Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1371/19.0T8SLV-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
PAGAMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Efetuados pagamentos na execução e face à inexistência de oposição à execução, ficou precludida a possibilidade de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo nos termos do artº 734º nº 1 do CPC. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Condomínio Edifício sito no Bairro Independente instaurou, em 10.07.2019, execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra J…, apresentando como títulos executivos cinco atas de assembleias de condóminos, para haver do executado a quantia global de € 2.729,37, sendo a quantia de € 1.532,54 referente a quotizações de 31 de dezembro de 2016 a 9 de abril de 2019, a quantia de € 38,04 referente ao Fundo Comum de Reserva no período referido, a quantia de € 125,00 referente a quota extra de isolamento do chão do 2º andar, a quantia de 129,94 referente à quota do seguro no período acima referido, a quantia de € 119,19 referente a juros liquidados, a quantia de € 640,50 referente a honorários de advogado, e a quantia de € 144,16 referente a despesas de contencioso.
Em 06.07.2020, o agente de execução procedeu à penhora do vencimento auferido pelo executado ao serviço da Camara Municipal de Portimão e, nessa mesma data, foi o executado citado para pagar a quantia em dívida, juros e custas, ou querendo, deduzir oposição à execução através de embargos de executado, e/ou deduzir oposição à penhora, mas nada fez.
Em 22.04.2021, o agente de execução procedeu à penhora do saldo da conta de depósito à ordem titulada pelo executado na Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 1.278,86.
Em 23.04.2021, o executado foi notificado para, no prazo de 10 dias deduzir, querendo, oposição à penhora do referido saldo de depósito bancário.
O executado não deduziu oposição à referida penhora.
Em 16.06.2021, o agente de execução procedeu à entrega de resultados ao exequente, no valor de € 452,57.
Posteriormente, em 29.06.2021, a Sr.ª Juíza a quo proferiu a seguinte decisão:
«Requerimento executivo, requerimento de 18-9-2020 e requerimento de 2-6-2021:
Iniciando por este último, vem requerida cumulação de execuções.
Contudo, o título executivo é o mesmo (acta de assembleia de condóminos n.º24) que constitui parte do título executivo original, apresentado com o requerimento executivo que deu início ao processo.
O mesmo sucedeu no caso do segundo dos referidos requerimentos, vindo o Exequente a corrigir a sua pretensão para ampliação do pedido.
Assim, não se verifica, em qualquer dos dois casos, fundamento legal de cumulação de execuções.
Por outro lado, e quanto aos três indicados requerimentos:
Vem o Exequente a requerer, além das contribuições de condomínio, honorários no valor de €640,00, no requerimento executivo inicial, €640,00 no requerimento que indicou como sendo de cumulação, mas que veio a corrigir para ampliação do pedido (o que foi informado ao Sr. AE), e finalmente, com o último requerimento, de 2-6, €738,00, quantias sempre reclamadas a título de honorários.
Assim como estas, reclamou o Exequente, com os primeiros dois requerimentos, o pagamento das quantias parciais de €144,16, no total de €288,32, a título de despesas com contencioso. Tudo, no valor total, desde o início da execução, de €2.306,32.
Estabelece o art.º6.º, do Decreto-Lei n.º268/94, de 25 de Outubro: “1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. 2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.”.
A exequibilidade – excepcional – da acta de assembleia de condóminos está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei.
Isto é, a acta não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular porque os mesmos dela constem, mas antes constitui título executivo quanto às obrigações que a lei reconhece que podem ser executadas apenas com base na acta da assembleia de condóminos.
As obrigações que estão em causa são as decorrentes do art.º 1424.º, n.º1, do Código Civil : “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.” (contribuições devidas ao condomínio).
No caso concreto, o Exequente pretende cobrar, além do mais, e tanto no requerimento inicial como nos dois de cumulação subsequentes, montantes referentes a honorários de advogado, no valor total de €2.108,00. Pretende também a cobrança de €288,32, a título de despesas de contencioso.
Estas não se tratam, contudo, de contribuições, quotas, devidas ao condomínio, nem de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum para o condomínio, que não devam ser suportadas pelo condomínio. O “interesse comum” previsto na lei refere-se a despesas inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, dependente do cumprimento das obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns. Assim também, serviços de interesse comum são aqueles que sejam postos na disponibilidade dos condóminos, que eles poderão usar ou não usar.
