Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/09.1GDMRA-B.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso de o incidente em que foi decidida a prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão ter radicado no incumprimento das obrigações decorrentes do Plano de Inserção Social e do regime de prova, e não sendo, na altura, conhecida nos autos a existência de outros processos pendentes por crimes praticados durante o período da suspensão da execução da pena decorrido até ao momento da prolação dessa decisão de prorrogação, não existe qualquer impedimento legal a que possam ser tomadas em consideração, para efeitos de revogação da suspensão, as condenações, transitadas em julgado, no âmbito desses processos, por factos praticados durante o período da suspensão da execução da pena, em momento anterior ao da prolação da decisão de prorrogação do período de suspensão e de que houve conhecimento no processo posteriormente ao trânsito em julgado dessa decisão de prorrogação, não existindo qualquer violação do caso julgado, do despacho que venha a revogar a suspensão tendo por fundamento o cometimento desses crimes.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1 – RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo comum em referência, foi o arguido (...) julgado e condenado, por sentença proferida em 19/06/2012, transitada em julgado a 07/02/2014, pela prática, em 19/08/2009, em coautoria, de um crime de violência depois da subtração, p. e p. pelos artigos 210º, n.º 1 e 211º, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na respetiva execução, por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova e subordinada ao pagamento da quantia de €46,80, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 30/04/2012 até integral pagamento à Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.E. e ao pagamento ao ofendido (...) da quantia de €300,00, no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado da sentença.
1.2. Na sequência de relatório elaborado pela DGRSP, datado de 22/06/2015, dando conta que o arguido (...) não comparecia nas entrevistas agendadas, não cumprindo o Plano de Reinserção Social e o regime de prova que acompanhava a suspensão da execução da pena, tramitado o respetivo incidente de incumprimento, que terminou com o despacho proferido em 01/03/2016, transitado em julgado em 08/04/2016, decidindo determinar a prorrogação do período da suspensão da execução da pena pelo período de um ano.
1.3. Por despacho proferido em 09/11/2019 foi revogada a suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b), do Código Penal, e determinado o cumprimento pelo arguido da pena de prisão em que foi condenado.
1.4. Inconformados, o arguido/condenado e o Ministério Público recorreram de tal despacho, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões:
1.4.1. O arguido/condenado:
«1. O arguido praticou os factos que constituem o objecto destes autos há mais de uma década;
2. No dia 01/03/2016, o período da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado foi prorrogado por mais um ano;
3. O fundamento para a prorrogação decidida radica no incumprimento, por banda do arguido, da obrigação de pagamento de indemnizações a favor do Ofendido e da USLBA, bem como do regime de prova;
4. No hiato temporal que decorreu entre 01/03/2016 e 07/04/2017 (término do período da suspensão), o arguido cumpriu, na íntegra, as obrigações a que se encontrava adstrito;
5. No entanto, o Mmº Tribunal só apreciou a situação processual do arguido em 09/11/2019, mais de 2 anos e meio após o término do período da prorrogação;
6. No caso da situação processual do arguido ter sido apreciada tempestivamente, em Abril de 2017, nenhuma das condenações posteriores poderia ser tomada em conta para efeitos de revogação da suspensão, considerando as respectivas datas de trânsito em julgado;
7. No caso vertente, o arguido é assim claramente prejudicado pelo atraso no andamento da Justiça,
8. O que é inaceitável num Estado de Direito;
9. O arguido é, assim, para além de vítima de si próprio, vítima dos atrasos na administração da Justiça;
10. Achando-se, pois, cumpridas as obrigações cujo incumprimento esteve na origem da prorrogação da suspensão da pena, deve a mesma ser julgada extinta;
11. A antiguidade dos factos, a idade jovem do arguido e o percurso positivo em termos de formulação de juízo crítico e interiorização do desvalor da sua conduta só vêm reforçar o entendimento de que a pena deve ser julgada extinta.
É, em suma, quanto me parece.
Melhor dirão V/ Exas. e assim se fará Justiça.»
1.4.2. O Ministério Público:
«1 – Nos presentes autos foi proferida decisão datada de 09.11.2019, com a referência 30688057, que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido (...) foi condenado nos presentes autos, ao abrigo do disposto pelos artigos 56.º, n.ºs 1, al. b), e n.º 2 do Código Penal, e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sendo desta decisão que se recorre.
2 – Conforme resulta da douta decisão recorrida “por sentença proferida em 18/06/2012, transitada em julgado em 07/02/2014, foi o arguido (...) condenado pela prática, em 19/08/2009, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, e 211.º do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, e com a obrigação de o arguido, conjuntamente com os demais arguidos, proceder ao pagamento integral da indemnização devida à demandante Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, e de o arguido entregar ao ofendido (...) a quantia de € 300,00 e comprovar tais pagamentos no processo (fls. 321-323 e 398).
Por despacho proferido em 01/03/2016, transitado em julgado em 08/04/2016, foi determinada a prorrogação do período da suspensão pelo período de um ano (fls. 619-620).”
3 – Para além disso, resulta da douta decisão recorrida o seguinte:
Do relatório final de acompanhamento da medida (de fls. 698-699), extrai-se que o arguido se mostrou colaborante com os serviços da DGRSP, tem vindo a melhorar a sua consciência crítica face ao crime cometido e “tem interiorizado o sentido da pena mais pelo receio das consequências judiciais do que por interiorização do desvalor social e moral da conduta”.
