Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
772/12.0TBMMN.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DIREITO À IMAGEM
PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A ofensa à boa imagem de uma sociedade comercial é indemnizável na exacta medida dos danos patrimoniais que dessa ofensa tenham resultado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 772/12.0TBMMN.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) - Hotéis e Turismo, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.E., (…) Engenharia, S.A., (…), Empreiteiros, S.A. e (…) - Sociedade de Estudos e Construções, S.A., na qual peticiona a condenação das Rés a:
a) A proceder à cabal reparação de todos os defeitos e desconformidades verificadas no imóvel que alberga o Hotel (…), descritas na P.I., no prazo de 60 (sessenta) dias a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória;
b) A ressarcir a A. dos valores já despendidos por esta com a eliminação dos danos no quarto 105, cuja reparação era urgente, no montante de € 103,00 (cento e três euros);
c) A pagar à A. uma indemnização pelos danos de imagem que lhe causou, em montante não inferir a € 15.000,00 (quinze mil euros).
Alega, no essencial, que as RR. levaram a cabo diversas obras na proximidade do hotel de que é proprietária que lhe causou danos de diversa natureza.
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Os RR. contestaram defendendo a improcedência da acção.
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O processo seguiu os seus termos e, depois da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:
Condenar as Rés (…) Engenharia, S.A., (…), Empreiteiros, S.A. e (…) - Sociedade de Estudos e Construções, S.A. a pagar à Autora (…) - Hotéis e Turismo, S.A., solidariamente, a quantia total de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos;
Julgar improcedente o demais pedido pela Autora, do mesmo absolvendo as Rés.
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Desta sentença recorrem as RR. defendendo a sua revogação.
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A A. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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A matéria de facto é a seguinte:
1- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade hoteleira e, concretamente, à exploração do Hotel (…), sito no Largo (…), n.º 1, em Vendas Novas;
2- O Hotel (…), sito no Largo (…), n.º 1, em Vendas Novas, fica situado num edifício construído no início do século XIX, estando classificado pela Câmara Municipal de Vendas Novas como imóvel de valor local;
3- Ao Hotel (…) foi atribuída a categoria de 4 (quatro) estrelas pelo Turismo de Portugal;
4- A Ré REFER foi criada para assegurar a prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional;
5- As restantes Rés são empresas que se dedicam à actividade de construção civil e obras públicas;
6- No âmbito do exercício da sua actividade, estas Rés, para tanto celebrando entre si um contrato de consórcio externo, executaram, em conjunto e sob o regime de responsabilidade solidária perante o dono da obra, os trabalhos compreendidos na denominada Empreitada de Renovação Integral da Linha de Vendas Novas, entre Vidigal e Vendas Novas, que lhe foi adjudicado pela primeira Ré;
7- A estação de Vendas Novas está também localizada no Largo (…), logo a cerca de 50 (cinquenta) metros do edifício que alberga o Hotel;
8- Os trabalhos da referida obra foram iniciados em 2009 e concluídos em Setembro de 2011;
9- No âmbito da citada obra, a I." Ré incumbiu as restantes de procederem, entre outros, aos seguintes trabalhos:
- Renovação integral da via entre as Estações de Vidigal e Vendas Novas;
- Alteração do lay-out da Estação de Vendas Novas, incluindo interfaces, plataformas de passageiros, coberturas e instalações electromecânicas; e
- Substituição das passagens superiores rodoviárias na Estação de Vendas Novas;
10- Durante a obra, circularam camiões pesados e outras máquinas, na estrada que confina com as fachadas do Hotel na Rua da (…) e Largo (…), por onde se fazia o acesso ao estaleiro da obra;
11- Tais veículos pesados circulavam no local até para além da meia-noite;
12- O edifício do Hotel era atingido por muitos ruídos e um manto permanente de poeiras geradoras de sujidade;
13- Em 07.02.2011, a Autora enviou uma carta à l.ª Ré com o seguinte teor:
"(. . .) Venho, por este meio, trazer ao vosso conhecimento uma situação gritante que, se não for de imediato corrigida, acarretará prejuízos irreparáveis.
