Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3175/11.0TBSTR-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É excessiva,em face das circunstâncias do caso, a cláusula de contrato de locação financeira imobiliária, no segmento em que prevê, para o caso de resolução do contrato por causa não imputável ao locador, o pagamento, por parte do locatário, de uma indemnização de 20% do montante das rendas vincendas.
Decisão Texto Integral: Apelação 3175/11.0TBSTR-A.E1 (2ª secção cível)



ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Lda., com sede em (…), 2025-013 (…), (…) e (…), ambos residentes em (…) 2025-013 (…), vieram deduzir oposição à execução que lhes move o Banco (…) – Sociedade Aberta, SA, com sede em Lisboa, alegando, em substância, o seguinte:
- A primeira opoente celebrou com o exequente um contrato de locação financeira imobiliária em 23 de Dezembro de 2010, cujo objecto era um prédio urbano com três pisos sito na Travessa da (…), n.º 13, freguesia de (…), concelho de Óbidos, com duração de 198 meses, valor de € 355.000,00, sendo o valor da 1.ª à 6.ª rendas de € 1.485,97 cada e da 7.ª à 198.ª rendas o valor de € 2.669,91;
- No primeiro trimestre de 2011 a executada começou a sentir dificuldades em cumprir com o pagamento pontual das rendas, tendo dado conhecimento dessa situação ao exequente;
- Em 19 de Julho de 2011 os executados, pro carta registada com aviso de recepção, comunicam ao exequente a sua intenção de proceder à entrega do imóvel, solicitando um prazo de 90 dias para a desocupação do imóvel;
- Por cartas datadas de 29 de Julho de 2011 e 12 de Agosto de 2011 o exequente comunicou aos executados que a resolução do contrato operaria em 28 de Agosto de 2011 e que a entrega voluntária do imóvel deveria ocorrer até 21 de Outubro de 2011;
- O exequente, por carta datada de 19 de Setembro de 2011 comunicou à executada o montante a liquidar referente à resolução do contrato e que serviria de base ao preenchimento da livrança que constitui título executivo;
- Os executados cumpriram com a entrega do imóvel no prazo acordado. No entanto, os executados nunca se conformaram com o valor que lhes era peticionado pela resolução do contrato, e daquele sempre pediram esclarecimentos ao exequente;
- A cláusula 14 do contrato de leasing é nula porque abusiva e desproporcional no contrato entre exequente e executados, celebrado;
- A entrega do imóvel e o pagamento das rendas vencidas e despesas referentes ao contrato compensa o exequente de quaisquer supostos prejuízos que a resolução da locação lhe acarrete, sendo a exigência das rendas vincendas desproporcional aos danos a ressarcir;
- Sendo nula a cláusula referida, nada mais devem os executados ao exequente pela resolução do contrato de locação financeira;
- O exequente calculou de forma errónea o valor da indemnização peticionada, pois encontram-se em dívida 191 rendas, no valor unitário de 52.669,91, acrescido de IVA (= € 3.283,99 cada), no valor global de € 627.242,09, acrescido do valor da indemnização correspondente a 20% sobre o referido valor, o que perfaz o total de € 125.448,42, e não o valor indicado pelo exequente.
Concluindo, peticionam que seja julgada procedente a excepção de nulidade da cláusula 14ª do contrato de locação e que na sequência da declaração de nulidade, seja reduzida a quantia exequenda para o valor das rendas vencidas e não pagas ou, caso assim se não entenda, requerem que seja reconhecido o erro de cálculo indemnizatório e, em consequência, deduzido ao valor da indemnização peticionada o valor de € 9.109,93, e, em consequência, reduzido o valor da quantia exequenda.

Notificado, o exequente veio contestar defendendo a improcedência da oposição, salientando, em síntese:
- A livrança em execução foi entregue como garantia adicional do contrato de locação financeira, subscrita pela locatária e avalizada pelos sócios gerentes, todos executados;
- A cláusula 14ª do contrato de locação financeira não é nula porque não é desproporcionada, uma vez que a indemnização prevista é a fixada na generalidade, se não mesmo em todos os contratos, até por força da intervenção nesta matéria do Banco de Portugal, em 20% da soma dos valores das rendas vincendas, sendo actualmente, em muitos casos, mesmo superior a 20%;
- No caso dos autos, a referida cláusula visa ressarcir a mora na restituição do imóvel em caso de resolução do contrato com fundamento em incumprimento do locatário e da não devolução do bem, uma vez que os locatários, após o incumprimento, continuaram a usufruir do imóvel, em infracção ao acordado;
- Os executados são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas e não pagas (rendas vincendas) e outros encargos bem como o valor da indemnização pelos prejuízos sofridos;
- Com a resolução, e sem prejuízo do dever de restituir ao locador o bem locado, acrescem outros valores em dívida, conforme cálculo correctamente efectuado pelo exequente que os executados nunca puseram em causa.

