Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
419/17.8T8FAR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE
MEDIDA DOS ALIMENTOS
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Resultando da matéria fáctica apurada que a A. nunca trabalhou, após se ter casado com o R., e que os seus rendimentos são inferiores às despesas com o seu sustento - sendo que o R., seu ex-marido, tem possibilidades económicas de prestar alimentos à A. - a respectiva pensão deve ser fixada de harmonia com os critérios previstos nos arts. 2003º e 2004º do Cód. Civil, sendo que, por via disso, prestará o R. uma pensão de alimentos à A. no valor de € 145,00/mês.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 419/17.8T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Por apenso à acção de divórcio, veio (…) instaurar a presente acção de alimentos definitivos contra o seu marido (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhe uma pensão de alimentos no montante de € 500,00 mensais.
Alegou, em resumo, que durante os 12 anos de casamento a A. ocupou-se do R. da vida de casa e do campo, cultivando alguns produtos hortícolas apenas para consumo doméstico do agregado familiar, não auferindo qualquer outro rendimento. O único rendimento do agregado familiar provinha das pensões (Alemã e Portuguesa) auferidas pelo R., valores com os quais faziam face a todas as despesas do agregado familiar e sempre assim foi desde que contraíram matrimónio. Em face do sucedido, e não tendo a A. qualquer rendimento, nem tendo possibilidade de o obter por questões de saúde, viu-se obrigada a requerer a atribuição de rendimento de inserção social, tendo-lhe sido deferida a quantia mensal de € 180,77 (cento e oitenta euros e setenta e sete cêntimos) desde 02/2017 e por um período de 12 meses. Assim, o subsídio de rendimento de inserção social é o único rendimento que aufere de momento, e com o qual vai fazendo face às suas despesas. Mais refere que, atenta a sua idade – 60 anos – a A. não reúne as condições necessárias para se reformar, nem vislumbra a possibilidade de ser reintegrada no mercado de trabalho, e que o R., pelo contrário, aufere mensalmente a quantia de € 266,27 a título de pensão de velhice da Caixa Geral de Aposentações (pensão portuguesa) e ainda a pensão de velhice Alemã no valor mensal de € 923,51 (novecentos e vinte e três euros e cinquenta e um cêntimo) o que perfaz a quantia global de € 1.189,78 (mil cento o oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos).
Realizada a tentativa de conciliação entre as partes não foi possível a obtenção de qualquer acordo entre eles.
O R. contestou alegando que foi a A. que o pôs fora de casa e que esta nunca trabalhou, nem no estrangeiro quando a conheceu, quer depois de casarem, mas sabe que a A. tem uma conta poupança com € 40.000,00. Mais refere que foi a A. que pediu ao mesmo que saísse e que a casa onde a A. reside é propriedade da mesma. Já o R. não tem qualquer bem imóvel. Aliás, o R. ainda pagou a electricidade da casa da A. depois de sair de casa, sendo que as culturas e os animais que ficaram no imóvel da A., foram ali colocados pelo trabalho e a expensas do R., tendo ficado tudo intacto para uso da A., assim como maquinaria e instrumentos de lavoura e todos os utensílios de rega e para cuidado dos animais. Estas culturas e animais estão a ser utilizados pela A. para o seu próprio consumo. Aliás, no dia em que o R. foi convidado a sair de casa da A., o que este fez, as arcas congeladoras estavam cheias de carne pronta a ser cozinhada e que a A. tem vindo a consumir. Acresce que, a A. foi procedendo ao levantamento de todo o dinheiro que conseguiu da conta conjunta de ambos, enquanto que o R., para ter dinheiro para poder sobreviver teve que pedir o pagamento da sua pensão através de outro meio já que a A. retirava todo o dinheiro ali existente, deixando o R. sem forma de sobrevivência. O R. reside em casa arrendada, da qual paga uma renda mensal de € 350,00. O R. é uma pessoa doente, padecendo de diabetes e de hipertensão arterial, o que obriga a frequentes consultas de controlo e de medicação. A A. é proprietária de dois veículos automóveis, sendo um deles, um Renault Clio e o segundo, um Mercedes, adquirido em Maio de 2016, à data, com 5 anos. Concluiu, assim, pela improcedência da acção, atendendo a que não se verificam os pressupostos legais para que seja obrigado a prestar alimentos à A. e invocando que cada cônjuge deve prover à sua subsistência após o divórcio, conforme dispõe, aliás, o nº 1 do artigo 2016º do C. Civil.
