Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/16.0PBFAR.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: INJÚRIA
DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O instituto da dispensa de pena não tem aplicação ao caso destes autos, porque não se demonstrou, por um lado, que as mensagens enviadas pelo arguido configurem mera retorsão, e, por outro lado, porque não se verificam os requisitos (cumulativos) previstos no artigo 74º, nº 1, als. a), b) e c), do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 22/16.0PBFAR, da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Faro - Juiz 3), em que é arguido PC, e por sentença datada de 03 de julho de 2017, foi decidido nos seguintes termos:

“a) Condeno o arguido PC pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

b) Condeno o arguido PC pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

c) Condeno o arguido PC na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 1.020,00 (mil e vinte euros);

d) Condeno o arguido no pagamento das custas penais, fixam-se em 3 (três) UC's a taxa de justiça.

Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante A. e, em consequência:

a) Condeno o arguido/demandado PC no pagamento de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescido de juros de mora à taxa legal, a contar da notificação da presente decisão;

b) Absolvo o arguido/demandado do demais peticionado;

c) Custas pela assistente/demandante e pelo arguido/demandado na proporção do respetivo decaimento.

Fixo ao enxerto cível o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros)”.
*
Inconformado com a sentença condenatória, dela interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“a) Vem o recorrente colocar em crise a sentença que o condena num crime de ofensa à integridade física simples e num crime de injúria à recorrida A.

b) Além do mais foi condenado na pena de multa no montante de €1.020,OO, bem como no pagamento de €2.500,OO a título de compensação indemnizatória à recorrida.

c) O recorrente e a recorrida tiveram uma relação amorosa durante 18 anos, da qual nasceu uma filha, L , e um filho, o G, encontrando-se ambos a residir com o pai e à sua guarda com o acordo da recorrida/mãe.

d) Coloca-se, assim, em crise a sentença proferida pelo tribunal a quo, designadamente os factos provados n.ºs 4, 5, 6 e 7, que não poderiam ter sido considerados como provados, pois face às declarações das testemunhas e da própria recorrida, nada nos leva a crer que a agressão tenha acontecido, nem mesmo que tenha acontecido nos termos dos factos considerados como provados.

e) Relativamente ao crime de injúria também se considera que não podiam ter sido considerados como provados os factos 52, 53, 54 e 55, porquanto ficou provado pelas declarações da recorrida que enviava mensagens a provocar o recorrente.

f) Factos provados

4. No dia 23 de Fevereiro de 2016, cerca das 09hOO, a assistente A. deslocou-se à residência do arguido, sita na Conceição de Faro, para ver os filhos de ambos.

5. Na sequência de uma troca de palavras, o arguido agarrou a assistente, com força, e arrastou-a pelo chão até fora da residência.

6. Em consequência da descrita agressão, a assistente sofreu três equimoses com 2 cm e 3 e 4 cm no braço direito e uma equimose com 3 cm na face lateral da coxa esquerda, lesões essas que foram determinantes de 12 dias de doença, sem incapacidade.

7. Agiu o arguido de forma voluntária, livre e consciente, querendo molestar a integridade física da assistente, o que logrou.

g) Ora, considerou o tribunal a quo que as suas declarações não mereceram veracidade.

h) O que o recorrente explica é a forma como tudo sucedeu, tendo a recorrida caído no chão, e foi-lhe impedido entrar em casa.

i) O recorrente inclusivamente ajudou a recorrida a levantar-se e, mais uma vez, impediu-a de entrar no seu veículo, factos corroborados pela própria recorrida.

j) É latente que a posição da recorrida não é verdadeira, pois ficam demasiadas perguntas por esclarecer.

k) Ora, em consonância com o seu restante depoimento durante a audiência fica provado que a recorrida tinha as chaves da casa.

I) Por outro lado, a recorrida, neste depoimento, refere que vai ao veículo do recorrente buscar as chaves para entrar na casa.

m) Refere ainda a recorrida que bateu à porta, não tendo esta posição sido confirmada pelo seu filho G .

n) Nunca é referido que o recorrente ausentou-se para ir buscar a GNR, quando esta realidade é confirmada pelo próprio Guarda da GNR, MF.

o) No depoimento da testemunha G, filho do recorrente e da recorrida, verifica-se uma espontaneidade própria da idade.

p) Esta testemunha confirma o que o recorrente relatou, mas perante a sua perspetiva.

q) Referiu que a mãe tinha umas chaves nas mãos e que após o progenitor/recorrente chegar, a recorrida forçou a entrada na casa.

