória que:
Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1º Condeno a ré Generali – Seguros, S.A. a pagar ao autor:
a) A pensão anual e vitalícia, a partir do dia seguinte ao da alta, obrigatoriamente remível, no valor de 174,33€;
b) A quantia de 80,00€ a título de compensação com despesas de deslocação;
c) Os juros legais sobre as supra referidas quantias, até integral pagamento.
2º Absolvo a ré entidade patronal, T..., Ld.ª, dos pedidos formulados pelo autor.
3º Condeno o autor ao pagamento das custas do processo – artigo 527º, 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, 2, a), do Código do Processo do Trabalho.
*
Fixo à acção o valor de 2.700,53€.
Uma vez mais, a Ré “Generali Seguros, S.A.” veio requerer a retificação do ponto 12 dos factos provados, devendo onde consta que “O autor despendeu a quantia de 80,00€ com deslocações a diligências obrigatórias”, ficar a constar que despendeu 40,00€, alterando-se consequentemente a respetiva fundamentação de direito nessa parte, bem como esse mesmo valor na parte decisória.
De novo, o tribunal a quo voltou a proferir despacho judicial, em 16-12-2022, a deferir a solicitada retificação, determinando a correção nos três lugares onde foi feita, por lapso, a menção a €80.00, passando a neles constar €40,00.
Não se conformando com a sentença, veio o Autor AA interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
I) O Recorrente considera errada a subsunção dos factos ao Direito, em toda a sua amplitude.
II) O Tribunal a quo decidiu que não era possível considerar que as quantias pagas pela entidade empregadora a título de ajudas de custo integravam a remuneração normal do trabalhador, tendo em conta que, a cláusula 47.ª-A, alínea a) do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável, celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, estabelece que o pagamento das despesas com refeições efectuados no estrangeiro é feito mediante a apresentação de facturas e o Recorrente assumiu que “fazia as refeições na casa disponibilizada pela entidade patronal, onde também pernoitava, é forçoso considerar que este sistema de pagamento é mais favorável.”
III) Sucede que, no caso concreto, este acordo de pagamento de um valor fixo diário independentemente da apresentação de despesas, apenas foi mais favorável para a entidade empregadora, pois caso não o fizesse os trabalhadores certamente optariam por pernoitar em pensões ou hotéis (em melhores condições do que a casa cedida pela empresa), alimentar-se em restaurantes (em vez de levar a comida de casa ou confeccioná-la eles próprios); para além de que, este acordo permitiu à Recorrida reduzir substancialmente os custos administrativos contabilização das facturas e reembolsos aos motoristas.
IV) Já para não falar que, o valor de € 35,00 é manifestamente insuficiente para reembolsar o valor de uma dormida, almoço e jantar, não contabilizando as demais refeições diárias.
V) Merece censura a decisão recorrida, designadamente, porque viola o disposto nos artigos 258.º, n.º 1, 2 e 3 e 261.º, n.º 1 do Código do Trabalho, os artigos 71.º, n.º 2 e 79, n.º 4 e 5 da LAT e os artigos 342.º, n.º 1, 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do Código Civil.
VI) Da leitura conjugada dos artigos 258.º e 261.º, n.º 1 do Código do Trabalho resulta que toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador deve ser considerada parte integrante da retribuição, independentemente da designação que lhe seja atribuída no contrato ou no recibo, excepto se se provar: que tem uma causa especifica e individualizável, diversa da contrapartida da prestação do trabalho; ou, que não reveste a característica de regularidade e periodicidade.
VII) Assim, em termos de ónus da prova, dado que se trata de um facto constitutivo do direito invocado pelo autor, sobre ele impende o ónus de provar o pagamento regular pelo empregador de quaisquer importâncias, seja qual for o título a que sejam pagas; cabendo ao empregador o ónus de provar que as quantias que entregou ao sinistrado e ele recebeu tinham esse destino, ou seja, apenas compensar o sinistrado pelo valor das despesas por ele feitas na execução do contrato de trabalho.
