Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1564/17.5T8EVR.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: CORREIO ELECTRÓNICO
ASSINATURA
CONTRA-ORDENAÇÕES
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONTAGEM DO PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Não é válida a remessa do requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa por via de endereço de correio electrónico privado e sem assinatura digital.
II – O prazo de 20 dias, para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, prevenido no n.º 3 do artigo 59.º, do RGCO, tem natureza administrativa.
III – Por isso, tendo em conta a aplicação conjugada dos artigos 59.º n.os 1 e 3, e 60.º, do RGCO, 279.º, do CC, e 71.º a 73.º, do CPA, não se suspende nas férias judiciais.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1564/17.5T8EVR.E1
[1426]


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I

1 – Nos autos de recurso de contra-ordenação em referência, a arguida, BB – Sociedade Agrícola, Lda., foi condenada, pela Agência portuguesa do Ambiente, na coima de 24.000 euros, pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 81.º n.º 3 alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e 22.º n.º 4 alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

2 – A arguida interpôs recurso daquela decisão administrativa.

3 – A Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, por despacho de 27 de Outubro de 2017, decidiu rejeitar o recurso, por extemporaneidade da apresentação, nos termos do disposto no artigo 63.º n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).

4 – A arguida interpôs recurso deste despacho.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«I. Ao decidir como o fez o Meritíssimo Juiz "a quo" não decidiu correctamente.
II. Considerou que o recurso de impugnação apresentado junto da autoridade administrativa, em 25 de Julho de 2017, através de correio electrónico com o endereço -…, foi extemporâneo, por ter sido utilizado meio legal inadmissível, e o meio legal admissível (originais do recurso de impugnação, tal como era referido no mesmo e-mail, terem entrado junto daquela entidade, via postal, a 4 de Agosto de 2017;
III. Entendeu o Meritíssimo Juiz "a quo" que sempre será de aplicar o determinado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2014;
IV.Pelo qual afirma que, em processo penal, as peças processuais remetidas a juízo através de correio electrónico são admissíveis, nos termos do Código de Processo Civil;
V. Porém, e não obstante o recurso de impugnação, ora em crise, ser dirigido ao Tribunal "a quo" é apresentado, não em juízo, antes junto da autoridade administrativa (APA) que proferiu a decisão condenatória.
VI. Possibilitando assim que a autoridade administrativa reaprecie o caso com conhecimento das críticas que a ora recorrente lhe fez e, por tal, revogar a decisão.
VII. Sem necessidade de o tribunal se pronuncie ou tenha qualquer intervenção.
VIII. Ou seja, o ora requerimento de impugnação que deu entrada junto da autoridade administrativa (APA), ainda se encontrava numa fase administrativa e não já judicial.
IX. a ser assim, sempre seria de entender, no caso sub judice a aplicação, para determinação de aceitação do requerimento de impugnação nos termos do art. 63.º do RJCO, o determinado na Resolução do Conselho de Ministros nº 60/98, de 6 de Maio, pela qual assegura que seja conferida aos documentos transmitidos por via electrónica o mesmo valor de que beneficiam os documentos que circulam em suporte de papel.
X. Ora, em virtude de o requerimento de impugnação, ora em crise, ter dado entrada nos serviçoos da autoridade administrativa (APA), via correio electrónico, dentro do prazo concedido pelo n.º 3 do art. 59.º do RGCO, e com indicação de os originais seguirem por via postal, o que foi efectuado pela ora recorrente através de carta registada com aviso de recepção, deveria o mertº Juiz a quo ter considerado o requerimento de impugnação como praticado dentro do prazo.
XI. Porquanto o meio utilizado (correio electrónico com o endereço – …) pela ora recorrente para enviar à autoridade administrativa o recurso de impugnação ser legalmente admissível.
Termos em que deve a (…) sentença ser revogada e o recurso de impugnação apresentado ser considerado dentro do prazo legalmente estabelecido.»

5 – O recurso foi admitido, por despacho de 8 de Janeiro de 2018.