r) Além do mais, a testemunha foi perentória em referir que nunca viu agressão entre os pais e que já não gostava da mãe.

s) Apesar de serem umas palavras muito fortes relativamente à recorrida, este sentimento revelado pelo filho demonstra a personalidade e perfil da recorrida.

t) A recorrida não se coíbe de chorar e mentir na audiência de julgamento para dessa forma fomentar a simpatia ou alguma pena dos agentes da justiça presentes.

u) A realidade é que perante a prova testemunhal e pelas declarações do recorrente e da recorrida não havia prova suficiente para se condenar o recorrente por ofensa à integridade física simples.

v) A prova e os pormenores são parcos e nada fazem crer que a recorrida tenha sido agredida. Inclusivamente as equimoses apresentadas e o relatório médico elaborado poderiam ser relacionados com uma queda devido ao piso ser em calçada portuguesa.

w) As declarações são coincidentes, divergindo no que respeita à agressão. Apesar disso, as testemunhas G e MF, e o recorrente, são coincidentes, merecendo credibilidade.

x) Apenas o depoimento da recorrida se afasta dos restantes, senão vejamos as discrepâncias:

- A recorrida refere ter batido à porta, o que foi contraposto pela testemunha G;

- A recorrida refere que mencionou ao militar da GNR no sítio da residência do recorrente que tinha sido agredida, tendo sido declarado pelo militar Mário Fistor totalmente o contrário;

- A recorrida refere que sempre teve a chave da residência do recorrente, mas declarou que no momento do confronto com o recorrente dirigiu-se ao veiculo deste para retirar a chave da residência para dessa forma poder entrar;

- A recorrida refere ter sido arrastada no exterior da residência, mas ficou provado no facto n.º 5 que foi arrastada desde o interior da residência.

y) Ora, concluímos que este depoimento da recorrida não merece credibilidade, pelo que os factos n.ºs 4 a 7 não deveriam ter sido considerados como provados, pois muita dúvidas se levantam.

z) Considera o recorrente que não existe prova suficiente produzida em julgamento que permita condená-lo em face do depoimento não coincidente da recorrida. Inclusivamente, a recorrida faltou à verdade durante a audiência de julgamento, retratando-se no âmbito do crime de injúria como se verá infra.

aa) Em caso de dúvida da atuação do recorrente em face dos testemunhos realizados em sede de audiência de julgamento ou face à falta de prova, o princípio in dubio pro reo deveria ter sido aplicado em prol do recorrente optando-se pela sua absolvição, o que não aconteceu.

bb) O Tribunal a quo ao considerar como provados os factos supra transcritos incorreu em erro de julgamento.

cc) Factos provados

52. O arguido sabe que as expressões e frases atrás reproduzidas são adequadas a causar dor e humilhação à assistente e a atingi-Ia na sua honra, consideração e amor-próprio, o que logrou fazer, tendo-as proferido de propósito com estes intuitos, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que essas condutas são proibidas por lei por consubstanciarem crime, e mesmo assim não se coibindo de as dirigir à assistente.

53. O teor das mensagens supra referidas ofende a sensibilidade, a dignidade, honra, consideração e amor próprios da assistente, e a sua saúde psíquica e mental, além da sua saúde física, porquanto a atormentam e apoquentam, e fazem sofrer.

54. Em consequência do descrito em 4. a 6. a assistente sentiu dor.

55. A conduta do arguido descrita em 10. a 51. causou na assistente angústia, dor, humilhação e sofrimento.

dd) Não pode concordar o recorrente com os factos provados n.º 52, 53, 54 e 55, ou pelo menos parcialmente.

ee) Nos dois depoimentos da recorrida realizados em 23/05/2017 e 22/06/2017 verifica-se que a mesma falta à verdade e apenas se retracta quando confrontada com a leitura das suas declarações prestadas em sede de instrução, confirmando que chamou em mensagem "filho da puta" e "paneleiro" ao recorrente.

ff) Não pode merecer credibilidade uma testemunha ou recorrida que falta à verdade em sede de audiência de julgamento tendo o tribunal a quo verificado essa realidade.

gg) Além do mais este facto provocador da recorrida ao injuriar o recorrente deveria ter sido considerado como facto provado, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento.

hh) Esse facto provocador seria o bastante para se verificar o disposto no art. 186.º, n.º 2, do Código Penal, da dispensa de pena por atuação ilícita do ofendido, neste caso da recorrida.