VIII) No caso concreto, foi dado como provado que “ 8.º À data do acidente de trabalho a retribuição do autor era composta por uma parte fixa e uma parte variável; 9.º O salário do autor era composto por uma parte fixa e uma variável, sendo que a parte variável era determinada, em cada mês, de acordo com o seguinte critério: por cada dia de trabalho completo em Portugal o autor auferia o valor de € 25,00, por cada dia de trabalho completo em Espanha auferia o valor de € 35,00, e por cada meio-dia de trabalho em cada país o autor auferia € 27,00, independentemente do número de quilómetros percorridos ou da realização de qualquer tipo de despesa e 10.º Nos seis meses anteriores à data do acidente o autor auferiu em termos médios por mês o montante de 840,73€, cuja designação constante do recibo de vencimento é de ajudas de custo.” (sublinhado nosso).
IX) Acresce que, para efeitos de cálculo das prestações em dinheiro devidas para reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, na actual Lei 98/2009, de 04 de Setembro, aqui aplicável, o n.º 2 do artigo 71.º, dispõe «Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios
X) O que significa que, no caso de acidente de trabalho só não são consideradas retribuição os pagamentos que são destinados a reembolsar o trabalhador por despesas já realizadas ou a realizar no cumprimento ou na execução da prestação do trabalho em razão de alguma incerteza ou imprevisibilidade, que não são mais do que uma simples compensação de uma diminuição patrimonial, real ou presumida, que nem traz ao trabalhador uma efectiva utilidade económica ou acrescimento de rendimento do trabalho, nem é sequer susceptível de lhe criar, em termos de razoabilidade, expectativas de ganho.
XI) Logo, tendo o Recorrente feito prova da regularidade do pagamento daquela prestação beneficiava da presunção legal de que aquela prestação constitui retribuição, sobre a Recorrida recaía o ónus de ilidir tal presunção (art. 344.º, n.º 1 e 350.º n.º 1, ambos do Cód. Civil), pressupondo isso a alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, isto é, custos de natureza ocasional e meramente compensatória, o que do nosso ponto de vista não sucedeu.
XII) Na nossa perspectiva, a prova que foi feita demonstra que o Recorrente geria aquele valor, que sabia de previamente que lhe ia ser pago por cada dia de trabalho efectivo independentemente de efectuar quaisquer despesas para além daquelas que normalmente teria no âmbito da sua vida pessoal e familiar normal, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor acrescendo-o ao seu baixo salário para retirar um rendimento acrescido da sua prestação de trabalho.
XIII) Mas mesmo que assim não fosse, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio, sem conceder, o certo é que estamos perante um pagamento regular que é efectuado sem necessidade de comprovação das despesas. E, assim sendo, era sobre a Recorrida que caia o ónus da prova (e não sobre o Recorrente que beneficiava da presunção legal), que ao fazer aqueles pagamentos estava a reembolsar custos aleatórios ao sinistrado, que têm subjacentes a variabilidade e incerteza das prestações.
XIV) Em conclusão, não tendo a Recorrida feito tal prova – muito pelo contrário, ficou provado que os pagamentos eram feitos independentemente da realização de qualquer despesa pelo sinistrado - deveria a sentença recorrida ter condenado a entidade empregadora como responsável pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente de trabalho na proporção da remuneração não participada à seguradora, nos termos do disposto no artigo 79.º, n.º 1, 4 e 5 da Lei 98/2009, porquanto ficou provado que o valor médio mensal de € 840,73, que correspondia à parte variável da retribuição do sinistrado, se tratava efectivamente da remuneração do seu trabalho e não de verdadeiras ajudas de custo.
Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a decisão recorrida, sendo a Recorrida T..., Lda. condenada a pagar ao Recorrente:
i) a quantia líquida de € 3.539,82 (três mil quinhentos e trinta e nove euros e oitenta e dois cêntimos) a título de indemnização por Incapacidade Temporária resultante do acidente em discussão nos autos; e
ii) uma indemnização a título de Incapacidade Permanente Parcial, no valor de € 141,24 (€ 10.088,76 × 70% × 2%), cujo capital será obrigatoriamente remível, desde o dia seguinte à data da alta (31-08-2018);
iii) Tudo acrescido dos respectivos juros à taxa legal de 4%, desde a data em que as respectivas obrigações se venceram até efectivo e integral pagamento.
Só assim se fará JUSTIÇA!
