Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
715/16.1T8ENT-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
2. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
3. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
4. A actualização da morada é um ónus do cliente bancário e a falta de cumprimento do mesmo é da sua responsabilidade. Caso seja endereçada a correspondência para a morada que foi efectivamente disponibilizada ao banco tem de se considerar cumprida a obrigação de notificação para os termos do PERSI.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 715/16.1T8ENT-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J3
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente execução para pagamento de quantia certa intentada por “Caixa Geral de Depósitos, SA” contra (…), esta não se conformou com o teor do despacho que indeferiu o pedido de procedência da exceção dilatória de incumprimento das diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, nos termos do disposto nos artigos 12º e 13º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro de 2012. Pretendia ainda que fosse determinada a suspensão de todas as diligências de venda de imóvel.
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A executada (…) não deduziu oposição à execução mediante embargos e formulou a referida pretensão em articulado avulso, por requerimento datado de 09/04/2019, apresentado quando estavam em curso as diligências de venda de um imóvel onde diz ter instalada a casa de morada de família.
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Em 02/05/2019 a Meritíssima Juíza «a quo» proferiu despacho a ordenar a notificação da sociedade exequente para, no prazo de 15 dias, se pronunciar quanto ao alegado, «nomeadamente se, in casu, deu cumprimento ao PERSI, previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro».
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Em 09/04/2019, a executada veio reiterar o anteriormente requerido, alegando uma situação de urgência, uma vez que que «foi notificada de que foi designado o dia 30 de Maio de 2019, pelas 12:00 horas para arrombamento/ tomada de posse (mudança de fechadura) do imóvel».
Assim, para além do anteriormente requerido, pretendia que fosse dada sem efeito a diligência de arrombamento.
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Em 20/05/2019, a Caixa Geral de Depósitos pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão, referindo que «a integração no PERSI foi comunicada aos Executados, no dia 01/01/2013, conforme Docs. 1 e 2 que se juntam e que, tal como os restantes documentos, se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, juntamente com um documento explicativo, em linguagem simples e clara, sobre os procedimentos adotados no âmbito desta integração, em claro cumprimento do artigo 19.º do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro».
A exequente apresentou quatro documentos comprovativos da sua tese. Num deles pode ler-se que, em 01/01/2013, a executada (…) foi notificada pela Caixa Geral de Depósitos de que estava integrada no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento prevista pelo Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro. Noutro suporte é comunicado o encerramento do PERSI.
A notificação foi enviada para Rua da (…), nº 25, em Benavente.
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A executada (…) não impugnou esses documentos nem deduziu incidente de falsidade.
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Por decisão datada de 24/06/2019, o Juízo de Execução do Entroncamento lavrou a seguinte decisão: «tendo em consideração o teor da resposta da Exequente e documentação por si junta (requerimento que foi notificado nos termos do disposto no artigo 221º do Código de Processo Civil sem que tenha sido, de alguma forma, impugnado) e uma vez que não nos encontramos no âmbito de incidente declarativo de embargos, indefiro o requerido pela Executada a 09/05/19, determinando o prosseguimento dos autos».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões:
«1. Foi a Executada (…) quem arguiu o incumprimento por parte da Exequente “Caixa Geral de Depósitos, SA” do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), que consiste numa exceção dilatória de conhecimento oficioso e que importa a absolvição da Executada da Instância, por Requerimento de 09/04/2019.
2. Ao invocar tal exceção, cumpriu a Executada a notificação entre mandatários nos termos do artigo 221.º do CPC.
3. Volvido um mês, isto é, em 9 de Maio de 2019, a Executada reiterou tal pedido de apreciação da exceção atendendo à dinâmica do processo executivo e sob pena de o mesmo avançar de forma irreversível antes de tal decisão.
4. A Mmª Juiz a quo, por despacho ref.ª 5839160, notificou a Exequente em 10/05/2019, para no prazo de 15 dias se pronunciar quando à exceção invocada, nomeadamente se deu cumprimento ao PERSI, previsto no DL nº 227/2012, de 25 de outubro.
5. Ao dar cumprimento ao referido despacho a Exequente estava a exercer o seu direito ao contraditório no que respeita aos factos alegados pela Executada, os quais consubstanciam uma condição objetiva de procedibilidade para a Execução, importando o seu desrespeito a absolvição da instância da Executada por procedência da exceção dilatória inominada insanável e de conhecimento oficioso.