Foi lavrado despacho saneador e, oportunamente, foi determinada a realização em conjunto da audiência de julgamento – relativamente aos presentes autos e à acção de divórcio (na qual o R. é A. e a aqui A. é R.) – a qual foi efectuada com observância das formalidades legais, tendo sido, a final, proferida sentença pela M.ma Juiz “a quo”, na qual se julgou improcedente, por não provada, a presente acção de alimentos definitivos e, em consequência, foi o R. absolvido do pedido contra ele formulado pela A.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a A. para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso da douta decisão judicial que julgou a Acão de alimentos improcedente e absolveu o Autor do pagamento à aqui Ré da quantia de € 500,00 (quinhentos euros) mensais a título de alimentos.
B) A sentença sob recurso fez um incorreto julgamento da matéria de facto e uma incorreta interpretação e aplicação da Lei, designadamente dos artigos 2003°, 2016° e 2016°-A do Código Civil, violando também os artigos 615°/1b) e 607°/4 do CPC.
C) Com efeito, considerou provados (e bem) os fatos provados dos 1, 2, 3, 4, 8, 12, 14 e 15.
D) Ainda quanto às despesas da Ré, conclui nos pontos 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 dos factos provados que a Ré aqui recorrente comprovou deter todas as despesas ali indicadas.
E) E ainda assim, concluiu pela improcedência da ação de alimentos, concluindo em síntese que “o Autor aqui requerido não tem condições para prestar alimentos” no montante peticionado de € 500,00 (quinhentos euros) “por ser pensionista, estar doente e ter de pagar renda de casa”, o que a aqui Recorrente não se conforma, nem pode conformar.”
F) Ora, quanto à matéria de facto, a sentença fez uma incorreta valoração da prova e omitiu factos relevantes que resultaram da discussão da causa e que, em obediência ao disposto nos artigos 5°/2 a) e b) e 611°/1 e 2, do CPC, deveriam ter sido incluídos nos factos provados.
G) Desde logo, omitiu a douta sentença de que ora se recorre que o A. detinha poupanças – no valor de € 17.800,00 (dezoito mil e oitocentos euros) – junto do Novo Banco (conta n.º …) – cfr. comprovativo do extrato bancário que se encontra junto aos autos.
H) Tal omissão de fundamentação gera a nulidade da sentença nos termos do disposto no art° 615°/1 b) do CPC e viola o disposto no art° 607°/4 do CPC.
I) Nos termos do disposto no art° 614°/2 do CPC deve proceder-se à correção dos Factos Provados porquanto omite a existência das poupanças, mormente as indicadas no ponto anterior, detidas pelo A.
J) Por outro lado, considera como provado o ponto 32. “A Ré tem o pagamento da via verde dos seus veículos automóveis domiciliado na conta conjunta do Autor e Ré”, quando no ponto 4 dos factos provados, e contrariamente a isso a havia concluído “que o único rendimento do agregado familiar provinha das pensões (Alemanha e Portuguesa) auferidas pelo Autor, valores que faziam face a todas as despesas do agregado familiar” e que “o Autor alterou a domiciliação das suas pensões, único rendimento que o agregado familiar detinha”.
K) Ora, salvo o devido respeito, se o Autor alterou a domiciliação do único rendimento que o agregado familiar detinha, a partir de Outubro de 2016, como pode depois concluir que o pagamento da via verde fosse suportado pelo Autor, que não era!
L) Para além disso, resulta do ponto 33 dos factos considerados provados que “O Autor reside em casa arrendada, da qual para uma renda mensal de € 350,00” quando resulta claro dos autos que o A., veio em 23.01.2019 alterar a sua residência para a morada – Sítio da (…), cx (…), 8800-508 Santo Estevão.
M) Sem que tenha junto aos autos qualquer recibo da atual renda, para que pudesse concluir-se que este suporta o mesmo valor de renda mensal no valor de € 350,00.
N) Por sua vez, a douta sentença de que ora se recorre, no ponto 36 dos factos provados considerou que o Autor tem de comprar no supermercado todos os alimentos, com que gasta em média mensal cerca de € 350,00” quando este apenas junta despesas no valor de €120,00 (cento e vinte euros), e ainda assim referente a vários meses.
O) Mais, resulta dos factos considerados provados “No dia em que o Autor saiu de casa as arcas congeladoras estavam cheias de carne que o Ré tem vindo a consumir” – porem, sem qualquer sustentação ou suporte factual!