Saneado o processo e realizada audiência de julgamento veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
“Nestes termos e com os fundamentos supra referidos decido:
a) julgar válida a cláusula 14ª do contrato de locação financeira;
b) julgar totalmente improcedente esta oposição à execução e, em consequência, absolvo do pedido o exequente Banco (…) – Sociedade Aberta, SA.
Custas pelos executados.”
*
Inconformados, vieram os oponentes/executados interpor o presente recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formularem as seguintes «conclusões» [1] que se transcrevem:
“1. Em síntese, os Recorrentes sufragaram que a Sentença ora impugnada merece reparo ou censura, tendo o Tribunal a quo decidido mal, acerca da interpretação conferida à al. c) do Art. 19º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, por erro na subsunção dos factos dados como provados, face à previsão daquele preceito.
2. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Sentença que negou provimento à Oposição à Execução movida pelos Executados/Recorrente contra o Exequente/Recorrido, por entender que, a cláusula 14ª do contrato de locação financeira imobiliária outorgado entre a Recorrente (…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Ld.ª e o Recorrido não era abusiva, e por isso, sendo válida, são devidos os valores relativos ao pagamento da cláusula penal.
3. Sucede que, a Recorrente começou a sentir dificuldades em cumprir pontualmente os termos do referido contrato, a partir de meados do primeiro trimestre de 2011.
4. Pelo que, os Recorrentes entregaram o imóvel objecto de locação ao Recorrido, porém, jamais se resignaram, e com razão, em nosso modesto entendimento como veremos adiante, ainda que em jeito conclusivo, com o valor que lhe foi peticionado, em virtude da resolução do contrato.
5. E isto porque, o valor pecuniário da locação era de cerca de € 355.000,00 (trezentos e cinquenta e cinco mil euros), e o valor patrimonial do prédio objecto de locação corresponde a € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros).
6. Sendo que, foi lavrada uma perícia a fim de apurar o concreto valor patrimonial do imóvel, o qual era de € 411.510,00 (quatrocentos e onze mil e quinhentos e dez euros) em 2011; já o valor patrimonial à data da locação era de € 355.000,00 (trezentos e cinquenta e cinco mil euros).
7. O que apenas evidencia que o imóvel foi valorizado por parte dos ora Recorrentes.
8. Porém, foi ainda fixada no clausulado do contrato, uma cláusula penal, no cujo montante corresponde aproximadamente a cerca de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
9. Ora, com a resolução do contrato de locação financeira imobiliária, os Recorrentes entregaram ao Recorrido o bem objecto de locação;
10. Porém, não se conformam com o pagamento da cláusula penal, sendo a mesma abusiva, como desde já se verifica atendendo aos valores em apreço e ainda às próprias condutas das partes, maxime dos Recorrentes.
11. É que a cláusula 14.ª do contrato, cujo incumprimento serviu de base ao preenchimento da livrança que constitui título executivo nos presentes autos, sobre a epígrafe “indemnização”, impõe como obrigação do locatário, quando a resolução do contrato opere por causa não imputável ao locador, o pagamento das rendas vencidas, despesas vencidas e vincendas, juros de mora e uma indemnização de 20% do montante das rendas vincendas.
12. Pelo que, a inserção desta cláusula é desproporcional e abusiva no contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, pois que, é desconforme quanto aos eventuais danos resultantes da resolução deste contrato.
13. E isto porque, no presente caso, os ora Recorrentes, resolvido o contrato, entregaram o imóvel, na data acordada, como foi dado como provado, e bem, na Sentença impugnada.
14. E com a entrega do locado, o Recorrido já obteve um avultado benefício com o negócio celebrado, dado que locou um imóvel por um valor de € 355.000,00 (trezentos e cinquenta e cinco mil euros), e com a resolução foi-lhe entregue um imóvel cujo valor patrimonial, é, conforme referido, substancialmente superior.
15. Logo, a ser válida a cláusula contratual referente à indemnização pela resolução, os Recorrentes além de ficarem sem o imóvel, ficam ainda em dívida ao Recorrido de quantia avultada, que os onera para o resto da vida.
16. Acresce ainda que, qualquer indemnização tem de ter em vista o ressarcimento de danos.
17. Ora no caso em apreço, a resolução do contrato de locação não acarretou qualquer dano para o Recorrido; que, reitera-se, recebeu um imóvel cujo valor patrimonial é substancialmente superior ao valor da locação.
18. Conquanto, com a entrega do locado e o pagamento de rendas vencidas e despesas referentes ao contrato, vê o Recorrido ressarcidos, quaisquer supostos prejuízos que a resolução da locação para si acarretou.
19. Pelo que, a exigência das rendas vincendas é desproporcional aos danos a ressarcir quando houve a entrega do locado, e, quando os ora Recorrente, perante a situação de incumprimento, desde logo, diligenciaram pela resolução do contrato e entrega efetiva do locado.
20. Com efeito, a cláusula 14ª inserta no contrato de locação financeira imobiliária é manifestamente abusiva, atendendo à desproporcionalidade e ao desequilíbrio implícito no presente contrato.