Por outro lado, o arguido procedeu ao pagamento de € 300,00 ao ofendido (cfr. fls. 529), e a indemnização devida ao demandante Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE mostra-se igualmente paga (cfr. fls. 843 verso).
Porém, compulsado o certificado de registo criminal do arguido entretanto junto aos autos, verifica-se que:
1. Por sentença proferida em 31/10/2017, transitada em julgado em 22/05/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 07/05/2015, de um crime de burla informática e nas comunicações e de dois crimes de furto qualificado, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
2. Por sentença proferida em 30/04/2018, transitada em julgado em 20/05/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 13/12/2015, de um crime de roubo qualificado, na pena de 4 anos de prisão efectiva;
3. Por sentença proferida em 16/01/2018, transitada em julgado em 26/04/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 01/06/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período;
4. Por sentença proferida em 24/04/2018, transitada em julgado em 18/06/2018, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 28/09/2017, de um crime de furto simples e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão efectiva (cfr. CRC de fls. 980-988).”
4 – Desta forma, para fundamentar a revogação a suspensão da execução da pena de prisão, a Mmª Juiz considerou que “no período da suspensão, o arguido voltou a cometer novos crimes (pontos 1 a 3), assumindo particular destaque, atenta a natureza do tipo de ilícito em causa e as penas aplicadas, as condenações pela prática do crime de burla informática e nas comunicações e dois crimes de furto qualificado, mas sobretudo, o crime de roubo qualificado.
Pese embora tais condenações se reportem a factos praticados no período inicial da suspensão, não podem as mesmas deixar de ser devidamente ponderadas, sobretudo atendendo a que tais condenações apenas muito posteriormente vieram ser proferidas e a transitar em julgado (2019), não tendo, por conseguinte, sido consideradas aquando da decisão de prorrogação do período de suspensão.
Constata-se, portanto, que na última condenação proferida relativa a factos ocorridos no período da suspensão (no âmbito do processo …) o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 4 anos de prisão efectiva.”
5 – Dito isto, verifica-se que o Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação dos artigos 55.º al. d), 56.º e 57.º, todos do Código Penal.
6 - O Tribunal a quo interpretou os referidos artigos no sentido de permitirem que findo o período da prorrogação se possa revogar a suspensão por força de condenação por factos ocorridos no período inicial da suspensão e que só foram conhecidos nos autos numa fase posterior.
7 - Todavia, consideramos que tendo ocorrido decisão de prorrogação, transitada em julgado, não pode ser revogada a suspensão com base em condenação sofrida nesse período inicial, devendo a análise predominante atender ao período da prorrogação, sem prejuízo de uma análise global do comportamento e percurso do arguido, em especial da situação atual.
8 – Dessa forma, entendemos que a decisão da prorrogação da suspensão por novo período tem um valor idêntico às demais, no sentido de transitar em julgado e determinar uma apreciação do período inicial que não pode ser modificada.
9 - Assim, se nos casos em que o Tribunal declara extinta a pena e, após o trânsito em julgado, é conhecida a pendência de um inquérito por factos ocorridos no período da suspensão ou mesmo uma condenação transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada e não pode ser proferida nova decisão que contrarie aquela decisão transitada em julgado, também consideramos que goza da mesma força a decisão de prorrogação transitada em julgada.
10 - Neste sentido, não podia a Mmª Juiz proferir um despacho cujo conteúdo na prática significou uma nova apreciação de um período que que tinha sido objeto de despacho anterior proferido por Mmª Juiz, quando o poder jurisdicional já estava esgotado quanto ao período em causa.
11 - O Tribunal a quo ao proferir o despacho recorrido violou o caso julgado, tratando-se de uma exceção dilatória que se traduz num pressuposto processual negativo que impedia uma nova apreciação daquela matéria anteriormente decidida.
12 - Desta forma, ao decidir de forma diversa da ora preconizada, a Douta Decisão recorrido violou o disposto nos artigos 55.º, al. d), 56.º e 57.º, todos do Código Penal, e o artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
13- Na condenação sofrida durante o período da prorrogação verifica-se que ainda foi realizado um juízo de prognose favorável ao arguido, tendo sido aplicada pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.
14 - Pelo exposto, deverá ser proferida Douto Acórdão que revogue a Douta Decisão recorrida e que declare extinta a pena aplicada ao arguido (...).
Contudo, Vªs. Exªs. Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.»
1.5. Os recursos foram regularmente admitidos.
1.6. O Ministério Público, junto da 1ª instância, apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido/condenado, pronunciando-se no sentido de dever ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão recorrida e declarada extinta a pena em que o ora recorrente foi condenado nos autos.
1.7. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de os recursos deverem ser julgados improcedentes.
1.8. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.9. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto dos recursos
Como é sabido, as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação de recurso que respetivamente apresentaram, a única questão suscitada e que há que decidir é a de saber se, ao invés do decidido no despacho recorrido, não deve ser revogada a suspensão da execução da pena em que o recorrente foi condenado no processo referenciado e se deve ser declarada a extinção de tal pena.