P) Por outro lado, resulta ainda dos factos provados, mormente do ponto 10 “Já antes da sua saída, havia adquirido um cadeirão ortopédico e um colchão que ainda hoje se encontra na casa onde ambos residem”.
Q) Porém, omite a douta sentença que a sua aquisição foi efetuada com recurso a empréstimos subscritos pelo A., conforme comprovativos junto aos autos, e que este deixou de pagar.
R) Assim, a prova documental junto aos auto e ainda a produzida em audiência de julgamento foi gravada e impunha decisão diferente quanto ao constante nos pontos 32, 33, 36, pretendendo a Recorrente pelo presente recurso a sua reapreciação e, consequentemente, a alteração da decisão da matéria de facto em causa.
S) Quanto ao ponto 35, para além do aí mencionado deveria ficar esclarecido, não obstante o Autor seja uma pessoa doente padecendo de diabetes e de hipertensão – os custos com a medicação, é comparticipada a 100% pelo sistema nacional de saúde.
T) Para além disso, deverão constar dos factos provados outros factos que decorreram da prova produzida em audiência de julgamento e que o Tribunal não podia deixar de conhecer e verter na decisão.
U) Em face da prova produzida e que aqui se deixa reproduzida, deve:
V) Ser acrescido, que o A. detinha poupanças – no valor de € 17.800,00 (dezassete mil e oitocentos euros) – junto do Novo Banco (conta n.º …) – Cfr. comprovativo do extrato bancário que se encontra junto aos autos.
W) Por outro lado, resulta da prova testemunhal – que a aqui recorrente – para além de não ter qualquer rendimento ou possibilidade de o obter se viu obrigada a requerer o RIS e teve de recorrer a alguns empréstimos de familiares.
X) Ademais, no ponto 15 dos factos provados, para além do que ali consta, deverá dar-se por assente que tal rendimento é caracter provisório podendo ser retirado a qualquer momento.
Y) Ainda quanto aos pontos 17 – atentos os documentos juntos – haveria de dar-se por assente que o prédio urbano – casa de habitação é muito antiga, com mais de 37 anos, a necessitar de obras e com pouco valor comercial, situada numa aldeia do interior, sendo a única que a Recorrente detém para poder morar.
Z) Ainda quanto aos veículos automóveis mencionados no ponto 17 – atento os documentos juntos – da mesma forma – deveria dar-se por assente o veículo Renault Clio 1993 – tem mais de 23 anos – sem qualquer valor comercial, encontrasse avariado sem que a Recorrente tenha qualquer hipótese de o mandar reparar.
AA) Já o Mercedes com mais de 13 anos, que resulta das pesquisas efetuadas a base de dados, é o único meio de transporte que a Recorrente detém para se poder deslocar.
BB) Outrossim, em face da prova produzida e que aqui se deixa reproduzida, haveria de constar dos factos provados que a Recorrente de 61 anos, não obstante não reunir condições para se reformar, está impossibilitada trabalhar em razão da sua situação de saúde – cfr. declaração médica junta aos autos – o que de igual modo – resultou da prova produzida.
CC) Assim, considerando que a Recorrente “Durante 12 anos de vivência conjugal não trabalhou, ocupando-se da vida de casa e do campo… apenas para consumo doméstico do agregado familiar.
DD) Que, o único rendimento do agregado familiar provinha das pensões (Alemã e Portuguesa) auferidas pelo Autor.
EE) Que a Recorrente apenas aufere o valor do RIS no montante de € 180,77 (cento e oitenta euros e setenta e sete cêntimos), ainda assim a título provisório.
FF) Considerando que, os fatos provados, mormente nos pontos 18 a 25 dos factos provados – referente as despesas que a Recorrente – suporta mensalmente.
GG) E que sendo que o único rendimento que aufere é insuficiente para fazer face as mesmas.
HH) E que pelo contrário o Autor, aufere mensalmente a quantia de € 266,27 a título de pensão de velhice da Caixa Geral de Aposentações e ainda a pensão de velhice Alemã no valor mensal de € 923,51, o que perfaz a quantia global de € 1.189,78.
II) Impunha-se ao Tribunal a quo considerar-se que estavam preenchidos os requisitos para que a aqui Recorrente pudesse beneficiar de uma pensão de alimentos definitivos a prestar pelo Autor, seu ex-cônjuge, tanto os atinentes às condições da Recorrente, que como ficou demonstrado deles precisa, como os atinentes às condições do Autor – que como já vem demonstrado, os pode prestar.