21. Ademais, a resolução do contrato de locação financeira imobiliária, não determinou qualquer dano ou perda para o Recorrido.
22. Aliás, tal como vimos com recurso à doutrina e à jurisprudência, destacando-se no seio desta última, a apreciação e julgamento de múltiplas questões relativas à interpretação de cláusulas contratuais gerais abusivas, ressaltando o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1998, no qual se considerou que:
- “III – O artigo 19º, alínea c), do DL 446/85, de 25 de Outubro (regime de nulidade das cláusulas contratuais gerais) proíbe as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
IV – Sustentando-se, no âmbito de cláusulas contratuais gerais, a existência de desproporção entre as cláusulas penais previstas e os danos a ressarcir, a questão deverá ser apreciada tendo em atenção, não as consequências previstas no contrato para o não cumprimento, mas apenas as que são em concreto pedidas”.
23. Como também no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2001, em que se considerou-se que:
“Uma cláusula penal, estabelecida num contrato de seguro para o caso de resolução unilateral pelo segurado, que não se relaciona com o risco nem com os custos, deve considerar-se desproporcionada ao dano a ressarcir (artigo 19º, al. c).”
24. Sendo que, no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 2011, concluiu-se que:
- “II A cláusula penal, inserta num contrato de adesão, revestindo a natureza de cláusula contratual geral, deve (ser) analisada à luz da al. c) do art. 19º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 e Outubro segundo o qual “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
III A desproporção exigível na al. c) do citado art. 19º, não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos, devendo entender-se que só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível.
IV Por efeito do incumprimento do contrato, o devedor é responsável pelo prejuízo causado ao credor, nomeadamente nos termos da cláusula penal fixada.
V Com a extinção do contrato, o locatário está obrigado a restituir os bens objeto do contrato de locação.”
25. Por fim, e entre outros, destaque ainda para a Douta Sentença proferida do 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa de 1995.10.12, lê-se que:
- "havendo um incumprimento definitivo por parte do locatário existe uma cláusula excessiva, injusta, desproporcionada quando, para além da restituição imediata do equipamento e do demais previsto na lei, o locador tem direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as vencidas não pagas acrescidas de juros e, ainda, um montante indemnizatório igual a 20% da soma das rendas vincendas, ficando, ainda, ressalvado ao locador o direito de exigir a reparação integral dos seus prejuízos. A cláusula é nula sendo manifestamente desequilibrada e injusta".
26. E ainda o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02 de Maio de 2002, inferiu-se que:
- “I São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais, que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
II Tal proibição, contudo, é relativa, no significado que determinada cláusula inserta em contrato de adesão, é suscetível de ser válida, para certos tipos de contrato e não, já, para outros.
III As valorações necessárias à concretização de tal proibição não devem ser efectuadas de maneira casuística, mas a partir de cláusulas, em si próprias e encaradas no respetivo conjunto, para eles abstractamente predispostas.”
27. Pelo que, e entrecruzando a factualidade subjacente ao caso sub judice, com o regime das cláusulas contratuais gerais, em nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo errou na subsunção da previsão do Art. 19º, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ao desconsiderar os argumentos apresentados pelas Recorrentes, que determinam inexoravelmente uma clara desproporção entre os danos e perdas e a cláusula penal estipulada.
28. Como tal, é por demais evidente que existe uma violação manifesta da dita cláusula aos danos a ressarcir, devendo os mesmos basear-se ou cingir-se ao valor das rendas vencidas não pagas.
29. Aliás, é atendendo ao contexto específico e global do presente contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, e que acima descrevemos, ainda que em jeito conclusivo, que, deveria ter sido levado em linha de conta pelo Tribunal a quo.
30. Nesta esteira, o juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão da norma vertida no Art. 19º, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, deveria ter sido no sentido de integrar neste preceito, a cláusula 14ª do contrato de locação financeira imobiliária.
31. De modo, a sancionar a dita cláusula com o desvalor da nulidade, nos termos gerais do art. 286º do Código Civil, por se tratar de uma cláusula abusiva.
32. Logo, requer-se a declaração de nulidade da clausula 14.ª do contrato de locação celebrado entre as partes e cujo incumprimento, e que deu origem ao preenchimento da livrança que serve de título executivo aos presentes autos.
33. Em síntese, e perante a declaração de nulidade da referida cláusula, e atenta a entrega do locado, nada mais devem os Recorrente ao Recorrido, pela resolução do mesmo.”

Não foram apresentadas contra alegações.
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Apreciando e decidindo

O objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar da validade da cláusula 14ª do contrato de locação financeira em questão nos autos e, para o caso de ser considerada nula, da sua repercussão no peticionado executivo.

No tribunal recorrido foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
1. Nos autos de execução apensa consta como título executivo uma livrança, subscrita pela executada (…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Lda., e avalizada pelos executados (…) e (…), no valor de € 146.724,80, emitida em 15 de Novembro de 2011 e com vencimento em 25 de Novembro de 2011 (alínea a) dos factos assentes).