As Rés “Generali Seguros, S.A.” e “T... – Transporte de Mercadorias, Lda.” não apresentaram contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.
Não foi apresentada resposta a tal parecer.
Neste tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos, tendo o processo ido aos vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) A retribuição variável auferida pelo Autor integra o conceito de retribuição.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1º O autor, AA, foi vítima de um acidente de trabalho no dia 01.03.2018, pelas 08:00 horas, no exterior do estabelecimento da entidade patronal, em Barcelona, Espanha, que consistiu no seguinte: o sinistrado, no exercício das suas funções, ao abrir o teto do reboque, escorregou e caiu.
2º Do evento terá resultado rotura do LCA direito e lesão do menisco externo direito.
3º O acidente ocorreu quando o sinistrado trabalhava como motorista, por conta da entidade patronal T... – Transporte de Mercadorias, Ld.ª, contribuinte fiscal n.º ....
4º À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de 12.451,92€ (600,00€ a título de vencimento base X 14 meses) + (337,66€ a título de cláusula 74.ª e Prémio TIR X 12 meses).
5º A entidade patronal celebrou com a ré companhia de seguros um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...61, para transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores até ao montante anual de 12.451,92€ (600,00€ X 14 meses) + (337,66€ X 12 meses).
6º Como consequência do acidente, resultaram para o sinistrado as lesões descritas no exame médico, onde se determinou a data da alta do sinistrado em 31.08.2018 e fixou-se a incapacidade permanente parcial de 6%.
7º Do acidente de trabalho que sofreu em 01.03.2018, o autor ficou com uma incapacidade permanente parcial de 2% a partir de 01.09.2018.
8º À data do acidente de trabalho a retribuição do autor era composta por uma parte fixa e uma parte variável.
9º O salário do autor era composto por uma parte fixa e uma variável, sendo que a parte variável era determinada, em cada mês, de acordo com o seguinte critério: por cada dia de trabalho completo em Portugal o autor auferia o valor de 25,00€, por cada dia de trabalho completo em Espanha auferia o valor de 35,00€, e por cada meio-dia de trabalho em cada país o autor auferia 27,00€, independentemente do número de quilómetros percorridos ou da realização de qualquer tipo de despesa.
10º Nos seis meses de trabalho anteriores à data do acidente o autor auferiu em termos médio por mês o montante de 840,73€, cuja designação constante do recibo de vencimento é de ajudas de custo (facto provado por documentos não impugnados – recibos de vencimento juntos a fls. 127 a 132).
11º Entre o autor e a ré entidade patronal foi celebrado um acordo de remuneração que incluía um sistema de pagamento de alimentação e outros custos aleatórios decorrentes de o autor se encontrar em viagem, e que correspondia à parte variável da remuneração do autor.
12º O autor despendeu a quantia de 40,00€ com deslocações a diligências obrigatórias (facto provado por acordo).[2]
13º O contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré teve o seu início em 2 de dezembro de 2013 (cfr. extracto de remunerações da Segurança Social junto aos autos sob a ref. 3342185, documento não impugnado).
E deu como não provado o seguinte facto:
No acordo de remuneração celebrado entre o autor e a ré entidade patronal incluía-se um sistema de pagamento de trabalho suplementar e trabalho nocturno.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a retribuição variável auferida pelo Autor deveria ter sido integrada no conceito de retribuição.

1) A retribuição variável auferida pelo Autor integra o conceito de retribuição
Considera o Autor que as quantias pagas pela entidade empregadora a título de ajudas de custo integravam a sua remuneração normal, em face do disposto na cláusula 47.º-A, al. a), do CCT aplicável.
Mais alegou que este acordo de pagamento de um valor fixo diário, independentemente da apresentação de despesas, utilizando, em contrapartida, os trabalhadores uma casa disponibilizada pela entidade empregadora, onde faziam as refeições e pernoitavam, apenas é mais favorável para a entidade empregadora, pois, caso não o fizesse, os trabalhadores certamente optariam por pernoitar em pensões ou hotéis (em melhores condições do que a casa cedida pela empresa), alimentar-se em restaurantes (em vez de levar a comida de casa ou confecioná-la eles próprios), tendo também este acordo permitido à entidade empregadora reduzir substancialmente os custos administrativos de contabilização das faturas e reembolsos aos motoristas.