JJ) Porém, a douta Sentença que ora se recorre, desatendeu, a factos relevantes, designadamente os que concorrem para que a Recorrente se seja impossibilitada de prover à sua própria subsistência, designadamente as suas condições de falta de saúde, de não deter qualquer outro rendimento; à excepção do RIS de € 180,77 que é insuficiente para fazer face as despesas necessárias a sua subsistência.
KK) Outrossim, faz errada interpretação dos artigos conjugados 2003°, 2016° e 2016°-A do CC.
LL) Pois, se é certo que, a Recorrente enquanto ex-cônjuge, não poderá beneficiar da manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, a necessidade de alimentos deveria atender sempre as suas necessidades de sustento básicas, habitação e saúde.
MM) Daí que a Recorrente apenas requeira a fixação de uma pensão para poder prover pela satisfação condigna das suas necessidades de subsistência, atenta a impossibilidade de, por si, a elas prover.
NN) Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão da matéria de facto nos exatos termos suprarreferidos e substituindo-se a decisão recorrida por outra que condene o Autor a pagar à Ré uma pensão de alimentos mensal no valor peticionado de € 500,00 (quinhentos euros) ou outra, ainda que parcialmente, V. Exª entenda vir a fixar-lhe.
Pelo R. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela A., aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova (testemunhal e documental) carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada;
2º) Saber se – sendo alterada, ou não, a matéria de facto dada como provada – se verificam os requisitos previstos no art. 2004º do Cód. Civil para vir a ser fixada à A. uma pensão de alimentos a prestar mensalmente pelo R. (actualmente seu ex-marido, dado que o divórcio entre ambos já foi decretado).

Antes de apreciar as questões suscitadas pela recorrente importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever (tendo-se em atenção que é uma só, a a sentença que decretou o divórcio entre as partes e apreciou o pedido de alimentos deduzido pelo cônjuge mulher contra o cônjuge marido):
1. O Autor e a Ré contraíram casamento civil no regime imperativo da separação de bens, em 27 de Janeiro de 2005.
2. Na pendência do matrimónio não nasceram filhos.
3. Durante os 12 anos de vivência conjugal a Ré ocupou-se da vida de casa e do campo, cultivando alguns produtos hortícolas apenas para consumo doméstico do agregado familiar.
4. O único rendimento do agregado familiar provinha das pensões (Alemã e Portuguesa) auferidas pelo Autor, valores com os quais faziam face a todas as despesas do agregado familiar.
5. Até que passaram a existir vários problemas no relacionamento do casal.
6. O Autor dizia “que com ela não fazia vida“, quando alimentava os animais achava sempre demais referia “não te custa dar de comer porque não és tu que pagas, sai tudo do meu bolso…” e da mesma forma em relação às restantes despesas, sempre que era necessário reparar alguma coisa na casa onde ambos residem, dizia “a casa não era dele que pagasse a Ré” e por vezes não falava com os filhos da Ré sempre que estes o visitavam porque dizia que “era ele que suportava as despesas todas”.
7. Por vezes se a Ré via televisão um pouco até mais tarde o A., referia “não és tu que pagas a luz, sou eu!”
8. No dia 4 de Agosto de 2016, o Autor saiu de casa tendo a Ré ficado com todos os animais domésticos que detinha, cultivar todos produtos agrícolas que ambos haviam plantado, e tratar de um cão de grande porte que o A. adotou momentos antes.
9. Na verdade, a Ré ainda hoje detém todos os seus pertences da casa onde ambos residem.
10. Já antes da sua saída, havia adquirido um cadeirão ortopédico e um colchão que ainda hoje se encontram na casa onde ambos residem.
11. Desde essa data não mais o Autor e a Ré refizeram a sua vida de casal.
12. Com efeito, desde essa altura, a Ré viu-se obrigada a cultivar sozinha os terrenos que ambos tinham plantado e cuidar dos mais de 100 animais que detinham, entre os quais, galinhas, coelhos, patos e dois cães incluindo um cão de grande porte que o Autor adotou e abandonou, sem qualquer possibilidade de os alimentar, tendo esta de recorrer a ajuda de vizinhos, amigos e familiares para conseguir cuidar de todos eles.
13. Acresce que, e até Outubro de 2016 a Ré ainda conseguiu levantar pequenas quantias da conta conjunta de ambos, valores, com os quais, conseguia pagar parte das despesas do agregado familiar.
14. Sucede que, após essa data o Autor alterou a domiciliação das suas pensões, único rendimento que o agregado familiar detinha.