2. Subjacente à emissão da livrança está a celebração de um contrato de locação financeira imobiliário celebrado entre o exequente Banco (…), SA e a executada “(…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Lda.”, ao qual foi atribuído o n.º (…), datado de 23 de Dezembro de 2010, no valor de € 355.000,00 (alínea B) dos factos assentes).
3. Este contrato de Locação Financeira Imobiliário tinha por objecto o prédio urbano composto por casa com três pisos destinados a comércio e logradouro, sito na Travessa da (…), n.º 13, freguesia de (…), concelho de Óbidos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob o n.º (…), da freguesia de (…), descrito na respectiva matriz sob o artigo (…) (alínea C) dos factos assentes).
4. O prazo de duração contratualmente estipulado era de 198 meses (alínea D) dos factos assentes).
5. O valor contratual da 1.ª renda à 6.ª renda era de € 1.485,97 (mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e noventa e sete cêntimos) (alínea E) dos factos assentes).
6. E da 7.ª à 198.º rendas era de € 2.669,91 (dois mil seiscentos e sessenta e nove cêntimos e noventa e um euro) (alínea F) dos factos assentes).
7. Para garantia do contrato de leasing imobiliário referido os executados entregaram ao exequente “uma livrança de caução, com o montante e data de vencimento em branco, ficando o exequente irrevogavelmente autorizado a completar o seu preenchimento, nomeadamente no que diz respeito à data de vencimento, valor e local de pagamento, quando o entender necessário para a boa cobrança dos seus créditos, encargos e despesas que venha a suportar, logo que deixe de ser cumprida a obrigação caucionada” (doc. 1 junto pelos executados) (alínea G) dos factos assentes).
8. O contrato de Locação Financeira Imobiliário celebrado entre o exequente e a executada “(…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Lda.”, foi resolvido por incumprimento desta (alínea H) dos factos assentes).
9. Face ao verificado incumprimento, o exequente, procedeu ao preenchimento da livrança, em observância ao respectivo pacto de preenchimento (alínea I) dos factos assentes).
10. Os executados, interpelados para pagamento da livrança, não procederam à sua liquidação, até à presente data (alínea J) dos factos assentes).
11. Por carta datada de 2 de Junho e 2011, recepcionada em 30 de Junho de 2011, o Banco (…) interpelou a empresa para liquidar as responsabilidades que se encontravam em mora (alínea L) dos factos assentes).
12. Os executados comunicaram ao exequente, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 19 de Julho de 2011, a impossibilidade em regularizar o valor em mora e a intenção de proceder à entrega do locado, solicitando um prazo de 90 dias para proceder à desocupação do locado (alínea M) dos factos assentes).
13. O Banco exequente por cartas registadas com aviso de recepção de 29 de Julho de 2011, enviadas para a sociedade executada, e recepcionadas, interpelou esta para cumprir as obrigações decorrentes do contrato sob pena da sua resolução definitiva nos termos legais e convencionais (alínea N) dos factos assentes).
14. O exequente, na mesma data, através de cartas de 29 de Julho de 2011, remeteu aos outros executados, garantes, cópia das cartas remetidas à sociedade executada, e que foram por estes recepcionadas (alínea O) dos factos assentes).
15. Por cartas datadas, respectivamente, de 29 de Julho de 2011 e 12 de Agosto de 2011, o exequente comunicou aos executados, que a resolução do contrato operaria em 28 de Agosto de 2011 e que a entrega voluntária do locado deveria ocorrer até 21 de Outubro de 2011 (alínea P) dos factos assentes).
16. O exequente, por carta datada de 15 de Novembro de 2011, comunicou aos executados as cartas registadas com aviso de recepção de interpelação para pagamento, das quais constam para além da data do vencimento do título, o valor da dívida, com a indicação expressa de não sendo as responsabilidades liquidadas até 25 de Novembro de 2011 seriam desencadeados os mecanismos legais com vista à respectiva cobrança judicial (alínea Q) dos factos assentes).
17. O imóvel foi entregue a Banco (…) em 21 de Outubro de 2011, mas os valores em dívida não foram pagos (alínea R) dos factos assentes).
18. Anteriormente, havia sido celebrado, entre a executada “(…) – Comércio de Móveis Novos e Usados, Lda.” e o exequente um outro contrato de locação, que foi resolvido, por acordo, em 23 de Outubro de 2010 (alínea S) dos factos assentes).
19. Por cartas de 19 de Setembro de 2011 e de 3 de Outubro de 2011, recepcionadas, o exequente esclareceu as dúvidas quanto aos valores em dívida no pressuposto da entrega voluntária do imóvel até ao dia 21 de Outubro de 2011 (alínea T) dos factos assentes).
20. Na carta datada de 19 de Setembro de 2011, o exequente comunicou, aos executados, que os valores a liquidar com a entrega do locado seriam:
- rendas em atraso - € 7.308,95 (sete mil trezentos e oito euros e noventa e cinco cêntimos);
- IMI - € 2.186,22 (dois mil cento e oitenta e seis euros e vinte e dois cêntimos);
- juros de mora - € 225,58 (duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos);
- despesas de reavaliação de imóvel - € 473,55 (quatrocentos e setenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos);
- Comissão de penalização por atraso nos pagamentos de prestações - € 184,50 (cento e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos);
- Indemnização Contratual - € 134.558,51 (cento e trinta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos) (alínea U) dos factos assentes).