2.2. Despacho recorrido
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
Da pena de prisão suspensa na sua execução
Por sentença proferida em 18/06/2012, transitada em julgado em 07/02/2014, foi o arguido (...) condenado pela prática, em 19/08/2009, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, e 211.º do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, e com a obrigação de o arguido, conjuntamente com os demais arguidos, proceder ao pagamento integral da indemnização devida à demandante Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, e de o arguido entregar ao ofendido (...) a quantia de € 300,00 e comprovar tais pagamentos no processo (fls. 321-323 e 398).
Por despacho proferido em 01/03/2016, transitado em julgado em 08/04/2016, foi determinada a prorrogação do período da suspensão pelo período de um ano (fls. 619-620).
Encontra-se decorrido o período da suspensão (terminou a 07/05/2017).
Das declarações do arguido, tomadas em sede de audição de condenado, em 05/09/2019, resulta que o mesmo se encontra preso desde há 1 ano e 2 meses (tendo por referência a data de 05/09/2019), no Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde trabalha no refeitório. Sobre os factos praticados nos autos referiu que os mesmos ocorreram quando era novo e não tinha consciência dos seus actos, mas que o período de reclusão lhe permitiu reflectir sobre a sua vida, manifestando intenção de quando terminar o cumprimento efectivo de pena encontrar um trabalho.
Idos os autos com vista ao Ministério Público, este pronunciou-se no sentido da prorrogação da suspensão, pelo período de 1 ano, atentas as condenações sofridas pelo arguido no período da suspensão, com especial destaque para a condenação sofrida no período da prorrogação.
A Defesa pronunciou-se no sentido da extinção da pena, alegando que o ilícito dos presentes autos foi praticado há 10 anos, quando o arguido era muito jovem, invocando que as condições de suspensão da execução da pena – pagamento da indemnização cível à USLBA e indemnização do ofendido – foram cumpridas, e salientando ainda que o arguido se encontra a cumprir pena de prisão efectiva desde Julho 2018, o que lhe permitiu, “finalmente”, interiorizar a gravidade da sua conduta e formular um juízo crítico que permita, uma vez colocado em liberdade, não voltar a cometer crimes.
De acordo com o disposto pelo artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
Por seu turno, dispõe o art. 56.º do Código Penal:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Mais prevê o art. 55.º, al. d), do mencionado diploma, que “se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal (…) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º ”.
Deste preceito decorre que a prorrogação do período de suspensão tem as seguintes condicionantes:
- O prazo da prorrogação tem como limite a metade do prazo inicialmente fixado;
- É necessário que essa metade corresponda ao mínimo de 1 ano;
- O prazo da suspensão acrescido da prorrogação não pode exceder o prazo máximo da suspensão (5 anos).
Da conjugação destes requisitos decorre que o período de suspensão da execução da pena apenas pode ser prorrogado por uma única vez, até metade do prazo de suspensão inicialmente fixado, mas sem que exceda o prazo máximo (5 anos) de suspensão admissível (cfr. neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 10/11/2010, proc. 335/01.5TBTNV-H.C1, disponível em www.dgsi.pt, o qual, embora proferido a propósito de infracções tributárias, mantém, nesta sede toda a pertinência).
Assim, cumpre desde já notar, que no caso vertente, uma vez que foi já determinada a prorrogação do período da suspensão, fica arredada a possibilidade de ser determinada uma segunda prorrogação, pelo que as hipóteses a equacionar são a extinção da pena ou a revogação da suspensão com o inerente cumprimento efectivo de pena.
A prática de um crime durante o período da suspensão da execução da pena de prisão só deve constituir causa de revogação, quando essa prática, em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros), demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (ac. da Relação de Coimbra de 11/09/2013, proc. 20/10.7GCALD-B.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, a prática de um crime doloso durante o período de suspensão da execução da pena não implica a revogação automática da suspensão, tornando-se necessário que o arguido demonstre com o seu comportamento que as finalidades subjacentes à suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, infirmando definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro (cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Guimarães de 19/10/2015, proc. 1607/11.6PBBRG.G1, e da Relação de Coimbra de 12/04/2018, proc. 175/09.3GCFVN-A.C1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Por outro lado, tem-se entendido que, em princípio, apenas a condenação posterior em pena de prisão efectiva constitui fundamento de revogação da suspensão, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostram que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido (neste sentido, cfr. os acórdãos da Relação de Évora de 06/01/2015, proc. 23/08.1GCFAR.E1, e da Relação de Coimbra de 07/04/2016, proc. 26/14.7GCTND.C1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Vejamos.
Do relatório final de acompanhamento da medida (de fls. 698-699), extrai-se que o arguido se mostrou colaborante com os serviços da DGRSP, tem vindo a melhorar a sua consciência crítica face ao crime cometido e “tem interiorizado o sentido da pena mais pelo receio das consequências judiciais do que por interiorização do desvalor social e moral da conduta”.
Por outro lado, o arguido procedeu ao pagamento de € 300,00 ao ofendido (cfr. fls. 529), e a indemnização devida ao demandante Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE mostra-se igualmente paga (cfr. fls. 843 verso).