6 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso.
Defende a confirmação do julgado.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
«I. A recorrente foi notificada (da decisão administrativa que pretende impugnar) por carta registada com a/r assinado em 28.6.2017; apresentou os originais da impugnação judicial por correio com registo postal de 4.8.2017, na sequência da remessa efetuada num primeiro momento - concretamente, em 25.7.2017 através de correio eletrónico com o endereço "…" e sem assinatura eletrónica.
II. A Mm" Juiz julgou extemporânea a impugnação judicial apresentada, por decisão judicial que não merece censura, porquanto:
i. ln casu, impõe-se atender antes do mais ao disposto no art. 41° do RGCO (direito subsidiário) já que este diploma é omisso quanto à forma de entrega/remessa da impugnação judicial;
ii. Em função disso são de aplicar subsidiariamente as normas processuais penais - o que sucede, aliás, em todas as fases do processo de contraordenação, aí se incluindo tanto a fase administrativa como a fase de impugnação judicial (neste sentido, e a propósito da questão suscitada no presente recurso, vide o ac. do TRC de 4.3.2009, publicado in www.dgsi.pt);
iii. Em consequência, mantém atualidade a decisão do acórdão de uniformização de jurisprudência invocado pela Mm" Juiz na decisão recorrida, do qual decorre que, por remissão do art. 4° do CPP, são aplicáveis à remessa de peças processuais os arts. 150°, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n° 324/2003, de 27.12 e, em caso de opção pela remessa por correio eletrónico, a Portaria 624/2001 - sendo de anotar que as constantes alterações legislativas não colocam em causa o que fica dito nesta conclusão, desde logo porque a plataforma CITIUS apenas permite a entrega de peças processuais em processos judiciais.
iv. Entre as exigências respeitantes à admissibilidade das peças processuais remetidas pela via eletrónica, previstas na Portaria acima identificada, encontra-se a assinatura eletrónica avançada, a qual não existiu no caso concreto, tendo a recorrente remetido a peça em causa através de endereço eletrónico privado, de tudo resultando a sua inadmissibilidade legal.
III. E tendo os originais da impugnação judicial sido apresentados posteriormente ao termo do prazo de 20 dias legalmente previsto para o efeito, não merece qualquer censura a decisão da Mm" Juiz, a qual deve ser integralmente mantida.»

7 – Nesta instância, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, louvada na resposta, é de parecer que o recurso não merece provimento.

8 – O objecto do recurso, tal como demarcado pelo teor das conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, reporta ao exame da questão da tempestividade da impugnação judicial da decisão administrativa.
II