Referiu ainda que o valor de €35,00 é manifestamente insuficiente para reembolsar o valor de uma dormida, almoço e jantar, não contabilizando as demais refeições diárias.
Argumentou, igualmente, que, nos termos dos arts. 258.º e 261.º do Código do Trabalho, resulta que toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador deve ser considerada parte integrante da retribuição, independentemente da designação que lhe seja atribuída no contrato ou no recibo, exceto se se provar que tem uma causa específica e individualizável, diversa da contrapartida da prestação do trabalho ou que não reveste a característica de regularidade e periodicidade, pelo que ao trabalhador apenas impende o ónus de provar o pagamento regular pelo empregador de quaisquer importâncias, cabendo ao empregador o ónus de provar que as quantias que entregou ao sinistrado e ele recebeu tinham esse destino, ou seja, apenas compensar o sinistrado pelo valor das despesas por ele feitas na execução do contrato de trabalho, não tendo a entidade empregadora, na presente situação, efetuado tal prova.
Alegou também que, nos termos do art. 71.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, o que significa que, em caso de acidente de trabalho, só não são consideradas retribuição os pagamentos que são destinados a reembolsar o trabalhador por despesas já realizadas ou a realizar no cumprimento ou na execução da prestação do trabalho em razão de alguma incerteza ou imprevisibilidade, ou seja, que não são mais do que uma simples compensação de uma diminuição patrimonial, real ou presumida, que nem traz ao trabalhador uma efetiva utilidade económica ou acrescimento de rendimento do trabalho, nem é sequer suscetível de lhe criar, em termos de razoabilidade, expectativas de ganho, logo, tendo o Autor feito prova da regularidade do pagamento daquela prestação, beneficiava da presunção legal de que aquela prestação constitui retribuição, recaindo sobre a entidade empregadora o ónus de ilidir tal presunção, o que não sucedeu.
Por fim, concluiu o Autor que não tendo a entidade empregadora ilidido a presunção, a sentença recorrida deveria tê-la condenado como responsável pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente de trabalho na proporção da remuneração não participada à seguradora, nos termos do art. 79.º, nºs. 1, 4 e 5, da Lei 98/2009, porquanto ficou provado que o valor médio mensal de €840,73 correspondia à parte variável da retribuição do sinistrado, e tratava-se efetivamente da remuneração do seu trabalho, e não de verdadeiras ajudas de custo, pelo que deveria a entidade patronal ter sido condenada na quantia ilíquida de €3.539,82, a título de indemnização por Incapacidade Temporária resultante do acidente e numa indemnização a título de Incapacidade Permanente Parcial, no valor de €141,24 (€ 10.088,76 × 70% × 2%), cujo capital será obrigatoriamente remível, desde o dia seguinte à data da alta (31-08-2018), tudo acrescido dos respetivos juros, à taxa legal de 4%, desde a data em que as respetivas obrigações se venceram e até efetivo e integral pagamento.
Apreciemos.
Dispõe o art. 258.º do Código do Trabalho que
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.

Estipula, ainda, o art. 261.º do Código do Trabalho que:
1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.

Por fim, consta do art. 71.º da LAT[3] que:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
8 - O disposto nos n.os 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
10 - A ausência ao trabalho para efectuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Da análise destes artigos resulta, desde logo, que o conceito de retribuição constante da LAT difere do conceito de retribuição constante do Código do Trabalho, uma vez que neste a retribuição está adstrita ao trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador ou à sua disponibilidade para o exercer (art. 197.º do Código do Trabalho); já naquela está adstrita ao carácter regular das prestações recebidas pelo trabalhador, desde que as mesmas não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Cita-se, sobre esta questão, o acórdão do STJ, proferido em 17-03-2010:[4] [5]
XVII - O art. 26.º, da LAT, adopta um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no art. 249.º, do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, o que significa que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.
XVIII - Resultando provado que o sinistrado auferia, a título de ajudas de custo, valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado – sem necessidade de qualquer documento comprovativo, é de concluir integrarem tais valores o conceito de retribuição e, nessa medida, integrarem, igualmente, o cálculo das prestações reparatórias emergentes do acidente de trabalho.

