Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
921/11.5TAPTM.E1
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: QUEIXA CONTRA INCERTOS
MAIORIDADE
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I. Apresentada tempestivamente queixa contra incertos, por factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de natureza semi-pública, se for deduzida acusação contra determinada pessoa que, em sede de instrução, não é pronunciada, mantém o MºPº legitimidade para deduzir acusação contra terceiro, pelos mesmos factos, no âmbito de um outro inquérito instaurado com base em certidão extraída do processo anterior;

II. Sendo a queixa apresentada pelo representante legal do menor, se entretanto o mesmo atingir a maioridade, a legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal mantém-se, sem necessidade de ratificação da queixa formulada ou de apresentação de uma nova.[1]
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. Nos autos de inquérito que, com o nº 921/11.5TAPTM, correm seus termos nos serviços do Ministério Público da comarca de Portimão, a arguida FR, com os demais sinais dos autos, foi acusada pelo MºPº da prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p.p. pelo artº 148º, nºs 1 e 3, ex vi do artº 144º, als. a), b) e c), ambos do Cod. Penal.

A arguida requereu a abertura de instrução e, no despacho liminar, o Mº JIC assim decidiu:

«1. O Tribunal é competente.
2. Da verificação de uma questão prévia que obsta à prossecução dos autos: A falta do pressuposto positivo da punição.

Apreciando.

Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação imputando à arguida a autoria do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. artigo 148°, nºs 1 e 3, com referência às alíneas a), b) e c) do artigo 144°, ambos do Código Penal.

A mesma disposição legal consagra, no seu nº 4, uma excepção ao princípio da oficialidade ao determinar que «o procedimento criminal depende de queixa», vd. artigos 48° e 49°, nº 1 do Código de Processo Penal.

A queixa, nas palavras de Figueiredo Dias [2], «é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respectivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada».

Ora, os presentes autos, apesar de serem compostos, em parte, com uma certidão, por sua vez, não integral de um outro processo que findou mediante a prolação de um despacho de não pronúncia (o proc. nº 2787/07.0TAPTM), constituem a instauração ex novo de distinto e autónomo procedimento criminal [3] pelo Ministério Público e, desta feita, em face de MF.

Porém, não se vislumbra, nestes autos, nem no seu início, nem no seu decurso, qualquer manifestação de vontade por banda do ofendido, contemporânea e legitimadora, para permitir o exercício acção penal que ora se intentou mediante a dedução da acusação pública, por factos ocorridos com o ofendido em 8 de Setembro de 2007.

Razão porque falece a legitimidade ao Ministério Público para promover o exercício da acção penal mediante a dedução da acusação, nos termos conjugados do artigo 148°, nº 4 do Código Penal e artigos 48º e 49°, nº 1, ambos do Código de Processo Penal.

3. Decisão.

Em face do exposto falta um pressuposto positivo da punição - a queixa - que obsta à prossecução autos, nomeadamente, ao recebimento do requerimento de abertura de instrução e tramitação posterior, e determina, ao invés, o arquivamento dos mesmos.
Notifique».

Inconformada, recorreu a Magistrada do MºPº, pedindo a revogação do despacho recorrido e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 14 de Outubro de 2011, em que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal determinou o arquivamento dos presentes autos por não existir queixa.

Os presentes autos têm na sua origem uma certidão extraída do NUIPC 2787/07.0TAPTM, os quais tiveram início com a queixa apresentada por I., legal representante de M, nascido em 8 de Outubro de 1992, contra desconhecidos, com o fundamento de que na sequência de uma deficiente assistência e diagnóstico prestada no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, em 8 de Setembro de 2007, ao menor, este sofreu a perda de um testículo.

Depois de apurado ter existido um lapso de identificação do autor dos factos ilícitos foi proferido despacho de não pronúncia e o Ministério Público requereu a extracção de certidão desses autos a fim de serem registados, distribuídos e autuados como inquérito para que a investigação prosseguisse.

Os presentes autos não carecem de queixa, pois esta foi apresentada em 15 de Novembro de 2007, como resulta dos autos.

A denunciante, à data da apresentação da queixa, tinha legitimidade para apresentar a queixa e o ofendido, após ter completado os 16 anos de idade, não declarou desejar que fosse posto termo ao procedimento criminal (nº 4 do art. 116º do Código Penal).

Uma certidão é documento autêntico destinado a comprovar os actos dele constantes.

Nos termos do disposto no nº 1 do art. 383º do Código Civil "as certidões de teor extraídas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas, quando expedidas pelo notário ou por outro depositário público autorizado, têm a força probatória dos originais".

Segundo o art. 169º do Código de Processo Penal "consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa" (no mesmo sentido dispõe o nº 1 do art. 371º do Código Civil).