6. Assim a Exequente por Requerimento de 20 de Maio de 2019, contra-alegou os factos anteriormente alegados pela Executada, dizendo em suma que deu cumprimento ao PERSI e juntando documentos que alegadamente o provam.
7. Não era processualmente admissível novo requerimento apresentado pela Executada em resposta ao requerimento referido no ponto anterior porquanto seria “contestar o já contestado”.
8. Ao proferir o despacho de que se recorre, violou a Mm.ª Juiz a quo o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (artigos 3º e 4º do CPC).
9. Cabe ao Juiz no âmbito do dever de gestão processual que se lhe impõe promover “oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação”, adotando “mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” (art.º 6º CPC).
10. Uma vez que estamos fora da “normal” tramitação processual e perante Requerimentos sui generis, cabe ao Juiz promover as diligências necessárias à justa composição do litígio.
11. A violação do princípio da igualdade e do contraditório perpetrada pelo Tribunal a quo consistiu no facto de não ter sido dado igual prazo à Executada para exercer o contraditório à semelhança do prazo que havia sido concedido à Exequente para responder ao alegado pela Executada.
12. Tal violação dos princípios do contraditório e da igualdade vertidos nos artigos 3º e 4º do CPC, consubstancia a pratica de uma nulidade processual.
13. Não é claramente percetível qual o objeto da decisão uma vez que do Requerimento de 09/05/19 constam três pedidos, sendo que dois deles mais não são que uma reiteração do já anteriormente requerido em 09/04/19 e o douto despacho de que se recorre apenas diz “indefiro o requerido pela Executada a 09/05/19, determinando o prosseguimento dos autos”.
14. Fica assim a ora Recorrente sem saber se o que se indefere é apenas o primeiro pedido ou se o indeferimento abrange a exceção invocada, o que torna a decisão ininteligível e consequentemente nula, nos termos da al. c) do artigo 615º do CPC.
15. Não obstante, cabia à Exequente o ónus de provar a existência das comunicações exigíveis no âmbito do PERSI, do seu envio e da sua receção pelos executados no momento da alegação dos factos, que foi in casu o Requerimento da Executada de 20 de Maio.
16. Tal não foi provado porquanto é sabido e deveria ter sido oficiosamente apreciado que essa prova só pode ser feita através da junção dos avisos de receção das comunicações exibidas.
17. A simples exibição de uma fotocópia de um documento, que pode ser feita em qualquer altura, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio.
18. Os elementos existentes nos autos permitem concluir que a Executada nunca pode ter sido notificada, porquanto as comunicações juntas estão endereçadas a uma morada que não é a sua.
19. Não foram pela Exequente, juntos aos autos os documentos Registo e Aviso de Receção, comprovativos quer do envio, quer da receção pela Executada, ónus que lhe era imposto.
20. Deste modo, estamos perante um vício de prova documental não suprível por via de prova testemunhal.
21. Pelo exposto conclui-se que a exceção dilatória é procedente.
22. Tratando-se de exceção dilatória de conhecimento oficioso, arguível a todo o tempo e existindo nos autos duas versões contraditórias dos mesmos factos, não podia o douto Tribunal a quo deixar de decidir a exceção invocada com base nos elementos existentes nos autos, especificando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de procedência ou improcedência da exceção.
23. A comunicação de Início do PERSI deve ser acompanhada de documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012 (art.º 7º do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal) o que a Exequente também não logrou juntar nem demonstrar o seu envio, mesmo tendo sido notificada para tal.
24. O que só por si, demonstra também, que a Exequente não cumpriu o PERSI, de acordo com os requisitos estabelecidos na Lei.
25. Não podia, assim, o Douto Tribunal a quo deixar de tomar em consideração todos os elementos constantes dos autos e apreciar a exceção dilatória invocada, sendo certo que o douto despacho ref.ª 81360769 de que se recorre, não se pronunciou objetivamente quanto à matéria da exceção alegada.
26. Tal configura a nulidade prescrita na alínea d) do art.º 615º do CPC, porquanto a Mmª Juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre a exceção dilatória, quando o deveria ter feito.
27. Mas ainda que se entenda que o douto despacho de que se recorre apreciou a exceção invocada, considerando-a improcedente, ainda que erradamente, não se pode deixar de entender que tal decisão carece de fundamentação, o que consubstancia a nulidade ínsita na al. b) do já citado artigo 615º do CPC.