ii) Considera o recorrente que apenas fica provado que enviou as mensagens como resposta às provocações da recorrida. Verifique-se que o tribunal a quo teve em consideração, na "motivação da matéria de facto", que a recorrida chamou "filho da puta" ao recorrente. Contudo sem razão aparente não considerou este facto como provado.

jj) Ora, perante os depoimentos do recorrente e da recorrida não podia o tribunal a quo considerar como provados os factos n.ºs 52 a 55.º, pois o recorrente apenas o fez como resposta às provocações da recorrida. Além do mais não fica explicado pelo tribunal a quo como é que as mensagens que aparecem na inspeção judiciária apenas dizem respeito às enviadas pelo recorrente. Nenhuma mensagem enviada pela recorrida foi transcrita, tendo esta admitido que apagou algumas mensagens.

kk) Ora, o que se entende deste crime cometido, é que parece fabricado pela própria recorrida para que seja o recorrente a enviar as mensagens de forma gratuita sem que ocorresse motivo para tal, ou provocação por parte da recorrida.

II) O Tribunal a quo, ao considerar como provados os factos supra transcritos, incorreu em erro de julgamento.

mm) Resulta claro de todo o exposto que o Tribunal a quo não apreciou nem valorou corretamente a matéria fáctica produzida, havendo incorrido em erro de julgamento e assim não apenas fez uma incorreta aplicação do Direito como ainda desconsiderou por completo o princípio norteador do processo penal do in dubio pro reo.

nn) Pugna-se assim pela absolvição do Recorrente, pois o princípio in dubio pro reo ou a presunção de inocência do arguido configuram garantias constitucionais do recorrente, tendo de prevalecer em sede de julgamento.

oo) A prova produzida em julgamento foi manifestamente insuficiente para condenar o recorrente, como já mencionado, tendo o Tribunal a quo retirado uma conclusão ilógica, arbitrária, baseada numa incorreta apreciação da prova, alicerçado no art. 127º do CPP.

pp) Temos o depoimento do recorrente, que, como já se verificou, não tem qualquer crime averbado no seu registo criminal, sendo uma pessoa de bem, inserida e colaboradora dos deveres cívicos na sociedade.

qq) Por outro lado, temos a testemunha G, filho do recorrente, que não tem motivo para mentir e sendo incapaz do mesmo em face da doença de Asperger de que padece.

rr) O Tribunal a quo deverá ter alicerçado a sua convicção no depoimento da recorrida, que se mostrou bastante comovida.

ss) Esta atitude não lhe dá um atestado de verdade, devendo ser apreciado nos mesmos termos que as outras testemunhas.

tt) Conclui-se, assim, que pelo menos a dúvida razoável seria levantada na audiência de julgamento, devendo o recorrente ser absolvido, pelo prosseguimento do princípio in dubio pro reo.

uu) Pelo que em caso de dúvida beneficiaria sempre o recorrente do princípio in dubio pro reo ao abrigo do disposto no art. 32. º da Constituição da República Portuguesa, sendo absolvido do crime de ofensa à integridade física simples.

vv) Verificando-se que as mensagens enviadas pelo recorrente foram como resposta a diversas provocações da recorrida, deveria o tribunal a quo ter procedido em conformidade com ao art. 186.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, a saber:

"2 - O tribunal pode ainda dispensar de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido.

3 - Se o ofendido ripostar, no mesmo ato, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles. conforme as circunstâncias".

ww) Ora, em face do depoimento da recorrida, em que admitiu que enviava mensagens ao recorrente, poderia o tribunal a quo ter optado pela dispensa de pena do n.º 2 ou 3.

xx) Além do mais e à cautela sempre se diria que mesmo que não ocorresse a possibilidade de dispensa de pena, deveria o tribunal a quo ter levado em consideração a confissão do recorrente ao referir que efetivamente enviou as mensagens.

yy) Mesmo que o tribunal a quo refira que o recorrente não revelou qualquer arrependimento, o recorrente no final da audiência pediu as devidas desculpas.

zz) Ora, entende-se que poderia aplicar-se o regime da dispensa de pena ou, caso assim não se entendesse, deveria ter-se levado em conta a confissão do recorrente na aplicação da pena concreta, incorrendo uma vez mais o tribunal a quo em erro de julgamento.

aaa) Pelos factos supra expostos deve o Tribunal ad quem revogar a sentença de que se recorre e substitui-Ia por outra que absolva o recorrente do crime de ofensa à integridade física simples e proceda à dispensa de pena no crime de injúria.

Pelo exposto, e pelo que mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e, em consequência, absolva o recorrente do crime de ofensa à integridade física simples e proceda à dispensa de pena no crime de injúria.