15. A Ré viu-se obrigada a requerer atribuição de rendimento de inserção social tendo-lhe sido deferido a quantia mensal de € 180,77 (cento e oitenta euros e setenta e sete cêntimos).
16. A Ré tem necessidade de ter apoio psiquiátrico regular e necessita de fazer medicação diária, o que já acontecia antes do casamento com o Autor.
17. Além de ser proprietária de um prédio urbano, a casa onde o casal residia, e dois rústicos a Ré ainda tem mais dois veículos automóveis, sendo um deles, um Renault Clio e o segundo, um Mercedes adquirido em Maio de 2016, à data, com 5 anos.
18. A Ré despende a quantia mensal de € 55,00 de luz da casa de habitação e € 40,00 do armazém onde estão os animais.
19. A Ré suporta também as despesas de água no valor mensal de € 25,00 e gás no valor mensal de € 25,00, telefone no valor mensal de € 20,00;
20. A Ré paga igualmente a título de seguros e como regularidade semestral:
- o seguro do veículo automóvel o valor de € 175,44 (cento e setenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos);
- o seguro da casa de habitação o valor € 66,72.
21. A Ré suporta ainda a quantia de um empréstimo pessoal de € 150,00 mensais e um empréstimo obtido com aquisição de uma cadeira e um colchão no valor mensal de € 60,00.
22. Acresce que a Ré tem problemas de audição e usa aparelho que custa em média € 2.000,00, necessitando esporadicamente de fazer revisão ao mesmo, gastando em média a quantia de € 80,00 de 6 em 6 meses.
23. Por outro lado, a Ré tem problemas de visão, usa óculos necessitando de fazer consultas regulares onde gasta em média o valor € 45,00, acrescido € 12,00 de medicação (gotas), sendo que vai necessitar de mudar de lentes progressivas brevemente, com as quais estima gastar cerca de € 600,00.
24. A Ré suporta também despesas com alimentação, vestuário, higiene e deslocações gastando em média o valor de € 200,00 mensais;
25. Com a alimentação dos animais, nomeadamente rações, gasta em média a quantia de € 80,00 mensais.
26. O Autor, pelo contrário, aufere mensalmente a quantia de € 266,27 a título de pensão de velhice da Caixa Geral de Aposentações e ainda a pensão de velhice Alemã no valor mensal de € 923,51 (novecentos e vinte e três euros e cinquenta e um cêntimo), o que perfaz a quantia global de € 1.189,78 (mil cento o oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos).
27. Quando a Ré se juntou ao Autor já não trabalhava, porque esteve, durante longo período de tempo com incapacidade temporária para trabalho, recebendo, na altura, um seguro de doença.
28. O Autor não tem qualquer bem imóvel.
29. Tem de pagar renda de casa.
30. Apenas tem um veículo automóvel, de 1995, adquirido em 2004, do qual também, tal como a Ré, paga manutenção, combustível, imposto e seguro.
31. A Ré sempre usou óculos, desde antes de Autor e Ré se conhecerem.
32. A Ré tem o pagamento da via verde dos seus veículos automóveis domiciliado na conta conjunta do Autor e Ré.
33. O Autor reside em casa arrendada, da qual paga uma renda mensal de € 350,00.
34. O Autor tem que pagar os seus consumos de gás, electricidade e água, que perfazem uma média mensal de e 86.97.
35. O Autor é uma pessoa doente, padecendo de diabetes e de hipertensão arterial, o que obriga a frequentes consultas de controlo e de medicação.
36. O Autor tem de comprar no supermercado todos os seus alimentos, com o que gasta uma média mensal de cerca de € 350,00.
37. No dia em que o Autor saiu de casa as arcas congeladoras estavam cheias de carne que a Ré tem vindo a consumir.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pela recorrente – saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada – haverá que dizer a tal respeito que é nosso entendimento que a A. não deu integral cumprimento aos requisitos (cumulativos) de que depende a alteração da matéria de facto, nomeadamente com reapreciação da prova gravada (sublinhado nosso).
Na verdade, a sindicância da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não é livre, só podendo ser exercida nos termos previstos no artigo 662º do CPC.
Por isso, atento o disposto no nº 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, sendo de salientar que, nesta matéria, o legislador não se contentou com uma mera faculdade – como por exemplo “podiam dar lugar”, em vez de “impunham” – mas antes consagrando um imperativo (sublinhado nosso).