De igual modo, se cita o acórdão do TRP, proferido em 07-12-2018:[6] [7]
I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.
II - Na noção da n.º2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.

Partindo, assim, do conceito de retribuição no âmbito dos acidentes de trabalho, vejamos a situação concreta.
Resultou provado que:
- O salário do Autor era composto por uma parte fixa e uma variável, sendo que a parte variável era determinada, em cada mês, de acordo com o seguinte critério: por cada dia de trabalho completo em Portugal o Autor auferia o valor de €25,00, por cada dia de trabalho completo em Espanha auferia o valor de €35,00, e por cada meio-dia de trabalho em cada país o Autor auferia €27,00, independentemente do número de quilómetros percorridos ou da realização de qualquer tipo de despesa (facto provado 9);
- Nos seis meses de trabalho anteriores à data do acidente, o Autor auferiu, em termos médios, por mês, o montante de 840,73€, cuja designação constante do recibo de vencimento é de ajudas de custo (facto provado 10);
- Entre o Autor e a Ré entidade patronal foi celebrado um acordo de remuneração que incluía um sistema de pagamento de alimentação e outros custos aleatórios decorrentes de o Autor se encontrar em viagem, e que correspondia à parte variável da remuneração do Autor (facto provado 11).
Daqui resulta, por um lado, que o salário do Autor integrava uma parte fixa e uma parte variável, sendo esta calculada por valores previamente fixados, ainda que distintos, consoante o Autor exercesse, por cada dia de trabalho completo, a sua atividade profissional em Portugal (em que receberia €25,00 por dia) ou em Espanha (em que receberia €35,00 por dia), ou exercesse apenas meio-dia de trabalho em qualquer dos países (em que receberia €27,00 por dia), e isto independentemente do número de quilómetros percorridos ou da realização de qualquer tipo de despesas; e, por outro, que, aquando da celebração do contrato de trabalho, a Ré e o Autor acordaram que essa quantia variável, auferida por este, destinava-se ao pagamento das despesas de alimentação do Autor, bem como de outros custos aleatórios decorrentes deste se encontrar em viagem.
Acontece que, independentemente do acordo celebrado entre as partes, aquilo que releva é a situação em concreto verificada. E desta resulta que o Autor recebia por dia, independentemente de realizar ou não qualquer despesa ou de vir a ter de suportar algum custo incerto, casual, fortuito ou imprevisível (onde não se integram os custos decorrentes com a alimentação e a dormida que, encontrando-se o trabalhador fora do local onde reside, têm tendencialmente um carácter certo e previsível), sempre a mesma quantia nos dias de trabalho completo em que exercia a sua atividade em Portugal, sempre a mesma quantia nos dias de trabalho completo em que exercia a sua atividade em Espanha e sempre a mesma quantia nos dias em que apenas trabalhava meio-dia quer fosse em Portugal quer fosse em Espanha. Ora, sendo assim, não é possível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que a quantia que o Autor auferia, na parte da sua retribuição que apenas era variável em função dos locais onde o Autor trabalhava ou se o fazia em dia completo ou em meio-dia (e não em função de qualquer fator com carácter aleatório), não integrava o conceito amplo de retribuição previsto no art. 71.º, n.º 2, da LAT.
Decorre ainda da matéria factual apurada que a entidade empregadora não fez prova da existência de qualquer custo aleatório efetivo que o Autor tenha suportado com essa parte da sua retribuição mensal.
Cita-se, uma vez mais, pela sua relevância o acórdão do TRP, proferido em 07-12-2018:
IV - O facto de entidade empregadora denominar nos recibos da retribuição determinado pagamento como “ajudas de custo”, não é suficiente para as considerar como tal. À partida, desde que pagas regular e periodicamente, na medida em que pressupõem uma vinculação prévia do empregador e são susceptíveis de gerar uma expectativa de ganha para o trabalhador, essas quantias presumem-se retribuição, recaindo sobre a entidade empregadora, nos termos dos arts. 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do CC, o ónus de provar que essa atribuição patrimonial reveste a natureza de ajudas de custo.