Neste crime de injúria, caso não se entenda pela dispensa de pena, deverá ter-se em consideração a confissão formulada pelo recorrente para efeitos de aplicação de pena concreta, assim fazendo a costumada Justiça”.
*
A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo do seguinte modo (em transcrição):

“1 - A matéria de facto assente que fundamentou a condenação foi bem dada como provada, incluindo os pontos impugnados 4, 5, 6, 7, 52, 53, 54, e 55, valorados em face da prova produzida, à luz das regras da experiência comum, da normalidade e do bom senso, devendo ser mantidos, na íntegra.

2 - A valoração das declarações do arguido e da assistente quanto à sua credibilidade foi bem apreciada pela Mmª Juiz "a quo", de forma objetiva e bem fundamentada, sem quaisquer vícios, erros de pensamento, ou qualquer censura que lhe possa ser assacada, no âmbito do princípio da livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no art. 127º do C.P.P., estando a formação da sua convicção e os respetivos fundamentos bem descritos e facilmente percetíveis a qualquer destinatário.

3 - A mera discordância da apreciação da prova feita pela Mmª Juiz "a quo" não é fundamento, por si só, para a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal de Recurso, já se tal apreciação se insere no âmbito da livre apreciação do julgador, que não é sindicável.

4 - O âmbito de apreciação do Tribunal de Recuso, estando em causa impugnação de matéria de facto, circunscreve-se à deteção e apreciação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do C.P.P., ou à deteção e apreciação de erros flagrantes de apreciação de prova no âmbito da denominada impugnação ampla prevista no art. 412º, nºs 3 e 4, do C.P.P., sendo estes os que impõem decisão diversa em face da prova produzida, e não uma solução igualmente plausível, o que, manifestamente, não é o caso dos autos.

5 - O instituto da dispensa da pena, previsto no art. 186º do C.P., não tem aplicação neste caso, por manifesta carência dos pressupostos legais da sua aplicação, já que, para além de não se verificar o requisito previsto no nº 1 do referido artigo, também não se apurou que todas as mensagens de conteúdo injurioso enviadas pelo arguido foram em resposta a provocações da assistente.

6 - A sentença objeto de recurso deve ser mantida, no seus exatos termos, não merecendo qualquer censura quanto à valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nem quanto ao elenco dos factos dados como provados e não provados, bem como quanto à condenação, devendo ser mantida no seus exatos termos.

7 - Analisados todos os fundamentos do recurso, concluímos pela sua manifesta improcedência, pelo que entendemos que deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no art. 420º, nº 1, aI. a), e nºs 2 e 3, do C.P.P.”.

A assistente A apresentou também resposta ao recurso, na qual concluiu do modo seguinte (em transcrição):

“a) As conclusões da alegação do recurso interposto pelo arguido reportam-se, não a qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2, do C.P.P., mas à convicção do tribunal.

b) Em momento algum se refere que a sentença recorrida não efetuou um processo lógico e racional na apreciação da prova, que a decisão é uma conclusão ilógica, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.

c) A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

d) A convicção do Tribunal foi formada através de induções e deduções retiradas, mediante regras lógicas, através de uma perceção direta e imediata, que permitiram avaliar a personalidade e a credibilidade das declarações e depoimentos prestados.

e) Não existe qualquer violação ao princípio in dubio pro reo.

f) A matéria de facto assente não deve sofrer qualquer alteração, designadamente no que concerne aos pontos impugnados 4, 5, 6, 7, 52, 53, 54, e 55.

g) O instituto de dispensa da pena não se aplica ao presente caso, por um lado, porque não se demonstrou que as mensagens que o arguido comprovadamente enviou tenham resultado de mera retorsão, e, por outro lado, porque não se verificam os requisitos exigidos pelo artigo 74º do Código Penal.

Nestes termos e atento o exposto, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, e, em consequência, mantida a Decisão recorrida, assim fazendo V. Exas. a sempre douta, inteira e costumada Justiça”.
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concordando com o entendimento da Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância e concluindo pela improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da motivação do recurso, e em breve resumo, são quatro as questões a conhecer:

1ª - Impugnação alargada da matéria de facto (no que concerne aos factos tidos como provados na sentença revidenda sob os nºs 4, 5, 6, 7, 52, 53, 54 e 55).
2ª - Violação do princípio in dubio pro reo.
3ª - Dispensa de pena (no tocante ao crime de injúria).
4ª - Medida concreta da pena (relativamente ao crime de injúria - devendo ter-se em consideração a confissão do arguido respeitante a tal crime).