28. De modo que deve agora o Douto Tribunal ad quem revogar o douto despacho ref.ª 81360769, substituindo-o por outro que considere a invocada exceção dilatória procedente, absolvendo os Executados da Instância».
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Houve lugar a resposta, que concluiu pela manutenção da decisão.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da:
i) nulidade por não cumprimento do princípio do contraditório.
ii) nulidade por falta de fundamentação.
iii) nulidade por omissão de pronúncia.
iv) errada interpretação do Tribunal recorrido quanto aos efeitos da não integração da dívida no plano Persi.
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III – Matéria de facto:
A matéria de facto com interesse para a justa resolução da causa está referida no relatório inicial, aqui se dando por integralmente reproduzida.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da violação do princípio do contraditório:
Na leitura de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre o princípio do contraditório «é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»[1].
Na realidade, como projecção do princípio do contraditório e da igualdade das partes respectivamente precipitados nos artigos 3º e 4º do Código de Processo Civil, a parte pode pronunciar-se sobre qualquer questão controvertida.
Da análise do histórico do processo resulta que o Tribunal «a quo» decidiu notificar o ilustre mandatário da exequente, com o objectivo de, em 15 dias, se pronunciar sobre o requerimento formulado pela executada.
A resposta em causa não introduziu matéria inovadora no objecto da causa, apenas negou a versão apresentada pela contraparte e sustentou essa discordância com a apresentação de documentação comprovativa.
A notificação entre as partes obedeceu à disciplina impressa nos artigos 221º[2] e 255º[3] do Código de Processo Civil, dando assim cumprimento à exigência processual inscrita no artigo 427º[4] do mesmo diploma. E, na respectiva sequência, a executada não impugnou a genuinidade dos documentos[5] e, consequentemente, não requereu a produção de prova sobre os mesmos nos termos admitidos pelo artigo 445º[6] do Código de Processo Civil. Também não se mostrou contestada a autenticidade ou força probatória do suporte documental [7] nem arguiu a sua falsidade[8].
Isto é, a executada optou não exercitar esse direito ao contraditório e, assim, no contexto da disciplina aplicável, a possibilidade de pronúncia ficou precludida por culpa própria e não por motivo relacionado com a actividade jurisdicional da administração da justiça.
Mesmo que o conhecimento da iniciativa não tivesse sido obtido através de comunicação específica emitida pelo próprio Tribunal, a notificação realizada pela parte contrária ao abrigo do estatuído nos artigos 221º e 255º do Código de Processo Civil é bastante para os efeitos provisionados nas normas relacionadas com os princípios acima convocados.
Não existe assim qualquer violação do princípio do contraditório.
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4.2 – Nulidade por falta de fundamentação:
As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (artigo 154º, nº 1, do Código de Processo Civil, como corolário da injunção constitucional precipitada no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa).
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil]. E a referida disciplina é extensivamente aplicável aos despachos.
Seguindo em absoluto a lição de Alberto dos Reis, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[9]. No mesmo sentido se posicionam Antunes Varela[10] e Lebre de Freitas[11].
A falta de fundamentação só é causa de nulidade quando for absoluta e «o dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil»[12] (versão anterior do CPC, a que corresponde actualmente o nº 4 do artigo 607º).
No caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida, inexistindo assim, sem cuidar da bondade e validade dos mesmos, uma situação de falta absoluta de fundamentação.
Efectivamente, face à natureza do procedimento, uma vez que não se tratava de conhecer uma excepção em sede de despacho saneador ou de sentença, afigura-se bastante a posição expressa pela Meritíssima Juíza de Direito quando avança que: «tendo em consideração o teor da resposta da Exequente e documentação por si junta (requerimento que foi notificado nos termos do disposto no artigo 221º do Código de Processo Civil sem que tenha sido, de alguma forma, impugnado) e uma vez que não nos encontramos no âmbito de incidente declarativo de embargos, indefiro o requerido pela Executada a 09/05/19, determinando o prosseguimento dos autos».
Questão diversa é se aquilo que consta do corpo decisório representa a solução jurídica adequada ao caso concreto. Porém, essa operação de subsunção e de integração jurídica fica reservada para o local próprio, aquando da abordagem da eventual existência de erro sobre a apreciação jurídica efectuada.
Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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4.3 – Da nulidade por omissão de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A recorrente entende que o Tribunal «a quo» violou a sobredita norma. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz em denegação de justiça.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Na esteira do preconizado por Alberto dos Reis há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. Na realidade, «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[13].
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[14].
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[15] [16].
É jurisprudência consolidada e absolutamente pacífica que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o Tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras[17].
E na hipótese vertente existe uma identidade absoluta entre as pretensões deduzidas pelas partes e a matéria solucionada pelo Tribunal e, por conseguinte, ainda que de forma sumária, aquilo que é dito a propósito da ausência de elementos que possam invalidar ou colocar em causa o juízo anteriormente realizado é suficiente para concluir que não existe omissão de pronúncia.
E não existe igualmente qualquer decisão ininteligível, porquanto é perfeitamente compreensível para qualquer destinatário normal que é indeferida na totalidade a pretensão apresentada em juízo composta pelo pedido de suspensão do arrombamento e da venda em curso, bem como da questão da excepção arguida.
Deste modo, a recorrente sabe perfeitamente qual foi a decisão de indeferimento e julga-se assim improcedente a nulidade convocada.
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4.4 – Do erro de direito [Do incumprimento da notificação obrigatória prevista no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)]:
O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».
Em acréscimo, o artigo 2º, nº 1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
O citado Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que:
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior”.
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Feita a transcrição das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante, passemos à apreciação jurídica da decisão.
O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:
i)uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.
ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis). E, finalmente,
iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora».
A integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os seus pressupostos e a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI , conforme decorre do disposto no artigo 18º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 227/2012.
A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constituí violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
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A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
Aliás, a pretensão deduzida pela recorrida assenta na fundamentação e nas conclusões do acórdão subscrito por este mesmo colectivo de Juízes Desembargadores, que, em decisão datada de 06/10/2016, introduziu a questão da falta da notificação dos devedores e garantes do pagamento como uma questão de falta de condição objectiva de procedibilidade.
Essa posição já foi por nós renovada no acórdão datado de 31/01/2019 e tem sido objecto de jurisprudência concordante noutras decisões do Tribunal da Relação de Évora, como por exemplo daquelas que foram proferidas em 28/06/2018 – que está citada no requerimento da executada – 02/05/2019 ou 16/05/2019, as quais podem ser consultadas em www.dgsi.pt.
Porém, a questão judicanda não é exactamente essa. Na verdade, aquilo que se discute nesta sede é simplesmente apurar se foi cumprida a obrigação de notificação expressa no diploma legal sub judice, tanto no plano do meio utilizado, como na matéria do (não) envio da correspondência para a morada da aqui recorrente.
Na situação vertente, a integração no PERSI foi comunicada aos Executados, no dia 01/01/2013 e, posteriormente, foi igualmente notificada a decisão de extinção da medida.
As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
A este respeito e com total razão, também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, ao referir que «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente»[18].
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice.
Adicionalmente, a recorrente afirma que as cartas estão endereçadas para «uma morada que não é sua». A matéria da remessa da correspondência para uma morada onde não habita corresponde a uma questão nova, que não foi suscitada antes da prolação da decisão recorrida.
Numa perspectiva dinâmica, fora do quadro das excepções legais, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[19]. No mesmo sentido pode ser consultado Nuno Pissara[20].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[21] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao Tribunal recorrido[22] [23].
Deste modo, a matéria introduzida ex novo não é susceptível de ser apreciada em sede de recurso. Na realidade, esta questão apenas foi apresentada formalmente a juízo já depois de ter sido proferido o despacho recorrido, essa última decisão não está aqui em apreciação e não foi sequer impugnada judicialmente por via recursal.
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Todavia, mesmo que não se perfilhasse deste entendimento formal, ainda assim no plano substancial a solução jurídica seria idêntica. Efectivamente, ao não trazer qualquer prova demonstrativa de que as notificações foram efectuadas para uma morada errada, ter-se-ia que concluir que, tal como fez a Caixa Geral de Depósitos, «estas correspondem às moradas do conhecimento da Exequente, fornecidas pelos Executados, sem que tenha existido actualização dos respectivos dados».