Porém, compulsado o certificado de registo criminal do arguido, entretanto junto aos autos, verifica-se que:
1. Por sentença proferida em 31/10/2017, transitada em julgado em 22/05/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 07/05/2015, de um crime de burla informática e nas comunicações e de dois crimes de furto qualificado, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
2. Por sentença proferida em 30/04/2018, transitada em julgado em 20/05/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 13/12/2015, de um crime de roubo qualificado, na pena de 4 anos de prisão efectiva;
3. Por sentença proferida em 16/01/2018, transitada em julgado em 26/04/2019, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 01/06/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período;
4. Por sentença proferida em 24/04/2018, transitada em julgado em 18/06/2018, no âmbito do processo (…), que correu termos no presente Juízo de Competência Genérica de Moura, o arguido foi condenado pela prática, em 28/09/2017, de um crime de furto simples e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão efectiva (cfr. CRC de fls. 980-988).
Constata-se, portanto, que no período da suspensão, o arguido voltou a cometer novos crimes (pontos 1 a 3), assumindo particular destaque, atenta a natureza do tipo de ilícito em causa e as penas aplicadas, as condenações pela prática do crime de burla informática e nas comunicações e dois crimes de furto qualificado, mas sobretudo, o crime de roubo qualificado.
Pese embora tais condenações se reportem a factos praticados no período inicial da suspensão, não podem as mesmas deixar de ser devidamente ponderadas, sobretudo atendendo a que tais condenações apenas muito posteriormente vieram ser proferidas e a transitar em julgado (2019), não tendo, por conseguinte, sido consideradas aquando da decisão de prorrogação do período de suspensão.
Constata-se, portanto, que na última condenação proferida relativa a factos ocorridos no período da suspensão (no âmbito do processo …) o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 4 anos de prisão efectiva.
Na sentença proferida no âmbito desses autos ficou demonstrado que no dia 13/12/2015, entre as 14h15m e as 14h45m, o aqui arguido juntamente com outros indivíduos introduziram-se no interior da habitação de um casal de sexagenários, empunhando um deles uma arma branca, que se assemelhava a uma faca de cozinha, com cerca de 20 a 25 cm de lâmina, tendo um dos indivíduos (não se tendo apurado qual) apontando a faca a um dos ofendidos, enquanto os outros dois o rodearam e agarraram pelos braços, ao mesmo tempo que lhe exigiam dinheiro, tendo tal faca acabado por perfurar a mão do ofendido quando este se defendia. Mais ali se apurou que, de seguida, os arguidos percorreram as dependências da habitação, tendo sido surpreendidos pela ofendida mulher, tendo-a empurrado e feito cair desemparada no chão, gritando-lhe, exigindo-lhe dinheiro. Os arguidos apoderaram-se de cerca de € 1.600,00 em notas, uma espingarda de caça e 4 telemóveis.
Verifica-se, pois, que pouco tempo após ter transitado em julgado a condenação sofrida nestes autos em pena de prisão suspensa na sua execução, o arguido veio a cometer um crime de roubo agravado, com contornos violentos.
Ao agir da forma descrita, o arguido revelou absoluto desinteresse para com a sua situação processual e, sobretudo, incapacidade de manter uma conduta conforme ao Direito.
Na verdade, não só desprezou a confiança em si depositada através da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, como ainda veio a praticar, durante o período da suspensão, entre outros, um ilícito da mesma natureza (crimes contra o património cujo tipo integra o exercício de violência), crime este grave e causador de elevado alarme social, pelo qual foi condenado na pena de 4 anos de prisão efectiva.
Acresce que, tomadas declarações ao arguido, o mesmo limitou-se a justificar que praticou o crime dos autos quando era muito novo e não pensava nos seus actos, nada tendo justificado quanto à sua conduta posterior.
Para além disso, do relatório social relativo ao final do acompanhamento da medida extrai-se que o arguido não interiorizou devidamente o desvalor social e moral da sua conduta.
Assim, em face das considerações tecidas, impossível se torna concluir que as finalidades pretendidas com a suspensão fixada tenham sido alcançadas, antes resultando definitivamente infirmado o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, pelo que entendemos que se encontram reunidos os pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos.
Em face do exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido (...) foi condenado nos presentes autos, ao abrigo do disposto pelos artigos 56.º, n.ºs 1, al. b), e n.º 2 do Código Penal, e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
(…).»