2 - A decisão revidenda.
A sentença proferida nos autos é do seguinte teor (quanto aos factos e à motivação da decisão fáctica):

“A. Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A assistente e o arguido são ambos brasileiros, e viveram como marido e mulher, cerca de 18 anos, até que casaram em 18 de Maio de 2015.

2. Dessa união existem dois filhos menores, L, nascida em 1 de Novembro de 1999, e G, nascido em 14 de Dezembro de 2002.

3. A assistente e o arguido encontram-se separados de facto desde Novembro de 2015.

4. No dia 23 de Fevereiro de 2016, cerca das 09h00, a assistente A. deslocou-se à residência do arguido, sita na Conceição de Faro, para ver os filhos de ambos.

5. Na sequência de uma troca de palavras, o arguido agarrou a assistente, com força, e arrastou-a pelo chão até fora da residência.

6. Em consequência da descrita agressão, a assistente sofreu três equimoses com 2 cm e 3 e 4 cm no braço direito e uma equimose com 3 cm na face lateral da coxa esquerda, lesões essas que foram determinantes de 12 dias de doença, sem incapacidade.

7. Agiu o arguido de forma voluntária, livre e consciente, querendo molestar a integridade física da assistente, o que logrou.

8. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida por lei.

9. Pelo menos nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016, o arguido enviou à assistente através da aplicação "Whatsapp", várias mensagens.

10. Designadamente, em 23 de Janeiro de 2016, o arguido diz que "não tenho pinto grande como gostas", "assim foi com seu amante, só que o português era careca", "o que importa é a estabilidade dos seus filhos, que já não tinham, e agora estão voltando ao normal", "se você acha que o dinheiro que roubou vai trazer felicidades tás enganada que tens que vender o ap e no caixão não vai caber tudo e tenho provas também que roubaste a poupança dos teus filhos", "explica as ligações", "idas a Lisboa, langeris sexi, etc só para marcar encontro".

11. E pelas 16:53 do dia 23 de Janeiro de 2016 "Por enquanto pode ficar tranquila que os meninos não sabem nada dos seus amantes, trepadas. Fudidas. Chupadas nojento de mais", "mas um dia vão saber".

12. E pelas 17:34 desse mesmo dia "No Brasil você ainda não me explicou seus telefonemas todo horário de chamada sua calcinha preta quando vieste de Lisboa branca de pora e você nem teve o cuidado de lavar e telefonemas me explica caralho".

13. Às 17:36, do dia 23 de Janeiro de 2016, "filha da puta".

14. Pelas 19:20 desse mesmo dia "vou encontrar o telefone daquele cara do Brasil casado que fudia com ele quando foste ao Brasil. E falar para mulher dele é minha filha, talvez DNA como sempre falou, tá na hora mesmo".

15. No dia 23 de Janeiro de 2016, pelas 19:21 "Vamos ver", "o que dá".

16. Pelas 19:25 desse mesmo dia "gozar no caralho dos outros com meu suor e me roubavaa madame fina você vai ficar famosa na cidade."

17. No dia 23 de Janeiro de 2016, pelas 19:26 "Cara de Pau".

18. Pelas 19:37 "Me enganaste todos estes anos".

19. Pelas 21:44 "Assim perde seus filhos se toca mude as suas atitudes pelo menos com seus filhos".

20. Pelas 21:44 "Eles não são seus homens".

21. Pelas 23:12 "Talvez como você falava antigamente. Tá na hora de fazer DNA mesmo urgente que aprontaste muito no Brasil".

22. Pelas 23:13 "Putaria. Fina cada dia tenho uma novidade".

23. Pelas 23:37 "Agora acredito que no Brasil era garota de programa caralhos".

24. Pelas 23:40 "DNA de certeza urgente".

25. Pelas 23:52 "Vai aver muito mais novidade já me avisaram puta fina".

26. Pelas 00:08 de 24 de Janeiro "Vai pró caralho você não é uma mãe e nunca foi tenho que fazer DNA urgente e a responsável vai ser você que causou tudo isso pelas suas aventuras com seus amantes".

27. Pelas 00:09 "vá à merda", e pelas 00:10 "vai procurar os caralhos que te fuderan e não fale mais comigo".

28. Pelas 18:22 do dia 24 de Janeiro de 2016: "Agora sei porque fazia propaganda que eu tinha caralho pequeno e que provaste muitos grandes e grossos na sua vida de aventuras pelo mundo da prostituicao".

