Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
455/13.3TBALR-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
A junção ao processo de procuração forense sem que logo tenha sido arguida a falta de citação do executado sana a nulidade decorrente daquela falta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA deduziu embargos à execução que lhe move BB S.A..
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Tais embargos foram indeferidos liminarmente por estarem fora de prazo.
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Deste despacho recorre o executado alegando, no essencial, que a sentença recorrida é ilegal, por assentar numa errada interpretação dos artigos 219.° e 728.° do Código do Processo Civil, numa errada aplicação do artigo 732.° do mesmo diploma e na errada determinação das normas jurídicas aplicáveis, já que os artigos 187.°, 188.° e 189.° do Código de Processo Civil são inaplicáveis ao caso concreto.
A sentença recorrida é ilegal pois não teve em consideração a aplicação dos artigos 3.°, n.º 1, 226.°, n.º 4, al. e) e 726.°, n.º 6 e n.º 8, todos do Código do Processo Civil e ainda do artigo 10.° da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto.
O despacho recorrido assenta em dois pressupostos errados: por um lado, no facto de a intervenção espontânea nos autos pelo Recorrente dispensar o Tribunal de ordenar a sua citação (rectius, notificação) para a dedução de embargos à execução; por outro lado, no facto de o Recorrente não ter sido citado no processo de execução, falta que o Tribunal considera sanada pela intervenção espontânea do Recorrente sem arguição de nulidade processual.
A intervenção do Recorrente em momento anterior à citação é irrelevante para a contagem do prazo para o exercício do seu direito (dedução de embargos), o qual se inicia apenas com o chamamento efetuado pelo Tribunal (por meio de citação ou de notificação).
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Não houve contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos.
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Os elementos em ter em conta são os seguintes:
No processo de execução, o executado recorrente juntou procuração forense em 30 de Junho de 2014.
Por requerimento de 7 de Janeiro de 2015, o executado requereu ao Tribunal que conhecesse e declarasse a verificação da excepção dilatória de litispendência e, em consequência, a ordenasse a extinção da instância.
O despacho que recaiu sobre esse requerimento foi notificado à Ilustre Mandatária do recorrente em 18 de Março de 2015.
Por requerimento de 3 de Março de 2015, o recorrente alegou que os créditos reclamados em qualquer uma das ações pendentes se encontravam prescritos há mais de 7 anos.
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Como resulta do art.º 219.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, a citação tem por função primordial, única, dar conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma acção e chamá-lo ao processo para se defender. O fundamental é que o réu saiba que existe uma acção contra ele de forma a se defender.
Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (texto, aliás, transcrito nas alegações, embora sobre uma edição anterior), a citação «[e]ncerra assim o duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa. Constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição (art. 3-1), a citação tem por função possibilitar o seu exercício efectivo, pelo que através dela têm de ser transmitidos ao réu os elementos reputados essenciais para o efeito (art. 227), sob pena de nulidade (art. 191-1). Tem ainda uma função integradora da instância, que com ela se completa e estabiliza (arts. 259-2 e 260)» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 3.ª ed., 2014, p. 413).
A partir do momento em que o réu tem já tal conhecimento, a citação não tem que se realizar pois que a sua função está cumprida. E o referido conhecimento decorre da intervenção do réu no processo.
Esta intervenção pode ter duas modalidades: requerer ou alegar algo nos autos ou invocar a falta de citação.
No segundo caso, anula-se o processado e ordena-se a citação. No primeiro caso, o processo prossegue normalmente, considerando a lei sanada a nulidade.
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É este o regime dos art.ºs. 187.º a 189.º e é este o regime aplicável aos autos. Com efeito, não se descortina como se pode afirmar que estes preceitos não se aplicam a este caso quando o que aqui se trata é precisamente de um caso de falta de citação — o que o despacho recorrido afirma sem qualquer dúvida: «Em primeiro lugar, cumpre dizer que, nos autos de execução principal, não ocorreu, formalmente, o ato de citação do Executado, ora Embargante».
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O recorrente esgrima com o dever de o Tribunal ordenar a citação; este dever existe (seja do Tribunal, seja do agente de execução) mas deixa de existir quando cessa a revelia, quando o citando tem intervenção nos autos. Reproduzindo um trecho do ac. da Relação do Porto, de 25 de Novembro de 2013: «E sobre o que se deve entender por "intervenção no processo", ensina Rodrigues Bastos, em "Notas ao Código de Processo Civil", que a mesma reporta-se à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão»; veja-se, também, o ac. da Relação de Évora, de 16 de Abril de 2015.
No nosso caso, o recorrente teve duas intervenções onde manifestou bem o seu conhecimento de que existia um processo pendente contra si: por um lado, a junção da procuração forense e, por outro, a alegação da prescrição da dívida exequenda. O recorrente não só sabia da existência do processo como do que se lhe pedia.
Na primeira intervenção, não arguiu a nulidade da falta de citação (e note-se que, para ter conhecimento do processo, o Ilustre Mandatário não necessitava de procuração, face ao disposto no art.º 163.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil). Citando Alberto dos Reis, «o réu pode reclamar contra ela [falta de citação] em qualquer altura do processo, contanto que tenha sido revel; só perde o direito de a arguir se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela» (Comentário ao Cód. Proc. Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, pp. 446-447)
A este respeito, ao indicar a razão de tal solução, escrevem os autores citados (trecho que o recorrente já não cita):
«Não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir júris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se». (ob. cit., p. 369).
Por isso, a lei fala em sanação da nulidade; esta existiu, verificou-se mas perdeu relevância.
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Daqui recorre ainda que um qualquer acto posterior que tenha por objectivo o dar conhecimento ao réu da pendência do processo é perfeitamente inócuo uma vez que já não existe nulidade por falta de citação. Esta sanou-se pela intervenção nos autos e não porque tivesse sido realizada.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 6 de Outubro de 2016

Paulo Amaral

Francisco Matos

Tomé Ramião