Reporto-me à obra que a REFER designa como: "Linha do Alentejo - Vendas Novas e Évora - Modernização de Bombel e Vidigal a Évora".
Como é do vosso conhecimento, todo o movimento de camions da obra supra identificada, tem como ponto de carga de materiais de construção, um terreno localizado ao lado da Estação da REFER, em Vendas Novas.
A Estação da REFER de Vendas Novas, bem como o terreno que serva de local de carga e descarga de materiais de construção da obra acima identificada, confinam com o único hotel existente na cidade de Vendas Novas, o Hotel (…), um estabelecimento hoteleiro, com a classificação de 4 estrelas, atribuídas pelo Turismo de Portugal.
Este Hotel foi instalado num edifício, de finais do século XIX, classificado como património da cidade, sendo, o único edifício da cidade que, até hoje, recebeu a distinção dessa classificação.
Todo o movimento de camions de carga de materiais da obra, carros de apoio à obra, Bobby Cat, gruas, etc., saem e entra no terreno acima identificado, passando exactamente em frente ao único portão que dá acesso ao Hotel (…).
Para além de se poder questionar, desde o inicio da obra, se todo este movimento não poderia ter sido feito pelo outro lado do terreno, que tem mais facilidade de acesso e dá para uma rua desabitada, a Rua (…), procurando não incomodar ninguém, questionamo-nos, também, sobre a diligência de quem prepara uma obra desta dimensão, ignorando a sua envolvente, fazendo passar os camions da obra, milhares de vezes durante a execução da mesma, pela frente de um edifício classificado, que é simultaneamente um hotel.
Importa referir que a cada cinco minutos, entra e sei um camion do identificado estaleiro da REFER.
Este movimento começa, todos os dias, antes das sete horas da manhã e prolonga-se para além da meia-noite, culminando com a chegada do Bobby Cat, cerca da uma da manhã, com os pirilampos acessos e a apitar continuamente, com total desrespeito pelas horas de descanso dos hóspedes instalados no Hotel.
A sujidade que, diariamente, este movimento de obra provoca à porta de entrada do Hotel, agravada pela chuva que origina poças de lama castanha com dimensões tais que não é possível aceder ao hotel, sem se ficar completamente atulhado em lama, a crescer ao frenesim dos camions e do Bobby Cat, foram já, motivo de várias reclamações dos hóspedes, com o consequente prejuizo de imagem de qualidade do Hotel. (...)
Suportámos tudo isto, apesar de sabermos que poderia ser feito de forma mais limpa e com menos incómodos de terceiros, até ao momento em que as obras começaram a provocar o desmoronamento contínuo e rápido do interior e do exterior do Hotel.
As obras que estão, neste momento, a ser levadas a cabo na estação de Vendas Novas, ou próximo, têm provocado sucessivos e violentos movimentos de terras, similares a terramotos que, para além de provocarem o pânico nos hóspedes, estão a provocar o desmoronamento dia a dia, de um hotel reconstruído há cinco anos, com materiais de qualidade superior.
Com efeito, começaram por cair as pedras mármores que forram o lavatório de uma das casas de banho dos quartos. (...)
No dia seguinte, caíram, algumas das pedras de xisto que forram a escadaria exterior que dá acesso, do jardim, à esplanada do 1.º andar do hotel. (...) Dois dias depois caíram mais pedras de xisto da mesma escadaria. (...) As rachas nas paredes interiores dos quartos são muitíssimas. (...)
As rachas nas paredes da cozinha fazem-nos recear o abatimento do estuque e, para além de serem proibidas pela ASAE, rachas nas paredes, tecto ou chão das cozinhas, o que significa que se houver lugar a uma fiscalização, por parte desta entidade, ser-nos-ão aplicadas pesadas coimas. (...)
Surgem todos os dias novas rachas no interior e no exterior do edifício, numa escalada diária que, se não forem tomadas, urgentemente, medidas correctivas, nos obrigará a requerer uma providência cautelar que ordene a proibição de passagem dos camions e veículos de obra pela frente do hotel, (. . .)