29. Pelas 18:25 do dia 24 de Janeiro de 2016 "Ladrona" e pelas 18:26 "roubou até os próprios filhos" e pelas 18:26 "Fudelhona ma".

30. Pelas 18:27 do mesmo dia "Um dia mostro para eles esta ameaça".

31. Pelas 23:38 do dia 24 de Janeiro de 2016 "Num momento que mais precisavam da mãe os abandonou não quando foram crianças mas num momento frágil que mais presiza numa adolescência. Senten abandonados e sua filha a namorar neste momento que mias precisava frágil e perigoso com uma rapaz de 18 anos pode. Se aproveitar da situaçaeo.e não tem uma mãe para a apoiar lhe ensinar só por troca de aventuras sexuais e dinheiro a responsabilidade vai ser só sua".

32. Pelas 23:42 do mesmo dia "Você é uma pistoleira de primeira".

33. E pelas 7:36 de 25 de Janeiro de 2016 "como eque podefilhos dizendo que não tem mais mãe".

34. Pelas 7:37 "Aventuras como você mesmo disse aos seus e sexo por fazerenlhes favores eu sei bem quais foram os favores".

35. Pelas 7:38 do dia 25 de Janeiro de 2016 "DNA".

36. Pelas 8:21 desse mesmo dia "Cada dia que passas perde mais vínculo com seu filhos em vês de vir no ponto de ónibus dar um abraço e um beijo e ficar com eles até. O ónibus passar mas prefere ficar reclusa no seu bordelzinho".

37. Pelas 17:40 do dia 25 de Janeiro de 2016 "Você é sem noção nenhum apronta me trai abandonou os filhos a casa por aventuras ( ... ) mas não consegui deixou seus filhos perdidos emocionalmente a culpa é sua só aprontou roubou até dos filhos quando mais prisisavam o abandonaste ( ... ) Com bafo com roncos com merda e com os engravatados casados".

38. Pelas 18:45 de 25/01/2016 "Agora voltando atrás entendi ( ... ) e eu passando por cornudo pinto pequeno. Esse é o pai de um dos seus filhos!!".

39. Pelas 18:46 "E tem mais suas atitudes demostra o que você é. Não só para mim para todos sabe bem o que quer dizer" e pelas 18:47 "DNA. Sabe o que quero dizer".

40. No dia 26 de Janeiro de 2016 pelas 21:05 "É o apartamento compraste com o que como garota acompanhante. Como era antes".

41. Pelas 21:10 desse mesmo dia "Suas ameaças ( ... ) depois de descobrir as corneadas com pessoas casadas suas aqui e no Brasil não sabia dessa capacidade sua de gostar de estragar famílias".

42. Em 2 de Fevereiro de 2016 pelas 22:03 "Você abandonou seus filhos para ter liberdade p suas aventuras".

43. Em 11 de Fevereiro de 2016 pelas 13:46 "Meus filhos são filhos da puta", e pelas 13:47 "Fui corneado e você confessou" e pelas 13:48 "Quando ma mulher corneia o marido e filha da puta".

44. Em 12 de Fevereiro de 2016, pelas 22:03 "Sua filha está com lágrimas", pelas 22:04, “E não fala. Sua saca na" e pelas 22:04 "Vagabunda", "E você é puta", "Do ruim, Rui, "Vem cachoara".

45. E pelas 23:04 "Você não é mãe acabaste com sua filha sua sacana".

46. E pelas 23:09 "Uma coisa e entre vocês outra e seus filhos sacana. Vai acertar com ela no caralho chega que matar seus filho ainda mais".

47. Pelas 23:25 "Sua cabra filha da puta você não é mãe".

48. Pelas 00:10 do dia 13 de Fevereiro de 2016 "Você exala puta ria não sabia que foste garota de programa".

49. Pelas 01:49 do dia 13 de Fevereiro de 2016: "Sempre desconfiei como olhava para os homens você se entrega sozinha naturalmente quer come los com os olhos agora acredito o que me fizeste".

50. Pelas 01:53, desse mesmo dia "Ta no seu sangue ninguém tira", "é o teu natural".

51. Pelas 02:00 "puta baixo nível cretina falça, etc".

52. O arguido sabe que as expressões e frases atrás reproduzidas são adequadas a causar dor e humilhação à assistente e a atingi-Ia na sua honra, consideração e amor-próprio, o que logrou fazer, tendo-as proferido de propósito com estes intuitos, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que essas condutas são proibidas por lei por consubstanciarem crime, e mesmo assim não se coibindo de as dirigir à assistente.