Tratava-se de um ónus de provar determinado facto ou determinada afirmação e que corria por conta da recorrente, não tendo essa realidade sido aqui demonstrada. Era à executada que incumbia também a responsabilidade pela alteração dos seus dados pessoais essenciais em caso de modificação do local de residência. E não está comprovado que, à data do início e da extinção do PERSI, a morada da executada não fosse aquela para onde foram enviados os documentos de suporte.
A actualização da morada é um ónus do cliente bancário e a falta de cumprimento do mesmo é da responsabilidade da executada. Caso seja endereçada correspondência para a morada que foi efectivamente disponibilizada ao banco tem de se considerar cumprida a obrigação de notificação para os termos do PERSI. E na situação concreta não foi disponibilizado qualquer elemento fáctico que permita concluir que existe culpa da entidade bancária no envio da correspondência para morada distinta ou que esta tinha conhecimento que o real domicílio da executada não correspondia àquele que estava sediado na correspondente base de dados.
Em síntese final, da análise do suporte documental apresentado pela Caixa Geral de Depósitos resulta que, ao contrário do propugnado pela Recorrente, a instituição bancária deu cumprimento às vinculações de integração e de extinção do PERSI. E, assim, o Tribunal «a quo» apreciou correctamente a excepção invocada e considerando-a improcedente, indeferindo os pedidos efectuados pela Recorrente.
Desta sorte, julga-se improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 21/05/2020

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário


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[1] Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 7.
[2] Artigo 221.º (Notificações entre os mandatários das partes):
1 - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos no artigo 255.º
2 - Sem prejuízo da informação sobre a alteração do patrocínio constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência do processo comunica o seu domicílio profissional e endereço de correio eletrónico ao mandatário judicial da contraparte.
[3] Artigo 255º (Notificações entre os mandatários):
As notificações entre os mandatários judiciais das partes são realizadas pelos meios previstos no n.º 1 do artigo 132.º e nos termos definidos na portaria aí referida, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
[4] Artigo 427.º (Notificação à parte contrária):
Quando o documento seja oferecido com o último articulado ou depois dele, a sua apresentação é notificada à parte contrária, salvo se esta estiver presente ou o documento for oferecido com alegações que admitam resposta.
[5] Artigo 444.º (Impugnação da genuinidade de documento):
1 - A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.
2 - Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido.
3 - No mesmo prazo deve ser feito o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original ou com a certidão de que foi extraída.
[6] Artigo 445.º (Prova)
1 - Com a prática de qualquer dos atos referidos no n.º 1 do artigo anterior, o impugnante pode requerer a produção de prova.
2 - Notificada a impugnação, a parte que produziu o documento pode requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade, no prazo de 10 dias, limitado, porém, em 1.ª instância, ao termo das alegações orais.
3 - A produção de prova oferecida depois de designado dia para a audiência final não suspende as diligências para ela nem determina o seu adiamento; se não houver tempo para notificar as testemunhas oferecidas, ficam as partes obrigadas a apresentá-las.
[7] Artigo 446.º (Ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento):
1 - No prazo estabelecido no artigo 444.º, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento, a subscrição de documento particular por pessoa que não sabia ou não podia ler sem a intervenção notarial a que se refere o artigo 373.º do Código Civil, a subtração de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário.
2 - Se a parte só depois desse prazo tiver conhecimento do facto que fundamenta a arguição, pode esta ter lugar dentro de 10 dias a contar da data do conhecimento.
3 - A parte que haja reconhecido o documento como isento de vícios só pode arguir vícios supervenientes, nos termos do número anterior, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos da lei civil.
[8] Artigo 447.º (Arguição pelo apresentante):
1 - A arguição da falsidade parcial de documento, bem como da inserção, em documento particular assinado em branco, de declarações só parcialmente divergentes do ajustado com o signatário, podem ser feitas pelo próprio apresentante que se queira valer da parte não viciada do documento.
2 - O apresentante do documento pode também arguir a falsidade superveniente deste, nos termos e no prazo do n.º 2 do artigo anterior.
[9] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 140.
[10] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição – Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 687.
[11] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 670.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2007, in www.dgsi.pt.
[13] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[14] Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[15] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 141.
[16] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.
[17] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2004 e 02/12/2013, in www.dgsi.pt.
[18] Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 05/11/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[19] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[20] Nuno Andrade Pissara, “O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, págs. 287 e seguintes, acessível no site http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra.
Neste enquadramento visa-se evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se prejudique o normal andamento da causa.
[21] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[22] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[23] Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica: No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».