2.3. Factos e ocorrências processuais com relevância para a decisão a proferir:
1- Na sequência de relatório elaborado pela DGRSP, datado de 22/06/2015, dando conta que o arguido (...) não comparecia nas entrevistas agendadas, não cumprindo o Plano de Reinserção Social e o regime de prova que acompanhava a suspensão da execução da pena, tramitado o respetivo incidente de incumprimento, que terminou com o despacho proferido em 01/03/2016, transitado em julgado em 08/04/2016, decidindo determinar a prorrogação do período da suspensão da execução da pena pelo período de pelo período de um ano (cf. fls. 103 a 106 da certidão que instrui os presentes autos);
2 - Em janeiro de 2017 foi comunicado aos autos que no âmbito do processo n.º (…), foi deduzida acusação, em 14/01/2017, contra o arguido (...), imputando-lhe a prática nos dias 7 e 20 de maio de 2015, de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do CP e de dois crimes de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221º do CP (cf. fls. 109 a 111);
3 - Por despacho proferido em 08/02/2017, deferindo a promoção do Ministério Público, foi determinado que, atendendo à certidão do despacho de acusação proferido contra o arguido (...) e bem assim o disposto no artigo no artigo 57º, n.º 2, do CP, que os autos aguardassem pelo trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo n.º (…). Mais foi determinado que decorrido o prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, que se oficiasse ao identificado processo, solicitando informação sobre o estado do mesmo e, sendo caso, nota do trânsito em julgado (cf. fls. 112 e 113);
4 - Após obtida a informação com referência aos autos de inquérito n.º (…) supra referenciados em 2, de que estava a decorrer o prazo para requerer a abertura da instrução, foi proferido despacho em 07/06/2017 determinando que se aguardasse o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida no mesmo processo, nos termos do disposto no artigo 57º, n.º 2, do CP (cf. fls. 123 a 126);
5 - Em junho de 2019, foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 31/10/2017, transitada em julgado em 22/05/2019, no âmbito do processo n.º (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Moura, na qual o arguido foi condenado pela prática, em 07/05/2015 e em 20/05/2015, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova e subordinada à condição de o arguido proceder à entrega aos Bombeiros Voluntários de Moura, da quantia de €400,00 (cf. fls. 166 a 185);
6 - Também em junho de 2019, foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 30/04/2018, transitada em julgado em 20/05/2019, no âmbito do processo n.º (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Moura, na qual o arguido foi condenado pela prática, em 13/12/2015, como coautor, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão efetiva (cf. fls. 186 a 204);
7 - Foi designada data para a audição do condenado, que teve lugar no dia 05/09/2019 (cf. fls. 206 e 207);
8 - Em outubro de 2019, foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 16/01/2018, transitada em julgado em 26/04/2019, no âmbito do processo n.º (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Moura, na qual o arguido foi condenado pela prática, em 01/06/2016, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova (cf. fls. 230 a 242);
9 - O Ministério Público promoveu que fosse declarada extinta a pena em que o arguido foi condenado nos autos, tendo após cumprido o contraditório, a Senhora Juiz a quo proferido, em 09/11/2019, o despacho ora recorrido, revogando a suspensão da execução daquela pena de prisão e determinado o cumprimento efetivo pelo arguido da pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão em que foi condenado.

2.4. Apreciação dos recursos
Defendem os recorrentes, respetivamente, o arguido/condenado e o Ministério Público, que não deve ser revogada a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão em que o arguido foi condenado nos autos em referência, pugnando para que tal pena seja declarada extinta.
Para fundamentar tal pretensão, o Ministério Público sustenta que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 55º, al. d), 56º e 57º do Código Penal, no sentido de permitirem que findo o período de prorrogação do período de suspensão da execução da pena, se possa revogar a suspensão por força de condenação por factos ocorridos no período inicial da suspensão e que só foram conhecidos nos autos numa fase posterior. Defende o recorrente que, tendo sido proferida decisão de prorrogação, transitada em julgado, não pode, naquela situação que foi atendida pelo Tribunal a quo, ser revogada a suspensão da execução da pena, o que se traduz numa nova reapreciação de um período que tinha sido objeto de despacho anterior, quando o poder jurisdicional já estava esgotado, quanto ao período em causa, existindo violação do caso julgado. Assim e por que a condenação sofrida pelo arguido durante o período da prorrogação, no âmbito do processo n.º (…), foi realizado um juízo de prognose favorável ao arguido, tendo-lhe sido aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respetiva execução, por igual período de tempo, impõe-se, no entender do Ministério Público recorrente, que seja declarada extinta a pena em que o arguido foi condenado nos autos.
Por sua vez, o arguido/recorrente, manifesta que a decisão de revogação da pena é demasiado tardia, porquanto o Tribunal a quo só apreciou a situação processual do arguido em 09/11/2019, mais de dois anos e meio depois de ter terminado o período da prorrogação da suspensão, sendo que, em Abril de 2017, nenhuma das condenações posteriores podia ser tomada em conta para efeitos de revogação da suspensão, considerando as datas dos respetivos trânsitos em julgado, tendo o arguido sido claramente prejudicado pelo atraso na administração da Justiça, o que é inaceitável no estado de direito, pelo que, tendo o arguido cumprido as obrigações cujo incumprimento esteve na origem da prorrogação da suspensão da execução da pena, deve esta ser declarada extinta.
O Exm.º PGA, no parecer emitido pronuncia-se no sentido de não merecer censura a decisão recorrida, pugnando para que seja mantida.
Apreciando:
Sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 56º, n.º 1, do Código Penal, que:
«A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas
Da citada disposição legal e no que releva para o caso dos autos, resulta que, no caso de o arguido ter praticado, durante o período da suspensão da execução da pena de prisão, crime por que venha a ser condenado, a revogação da suspensão não é automática, só podendo ser decretada se se concluir que, por via de tal condenação, as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram, por meio dela, atingidas.