V - As prestações em causa correspondem a valores fixos e diários “logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador”, implicando neste caso - como provado - que o sinistrado fizesse “fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente”, mas sem necessidade de qualquer documento comprovativo.
VI - É certo, pois, que o autor tomava “fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente”, bem assim que aquele pagamento visava reembolsá-lo “por custos com as refeições que efectuava quando estava a fazer transportes”, mas isso não significa necessariamente que tomava as refeições em estabelecimentos de restauração, nem tão pouco que despendesse diariamente esse valor em refeições, pois bem podia fazer-se acompanhar delas já previamente confecionadas em casa, sem custos para além dos que sempre teria que suportar para, como é normal nos nossos usos, tomar diariamente essas refeições.
VII - A prova feita não exclui a possibilidade do autor gerir aquele valor, que sabe de antemão lhe vai ser pago por cada dia de trabalho efectivo independentemente de demonstrar qualquer gasto real para além do que normalmente teria no âmbito da sua economia pessoal e familiar, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor, acrescendo-o ao magro salário que aufere, para retirar “uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa”.
VIII - Neste quadro, essas prestações pagas ao autor traduzem, no rigor das coisas, um valor material com repercussão positiva na sua economia pessoal e familiar, que se traduz num rendimento com o qual sabe poder contar mensalmente e, em função dessa certeza, programar regularmente a sua vida.
IX - Mas mesmo que não possa ter-se a certeza que o autor assim procede, o certo é que estamos perante um pagamento regular que é efectuado sem necessidade de comprovação das despesas, acrescendo que é perfeitamente possível, na realidade das coisas, que os valores recebidos sejam afectos à sua economia pessoal e familiar.
X - E, esse é o ponto fulcral da questão. O ónus de prova recai sobre a Ré e não sobre o trabalhador sinistrado. Era à Ré que cabia demonstrar estar a suportar custos aleatórios do autor, os quais têm subjacentes “a variabilidade e contingência das prestações”.

Pelo exposto, nesta parte procede a pretensão do Autor.
Pretende ainda o Autor que se provou que o valor médio mensal da parte variável da sua retribuição era de €840,73, pelo que os cálculos a efetuar devem ter tal valor por base.
Acontece, porém, que se provou que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré teve o seu início em 2 de dezembro de 2013 (facto provado 13), sendo que o valor médio de €840,73 se reporta apenas aos seis meses de trabalho anteriores à data do acidente, que ocorreu em 01-03-2018.
Porém, dispõe o art. 71.º, nºs. 1 e 3, da LAT, que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, entendendo-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal.
Assim sendo, para se apurar o valor médio relevante para o cálculo previsto no n.º 1 do art. 71.º da LAT importa conhecer os valores auferidos pelo Autor, na sua retribuição variável, durante os doze meses que antecederam o acidente, factualidade essa que não se mostra apurada e que se revela impossível de apurar por este tribunal, por tais elementos não constarem dos autos.
Deste modo, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, anula-se a decisão recorrida, a fim de ser ampliada a matéria de facto, se necessário fazendo prévio uso do poder-dever consagrado no art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, de maneira a que se apure os valores auferidos pelo Autor, na sua retribuição variável, durante os doze meses que antecederam o acidente.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em determinar a anulação da decisão recorrida, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a fim de que seja ampliada a matéria de facto, se necessário fazendo prévio uso do poder-dever consagrado no art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, de maneira a que se apure:
- os valores auferidos pelo Autor, na sua retribuição variável, durante os doze meses que antecederam o acidente.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Évora, 30 de março de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Alterado conforme despacho judicial proferido em 16-12-2022.
[3] Lei n.º 98/2009, de 04-09.
[4] No âmbito do processo n.º 436/09.1YFLSB, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Apesar de se reportar quer ao anterior Código do Trabalho quer à anterior LAT, por nesta matéria não existirem alterações, as conclusões expressas mantêm a sua atualidade.
[6] No âmbito do processo n.º 959/14.0T8PNF.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Em igual sentido, os acórdãos deste tribunal proferidos em 19-01-2017 no âmbito do processo n.º 116/13.3TTLRA.E1, consultável em www.dgsi.pt; e em 07-05-2020 no âmbito do processo n.º 45/19.7T8EVR.E1, não publicado.