21. O exequente, quando questionado quanto ao valor peticionado a título de indemnização, veio, mais tarde, reportando-se à cláusula 14.ª do contrato de locação, apresentar o seguinte cálculo:
n.º de rendas vincendas – 191 x valor unitário das rendas – 3.522,47 (três mil, quinhentos e cinte e dois euros e quarenta e sete cêntimos) = € 672.791,77 (seiscentos e setenta e dois mil, setecentos e noventa e um euro e setenta e sete cêntimos) (20% x 672.791,77 = € 134.558,35 (cento e trinta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) (alínea V) dos factos assentes).
22. A cláusula 14.ª do contrato cujo incumprimento serviu de base ao preenchimento da livrança referida em A), sobre a epígrafe “indemnização”, impõe como obrigação do Locatário, quando a resolução do contrato opere por causa não imputável ao locador, o pagamento das rendas vencidas, despesas vencidas e vincendas, juros de mora e uma indemnização de 20% do montante das rendas vincendas (alínea X) dos factos assentes).
23. A sociedade executada, por cartas datadas de 21 de Agosto de 2011 e de 29 de Setembro de 2011 solicitou esclarecimentos ao (…) acerca dos valores a liquidar após a entrega (alínea Z) dos factos assentes).
24. Já no final de 2010 a sociedade executada começou a ter dificuldades económicas em cumprir com o pagamento pontual das rendas (resposta ao artigo 1.º da base instrutória).
25. A sociedade executada deu conhecimento ao exequente das dificuldades financeiras por que passava (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).
26. Iniciaram-se negociações entre a sociedade executada, na pessoa dos seus sócios e gerentes, com o exequente, com vista à entrega do locado e resolução do contrato de locação (resposta ao artigo 3.º da base instrutória).
27. No ano de 2011 o imóvel tinha um valor patrimonial de € 411.510,00 e o valor da locação foi de € 355.000,00 (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).
28. O exequente locou um imóvel por um valor de € 355.000,00, e com a resolução foi-lhe entregue um imóvel de valor patrimonial superior referido em 5) (resposta ao artigo 6.º da base instrutória).
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Conhecendo da questão
Entende o recorrente que o tribunal andou mal em não admitir a nulidade da cláusula 14ª do contrato de locação financeira mobiliária em questão nos autos, no segmento que prevê para o caso de resolução do contrato por causa não imputável ao locador, o pagamento por parte do locatário de uma indemnização de 20% do montante das rendas vincendas.
O Julgador a quo motivou a sua decisão de reconhecer validade à aludida cláusula nos seguintes termos:
“Dispõe esta cláusula (14ª), sob a epígrafe “indemnização” que “a resolução ou caducidade do contrato por força não imputável ao locador, obriga o locatário a pagar a este, para além das rendas vencidas e não pagas, reembolso das despesas vencidas e não pagas e vincendas e devidas pelo locatário e correspondentes juros de mora, uma indemnização de vinte por cento do montante das rendas vincendas”.
Encontramo-nos perante a fixação de uma cláusula penal, ou seja “o montante acordado da indemnização exigível”, consagrada no artigo 810º, nº 1, do Código Civil. Prescreve o artigo 19º, alínea c), do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro: “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que (…) consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.
A proibição (relativa) estabelecida pelo artº 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, depende do quadro negocial padronizado, ou seja, as cláusulas penais em apreço podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto.
A validade desta cláusula penal terá que ser aferida perante o contexto específico e global deste tipo de contrato, tendo em conta a natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os danos previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar. Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2006 (relator Alves Velho), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XIV, tomo I, págs. 145 a 147: “O juízo valorativo sobre a proibição das cláusulas tem de se operar em função das cláusulas tomadas na sua globalidade e de acordo com a generalidade dos padrões considerados, na sua “compatibilidade e adequação ao ramo ou sector da atividade negocial a que pertencem”, excluindo-se uma justiça do caso concreto, como resulta da aludida referência ao “quadro negocial padronizado” (vide Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, 594).
Por outro lado, a previsão da alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pressupõe sempre uma desproporção sensível, não se bastando com uma simples violação – antes exige a violação manifesta.
Ora, na situação dos autos contempla-se, basicamente, através da fixação da dita cláusula penal, o ressarcimento dos montantes gastos com o investimento realizado pelo exequente. Com efeito, o total das rendas previstas para o cumprimento integral do contrato de locação permitiriam ao exequente arrecadar, a esse título, a quantia global de € 355.000,00. Seria este valor, uma vez embolsado, que lhe permitiria realizar o lucro esperado e projectado.
É absolutamente evidente que a utilização daquele imóvel durante o longo período de utilização – 198 meses – traduzir-se-ia, como não podia deixar de ser, numa acentuada desvalorização comercial, tornando-se praticamente inaproveitável no final da locação.