A certidão extraída do NUIPC 2787/07.0TAPTM que deu origem aos presentes autos tem o mesmo valor da queixa original, pelo que se mantém a legitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal.

O Ministério Público na sequência da queixa apresentada, não tem apenas legitimidade para promover o procedimento criminal, tem também a obrigação de o fazer depois de se ter verificado ter havido um erro na identificação do autor dos factos ilícitos.

Após a extracção de certidão a legitimidade do Ministério Público não fica dependente de confirmação por parte do ofendido.

Nos termos do disposto no nº 3 do artº 287º do Código de Processo Penal o requerimento para a abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

O Juiz de Instrução criminal não tem qualquer poder de sindicância sobre o inquérito ou sobre os actos praticados pelo Ministério Público (cfr. art. 268º do Código de Processo Penal a contrario).

Assim, não estando prevista para fase da instrução uma disposição legal equivalente à do nº 1 do art. 311º do Código de Processo Penal, o Mmº Juiz de Instrução Criminal não dispõe de poderes para pôr termo ao processo antes de receber o requerimento apresentado pela arguida.

Os autos não padecem de qualquer vício processual de falta queixa.

O referido despacho viola o disposto no nº 1 do artº 363º, nº 1 do artº 371° e nº 1 do art. 383° do Código Civil, bem como o artº 169°, art. 268° e nº 3 do art. 287° do Código de Processo Penal».

Respondeu a arguida, sustentando a bondade da decisão recorrida e, consequentemente, a improcedência do recurso, chamando a atenção para o facto de, à data em que foi proferido o despacho de não pronúncia no NUIPC 2787/07.0TAPTM, já o ofendido atingira a maioridade, carecendo o Ministério Público, por isso, de legitimidade para, por si só, instaurar procedimento criminal.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pela procedência do recurso, no essencial por adesão à argumentação sustentada na respectiva motivação. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve respostas.

II. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam o âmbito do recurso - artºs 403º e 412º, nº 1 do CPP - cumpre dizer que em discussão nos presentes autos está o saber se o Ministério Público tem, in casu, legitimidade para o exercício da acção penal.

Os factos relevantes para a apreciação dessa questão são os seguintes:

1. Em 15 de Novembro de 2007, I., em representação do seu filho M, nascido em 8/10/1992, apresentou queixa nos serviços do Ministério Público na comarca de Portimão contra desconhecidos.

2. Dizia-se em tal queixa que:

- no dia 8 de Setembro de 2007 o menor e a mãe se dirigiram ao Hospital de Portimão, porquanto aquele se queixava de uma dor intensa no testículo esquerdo;

- o menor foi aí atendido por dois médicos, um deles de nome V e com sotaque estrangeiro e, que decorridos alguns minutos sobre essa observação, o tal médico de nome V lhe comunicou que tinha de ser transferido para Faro, para efectuar uma ecografia testicular e abdominal;

- realizados tais exames e regressado a Portimão, o médico que assistiu o menor informou-o que tinha o epididimo dilatado e prescreveu-lhe medicamentos.

- no dia 10 de Setembro, porque mantinha as dores, o menor deslocou-se ao Hospital de Santa Maria, onde lhe foi dito que tinha uma torção no testículo e que já não era possível salvá-lo, porquanto nestes casos o paciente tem que ser operado nas 6 horas seguintes à ocorrência das primeiras dores;

- o testículo esquerdo do menor acabaria por ser retirado no dia seguinte;

- a hipótese de torção no testículo havia sido colocada pelos médicos que o atenderam no Hospital de Portimão que, contudo, não providenciaram pela intervenção cirúrgica nem prescreveram a realização de um “ecodoppler”, adequado a confirmar a existência da torção.

3. A queixa em causa deu origem ao inquérito nº 2787/07.0TAPTM onde foi deduzida acusação contra MF, a quem foi imputada a prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, porquanto teria sido a mesma, cirurgiã, quem solicitou a realização da ecografia testicular e abdominal, apesar de a mesma não ser apta ao adequado diagnóstico de uma torção testicular, possibilidade levantada pelo médico que assistiu o menor. Nos termos da acusação deduzida, o diagnóstico correcto é realizado através da cirurgia com exploração do conteúdo escrotal, podendo ainda ser realizado através de ecodoppler quando tal não seja susceptível de atrasar o tratamento (a “janela terapêutica” é de apenas 6 horas após o início das dores) sendo que, por se tratar de fim-de-semana, não era possível realizar o ecodoppler no CHBA.

4. Realizada instrução, veio a ser proferido despacho de não pronúncia em 18/3/2011.

5. No debate instrutório que então teve lugar, o MP requereu que fosse “extraída certidão integral de todo o processado para se instaurar inquérito em face de MF, pois que não resulta que a arguida, ao contrário da Dr.ª FR, estivesse de serviço na ocasião (em) que os factos ocorreram”.