Gostaríamos que este assunto fosse resolvido pela REFER (...) pelo que solicitamos que (...) seja enviado a Vendas Novas alguém da REFER, com capacidade de decisão para, em primeiro lugar, verificar os estragos já provocados; em segundo lugar, tomar uma decisão urgente quanto à alteração da movimentação dos veículos de obra. (...)";
14-A manutenção do Hotel aberto ao público não permitia à Autora manter o estado da cozinha (rachas as paredes), sob pena de aplicação de coimas pelas autoridades que fiscalizam e regulam o funcionamento das instalações hoteleiras;
15- Por resposta datada de 14 de Fevereiro de 2011, a l.ª Ré informou a Autora que havia transferido para as restantes Rés a responsabilidade pelos danos sofridos por terceiros em consequência da execução da obra;
16- Pese embora tal resposta, o acesso ao estaleiro deixou de ser efectuado, a partir de Fevereiro de 2011, pela artéria confinante ao Hotel;
17- O Hotel (…) teve obras de remodelação e ampliação em 2003/2004, tendo sido inaugurado em Maio de 2004;
18-Para adaptação deste edifício a Hotel, foi licenciado em 2003 um projecto de arquitectura para remodelação e ampliação da construção existente, no qual se propõe a construção de área adicional interligada com o edifício existente e localizado no logradouro do edifício, com acesso pelo Largo (…);
19-Esta construção nova, executada com estrutura de betão e alvenaria de tijolo, é constituída por dois pisos, um em cave, destinado a estacionamento, e um piso a nível térreo destinado a zonas de serviço complementares do Hotel, como Restaurante, cozinha, sala de pessoal;
20- O edifício original, executado em alvenaria de pedra, é ocupado ao nível do Piso O (r/c) pela recepção, bar, zona de estar e quartos, e nos Pisos 1 e 2 (sótão) apenas por quartos, átrios/corredores de circulação e economatos;
21- O edifício do Hotel apresenta os seguintes danos no Piso 2 que ainda se mantêm:
- Fendas diversas nas paredes e vãos de passagem em paredes pré-existentes do edifício original, ou seja, em paredes com cerca de 50 cm de espessura, à saída do elevador e na parede exterior da zona do átrio;
- Fendas com espessura superior a 1 mm, em todo o corredor de quartos, quer por cima dos vãos de acesso aos quartos, quer a meia altura dos mesmos e ao longo da parede;
- Fendas horizontais ao longo das paredes e nos vãos de passagem para o átrio, na parede oposta à área de serviço;
- Fendilhações diversas nos rebocos, quer ao longo das paredes, quer junto aos vãos de porta e também nas ligações das paredes ao tecto, nos quartos 201, 202 e 203;
- Fendilhações em maior número e mais pronunciadas (superiores a 1 mm) do que nos restantes quartos, quer ao longo das paredes, quer nas ligações das paredes ao tecto, nos quartos 206 e 207, os mais próximos do Largo (…);
- O vão existente no Quarto 207, localizado sobre o Largo (…), apresenta rachas profundas na caixilharia e na ligação da mesma à parede;
22- O edifício do Hotel apresenta os seguintes danos no Piso 1 que ainda se mantêm:
- Fendilhações, em muito maior número e de menor dimensão do que as verificadas no Piso 2, no corredor de quartos e no vão de passagem para o átrio deste piso;
- Fendilhações nos vãos e nas paredes, também em menor número do que as que se verificaram no piso 2, nos quartos mais próximos do Largo (…) (Quartos 109 e 110);
- Conjunto de rachas muitíssimo pronunciadas, algumas delas com 2 mm, em diversas paredes e a diferentes alturas, no quarto n.º 111, virado para o mesmo Largo;
- Fendilhações em muro do edifício original e fendilhações diversas nas paredes exteriores a nível dos pisos 1 e 2, na esplanada;
23- O edifício do Hotel apresenta os seguintes danos no Piso O que ainda se mantêm:
- Fissuras nas paredes das Instalações Sanitárias de apoio ao Bar e Restaurante, a nível dos revestimentos em reboco e em pedra (xisto);
- Fendilhações em rebocos na Sala do Restaurante;
- Fendilhações mais pronunciadas, nomeadamente em paredes revestidas a azulejo e na ligação das paredes aos tectos, na cozinha;
24- O edifício apresenta fendilhações em vários locais e diferentes alturas nas paredes;
25- As fendilhações não se limitam a rebocos, reflectindo-se também em revestimentos de parede em pedra e em azulejos;
26- A Autora voltou a dirigir-se à 1.ª Ré, por cartas de 14.04.2011, 24.05.2011, 26.09.2011 e 7.12.2011 e em 31.01.2012, exigindo-lhe a sua urgente intervenção no sentido de serem prevenidas as consequências da execução da obra e de serem reparados os danos entretanto já ocorridos;
27- A 1.ª Ré respondeu sempre da mesma forma, informando que tinha transferido para as restantes Rés a responsabilidade pelos danos sofridos por terceiros em consequência da Empreitada, o que fez por cartas de 30.05.2011, 7.10.2011 e 7.03.2012;
28- Através da carta enviada no dia 14.04.2011, a Autora informa a 1.ª Ré de quais foram as reparações urgentes a cuja execução teve que proceder, bem como dos respectivos custos, cujo ressarcimento reclama;
29- A Autora, sob pena de não poder dispor do referido quarto, teve que repor a pedra mármore no lavatório da casa de banho do quarto 105, que se desprendeu da parede e caiu, no que despendeu a quantia de € 103,00 (cento e três euros);
30- Na sua carta de 24.05.2011 a Autora insiste pelo ressarcimento dos prejuízos já suportados com as reparações urgentes que realizou;
31- E queixou-se dos danos de imagem que o Hotel vinha a sofrer;
32- Durante a execução das obras e devido à utilização da artéria confinante ao Hotel para acesso ao estaleiro, a autora viu-se confrontada com as poerias e as sujidades provocadas pelas obras, que a obrigou a afectar recursos e tempo acrescido à limpeza do Hotel, que repetia várias vezes ao dia;
33- Viu-se também confrontada com o barulho, por vezes ensurdecedor, provocado pelos equipamentos utilizados na obra e pela circulação dos camiões;
34- Os operários que trabalhavam nas obras permitiram-se passar os seus períodos de descanso, sentados na rua, encostados em fila indiana à fachada do Hotel;
35- Durante cerca de um mês e meio, os contentores com entulho da obra e um sanitário portátil foram colocados em pleno Largo da Estação;
36- Largo esse que era também como aparcamento dos camiões pesados, às horas de almoço, noites e fins-de-semana; 37- Em função das obras, um casal de hóspedes exarou no campo comentários do site www.booking.com a seguinte observação: "Hotel fica localizado numa favela. Experiência a não repetir.";
38- Na sequência das queixas e contactos estabelecidos pela Autora junto da 1.ª Ré, depois da carta enviada a 26 de Setembro, foi realizada uma reunião no Hotel que contou com a presença de representantes das 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés;
39- Em 6.12.2011 decorreu uma segunda reunião, onde estava também presente um representante da 1.ª Ré, na qual os representantes das restantes Rés informaram que tinham mandado realizar uma peritagem por terceiro, a qual concluiu pela inimputabilidade dos danos verificados às Rés, razão pela qual declinavam a responsabilidade pelos danos provocados ao edifício;
40- Por carta enviada em 8 de Dezembro de 2011 à primeira Ré, a Autora comunicou-­lhe o seguinte:
" (...) Ontem, dia 06 de Dezembro de 2011, reuniram no hotel (…), em Vendas Novas, os representantes da Refer, do Consórcio que levou a cabo as obras identificadas em epigrafe e do Hotel (…).