Assim, no caso vertente, haverá que fazer um juízo sobre se os crimes cometidos pelo arguido, durante o período de suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, por que foi condenado nos autos, revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Porém, não obstante a necessidade de proceder a tal juízo, em face das questões suscitadas pelos recorrentes, Ministério Público e arguido/condenado, respetivamente, sendo o primeiro a de que havendo lugar à prorrogação do período da suspensão da execução da pena, não poderem ser atendidas para efeitos de revogação da suspensão, condenações por factos praticados durante o período inicial da suspensão, ou seja, em momento anterior à prolação do despacho que decidiu pela prorrogação da suspensão e o arguido/condenado/recorrente que se prende com a morosidade da prolação de decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena, decorrido o período da prorrogação, há que apreciar se, na situação concreta, o Tribunal a quo deveria ter declarado extinta a pena.
Vejamos:
Para a apreciação da questão que agora nos ocupa, colhem-se dos autos os seguintes elementos a que importa atender:
- O período de suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos autos de que se trata (Proc. n.º 47/09.1GDMRA), fixada na sentença condenatória em dois anos e três meses e que foi prorrogado, por um ano, por despacho de 01/03/2016, transitado em julgado em 08/04/2016, decorreu de 07/02/2014 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória) até 07/05/2017.
- O incidente que culminou com a decisão de prorrogação do período da suspensão da execução da pena, teve subjacente o incumprimento pelo arguido/condenado das obrigações decorrentes do Plano de Inserção Social e do regime de prova a que ficou submetido.
- Em momento ulterior ao do trânsito em julgado do despacho que decidiu prorrogar o período de suspensão da execução das pena, concretamente em janeiro de 2017, foi comunicado aos autos que no âmbito do processo n.º (…), havia sido deduzida acusação, em 14/01/2017, contra o arguido, imputando-lhe a prática nos dias 7 e 20 de maio de 2015, de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do CP e de dois crimes de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221º do CP.
- Na sequência dessa comunicação foi proferido despacho, em 08/02/2017, determinando, ao abrigo do disposto no artigo 57º, n.º 2, do Código Penal, pelo trânsito em julgado da decisão que visse a ser proferida no processo n.º (…). O trânsito em julgado da sentença condenatória proferida no referenciado processo só veio a ocorrer em 22/05/2019, tendo sido comunicada aos autos de que se trata em junho de 2019, tendo o arguido sido ali condenado pela prática, em 07/05/2015 e em 20/05/2015, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova e subordinada à condição de o arguido proceder à entrega aos Bombeiros Voluntários de Moura, da quantia de €400,00.
- Também em junho de 2019, foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 30/04/2018, transitada em julgado em 20/05/2019, no âmbito do processo n.º (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Moura, na qual o arguido foi condenado pela prática, em 13/12/2015, como coautor, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão efetiva.
- Procedeu-se à audição do arguido/condenado, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP, realizada no dia 05/09/2019.
- Em outubro de 2019, foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 16/01/2018, transitada em julgado em 26/04/2019, no âmbito do processo n.º (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Moura, na qual o arguido foi condenado pela prática, em 01/06/2016, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.
- Depois de obtido o parecer do Ministério Público, o Tribunal a quo decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão, no despacho proferido em 09/11/2019, ora sob recurso.
Deverá, neste quadro, acolher-se a posição defendida pelos recorrentes, respetivamente, o Ministério Público e o arguido/condenado, com os fundamentos sobreditos, no sentido de que a revogação da suspensão da execução da pena não deve ser decretada, devendo ao invés, ser declarada a extinção da pena?
Salvo o devido respeito, desde já se dirá que, em nosso entender, a enunciada questão merece resposta negativa, na dupla vertente em que é suscitada pelos recorrentes.
O incidente do incumprimento que foi decidido pelo tribunal, decidindo prorrogar o período da suspensão da execução da pena, pelo período de um ano, ao abrigo do disposto no artigo 55º, al. d), do CP, teve por fundamento o incumprimento, pelo arguido/condenado, das obrigações decorrentes do Plano de Inserção Social e do regime de prova a que ficou submetido.
Só em momento posterior ao do trânsito em julgado do despacho que decidiu pela prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão, é que foi comunicado aos autos a existência de processo pendente contra o arguido/condenado, por crimes cometidos durante o período da suspensão da execução da pena, situação que levou a que o tribunal determinasse que os autos aguardassem o trânsito em julgado da sentença da decisão final que viesse a ser proferida no processo em causa, ao abrigo do disposto no artigo 57º, n.º 2, do Código Penal. Estatui este preceito legal que: «Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão
Tendo o incidente suscitado nos autos, em que foi decidida a prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão, radicado no incumprimento, pelo arguido/condenado, das obrigações decorrentes do Plano de Inserção Social e do regime de prova a que ficou submetido e não sendo, na altura, conhecida nos autos a existência de outro(s) processo(s) pendente(s) por crime(s) praticado(s) pelo arguido/condenado, durante o período da suspensão da execução da pena decorrido até ao momento da prolação dessa decisão de prorrogação, não existe qualquer impedimento legal a que possa ser tomadas em consideração, para efeitos de revogação da suspensão, a(s) condenação (condenações), transitada(s) em julgado, no âmbito desse(s) processo(s), por factos praticados pelo arguido/condenado, durante o período da suspensão da execução da pena, em momento anterior ao da prolação da decisão de prorrogação do período de suspensão e de que houve conhecimento no processo posteriormente ao trânsito em julgado dessa decisão de prorrogação, não existindo qualquer violação do caso julgado, do despacho que venha a revogar a suspensão tendo por fundamento o cometimento desse crime(s). Não assiste, pois, neste ponto, razão ao Ministério Público recorrente.