Note-se a própria sistematização das normas do citado art.º6.º, quando evidenciam, a primeira, o conteúdo da acta que constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, e, separadamente, a segunda, que prevê que o administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior. São realidades diversas. Essas despesas não estão, por conseguinte, contempladas legalmente nas “despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum”.
Por todo o exposto, decide-se o seguinte:
- indeferir liminarmente o requerimento executivo na parte respeitante às quantias pedidas a título de honorários, €640,00, e contencioso, €144,16, e respectivos juros;
- indeferir as requeridas cumulações de execução, por falta de fundamento legal à luz do disposto no art.º711.º, do Código de Processo Civil, e admitir as pretensões como ampliação do pedido, mas apenas na parte respeitante às contribuições de condomínio, indeferindo-se o requerido em 18-9-2020 no que respeita aos montantes de €640,00 (honorários) e €144,16 (despesas de contencioso), e juros respectivos, e o requerido em 2-6-2021 no que respeita ao montante de €738,00 (honorários);
- determinar o prosseguimento da execução para o pagamento das quantias devidas a título de quotas de condomínio e juros então calculados, nos montantes de €1.944.71, €289,86 e €168,19, e juros respectivos que sejam ainda a contabilizar.
Custas a cargo do Exequente, na proporção do decaimento dos pedidos.
Registe e notifique, incluindo ao Sr. AE.»
Inconformado, o exequente apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«I – O tribunal a quo rejeitou parcialmente o requerimento executivo inicial, com fundamento da falta de título executivo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 734.º do CPC.
II – Salvo o devido respeito, o conhecimento da matéria em causa, no que ao requerimento executivo inicial diz respeito, mostra-se extemporâneo.
III - A presente execução segue a forma de processo sumário.
IV – O Sr. Agente de Execução recebeu o requerimento executivo e, consequentemente, prosseguiu com as diligências prévias à penhora.
V – Citado, o Executado não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, nem deduziu Embargos de Executado.
VI – Em diligências posteriores, o Sr. Agente de Execução penhorou um saldo bancário ao Executado, tendo notificado o mesmo de que poderia, querendo, deduzir oposição à penhora.
VII – O Executado não deduziu oposição à penhora.
VIII – Na senda, o Sr. Agente de Execução procedeu à entrega de resultados ao Exequente.
IX – Após a primeira transmissão de bens penhorados, a Mm. Juíza do tribunal a quo profere decisão onde, entre outras, rejeitou parcialmente o requerimento executivo inicial.
X – É, pois, este segmento da decisão que o ora Apelante pretende ver alterada, pois que o tribunal a quo conheceu de questão que, por lei, lhe estava vedada conhecer, considerando o momento processual em causa: n.º 1 do art. 734.º do CPC: “[o] juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” [negrito e sublinhado nosso].
XI – Praticou, pois, o tribunal a quo um ato que lhe estava vedado praticar.
XII - Destarte, e verificados que estão os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art. 195.º do CPC, a prática do ato sub censura integra uma nulidade, cabendo ao Venerando Tribunal da Relação declarar a nulidade da decisão recorrida.
Pelo exposto, e com o douto suprimento de V./Ex.as., deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita o requerimento executivo inicial in totum, mais se determinando a baixa do processo ao tribunal a quo, tendo em vista o prosseguimento da lide, fazendo- se assim inteira JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

No despacho em que admitiu o recurso, a Sr. Juíza a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada nos seguintes termos:
«Para efeito do disposto no art.º 617.º do Código de Processo Civil, consigna-se não se vislumbrar a causa da alegada nulidade da decisão recorrida, pelos motivos que, sucintamente, se referem.
É certo que o processo já havia sido apresentado a despacho antes de ser proferida a decisão em causa, mas destinando-se o determinado, ainda, à apreciação liminar.
Isto porque, para além do requerimento executivo inicial, o Exequente havia apresentado requerimento de cumulação sucessiva, questões que, como veio a constar da decisão ora recorrida, se impunham fossem apreciadas conjuntamente – e sendo que se concluiu não se tratar de cumulação sucessiva, por não existir título diverso do inicialmente apresentado, mas antes ampliação do pedido.
O primeiro despacho era do seguinte teor:
“Notifique o Exequente para, no prazo de 10 dias, melhor esclarecer a sua pretensão de cumulação sucessiva, uma vez que o título apresentado coincide com parte do título apresentado com o requerimento que deu início à execução.