A reunião tinha como objectivo definir a forma de ressarcimento dos prejuízos causados ao Hotel (…) durante o decurso das obras identificadas em epígrafe, dos quais fui dando conhecimento à Refer pelas cartas datadas de 07 de Fevereiro, 14 de Abril, 24 de Maio e 26 de Setembro de 2011. Tinha já sido efectuada uma primeira reunião com o mesmo objectivo, no decurso da qual, a representante do Consórcio, afirmou ter consigo um orçamento para a necessidade de obras de ressarcimento, efectuado por um empreiteiro seu que considerava desajustado da realidade, pelo que não estava habilitada a corresponder ao objectivo da reunião e solicitou a sua suspensão.
Na reunião de ontem, fomos surpreendidas com uma "oferta" por parte do Consórcio, para ressarcimento dos prejuízos causados, a qual não podemos deixar de considerar insultuosa.
Pelos prejuízos causados e claramente identificados nas cartas enviadas à Refer, o representante do Consórcio comunicou aos presentes que do relatório efectuado pelo seu perito, resultava que os danos seriam decorrentes, não da obra, mas "da falta de qualidade dos materiais utilizados na recuperação do edifício" onde está instalado o Hotel e que sendo assim, o Consórcio se propunha pagar "algumas despesas extra resultantes da limpeza do pó eventualmente causadas pelas obras".
Existe desde há muitos anos uma relação de cordialidade e colaboração entre a nossa família e a Refer, uma vez que o nosso património é atravessado pela linha férrea ou confinante com ela.
Jamais, das relações entre ambas, resultou um conflito.
Assim sendo, venho solicitar a intervenção da Refer, na qualidade de dona da obra e co-responsável pela mesma, junto do Consórcio no sentido de não voltar a fazer-nos propostas insultuosas cujo único objectivo é furtar-se ao cumprimento das suas obrigações legais.
Reafirmamos a nossa vontade e disponibilidade para uma solução consensual, na certeza porém que não prescindiremos do direito que nos assiste de sermos ressarcidas pelos prejuízos causados. (...)";
41- As 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés, após o termo dos trabalhos, deixaram restos de entulho das obras no Largo da Estação;
42- As Rés não satisfizeram as pretensões da Autora e, concluída a obra, não mais se lhe dirigiram;
43- Através da carta datada de 07.03.2012, a 1.ª Ré revela que todas as diligências que efectuou junto das restantes Rés para regularização das queixas apresentadas pela Autora se mostraram infrutíferas, nada mais lhe restando fazer porque, contratualmente, a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no decurso das obras se encontrar transferida para aquelas;
44- A reparação das patologias que ainda subsistem e são evidentes no Hotel, exigem a execução dos seguintes trabalhos:
- Montagem e desmontagem de estaleiro, incluindo todos os trabalhos, materiais e equipamentos necessários para o seu bom funcionamento;
- Remoção de azulejos em parede da cozinha, incluindo transporte e vazadouro da responsabilidade do empreiteiro, e todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua execução, numa área de 5 m2;
- Reparação de fissuras com argamasse apropriada a aplicação de rede de fibra de vidro anti-fissuras "BN-l" em revestimento de paredes exteriores, aplicado sobre alvenarias de pedra existentes e todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 284,34 m2; - Reparação de fissuras, aplicação de rede de fibra de vidro anti-fissura, em revestimento de paredes interiores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 62 m2;
- Fornecimento e assentamento de lambrim em azulejos de pasta branca, idênticos aos existentes na cozinha, incluindo reboco, material de assentamento, juntas betuminadas com argamassa de cor branca, com aditivo antifúngico, e todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 5 m2;
- Fornecimento e execução de pintura a tinta "Cin - Nováqua HD", cor de rosa idêntica à existente sobre o reboco em revestimento de paredes exteriores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 284,34 m2;
- Fornecimento e execução de pintura a tinta "Cin - Nováqua HD", cor branco RAL 9010 sobre reboco areado fino, em revestimento de paredes interiores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 636,56 m2;
- Fornecimento e execução de pintura a tinta "Cin - Nováqua HD", cor branco RAL 9010 sobre reboco areado fino, em revestimento de tectos interiores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento, numa área de 297,39 m2;
- Montagem e desmontagem de andaimes para execução dos trabalhos exteriores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários à sua boa execução:
- Protecção de pavimentos com manga plástica para execução dos trabalhos no interior, incluindo todos os trabalhos necessários e acessórios à sua boa execução;
- Reparação de caixilhos de vão no Quarto n.º 111, incluindo preenchimento de fendas e pintura com tinta de esmalte na cor branco, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento;
- Reparação de cantaria de vão existente na fachada norte, interior no Pátio, junto à Recepção, incluindo preenchimento de fendas e limpeza incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu bom acabamento;
- Disponibilização de pessoal para efectuar mudanças de equipamento e mobiliário existente, para execução dos trabalhos nos diversos compartimentos; e
- Limpeza geral de obra, incluindo pinturas, retoques, afinações, ceras e outros;
45- Cujo valor ascende até à quantia de € 34.722,30 (trinta e quatro mil setecentos e vinte e dois euros e trinta cêntimos).