53. O teor das mensagens supra referidas ofende a sensibilidade, a dignidade, honra, consideração e amor próprios da assistente, e a sua saúde psíquica e mental, além da sua saúde física, porquanto a atormentam e apoquentam, e fazem sofrer.

54. Em consequência do descrito em 4. a 6 . a assistente sentiu dor.

55. A conduta do arguido descrita em 10. a 51. causou na assistente angústia, dor, humilhação e sofrimento.

56. O arguido não tem antecedentes criminais.

57. Exerce funções de gerência numa empresa de prestação de serviços médicos de dentista e prótese dentária.

58. Aufere mensalmente um vencimento no valor de € 1.500,00.

59. Concluiu um curso técnico de prótese dentária.

60. Reside com os dois filhos, com 14 e 17 anos de idade, em casa própria.

61. Suporta mensalmente o montante de € 200,00 mensais para amortização de um crédito à habitação e, ainda, o valor de € 700,00 mensais para amortização de um crédito ao consumo.

62. Não demonstrou qualquer arrependimento pelas condutas por si perpetradas.

63. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Designadamente não se provou que:

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4. a assistente se deslocou à residência do arguido a fim de tratar de questões relacionadas com o seu divórcio.

b) Aquando do referido em 5. o arguido tenha empurrado a assistente contra uma parede.

c) Pelas 17:49 do dia 23 de Janeiro de 2016 o arguido tenha remetido à assistente uma mensagem escrita dizendo "vou ficar famoso o homem do pinto. Pequeno eu e seu filho claro esqueceu idiota".

d) E pelas 19:23 do dia 23 de Janeiro de 2016 o arguido tenha remetido uma mensagem escrita à assistente dizendo "ele te mandava fotos do caralho para você lembrar dele quando você chupava e gozava com meu suor mas independente se é minha filha ou não. Quem cria é o pai e eu a amo muito".

e) Pelas 23:07 do dia 23 de Janeiro de 2016 o arguido tenha remetido uma mensagem escrita à assistente dizendo "sua filha está pesquisando o que é o ovo que dizia na caixa do seu vibrador que deixou na sala sua punheteira legal em que ela está na internet pesquisando me pediu o que era aquilo".

f) No dia 24 de Janeiro de 2016 pelas 18:27, o arguido tenha remetido à assistente uma mensagem escrita dizendo "tentaste matar o pai de seus filhos".

g) Pelas 18:50 do dia 25 de Janeiro de 2016 o arguido tenha remetido à assistente uma mensagem escrita dizendo "Agora entendo porque quando te fui buscar no Brasil não quis trepar porque estava muito assada ...".

h) No dia 25 de Janeiro de 2016, pelas 18:52, o arguido tenha remetido uma mensagem escrita à assistente dizendo "E Cirurgia das tetas pagas com o meu suor faziam fila para sair o do face era um deles ...".

i) Pelas 18:53 do dia 25 de Janeiro de 2016, o arguido tenha remetido uma mensagem escrita à assistente dizendo "Você sempre provocou os homens e eu encarava cansei de presenciar isso parecia que os queria comer vivo depois diz que não gosta de sexo claro que não comigo".

j) O arguido tenha remetido à assistente as mensagens supra descritas com o intuito de lhe infundir o medo de perder os filhos.

k) Em consequência da atitude do arguido a assistente tenha ficado com receio do que pode vir a suceder-lhe e aos filhos, sobretudo as que se referem à necessidade de teste de DNA dos filhos, por o arguido colocar e sempre ter colocado em causa a respetiva paternidade, e as que lhe atribuem amantes imaginários, bem como as que referem que maltrata e abandona os filhos, e as que referem que roubou o marido e os filhos e atribuem comportamentos falsos do pior.

64. Motivação da matéria de facto

Estriba a decisão do Tribunal quanto aos Factos Provados e Não Provados, acima enunciada, a articulação de todos os meios de prova apresentados em Audiência de Discussão e Julgamento de que resultou valor probatório, devidamente articulados com as regras de experiência comum e que permitiram, no seu conjunto, ao Tribunal alcançar as conclusões que infra melhor se fundamentam (artigos 125º, 127º e 355º, a contrario, do Código de Processo Penal).