Prazo: 10 dias.”.
O segundo tinha o seguinte conteúdo:
“Requerimento de 18-09, com o esclarecimento de 15-10:
Dê conhecimento ao Sr. AE.
Notifique.”.
Por conseguinte, não se saiu do âmbito da apreciação liminar.
Por outro lado, a execução segue a forma sumária. Tivesse o Executado sido ou não citado, e, na primeira hipótese, tivesse ou não exercido o direito de opor-se à execução quando da citação após penhora de bem, a apreciação liminar sempre teria ainda possibilidade de ter lugar, e, no caso concreto, tal apenas teve oportunidade após apresentação pelo Exequente de um requerimento de cumulação. Os trâmites para apreciação das questões suscitadas não poderiam ser outros, em observância do princípio do contraditório.»

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir consiste em saber se, no momento processual em que o fez, podia a Sr.ª Juíza a quo ter proferido despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo inicial.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório que antecede, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

O DIREITO
Está apenas em causa no recurso a questão da extemporaneidade da decisão proferida, e não a apreciação dos fundamentos invocados para rejeitar parcialmente o requerimento executivo.
Estipula o nº 1 do artigo 734º do CPC que «[o] juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo».
No processo executivo, «podendo existir uma intervenção liminar do juiz, não está prevista propriamente uma fase de saneamento. Assim se compreende que as questões que porventura poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas que, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento devam ser objeto de uma intervenção atípica. A mesma pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes. Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art. 734º, nº 1»[1].
No caso dos autos, apesar da entrega ao exequente de determinada quantia na sequência da penhora de saldo de conta bancária do executado e da inexistência de oposição à execução e à penhora, decidiu-se indeferir liminar e parcialmente a execução pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, acima reproduzidos.
Ora, o legislador ao considerar que o juiz pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º do CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, estabelece como limite «até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados», assim “sacrificando” a verificação de alguma exceção que determinaria uma decisão formal, pelo interesse mais relevante e a que se destina a execução, ou seja, a ressarcibilidade do crédito do exequente.
Com efeito, estabelecendo-se que será até à transmissão dos bens penhorados, isso pressupõe que o executado já tenha sido citado e deste modo, tenha tido a oportunidade de, em sede de oposição, invocar os fundamentos que também poderiam ter determinado o indeferimento da execução.
E não se diga que «a apreciação liminar sempre teria ainda possibilidade de ter lugar, e, no caso concreto, tal apenas teve oportunidade após apresentação pelo Exequente de um requerimento de cumulação», uma vez que «[o]s trâmites para apreciação das questões suscitadas não poderiam ser outros, em observância do princípio do contraditório».
Em primeiro lugar, a apreciação de um requerimento de cumulação de execuções não pode ignorar o comando legal do nº 1 do artigo 734º do CPC, que apenas permite o indeferimento liminar do requerimento executivo até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
Em segundo lugar, no que tange ao princípio do contraditório, o mesmo foi devidamente observado, tendo o executado sido citado no âmbito da execução, não tendo, porém, deduzido oposição, invocando os fundamentos que poderiam ter determinado o indeferimento parcial da execução.
Em suma, no momento em que o fez, não podia o Tribunal a quo ter conhecido da inexistência de título executivo relativamente a determinadas quantias peticionadas na execução, devendo esta prosseguir não apenas para pagamento das quantias devidas a título de quotas de condomínio e juros, mas também das quantias peticionadas no requerimento executivo inicial, a título de honorários e despesas de contencioso e respetivos juros.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão proferida em 29.06.2021, no segmento em que indeferiu liminarmente o requerimento executivo inicial, na parte respeitante às quantias pedidas a título de honorários (€ 640,00), e despesas de contencioso (€ 144,16), e respetivos juros, determinando o prosseguimento da execução também para pagamento destas quantias.
Sem custas.
*
Évora, 11 de novembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020 – Reimpressão, p. 97. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5ª edição, pp. 164-165. Na jurisprudência, inter alia, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.12.2018, proc. 7686/15.0T8LSB.L1-6, de 28.04.2016, proc. 7262-13.1TBOER.L1-6, e os acórdãos da Relação de Guimarães de 10.09.2020, proc. 956/14.6TBVRL-T.G1 e de 11.02.2021,proc. 5023/20.0T8VNF.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.