9 – A Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido decidiu nos seguintes termos:
«Por decisão proferida pela Agência Portuguesa do Ambiente a fls. 175 e seguintes, a BB- Sociedade Agrícola, Lda. foi condenada pela prática de contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelo artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, e pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de coima no montante de € 24.000.
Por carta registada com aviso de recepção assinada em 28/06/2017 foi a recorrente notificada da decisão administrativa.
A fls. 184 e seguintes consta, com data de 25 de Julho de 2017, correio electrónico remetido por endereço privado contendo, em anexo, o ficheiro de fls. 185 e seguintes.
Em cumprimento do determinado pelo tribunal, a fls. 196 a 212 a Agência Portuguesa do Ambiente juntou aos autos impugnação judicial apresentada pela BB Sociedade Agrícola, Lda., datando o registo postal de 04 de Agosto de 2017.
A fls. 216 o Ministério Público promoveu que se considere extemporâneo o recurso de contra-ordenação apresentado.
A fls. 217 e seguintes a recorrente pugna pela tempestividade do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que "1 - As contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações."
Estatui o artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que "1 ¬O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma. "
Determina o artigo 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que "1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.".
Estatui o artigo 60.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que "1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. 2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.".
Nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, "2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação.".
De acordo com o disposto no artigo 47.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, "1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. 3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho. 4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.".
Para as contra-ordenações ambientais, prevê o artigo 44.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que "1 - As notificações aos arguidos que tenham constituído mandatário são, sempre que possível, feitas na pessoa deste e no seu domicílio profissional.
4 - As notificações referidas nos números anteriores são feitas por carta registada, com aviso de receção, aplicando-se às mesmas o disposto nos n." 3, 4 e 5 do artigo anterior".
O prazo de 20 dias previsto no artigo 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, não tem natureza judicial mas sim administrativa, não se lhe aplicando, pois, o disposto nos artigos 138.º e 139.º, do Código de Processo Civil. Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-12-2008, Processo n." 533/08.0TBPMS.Cl, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-01-2006, Processo n.º 2563/05-1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por decisão proferida pela Agência Portuguesa do Ambiente a fls. 175 e seguintes, a BB- Sociedade Agrícola, Lda. foi condenada pela prática de contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelo artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, e pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de coima no montante de €24.000.
Por carta registada com aviso de recepção assinada em 28/06/2017 foi a recorrente notificada da decisão administrativa.
A fls. 184 e seguintes consta, com data de 25 de Julho de 2017, correio electrónico remetido por … e sem assinatura electrónica contendo, em anexo, o ficheiro de fls. 185 e seguintes.
Em cumprimento do determinado pelo tribunal, a fls. 196 a 212 a Agência Portuguesa do Ambiente juntou aos autos o original da impugnação judicial apresentada pela BB- Sociedade Agrícola, Lda., datando o registo postal de 04 de Agosto de 2017.
O correio electrónico remetido a partir de endereço privado e sem assinatura electrónica em 25 de Julho de 2017 não constitui forma legalmente admissível para a prática de actos como o sub judice atendendo ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n." 3/2014, publicado no Diário da República n." 74, SÉRIE I, de 2014/04117, aplicável em matéria contra-ordenacional por força do disposto no artigo 41.0, do Regime Geral das Contra ¬ Ordenações e Coimas.
Efectivamente, determina aquele aresto, que fixou jurisprudência, que "Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei na 324/2003, de 27.12, e na Portaria na 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal.".
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 60/98, de 06 de Maio, publicada no Diário da República n.º 10411998, Série I-B de 1998-05-06 não tem aplicação aos processos de contra- ordenação nos quais é impugnada judicialmente a decisão atenta a natureza dos mesmos e a o objecto da referida resolução constante do respectivo artigo 1.º.
Consequentemente, e tendo em consideração a data da notificação da decisão administrativa, a inadmissibilidade legal do meio (correio electrónico privado e sem assinatura digital) utilizado a fls. 184 e seguintes e a data (remetida em 04 de Agosto de 2017) da impugnação judicial apresentada a fls. 196 a 212 (aquela em que foi utilizado o meio processualmente admissível), forçoso é concluir-se que a impugnação judicial legalmente apresentada é extemporânea atento o decurso do prazo legal de 20 dias previsto para o efeito.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, rejeito o recurso de contra-ordenação apresentado.»

10 – Como acima se deixou editado, o objecto do recurso reporta ao exame da questão da tempestividade da impugnação judicial da decisão administrativa.

11 – A dilucidação de tal questão passa, segundo uma lógica preclusiva, por discernir se o prazo de 20 dias, para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, prevenido no n.º 3 do artigo 59.º, do RGCO, tem natureza administrativa – tal como é suposto na decisão revidenda – ou tem, antes, natureza judicial – caso em que se há-de conceder procedência à argumentação da recorrente.

12 – Vem-se entendendo que tal prazo tem natureza administrativa, por isso que se não suspende em férias judiciais, por via da aplicação conjugada dos artigos 59.º n.os 1 e 3, e 60.º, do RGCO, , 279.º, do Código Civil (CC), e 71.º a 73.º, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

13 – A interpretação daqueles normativos levada no despacho revidendo afigura-se, sem desdouro para a douta argumentação da recorrente, a mais consentânea com o facto de tal prazo correr na fase administrativa do processo contra-ordenacional, antes de este aceder à fase judicial, por isso que tal prazo, não revestindo natureza judicial mas administrativa, há-de ser contado nos termos conjugados do disposto nos artigos 59.º n.os 1 e 3 e 60.º, do RGCO, 279.º, do CC, e 71.º-73.º, do CPA.