Ou seja, é possível concluir, com toda a segurança, que o gasto/investimento realizado pelo exequente está em relação directa com o integral cumprimento do acordado pela locatária, só assim se tornando verdadeiramente lucrativa a sua actividade. Neste sentido, é de considerar perfeitamente legítima e fundada a expectativa do exequente na manutenção desse mesmo contrato pelo período temporal acordado entre os contraentes, de forma a salvaguardar o investimento realizado e a obtenção do lucro previamente definido, calculado e esperado - sendo certo que tal penalização só será concebível para a cessação culposa do contrato (sem causa justificativa).
É o que igualmente resulta do princípio geral constante do artº 406º, nº 1, do Código Civil: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
Não se vê, neste contexto, motivo para declarar a nulidade da mencionada cláusula contratual com base na sua grave desproporção relativamente aos danos a ressarcir. Note-se que estão em causa os prejuízos que poderão, em abstrato e neste tipo de negócio, advir para o exequente com o incumprimento culposo do contrato de locação por parte da locatária, abrangendo, desde logo e à partida, o próprio investimento que aquele realizou para adquirir tal imóvel. E não se argumente que o imóvel tem valor patrimonial superior ao valor da locação: como consta da resposta ao artigo 5º da base instrutória tal valor foi apurado no ano de 2011, sendo do conhecimento geral que os imóveis, fruto da grave conjuntura económica que atingiu o país a partir do ano de 2011, têm sofrido uma desvalorização acentuada, encontrando-se o mercado imobiliário praticamente “paralisado”.
Não existe, deste modo, fundamento para afirmar a verificação de uma desproporção sensível entre o montante da cláusula penal antecipadamente fixada e os prejuízos suscetíveis de afetar o exequente por via do incumprimento contratual dos executados.
Cumpre ainda salientar que o exequente exerceu legal e validamente o direito à resolução do contrato, em função do (indiscutível) incumprimento culposo da locatária, tendo direito à restituição dos bens locados (artsº 405º, 289º, 433º e 801º do Código Civil). De referir, ainda, que não se encontra, neste âmbito indemnizatório, minimamente em causa o período temporal correspondente ao incumprimento deste contrato (saber se a vigência contratual foi interrompida mais cedo ou mais tarde), assim como não é relevante, para estes efeitos, o total das prestações pecuniárias que a locatária pagou e o que deixou de pagar ao exequente tendo por referência o termo desta relação. Ao invés, o que importa particular e decisivamente ponderar é que foi a locatária quem escolheu, livre e voluntariamente, o prazo de duração do contrato – 198 meses e apenas o cumpriu durante um curto período temporal - menos de um ano –, pagando somente uma pequena parte da contrapartida global correspondente à utilização daquele bem locado.
Daí a plena razoabilidade da cláusula penal fixada que, na sua própria e relativa dureza, comporta uma especial protecção do exequente contra roturas injustificadas e prematuras dum negócio que se prometeu ser para durar largos meses (anos), salvaguardando o custo do investimento realizado e constituindo simultaneamente um fortíssimo incentivo a que se não deixasse cair, salvo motivo ponderoso e atendível, ao fim de menos de um ano, uma relação contratual que ambos os contraentes desejaram e se comprometeram a que fosse duradoura.
Não existe, assim, qualquer desproporção entre os danos e a cláusula penal estipulada. A mencionada cláusula não padece, pois, de nulidade, sendo ao invés plenamente válida.”
Não obstante a posição assumida pelos recorrentes não vemos razões para não corroborar a posição assumida pelo Julgador a quo, no sentido que uma cláusula que fixa em abstracto uma indemnização correspondente a 20% do valor das rendas vincendas é válida por que não é desproporcionada e como tal não é proibida à luz do artº 19º al. c) do Dec. Lei 446/85, de 25/10. [2]
Efectivamente, como é reconhecido e aceite, “na cláusula penal há uma fixação antecipada da indemnização que, em princípio, actuará nos termos acordados, ainda que se não verifiquem ou não se venham a provar quais os danos, o que se explica não só por ter sido essa a vontade que os contraentes expressaram como, principalmente, pela função sancionatória da própria cláusula”. [3]
O que ressalta na cláusula em apreço é o seu carácter sancionatório para compelir o devedor ao cumprimento, tendo sido fixada previamente a indemnização (concretizada em função das rendas vincendas), não existindo o estabelecimento de um limite máximo definitivo e condicionado ao apuramento dos danos. [4]
Também se sabe que “nos contratos de leasing em que, por definição, é elevado o volume de capital aplicado, são significativos os riscos assumidos; daí que importe ao locador dissuadir os contraentes do incumprimento, seja pela previsão de cláusulas resolutivas, seja, a título complementar, através da fixação de cláusulas de natureza penal”,[5] sendo que “o locador não tem que provar os danos concretos a que corresponde a previsão da cláusula penal, a qual tem expressamente por escopo a fixação prévia, por acordo das partes, do montante indemnizatório»” [6] pelo que a constituição dos ora apelantes na obrigação de pagar ao ora apelado, devido à resolução do contrato de locação financeira entre ambas celebrado, a indemnização contratualmente prevista, de montante correspondente a 20% das rendas vincendas, não estava dependente da efetiva prova, por parte deste, do real montante dos prejuízos que a resolução do contrato, por virtude do incumprimento definitivo do mesmo por parte da locatária financeira, lhe acarretou em concreto.