Todavia, não obstante a reforma operada pela Lei 41/2013, de 26/6 impor à Relação o dever (oficioso) da renovação da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, a impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global – nº 3, al. a), do art. 662º do CPC – nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância.
Ora, de acordo com o disposto no art. 640º do CPC, a impugnação da decisão de facto deve obedecer às especificações obrigatórias nele impostas aí se estipulando que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescentando o nº 2 daquele preceito legal o seguinte:
- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhado nosso);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
“In casu”, embora se possa considerar que a recorrente cumpriu, minimamente, o disposto na alínea a) do nº 1 do art. 640º do C.P.C., não deu cumprimento – de todo – ao que se dispõe nas alíneas b) e c) do nº1 e na alínea a) do nº 2 de tal normativo, sendo certo que tal omissão, ao ser detectada por este Tribunal Superior, não é passível de correção, através de prolação de despacho de aperfeiçoamento, uma vez que não obstante as expressões utilizadas no art. 640º do CPC (no corpo do n.º 1 “rejeição” e no n.º 2, al. a), “imediata rejeição”) não serem totalmente coincidentes, as mesmas significam que o efeito de rejeição não é precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento” sendo que a comparação “com o disposto no artº 639º do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito – cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 128 (sublinhado nosso).
Na verdade, as exigências legais relativamente “a impugnação da matéria de facto, devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor” decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes, devendo impedir-se que as situações de impugnação “se transformem numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, e como será evidente, “ao mesmo tempo, racionalizar o exercício do direito de recurso, reduzindo abusos” e colocando “sobre o recorrente a tarefa de, na sua auto-responsabilidade, restringir o objeto do recurso” – cfr., nesse sentido, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª ed., pág. 418.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que a A., nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, não indicou a que testemunhas se queria referir, nem, tão pouco, indicou com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nomeadamente o minuto inicial dos respectivos depoimentos e também não indicando o minuto final, incumprindo assim, de forma directa e expressa o disposto na alínea a) do nº 2 do citado art. 640º, não permitindo – de todo – localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte.
Ora, a referida omissão demonstra, indubitavelmente, uma clara violação pela A., ora apelante, do ónus que lhe é imposto no art. 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do C.P.C. e, por isso, determina a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto efectuada pela aqui apelante.
Neste sentido, aliás, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.G de 19/6/2014 (relator Manuel Bargado), disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) Ora, o artigo 640º do novo CPC, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu nº 2, alínea a), que no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Com este n.º 2 «introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto» impondo-se que «se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…).» E «o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento
Na verdade, «impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso», sendo um deles o de «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos».
Por outro lado, decorre também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.
O novo CPC veio, aliás, manter em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento - (sublinhado nosso).
No mesmo sentido veja-se ainda o Ac. da R.G. de 29/9/2014 (relator Filipe Caroço), também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se escreveu o seguinte:
- (O apelante) o que deveria ter feito era discriminar, por referência a unidades de tempo, expressas em horas, minutos e segundos, o início e o termo dos excertos de cada depoimento testemunhal que, em seu critério, relevam para a impugnação da matéria de facto que especificou por referência a determinados pontos dos factos dados como provados e da matéria dada como não provada.
Poderá argumentar-se que, apesar daquela omissão, a recorrente transcreveu algumas passagens da gravação das alegações do recurso. Todavia, como se extrai ainda da citada al. a) do nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil, tal transcrição não passa de uma faculdade concedida ao recorrente (e ao recorrido; cf. subsequente al. b)) e não substitui a obrigatoriedade da indicação exata das passagens da gravação. Sem esta indicação, tão-pouco sem que se identifiquem as passagens transcritas, a Relação teria analisar o recurso em matéria de facto pela audição integral dos depoimentos gravados e identificados, o que só depois da análise das passagens que deveriam ter sido indicadas se poderá tornar exigível.
De resto, resulta das alegações da recorrente que a importância da prova gravada não se esgota nas passagens que transcreveu, nada indiciando também que se imponha a audição integral dos depoimentos testemunhais. O próprio legislador como que presume que, não sendo impugnada toda a matéria de facto, não interessa toda prova produzida nem a totalidade da prova gravada.
A lei do processo é clara ao cominar, na mesma al. b) do nº 2 do art.º 640º, com a imediata rejeição do recurso, na respetiva parte, o incumprimento daquele ónus processual.
A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo -Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.