14 – Neste sentido se decidiu já no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça (fixação de jurisprudência) n.º 2/94, de 10 de Março de 1994 (Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Maio de 1994), nos acórdãos, deste Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 12/20/2012 (Processo 2394/11.3TBABF.E1) e de 01/06/2015 (Processo 10/14.0T8LAG.E1), subscritos, como adjunto, pelo aqui relator, e, de par, nos acórdãos, do Tribunal da Relação do Porto, de 01/09/2008 (Processo 0715838), e, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/10/2013 (Processo 5111/13.0T3SNT.L1-5), todos disponíveis em www.dgsi.pt, com apoio de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em «Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral», Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pp. 473 e ss., não deixando de ponderar-se, a contrapelo, a reflectida tese divergente sustentada no acórdão, deste TRE, de 05/19/2015 (Processo 7/14.0T8ORQ.E1).

15 – O acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2010, ponderou, especificamente, a questão da caducidade da jurisprudência firmada pelo AFJ n.º 2/94, concluindo que a doutrina ali explanada não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no n.º 3 do artigo 59.º, do RGCO, não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do n.º 6 do artigo 107.º do CPP.

16 – É assim de concluir que a apresentação do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa não se traduz num acto praticado em juízo, e que o prazo dentro do qual o referido recurso deve ser apresentado não configura um prazo judicial.

17 – No caso: (i) a recorrente foi notificada da decisão administrativa por carta registada com aviso de recepção assinado a 28 de Junho de 2017; (ii) consta de fls. 184 e seguintes consta correio electrónico remetido por …, com data de 25 de Julho e 2017, sem assinatura electrónica, contendo, em anexo, o ficheiro de fls. 185 e seguintes; (iii) consta de fls. 196-212 o original da impugnação judicial apresentada pela arguida junto da autoridade administrativa recorrida, datando o registo postal de 4 de Agosto de 2017.

18 – Acresce sublinhar que, como incontornavelmente se decidiu na instância, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão n.º 3/2014 (Diário da República, 1.ª série, de 17 de Abril de 2014, fixou jurisprudência no sentido de que «em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal».

19 – Por outro lado, nos termos mesmo da Resolução de Conselho de Ministros n.º 60/98, de 16 de Abril de 1998 (Diário da República, 1.ª série B, de 6 de Maio de 1998), não pode deixar de exigir-se a assinatura ou autenticação dos documentos electrónicos remetidos a juízo, não por via do citius, sequer através de endereço de e-mail oficializado pela Ordem dos Advogados, mas por endereço particular de e-mail do Ex.mo Advogado remetente.

20 – Assim, não podendo validar-se a remessa do requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa por via de endereço de correio electrónico privado e sem assinatura digital, não poderá considerar-se a data de tal remessa como aquela da apresentação do documento impugnatório, que só poderá ter-se como oferecido a 4 de Agosto de 2017, muito para além do prazo concedido pelo n.º 3 do artigo 59.º, do RGFCO.

21 – Termos em que, no caso, como decorre do iter processual acima descrito, do passo que o recurso levado pela recorrente da decisão administrativa foi interposto para além do prazo prevenido no artigo 59.º n.º 3, do RGCO, o mesmo não podia deixar de ser rejeitado, como foi, nos termos do disposto no artigo 63.º n.º 1, do RGCO, pelo que o despacho recorrido não merece censura ou reparo.