Por isso, temos para nós que no quadro negocial concreto de locação financeira o estipulado na aludida cláusula 14ª, mesmo tendo em atenção a cláusula geral da boa-fé, na sua vertente proibição do excesso, não se pode ter por abusiva e como tal inválida.
No entanto, não sendo a cláusula penal nula por desproporcionada aos danos a ressarcir, haverá que ponderar perante o caso concreto, se a mesma não é, contudo, manifestamente excessiva em face do acervo factual dado como provado por tal susceptível de redução, nos termos do artº 812º do CC. [7]
Pois, como se salienta no citado Ac. do STJ de 09/02/1999, embora os embargantes não alegassem expressamente que a cláusula penal excede manifestamente o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (811º, n.º 3, do CC) tal não obsta a que tal problemática seja apreciada, pois, não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica operada pelas partes e havendo que perscrutar qual o efeito jurídico que pretendido obter (e isso é conseguirem desobrigar-se do pagamento da concreta quantia pedida pelo exequente a título de indemnização), não deve aqui excluir quer a anulabilidade (se negócio usurário for) quer a redução da cláusula (se cláusula penal fosse, como é, e satisfizer os requisitos para tanto). A mesma conclusão se pode ainda atingir pelo carácter imperativo da norma do art. 812º, n.º 1, do CC onde se fere de nulidade qualquer estipulação em contrário da redutibilidade da cláusula penal.
Como salienta Rui Pinto Duarte [8] “só perante cada situação de resolução é possível apurar se a cláusula é manifestamente excessiva. Dos direitos que a resolução gera para o locador pode resultar lucro ou prejuízo relativamente ao que se verificaria se o locatário cumprisse. Depende do valor do capital em dívida à data da resolução e do valor pelo qual o locador aliene, a terceiros, o bem objeto da locação financeira (ou, se se preferir, do valor de mercado desse bem). Se este valor for maior do que aquele, todo o montante da cláusula penal é um «sobrelucro», que poderá ser considerado manifestamente excessivo.”
Dos factos provados verifica-se que operada a resolução do contrato por incumprimento da locatária, à data da entrega do imóvel, alvo de locação, ao locador, as rendas em atraso e as demais despesas ascendiam ao montante de € 10 375,80, sendo que o imóvel no ano da entrega tinha um valor patrimonial de € 411.510,00, ou seja, superior ao valor à data da locação que foi de € 355.000,00.
Evidencia-se, assim, que existiu uma valorização do imóvel, no montante de € 56 510,00, montante este que comporta as quantias em dívida a título de rendas e despesas, pelo que o montante previsto na cláusula penal (e não só) de deve ter como um “sobrelucro”.
Mas, em face do tipo de contrato em causa, deve considerar-se tal “sobrelucro” como manifestamente excessivo, ao ponto do juiz dever moderá-lo de acordo com a equidade?
Pensamos que sim.
As sociedades de locação financeira são instituições parabancárias que têm como objecto social exclusivo o exercício, da actividade de locação financeira pelo que “a actividade de tais empresas não era (e não é) a de produzir ou comercializar bens, mas sim a de financiar a sua utilização, bem como, por vezes, a sua aquisição – por meio da compra dos mesmos e da sua concomitante locação aos interessados (nalguns casos acompanhada da outorga de uma opção de compra). O mesmo é dizer que a actividade dessas empresas consistia (e consiste) em concessão de crédito”[9] pelo que ao locador não interessará, em princípio, receber o bem de volta, mas antes que o contrato seja cumprido na sua totalidade, donde a imposição da cláusula penal com vista com vista a constranger o locatário de dar motivos para se pôr fim ao contrato, prematuramente, sendo o montante a indemnizar tanto maior, quanto mais cedo esse fim prematuro se tiver por verificado, não obstante a percentagem aplicável ser constante.
A percentagem de 20% sobre as rendas vincendas tem sido acolhida como percentagem regra ou padrão desde o aparecimento deste tipo de contratos, “por força da intervenção na matéria do Banco de Portugal” [10] tendo sido considerada, também pela jurisprudência como uma percentagem adequada ao tipo e contrato em causa, não sendo desproporcionada.
Todavia, no caso em apreço, até pela evidente valorização do imóvel, a quantia indemnizatória em causa nos autos, resulta excessiva, mesmo tendo em conta que o prazo de duração previsto do contrato era de 198 meses e foi prematuramente incumprido pela locatária (ainda não tinham decorrido 12 meses desde o seu início de vigência), o que contraria de certo modo a actividade da locadora caracterizada pela celebração de contratos de financiamento a médio e longo prazo (no caso, através do uso de um bem), que não verá como normal e não passível de dano, o incumprimento por parte do locatário na face inicial do contrato.