Na verdade, no caso de o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, além de cumprir os ónus que lhe são impostos no nº 1 do art. 640º do C.P.C., deve indicar quais as concretas passagens da gravação em que se funda, no que tange aos depoimentos das testemunhas e às declarações de parte, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder também à respetiva transcrição (com referência às concretas passagens da gravação supra referidas) – cfr. nº 2 alínea a) do citado art. 640º e Abrantes Geraldes, ob. cit. pág.153.
Ou seja, não basta ao recorrente, para obter em 2ª instância a reapreciação da prova produzida no tribunal “a quo”, quedar-se numa transcrição genérica de depoimentos prestados, pois, sobre ele, impende o ónus de especificar quais os concretos pontos de facto que reputa indevidamente apreciados, com referência precisa e exacta às passagens da gravação em que se funda o seu recurso, bem como indicando qual a resposta e o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido, o que a A., de todo em todo, não fez – cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10/12/2009, in www.dgsi.pt, bem como os Acs. da R.C. de 25/5/99 e 24/10/2000, da R.L. de 2/11/2000 e de 12/2/2014 e da R.G. de 14/3/2013 in, respectivamente, B.M.J. 483º, pág.371, JTRC01137/ITIJ/Net e, restantes arestos, disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os recentes Acs. do STJ de 7/7/2016 e de 27/10/2016, também disponíveis in www.dgsi.pt – (sublinhado nosso).
Neste sentido, e sobre esta temática, veja-se ainda Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, que, a dado passo, afirmam o seguinte:
- “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…).
E mais adiante:
“(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente (…), deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” – cfr. dos Recursos, págs. 253/254.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos acima explanados e visto o disposto no nº 2 do mencionado art. 640º do C.P.C., forçoso é concluir que não poderá este Tribunal Superior conhecer do recurso da A., aqui recorrente, quanto à impugnação da matéria de facto apurada no tribunal “a quo” (em virtude de, alegadamente, ter sido incorrectamente valorada a prova testemunhal produzida nos autos) e, por via disso, deverá o mesmo ser rejeitado, nesta parte, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.
Em consequência, mantém-se integralmente toda a factualidade que veio a ser apurada no tribunal “a quo” e que consta da sentença recorrida – a qual, aliás, se mostra transcrita supra – improcedendo, assim, esta primeira questão suscitada pela A., ora apelante, no presente recurso.
Analisando agora a segunda questão levantada pela A., aqui recorrente – saber se se verificam os requisitos previstos no art. 2004º do Cód. Civil para vir a ser fixada à A. uma pensão de alimentos a prestar mensalmente pelo R. (actualmente seu ex-marido, dado que o divórcio entre ambos já foi decretado) – importa referir a tal propósito que os alimentos – neles se compreendendo tudo o que for indispensável ao sustento, habitação e vestuário do alimentando (cfr. nº 1 do art. 2003º do Cód. Civil) – são proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los, atendendo-se, ainda, à possibilidade do alimentando prover à sua subsistência.
Neste último caso – ao qual o nº 2 do citado art. 2004º faz referência – convirá frisar que não basta a simples capacidade para o trabalho, sendo ainda necessária a possibilidade real de efectiva ocupação laboral, dada a dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência, da idade, do desemprego e da actual conjuntura sócio-económica do país.
A lei, porém, não pode deixar de se mostrar sensível à penosa situação que pode vir a encontrar-se o cônjuge depois de um longo período de vida em comum. Esse cônjuge carecerá, por via de regra, da capacidade e da aptidão necessárias para iniciar uma actividade profissional interrompida pelo casamento. A duração do casamento constitui um factor importante na determinação do an e do quantum da obrigação de alimentos, porquanto reconhece o valor do trabalho doméstico desenvolvido na constância do casamento e do contributo de ordem pessoal dado à condução da ménage, mostrando-se, de resto, em harmonia com os princípios da solidariedade dos cônjuges e da tutela do cônjuge economicamente mais fraco (cfr. Ac. da R.E de 5/12/2002, C.J., Ano 2002, Tomo V, pág.242).
No caso dos autos constata-se que a A. tem actualmente 61 anos de idade, não trabalha (nem nunca trabalhou desde que se casou com o R.), nem tem hoje rendimentos próprios que lhe permitam prover integralmente ao seu sustento.
Por via disso, a mesma é beneficiária do rendimento social de inserção no valor de € 180,77 mensais (cfr. ponto 15) dos factos provados constantes da decisão recorrida).