22 – São devidas custas pela arguida recorrente, nos termos e por referência ao disposto no artigo 92.º n.º 1, do RGCO, 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e 8.º n.º 5 e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.
III

23 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pela arguida BB – Sociedade Agrícola, Lda.; (b) condenar a arguida nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Évora, 8 de Maio de 2018
António Manuel Clemente Lima (relator, por vencimento)
José Felisberto Proença da Costa (relator primevo, com voto de vencido nos termos da declaração infra)
Fernando Ribeiro Cardoso (presidente da Secção Criminal)

Voto vencido, nos termos que seguem:
Está em discussão nestes Autos a questão atinente à extemporaneidade, ou não, da impugnação judicial apresentada pela arguida/recorrente.
Para dilucidar a questão em aberto, importa analisar, entre outros argumentos, qual o prazo para a sua presentação e qual a sua natureza.
Na decisão sob censura considerou-se que o prazo para apresentação de impugnação judicial – de 20 dias – não tem natureza judicial, mas sim administrativa, não se lhe aplicando o disposto nos art.ºs 138.º e 139.º, do Cód. Proc. Civ.
Tal entendimento vemos defendido por Simas Santos e Lopes de Sousa, para quem o prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo em tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial… o recurso da decisão e aplicação da coima é deduzido num processo contra-ordenacional, que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar.
Bem como por Paulo Pinto de Albuquerque ao afirmar que o prazo mencionado no n.º 3, do artigo 59º, do DL n.º 433/82, de 27.10, com a alteração do DL nº 356/89, de 17.10, não tem natureza judicial, uma vez que o recurso de impugnação em processo contra-ordenacional ainda faz parte da fase administrativa.
Razão pela qual tal prazo não se suspende nem interrompe durante as férias judiciais (…). Ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é aplicável o disposto nos artigos 144º e 145º do CPC (…) Terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas (…).
Na Jurisprudência vemos, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.01.2009, no Processo n.º 10/08.0TBFIG.C1, onde se pode ler no seu sumário:
1. Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido.
2. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
E o Acórdão desta Relação, de 24.10.2017, no Processo n.º 247/17.0T8LLE.E1, onde se deu nota de que o prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3 do no DL n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual, uma vez que não se destina à prática de um ato “em juízo”.
Sendo que o prazo de 20 dias para impugnação judicial da decisão administrativa apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados, não nas férias judiciais.