Sem esquecermos que “o controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se tão só, para proteger o devedor de iniquidades de credores, mas, não já para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultando que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos” não há dúvida que se tem como verificada uma situação em que o locador recebe uma quantia considerável como “sobrelucro”, o que aliada às outras circunstâncias contratuais, deve bastar para considerar a cláusula manifestamente excessiva, não se evidenciando, apenas, uma “pena superior ao dano” mas revelando “uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada”. [11] Pois, o locador ficou com o bem locado, em valor significativamente superior ao valor à data da celebração do contrato de locação financeira (o que não era previsível, face à normalidade das circunstâncias de uso e fruição do locado que geralmente conduzem a verificação de desvalorização considerável), e numa situação muito mais vantajosa daquela que ocorreria se o contrato tivesse sido cumprido na totalidade.
Por isso conciliando a autonomia privada que releva na celebração dos contratos com os superiores ditames da justiça material e da boa-fé, em especial, e procurando um justo equilíbrio, diremos que estamos em presença de um contrato de locação financeira imobiliária, sendo que o valor do investimento realizado pela locadora é nos termos contratuais de € 355.000,00 (v. clº. 6ª das condições particulares do contrato de locação financeira). Se o contrato chegasse ao seu termo sem incumprimentos ou mora a locadora teria recebido do locatário a quantia de € 528.638,54, (correspondente ao valor das rendas durante os 198 meses do contrato a crescido do valor residual o imóvel, no montante de 7.100,00). Mas no fim do contrato perdia a propriedade do imóvel no valor de € 355.000,00, atendendo à opção de compra pelo valor residual de € 7.100,00 (v. artº 3º das condições gerais e clª 5ª das condições particulares do contrato de locação financeira.). Significa isto que o rendimento obtido (que não o lucro) pelo exequente se o contrato chegasse ao seu termo seria, no máximo, de € 173.638.54. Ora, pelas rendas vencidas até à resolução do contrato o exequente obtém um rendimento de € 14.881,91 e se somarmos a este montante o resultante da cláusula penal, no valor de € 134.558,35, teríamos que nos poucos meses que durou o contrato, a autora obteria um rendimento de € 149.440,26, ou seja, apenas, cerca de € 24.000,00 abaixo do rendimento bruto que tinha a expectativa jurídica de obter ao longo dos dezasseis anos se o contrato chegasse ao seu termo sem incidentes. Acresce, a isto, que ainda fica com a propriedade do bem imóvel no valor de € 411.510,00 (superior em € 56.500,00 ao valor inicial atenta a valorização que o mesmo sofreu), que pode vender ou locar e assim realizar novos rendimentos. Desta demonstração, pode concluir-se, sem grande margem de erro, que a autora não teve prejuízo com este negócio e consequentemente a cláusula penal estabelecida, revela-se em concreto manifestamente excessiva pelo que se impõe a sua redução em 50% do seu valor. [12]
Nestes termos procede parcialmente o recurso.
*
DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que julgou totalmente improcedente a oposição à execução, determinando-se, apenas, a parcial improcedência da oposição nos termos supra referidos, de modo que o valor da quantia exequenda seja reduzido de acordo com redução operada no segmento indemnizatório referente à cláusula penal.
Custas por apelantes e apelado na proporção de metade.

Évora, 09 de Julho de 2015
Mata Ribeiro

Sílvio Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura

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[1] - Consignámos conclusões entre aspas, porque o ilustre mandatário dos recorrentes limita-se a fazer um “resumo”, em trinta e três artigos com várias citações jurisprudenciais, da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas - v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25 e Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.
[2] - v. - Ac. do STJ de 15/12/1998, no processo 98A1090, in www.dgsi.pt/; Ac. do STJ de 09/02/1999, no processo 99A001, disponível in www.dgsi.pt.; Ac. do STJ de 16/05/2000, no processo 00B285, in www.dgsi.pt/
[3] - v. Ac. do STJ de 09/02/1999, no processo 99A001, disponível in www.dgsi.pt.
[4] - v. ac. do TRP de 10/03/2005 no processo 0531112, disponível em www.dgsi.pt.
[5] - v. Ac. do STJ de 09/02/1999, no processo 99A001, disponível in www.dgsi.pt.
[6] - v. Ac. do STJ de 15/12/1998, no processo 98A1090, in www.dgsi.pt/.
[7] - “A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”
[8] - in O Contrato de Locação Financeira – Uma Síntese, 45-46.
[9] - v. Rui Pinto Duarte in O Contrato de Locação Financeira – Uma Síntese, 4-5.
[10] - v. Rui Pinto Duarte in O Contrato de Locação Financeira – Uma Síntese, 45.
[11] - v. João Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 272-274.
[12] - V. Ac. do TRE de 26/03/2015, no processo 1476/13.1TBPTM-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.