E em relação ao fundamento invocado pelo arguido/condenado/recorrente de ser demasiado tardia a prolação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena, também não pode ser acolhido, pelas razões que se passam a explicitar:
O entendimento convocado pelo arguido/recorrente, é defendido pelo Prof. Figueiredo Dias, que escreve[1]: «Não existindo, embora um tal normativo, nem por isso deve deixar de acentuar-se que, por razões evidentes de estadualidade de direito (nomeadamente de segurança, de paz jurídica e de tutela da confiança), o tribunal competente para a revogação ou prorrogação deve decidir sobre estas tão rapidamente quanto possível. Com a consequência de, se a decisão for inadmissivelmente tardia, isso poder constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas
E certo setor da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, vem sufragando esse entendimento, preconizando que não se deve revogar a suspensão da execução da pena de prisão, quando só muito tardiamente o tribunal se pronunciar/decidir, tendo em conta o fim do período de suspensão e a existência de elementos nos autos para se poder proferir decisão nessa matéria[2].
Sem prejuízo de a questão ter de ser apreciada, caso a caso, entendemos que a enunciada orientação é de acolher em situações em que o arguido/condenado, pese embora o cometimento de crime durante o período da suspensão, e ainda que a pena em que foi cominado por este último seja pena privativa da liberdade, o comportamento pelo mesmo assumido, durante o lapso de tempo que mediou entre a condenação pela prática do novo crime e o momento em que o tribunal se pronuncia sobre a pena cuja suspensão foi decretada - no caso de esse interregno ser manifestamente longo, estando o tribunal habilitado a poder decidir em momento muito anterior àquele em que o fez -, revele que está a envidar esforços no sentido de mudar o seu percurso de vida, iniciando o processo de ressocialização em liberdade e afastando-se da prática de crimes.
Não oferecerá grandes dúvidas que, nestes casos, a revogação da suspensão, determinando o efetivo cumprimento da prisão, representaria uma inflexão do processo de ressocialização do condenado, contrariando uma das principais finalidades da punição.
Indubitavelmente, esta não é a situação verificada nestes autos, pois que, findo o período da suspensão da execução da pena, o Tribunal a quo, não estava habilitado a poder decidir sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que se estava a aguardava o trânsito em julgado das decisões proferidas em processos que estavam pendentes por crimes cometidos pelo arguido, durante o período de suspensão da execução da pena, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 57º do CP e em conformidade com o determinado em despachos proferidos nos autos.
Tendo em conta as datas do trânsito em julgado dos processos n.º (…) n.º (…) e n.º (…), respetivamente, 22/05/2019 e 20/05/2019, que foram comunicadas aos autos em junho de 2019, seguindo-se a ulterior tramitação, procedendo-se à audição do arguido/condenado, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 495º, em 05/09/2019 e obtido o parecer do Ministério Público, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, proferida em 09/11/2019, não é demasiado tardia, não podendo a sua prolação ter ocorrido findo o período de suspensão da execução da pena, pelo facto de o tribunal não estar habilitado, por não dispor, nem poder obter os elementos necessários para o efeito.
A acolher-se a posição preconizada pelo arguido/recorrente, na situação que está em causa nos autos, ficaria esvaziado de conteúdo útil a previsão do n.º 2 do artigo 57º do Código Penal.
Improcede, pois, este fundamento do recurso interposto pelo arguido.
Importa agora apreciar se o Tribunal a quo decidiu acertadamente ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos autos ou se ao invés deveria ter decidido declarar extinta a pena.
O arguido/recorrente sustenta que tendo em conta a antiguidade dos factos, a idade jovem do arguido e o percurso positivo, em termos de formulação de juízo crítico e interiorização do desvalor da sua conduta, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena não deve manter-se, pugnando para que seja substituída por outra que declare extinta a pena.
Vejamos:
Como resulta do que acima se deixou exposto e atento o estatuído na al. b), do n.º 1 do artigo 56º do Código Penal, perante o cometimento pelo arguido de novo crime no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão, por que venha a ser condenado, ainda que em pena privativa da liberdade, impõe-se indagar se o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de por meio dela, o condenado se afastar da prática de outros crimes, ficou, definitiva e inexoravelmente infirmado, caso em que deverá ser revogada a suspensão ou se, não obstante, o cometimento de novo crime, tendo em conta as particularidades do caso concreto, nomeadamente, as circunstâncias em que o condenado voltou a delinquir e a evolução das suas condições de vida – num juízo reportado ao momento em que importa decidir[3] –, não se frustraram total e irremediavelmente as expetativas e finalidades que, por via da suspensão da execução da pena, se pretendeu fossem alcançadas, decidindo, nesse caso, o tribunal, pela extinção da pena (artigo 57º do C.P.) ou no caso de ser admissível, pela imposição das medidas previstas no artigo 55º do C.P.