Continuamos a entender, no seguimento do Acórdão desta Relação datado de 19.05.2015, no Processo n.º 7/14.0T8ORQ.E1, relatado pelo Desembargador Gomes de Sousa e no qual interviemos na qualidade de adjunto, que estamos perante prazo de natureza judicial e não de natureza administrativa e pelas razões aí tecidas e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
Como mais impressivamente se deu nota no Acórdão desta Relação, datado de 06.12.2016, no Processo n.º 236/15.0T8PTM.E1:
1 - Um processo contra-ordenacional não é um processo administrativo. Tem uma fase administrativa. Mas existem diferenças entre os termos “fase” e “processo”.
2 - Um recurso de “impugnação judicial” em processo contra-ordenacional, como tal definido por lei – artigo 59º, n.º 1 do RGCO - não é um recurso administrativo. Nem se lhe aplicam normas administrativas.
3 - Ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4º do C.P.P.).
4 - O direito administrativo só serve para definir a entidade administrativa com competência decisória e qual a sua forma de decisão. O Código de Procedimento Administrativo é, pois, uma inutilidade no Direito contra-ordenacional. E indesejável porquanto limitador de direitos do acusado,
5 - Para a interposição de um recurso de impugnação judicial é necessário apresentar escrito dirigido ao tribunal judicial competente – artigo 61º RGCO – não obstante apresentado à entidade administrativa decisora.
6 - A apresentação do recurso de impugnação judicial junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo na medida em que se trata de um recurso “de impugnação judicial” que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P.
7 - Aqui apresenta um acréscimo de utilidade ao permitir à entidade administrativa a revogação da sua decisão e a passagem para a fase “acusatória” do processo contra-ordenacional contida no artigo 62º, n.º 2 do RGCO.
8 - Não se encontrando no RGCO e no C.P.P. norma que resolva o caso sub iudicio, teremos que nos socorrer do disposto no nº 1 do artigo 144.º do actual C.P.C. (apresentação a juízo dos actos processuais). E este afirma que nos actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes vale como data da prática do acto processual a da respetiva expedição. O que é, aliás, jurisprudência pacífica desde a prolação do Assento do STJ nº 2/2000 (in DR I Série A de 7-02-2000) que dispunha a propósito do antecedente do referido artigo 144º do diploma: «O n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.»
Para se dar uma outra nota de sustentabilidade à tese que se vem defendendo, importa atentar na inserção sistemática do art.º 59.º, do RGCO.
Tal normativo mostra-se inserido na parte II, capítulo IV, sob a epígrafe recurso e processo judiciais. Não se descortinando razão para que se fale em natureza administrativa do prazo.
Até por a impugnação judicial correr os seus termos perante um tribunal judicial e não perante tribunal administrativo.
Para lá de se não estar perante a impugnação de um acto administrativo, mas perante a necessidade de se proceder a uma reavaliação da decisão condenatória em sanção, tomada por uma autoridade administrativa, investida dos mesmos direitos – mas também obrigada aos mesmos deveres – que assistem às entidades competentes para o processo criminal, bem como a equiparação dos seus poderes instrutórios aos poderes da polícia e de investigação criminal, como refere Alexandra Vilela.
Natureza administrativa [da impugnação judicial] que vemos afastada por Lobo Moutinho para quem esta fase resulta da mistura de elementos de uma impugnação com os de um julgamento penal em primeira instância.
Nem a circunstância de, recebido o recurso, poder a autoridade administrativa, até fazer envio dos autos ao M.P., revogar a decisão que aplicou a coima, ou o M.P., poder vir a não fazer envio da decisão administrativa, ao abrigo dos seus poderes-deveres de defesa da legalidade democrática, art.º 219.º, n.º 1, da CRP, e mesmo, a mais tarde, retirar a acusação, tem a virtualidade de modificar o que quer que seja, no atinente à natureza do prazo de impugnação judicial, mas, e tão só, a ver com o desenrolar do processo, cfr. art.ºs 62.º e 65.º A, do RGCO.
Situação idêntica se passa com o recurso penal ao permitir-se ao tribunal a possibilidade de reparação da decisão, caso se trate de decisão que não seja final, e antes de dela fazer remessa ao tribunal de recurso, nos termos do n.º 4, do art.º 414.º, do Cód. Proc. Pen., como pode o M.P., entre outros sujeitos processuais, vir desistir do recurso, até ao momento de o processo ser concluso ao relator para exame preliminar, como decorre do n.º 1, do art.º 415.º, do mesmo diploma adjectivo; e sem que se ponha em causa a natureza do prazo de interposição de recurso ou a mesma se discuta.
Pelo que o prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados- cfr. art.º 60.º, do RGCO, bem como se suspende durante as férias judiciais e terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso, o mesmo se transfere-se para o primeiro dia útil após o termo destas, cfr. art.º 138.º, do Cód. Proc. Civ., aplicável ex vi art.º 41.º, RGCO.
Como dos autos decorre, por carta registada com aviso de recepção, assinada em 28 de Junho de 2017, foi a aqui recorrente notificada da decisão da autoridade administrativa.
Com data de 25 de Julho de 2017, foi remetido correio electrónico por … e sem assinatura electrónica para a Agência Portuguesa do Ambiente contendo a impugnação judicial apresentada pela BB- Sociedade Agrícola, Lda.
Sendo que o registo postal do original da impugnação judicial apresentada pela BB - Sociedade Agrícola, Lda., data de 04 de Agosto de 2017.
O que conduziria a que se tivesse por atempada a impugnação judicial apresentada pela arguida/recorrente.
E, em consequência, se concederia provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, o qual deveria ser substituído por outro que viesse admitir a impugnação judicial e a ordenar os demais termos do processo.
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(José Proença da Costa)