Por outro lado, apurou-se que a A., com as despesas domésticas da sua habitação em luz, gás, água e telefone, despende mensalmente cerca de € 125,00 (cfr. pontos 18) e 19) dos factos provados constantes da decisão recorrida) e em alimentação, vestuário, e produtos de higiene pessoal despende cerca de € 200,00 mensais (cfr. ponto 24) dos factos provados constantes da decisão recorrida).
Quanto às outras despesas suportadas pela A. apenas se dirá que não têm relevância para a eventual fixação de uma pensão de alimentos à sua pessoa, pois o art. 2003º, nº 1, do Cód. Civil é bem claro nesta matéria ao estipular que por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (sublinhado nosso).
Acresce que a A. não paga qualquer contrapartida pecuniária pela utilização da casa onde vive, uma vez que o imóvel é de sua propriedade e foi a casa de morada de família do dissolvido casal constituído por ela e pelo R.
Assim sendo, temos que as despesas estritamente indispensáveis para que a A. possa viver com um mínimo de dignidade importam, no total, em € 325,00 mensais (€ 125,00 + € 200,00), sendo que a sua fonte de receita provém apenas do mencionado rendimento social de inserção que aufere no valor mensal de € 180,77.
Por outro lado, resultou provado nos autos que o R. se encontra actualmente reformado, auferindo mensalmente a quantia de € 266,27 a título de pensão de velhice da Caixa Geral de Aposentações e ainda a pensão de velhice Alemã no valor mensal de € 923,51, o que perfaz a quantia global de € 1.189,78 (cfr. ponto 26) dos factos provados constantes da decisão recorrida), sendo com essas pensões que o R. suporta todas as suas despesas pessoais.
Ora, a este respeito, apurou-se que o R. reside em casa arrendada, na qual paga uma renda mensal de € 350,00 e as suas despesas com gás, electricidade e água perfazem uma média mensal de € 86,97 (cfr. pontos 33) e 34) dos factos provados constantes da decisão recorrida), despendendo com alimentação, uma média mensal de cerca de € 350,00 (cfr. ponto 36) dos factos provados constantes da decisão recorrida).
Mais resultou provado que o R. é uma pessoa doente, padecendo de diabetes e de hipertensão arterial, o que o obriga a frequentes consultas de controlo e compra de medicação (cfr. ponto 35) dos factos provados constantes da decisão recorrida), muito embora não se tenha apurado qual o valor que, em média, despende todos os meses com despesas médico-medicamentosas e, nomeadamente, se tai despesas são suportadas ou comparticipadas pelos serviços sociais (apesar de tal ónus de prova, indubitavelmente, só ao R. pertencer).
Por outro lado, não resultou provado qual o valor médio mensal que o R. gasta em vestuário, muito embora o mesmo não deva ser considerado superior ao que a A. despende e, por isso, temos como perfeitamente justificado o montante de cerca de € 60,00/mês (atendendo ao preço médio que custam uns sapatos, uma camisa ou umas calças).
Assim, as despesas mensais que, em média, o R. suporta hoje em dia atingem um valor que totaliza cerca de € 850,00 (€ 350,00 + € 350,00 + € 86,97 + € 60,00), sendo que os seus proventos mensais não são inferiores a cerca de € 1.190,00, pelo que, forçoso é concluir que, dos proventos por si auferidos, ainda fica o R. com cerca de 340,00/mês (€ 1.190,00 - € 850.00).
Daí que, tendo em conta as despesas e receitas acima referidas, quer da A., quer do R., torna-se evidente que, face ao disposto no art. 2004º do Cód. Civil, aquela necessita para o seu sustento de uma pensão de alimentos e que este último tem, efectivamente, possibilidades económicas de a poder prestar.
Nestes termos, tendo em conta o disposto nos arts. 2003º, nº 1 e 2004º, nº 1, ambos do Cód. Civil, julga-se parcialmente procedente esta segunda questão suscitada pela A. no recurso em análise, revogando-se em conformidade a sentença recorrida e, em consequência, decide-se fixar em € 145,00 (€ 325,00 - € 180,77) o valor da pensão de alimentos que o R. deverá pagar mensalmente à A.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
***

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pela A. Maria Filomena Reis e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, fixando-se em € 145,00 mensais o valor da pensão de alimentos a pagar pelo R. à A.
Custas pela A./apelante e pelo R./apelado na proporção do respectivo vencimento, fixando-se o valor da causa nesta instância recursiva em € 30.000,00 – cfr. artigo 298º, nº 3, do C.P.C. (isto sem prejuízo do apoio judiciário de que as partes são beneficiárias).
Évora, 27 de Junho de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).