No caso vertente, o pressuposto formal da revogação da suspensão da execução da pena, encontra-se manifestamente demonstrado nos autos, tendo o arguido/recorrente sido condenado, pela prática, durante o período de suspensão da execução da pena de que se trata (que decorreu entre 07/02/2014 e 07/05/2017), dos seguintes crimes:
No âmbito do processo n.º (…), por sentença proferida em 31/10/2017, transitada em julgado em 22/05/2019, pela prática, em 07/05/2015 e em 20/05/2015, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova e subordinada à condição de o arguido proceder à entrega aos Bombeiros Voluntários de Moura, da quantia de €400,00;
- No âmbito do processo n.º (…), por sentença proferida em 30/04/2018, transitada em julgado em 20/05/2019, pela prática, em 13/12/2015, como coautor, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão efetiva;
- No âmbito do processo n.º (…), por sentença proferida em 16/01/2018, transitada em julgado em 26/04/2019, pela prática, em 01/06/2016, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.
Questão é saber se o cometimento pelo arguido/recorrente dos enunciados crimes, durante o período de suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada no processo n.º 47/09.1FDMRA, revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
O arguido recorrente pretexta uma resposta negativa a tal questão, ancorado nos seguintes argumentos: a antiguidade dos factos, a idade jovem do arguido e o percurso positivo, em termos de formulação de juízo crítico e interiorização do desvalor da sua conduta.
Que dizer?
Relativamente à antiguidade dos factos e à juventude do arguido à data do respetivo cometimento, tratam-se de circunstâncias que de per si não assumem qualquer relevância nesta sede, sendo que juízo preventivo que haverá que formular e que constitui critério material para decidir sobre a revogação da suspensão tem de reportar-se ao momento em que o tribunal aprecia a situação e não ao momento em que o condenado cometeu o crime, isto sem prejuízo de se dever ponderar também o tempo, entretanto decorrido, e o comportamento do condenado durante esse lapso de tempo.
Para aquilatar ser as finalidades preventivas que determinaram a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, ficaram definitivamente frustradas, há que atender à relação temporal entre a data do trânsito em julgado da sentença que aplicou tal pena de substituição da prisão e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do(s) novo(s) crime(s), ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a substituição da pena de prisão, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente.
Manifesta o arguido que registou um percurso positivo, em termos de formulação de juízo crítico e interiorização do desvalor da sua conduta, tratando-se de uma asserção que não encontra respaldo em qualquer facto objetivo, sendo que, do relatório de execução elaborado pela DGRSP e que o Tribunal a quo levou em linha de conta na decisão recorrida, resulta que a interiorização do sentido da pena por parte do arguido se fica a dever «mais pelo receio das consequências judiciais do que por interiorização do desvalor social e moral da conduta», o que se mostra consentâneo com a circunstância de não se ter afastado da prática de crimes, designadamente, contra o património, tendo sido condenado, pela prática, em 28/09/2017, já depois de decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi cominado nos autos, de crime de furto simples e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, no âmbito do processo n.º (…), na pena de 1 ano e 7 meses de prisão efetiva.
Como se sublinha na decisão recorrida, o ora recorrente não soube aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida pelo tribunal, quando decidiu suspender na sua execução a pena de prisão aplicada, voltado a delinquir, praticando dois crimes de furto qualificado, um crime de burla informática, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de roubo agravado, sendo, cominado pela prática deste último, na pena de 4 anos de prisão efetiva, apenas se pode concluir que o arguido não ajustou a sua vida ao que dele se chegou a esperar, não levou em devido sopeso a advertência contida na condenação pretérita proferida nestes autos, praticando novos crimes, alguns deles da mesma natureza daquele por que foi condenado nos autos referenciados.
Neste contexto, mostra-se irrefutável a conclusão de que o juízo de prognose favorável que levou ao decretamento da suspensão da execução da pena de prisão, em termos de conseguir adequar a sua conduta ao direito e se abster da prática de crimes, alcançando a ressocialização em liberdade, que levou à substituição da pena de prisão pela suspensão da execução dessa mesma pena, se mostra definitivamente arredado.
Destarte e, na medida em que a fundamentação do despacho recorrido não deixou de ponderar, devidamente, os fatores de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº 1, al. b) do Código Penal, não merece qualquer censura a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente.
Consequentemente, improcedem os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido/condenado, respetivamente.

3 – DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos interposto pelo Ministério Público e pelo arguido/condenado (...), confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (cf. artigos 513º, nºs 1 e 3 e 514º, nº. 1, ambos do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

Évora, 08 de setembro de 2020
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[1] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 358
[2] Cfr. entre outros, Ac. da RP de 23/11/2016, proferido no proc. nº. 622/12.7PCMTS-A.P1, citado pelo recorrente, Acs. do mesmo TRP de 08/03/2017 e de 20/12/2017, proferidos, respetivamente, no proc. 66/14.6PDMAI.P1 e no proc. 1242/09.9GAPRD-A.P1, Ac. da RC de 02/04/2014, proferido no proc. 88/07.3TACBR.C1 e Ac. da RE de 10/11/2010, proferido no proc. 12/99.5GFSTR.E1, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
[3] Cf. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque – in, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 235 e Ac. da RC de 27/01/2016, proferido no proc. 5/15.7PTCTB-A.C1, acessível em www.dgsi.pt