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A condenação das RR. assenta na violação do direito à imagem:
«(…) tendo presente o referido direito à imagem e o facto das normas que tutelam este tipo de direito não poderem ser consideradas meras proclamações retóricas e sem repercussão na vida em sociedade, não podemos deixar de ter por violado tal direito, uma vez que os referidos factos abalaram a imagem do hotel perante os hóspedes, criando-lhes uma visão negativa em função do espaço em que se enquadrava no decurso das obras - presença dos operários, poeiras e sujidade, ruídos que importunam e equipamentos (contentores e sanitários) colocados no largo de acesso ao hotel, onde também parqueavam os camiões utilizados na obra».
É precisamente contra este direito à imagem que as recorrentes se insurgem:
«Ora, atendendo às especificidades inerentes à pessoa coletiva e à sua incapacidade de sentir dor ou desgosto, toma-se necessário aferir e qualificar a efetiva perda de prestígio de um ente coletivo segundo uma configuração distinta daquela que nos permite valorar o impacto de um dano não patrimonial da esfera de uma pessoa física.
«Assim, para uma pessoa coletiva, cujo bom nome e reputação interessam na justa medida da vantagem económica ou patrimonial que deles pode tirar, apenas se configura como um verdadeiro dano não patrimonial a frustração da capacidade da pessoa prosseguir o seu fim.
«Sendo os demais danos apenas qualificáveis como danos de natureza patrimonial, ainda que indiretos».
A este respeito, a recorrida afirma que é «hoje pacificamente aceite, pela doutrina e pela jurisprudência, que aqueles danos, traduzidos na violação do bom nome, reputação, imagem, prestígio e credibilidade merecem, em função da sua gravidade, a tutela do direito, nos termos previstos no artigo 496.º do Código Civil, pese embora a Apelada seja uma pessoa colectiva - vide, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. datados de 04.11.2004, 27.11.2003 e 05.10.2002, proferidos no âmbito dos processos 04B1877, 03B3692 e 03B1581».
Em relação ao primeiro, cumpre ter em conta que o Tribunal não se pronunciou sobre a possibilidade de as pessoas colectivas poderem ser titulares de direito a indemnização por danos morais pelo seguinte motivo: «Tendo-se decidido que, no caso, havia lugar a indemnização por dano não patrimonial, nem a A. nem a R. põem em causa que há lugar à fixação da indemnização a esse título, por a R. ser uma sociedade, pelo que, nessa parte, a decisão transitou em julgado». O caso julgado impediu que o tribunal de recurso discutisse a questão.
Em relação ao segundo, cumpre notar que o seu alcance é mais restrito que aquele que a recorrida dá a entender. O que aí se afirma é, expressamente, que para «as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome apenas pode produzir, portanto, um lucro patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa». Dito de outra forma, o art.º 496.º, Cód. Civil, não se aplica às sociedades comerciais.