6. Extraída e entregue tal certidão em 3 de Maio de 2011, com ela teve início este inquérito (921/11.5TAPTM), no âmbito do qual viria a ser deduzida acusação contra FR, a quem o MºPº acusa da prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, imputando-lhe, no essencial, os factos descritos em 3 supra.

7. A arguida requereu a abertura de instrução e o Mº JIC proferiu, então, a decisão sob recurso.

Posto isto:

O crime por cuja autoria a arguida se mostra acusada tem natureza semi-pública – artº 148º, nº 4 do Cod. Penal.

E quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la o ofendido (artº 113º, nº 1 do Cod. Penal) e, se este for menor de 16 anos, o seu representante legal (nº 4 do mesmo preceito).

À data dos factos (e à data em que foi formulada a queixa de fls. 3 e segs) o ofendido M tinha 15 anos de idade. A queixa deveria, então, ter sido apresentada, como foi, por sua mãe, sua representante legal (porquanto era a ela que estava confiado o exercício do poder paternal, por sentença proferida em 12/4/199 nos autos de regulação do poder paternal nº 19/99 do Tribunal Judicial da comarca de Almada).

A queixa foi apresentada contra “desconhecidos”
.
E nenhum obstáculo existia a que assim fosse.

O ofendido sabe – é essa a sua convicção – que, em consequência de comportamento negligente de médicos que o atenderam, ficou afectado na sua integridade física. Deu conhecimento desse facto ao Ministério Público e manifestou vontade de que este promovesse o respectivo processo.

A identidade dos autores do facto era para ele desconhecida. E nem tinha que ser de outra forma. Como bem se refere no Ac. RG de 25/10/2004 (rel. Tomé Branco), www.dgsi.pt., «resulta das disposições do C.P. e do C.P.P. que regulam o instituto da "queixa" que não é obrigatório que resulte da denúncia, participação ou queixa a identificação dos agentes da infracção.

A identificação do ou dos autores dos crimes há-de resultar, essencialmente, da actividade investigatória, mesmo nos casos como o presente em que o procedimento criminal só tem lugar mediante queixa»
[4].

A apresentação da queixa foi, sem sombra para dúvidas, tempestiva (artº 115º, nº 1 do Cod. Penal).

E porque assim é, havemos de confessar alguma dificuldade em entender a fundamentação do douto despacho recorrido.

Ainda que a queixa tivesse sido apresentada contra pessoa determinada e, a final, se viesse a concluir ser outra a autora do crime, cremos ser consensual o entendimento jurisprudencial de que «o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal contra o autor de crime semi-público, mesmo que a queixa tenha sido apresentada contra outrem» - Ac. RP de 12/5/2004 (rel. Conceição Gomes), www.dgsi.pt.

A apresentação da queixa consubstancia-se com a comunicação do facto ao Ministério Público e a manifestação de vontade de procedimento criminal contra o respectivo autor; foi isso que fez I., em representação de seu filho menor M, bem antes de decorridos 6 meses sobre a prática do facto.

E assim sendo, legitimado ficou o Ministério Público para o exercício da acção penal, independentemente de quem, no decurso do inquérito, se viesse a indiciariamente apurar ter sido o autor da infracção.

Neste sentido, assim se decidiu no Ac. RP de 24/1/2005 (rel. Francisco Marcolino), www.dgsi..pt:

«I – Sendo a queixa apresentada atempadamente, embora contra pessoa diversa daquela que se veio a apurar ter sido a responsável, a mesma mostra-se válida (e) relevante, nomeadamente no sentido de conferir ao Ministério Público legitimidade para o exercício da acção penal.
(…)

IV – Para Figueiredo Dias (Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime, pg. 665), a “queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respectivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (…).” E acrescenta o mesmo autor a fls. 675: “No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto…Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona”.

V – Por outro lado, vem sendo unanimemente entendido que “o conhecimento do facto e dos seus autores, aqui referido (no art.° 115° do CP), é, manifestamente, um simples conhecimento naturalístico, e não judicial, pois estas disposições legais reportam-se a um momento em que não existe ainda acção penal pendente”—Maia Gonçalves in ‘Código Penal Português, anotado e comentado”, 13ª edição, pg. 391.

VI – Por isso é que a jurisprudência – por todos cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 7/6/00, in www.dgsi.pt/isti.nsf. - afirma que o que releva no exercício do direito de queixa, para que o Ministério Público instaure o respectivo inquérito e exerça a acção penal, no caso dos crimes semi-públicos, é o facto susceptível de integrar um crime, sendo este naturalístico, e não judicial, afirmando-se, na sequência: “Se, no decurso do inquérito, se vier a apurar que a identidade do agente é pessoa diversa da denunciada, tal não contende com a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal”».

Trata-se de entendimento a que aderimos, sem quaisquer reservas.