O terceiro (que ora tem a data de 5 de Outubro de 2003, ora tem a de 18 de Novembro de 2002) segue a mesma orientação, como se pode concluir pelo seguinte excerto:
«Toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado, que lhe foge, por causa da má fama que se propaga».
É certo que «no que toca aos direitos de personalidade, desde logo ficam excluídos das pessoas colectivas quaisquer direitos especiais de personalidade ou quaisquer bens integrantes do direito geral de personalidade, que sejam inseparáveis da personalidade humana, v.g., o direito à vida, o direito à integridade corporal, espiritual e anímica, o direito à liberdade de movimentos físicos, o direito à liberdade sexual, os direitos sobre o cadáver (…)» (Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 595).
Mas este princípio geral não impede que alguns direitos especiais de personalidade sejam reconhecidos às pessoas colectivas, designadamente, o direito ao bom nome e ao crédito. O Código Civil, no seu art.º 484:º, prevê que a afirmação ou difusão de factos capazes de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, constitui fonte da obrigação de indemnizar os danos causados. Daí que tais bens (ou direitos) possam ser reconhecidos às pessoas colectivas de direito privado.
Mas não a todas.
Com efeito, e dada a natureza lucrativa das sociedades comerciais, o dano moral, por ofensa do bom nome, terá apenas reflexo nas suas consequências patrimoniais (perda de clientela, etc.), isto é, naquilo que a sociedade deixou de lucrar. Por isso, embora seja habitual fazer a afirmação genérica de que a «capacidade de gozo das pessoas colectivas abrange os direitos de personalidade relativos à liberdade, ao bom-nome, ao crédito e à consideração social», logo se faz a restrição às chamadas pessoas morais (que não as sociedades comerciais).
É este o sentido da jurisprudência atrás citada bem como de outros acórdãos. Permitimo-nos destacar alguns.
O ac. do STJ, de 8 de Março de 2007, depois de fazer aquela afirmação, no seu texto refere-se apenas às pessoas morais, ou seja, com fins não lucrativos (p. 17) (no caso, uma associação de utilidade pública).
Da mesma forma, o ac. da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 2014, em cujo sumário se pode ler o seguinte:
«III – Importando distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta dessa lesão, a afetação do crédito ou do bom nome de sociedade comercial é insuscetível de provocar nela, enquanto entidade destituída de personalidade física e moral, qualquer reflexo negativo de natureza psicológica;
«IV – Daí que a ofensa perpetrada só releve, para efeitos de indemnização, na medida em que cause um dano indireto, sendo assim qualificado aquele que, embora atingindo bens jurídicos imateriais, como o bom nome ou o crédito, se reflete negativamente no património do lesado».
Ainda do mesmo modo se pode ler no ac. da Relação de Coimbra, de 24 de Fevereiro de 2015, que «toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga». Por isso, a «ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial de uma sociedade comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto reflectido na diminuição da potencialidade de lucro, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais».
Por isso, não podemos deixar de concordar com o seguinte trecho das alegações das recorrentes:
«Assim, no caso sub judice, as Recorrentes reconhecem que assiste à Recorrida o direito ao bom nome e à sua reputação, dado que estes são efetivamente determinantes para que a mesma, na qualidade operadora de um estabelecimento hoteleiro, prossiga nas melhores condições possíveis os fins para o qual se destina.
«Contudo, afirmar que assiste à Recorrida o direito de imagem ou de bom nome, não é o mesmo que afirmar que qualquer alegada violação deste direito consubstancia um concreto dano não patrimonial».
O problema é exactamente este: não há dano patrimonial decorrente (em primeiro lugar) das obras levadas a cabo pelas recorrentes nem (em segundo lugar) houve lesão do direito à imagem que tivesse como resultado um dano patrimonial.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e absolvem-se as RR. dos pedidos.
Custas pela recorrida.
Évora, 28 de Setembro de 2017

Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Sumário:
A ofensa à boa imagem de uma sociedade comercial é indemnizável na exacta medida dos danos patrimoniais que dessa ofensa tenham resultado.