E aqui chegados, resta dizer que o facto de o processo 2787/07.0TAPTM ter terminado com a não pronúncia de uma arguida, nenhum efeito produz sobre a existência ou validade de uma queixa tempestivamente apresentada contra incertos, comunicando a prática de factos alegadamente susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, de natureza semi-pública.

A queixa continua válida e actual, existe, consta dos autos a fls. 3 e segs., está certificada a fls. 2 e não houve renúncia ou desistência da mesma.

O Ministério Público tem, pois, legitimidade para o exercício da acção penal.

Na sua resposta, chama a arguida a atenção para o facto de, à data em que foi proferido o despacho de não pronúncia no proc. 2787/07.0TAPTM, já o ofendido ter atingido a maioridade. E adianta que o MP, atenta tal circunstância, não tinha legitimidade para, por si só, instaurar o procedimento criminal contra si, sem que o referido ofendido tivesse manifestado previamente o seu desejo de procedimento criminal contra ela e que, nessa altura, haviam já cessado os poderes de representação legal do ofendido por banda de sua mãe.

Vejamos:

Estatui-se no nº 6 do artº 113º do Cod. Penal que “se o direito de queixa não for exercido nos termos do nº 4 (…), o ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos”. E acrescenta-se no artº 115º, nº 2 do mesmo diploma que o direito de queixa previsto no nº 6 do artº 113º se extingue “no prazo de seis meses a contar da data em que o ofendido perfizer 18 anos”.

Tudo isto, note-se, “se o direito de queixa não for exercido nos termos do nº 4”. Mas, no caso, foi-o.

Daí que essa questão se não coloque.

Como, salvo o devido respeito, se não devia colocar a concreta questão suscitada pela arguida. Com efeito, à data em que foi apresentada a queixa, a mãe do ofendido tinha poderes para, em nome deste, o fazer. E assim sendo, legitimado ficou o Ministério Público para o exercício da acção penal. Daí que, como em situação idêntica à dos autos se decidiu no Ac. RL de 9/5/2000, CJ ano XXIV, t. III, 135, considerando que os artºs 113º, 115º e 116º do Cod. Penal “não admitem outro modo de extinção do direito de queixa, que não os aí previstos, pelo que materialmente não constitui o caso dos autos (menor que entretanto atinge a maioridade) um caso de extinção do direito de queixa, pelo que tal direito subsiste como legalmente exercido, válido e eficaz, não havendo necessidade de qualquer ratificação ou nova apresentação”.

A concluir:

a) Apresentada tempestivamente queixa contra incertos, por factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de natureza semi-pública, se for deduzida acusação contra determinada pessoa que, em sede de instrução, não é pronunciada, mantém o MºPº legitimidade para deduzir acusação contra terceiro, pelos mesmos factos, no âmbito de um outro inquérito instaurado com base em certidão extraída do processo anterior;

b) Sendo a queixa apresentada pelo representante legal do menor, se entretanto o mesmo atingir a maioridade, a legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal mantém-se, sem necessidade de ratificação da queixa formulada ou de apresentação de uma nova.

O recurso interposto pelo Ministério Público merece, pois, provimento.

IV. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes que integram esta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e declarando que o Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal, ordenando o prosseguimento dos autos.

Sem tributação.

Évora, 11 de Julho de 2013 (processado e revisto pelo relator)
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Sénio Manuel dos Reis Alves
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Gilberto da Cunha
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[1] - Sumariado pelo relator

[2] Apud «Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 1063, pág. 665.

[3] Nem podem valer como reabertura do processo anterior desde logo, e para além de tudo o mais, ante a ausência de despacho nesse sentido tomada pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no artº 279º do Código de Processo Penal.

[4] No mesmo sentido, cfr. Ac. RP de 27/6/2007 (rel. Guerra Banha), www.dgsi.pt.: “O exercício da queixa é um pressuposto de legitimação para a instauração do procedimento criminal, relativamente a certo tipo de crimes (semi-públicos e particulares), como flui das disposições conjugadas dos arts. 113º, nº 1, do Código Penal e 49º, nº 1, e 50º, nº 1, do Código de Processo Penal. Destina-se a permitir dar início ao processo de averiguação criminal, mesmo quando o queixoso ainda não tem conhecimento de quem são os autores dos factos nem pode apresentar provas. É através do conjunto de diligências a realizar no decurso do inquérito instaurado com base na dita queixa que irá permitir “investigar a existência de crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade de cada um deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação” (art. 262º, nº 1, do Código de Processo Penal). De que se infere que a queixa pode ser mesmo apresentada contra desconhecidos, contra incertos ou, tratando-se de comparticipação criminosa, apenas contra alguns dos suspeitos, tornando a lei extensivos aos demais comparticipantes os efeitos da queixa (art. 114º do Código de Processo Penal)”.