O arguido decidiu prestar declarações, optando, num primeiro momento, por negar, na totalidade, os factos que lhe são imputados nos presentes autos, denotando uma atitude de revolta, escudando-se no lapso temporal decorrido e inclusivamente tentando confundir este Tribunal com a possibilidade da remessa de mensagens à assistente, através do seu número de telemóvel, poder ter sido realizada por uma das suas funcionárias. Mais concretamente, e relativamente à alegada agressão, afirmou que ao impedir a assistente de entrar na sua residência esta se "desequilibrou e caiu no chão", relatando não se recordar se existiu contacto físico entre ambos. Porém, a determinado momento das suas declarações mencionou que, numa tentativa de impedir que a assistente entrasse na sua viatura automóvel, "[lhe] pegou no antebraço".

Certo é que o discurso do arguido mudou, quando instado pelo seu Ilustre Mandatário. Aí, se é certo que continuou a negar que tenha agredido a assistente, já admitiu como possível lhe ter remetido as mensagens e, bem assim, se ter excedido relativamente ao teor das mesmas.

Cumpre, desde já afirmar, que o arguido não nos logrou convencer da veracidade da versão por si veiculada, quer pelos recuos e avanços do seu discurso, quer pela falta de espontaneidade do mesmo.

Pelo contrário, as declarações da assistente já se nos afiguraram credíveis, espontâneas e sinceras. Em sede de audiência de julgamento afirmou que se deslocou à residência do arguido, de quem se havia separado no mês de Novembro de 2015, para ver os filhos, "mas ninguém lhe abriu a porta". Aí o arguido "pegou-lhe no braço e arrastou-a", tendo nesse momento perdido o equilíbrio e caído, o que não impediu aquele de a arrastar pelo chão. Afirma que o seu filho, a testemunha G, não visualizou os factos perpetrados pelo arguido por se encontrar dentro de casa.

Relativamente às mensagens remetidas pelo arguido, confirmou, de uma forma genérica, o seu teor, afirmando, quando confrontada com as declarações prestadas em sede de instrução que, por vezes, respondia ao arguido, incitando-o a fazer prova do que insinuava, admitindo que o apelidou de filho da puta e que lhe disse não gostar da sua família.

O filho do arguido e da assistente, a testemunha G, afirmou que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5. ligou ao pai, uma vez que a "mãe vinha toda maluca a tentar entrar [em casa]".

Afirmou ter fechado o estore e que "já não quis ver mais nada", o que nos permite concluir que o mesmo não assistiu ao ocorrido entre o arguido e a assistente. Se é certo que, posteriormente, e a instâncias do Ilustre Mandatário do arguido, afirmou ter visto a mãe cair, a verdade é que também referiu não gostar daquela. Esta parte do seu depoimento não nos mereceu credibilidade, atenta a falta de espontaneamente do seu discurso, numa clara tentativa de proteger o progenitor com quem reside e com quem nitidamente detém uma relação mais próxima.

A testemunha MF, militar da GNR, que se deslocou à residência do arguido no dia e hora mencionados em 4., apenas afirmou que o arguido se encontrava "stressado" e a assistente "a chorar". Confirmou que o filho do arguido e da assistente se encontrava em casa. No mais, relatou que a assistente apenas lhe comunicou que havia sido agredida no Posto da GNR, razão pela qual elaborou o aditamento junto a fls. 57 e 58.

O relatório de perícia de avaliação do dano corporal junto a fls. 52 e 53 revelou-se crucial para a prova das várias lesões sofridas pela assistente, assim como, a data da cura das mesmas, conforme elencados no ponto 6. do manancial fáctico considerado provado, mostrando-se igualmente consonante com a versão daquela.

Quanto às mensagens propriamente ditas, como já mencionamos supra, o arguido acabou por admitir que as mesmas foram remetidas através do seu número de telemóvel, sendo certo que o seu concreto teor decorre da transcrição junta a fls. 427 a 463, efetuada pela Policia Judiciária, através de exame pericial ao telemóvel da assistente, com a respetiva autorização desta (cfr. fls. 421 a 425), não nos suscitando qualquer questão quanto à validade do referido elemento de prova. Assim, não se considerou a transcrição junta aos autos a fls. 96 a 137, alegadamente elaborada pela assistente, ou pelo menos, não efetuada por uma entidade externa e imparcial como a Policia Judiciária.

A testemunha CG, funcionária da clínica explorada pelo arguido, não denotou conhecimento dos factos objeto dos presentes autos, afirmando, no entanto, que o arguido é dedicado ao trabalho e aos filhos e, bem assim, que era frequente a existência de discussões entre o casal, as quais terminavam porque o arguido não lhes dava continuidade.

Os factos relativos aos elementos, intelectual e volitivo, do dolo concernente às condutas do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, aliado às regras de experiência comum.

Para a prova dos factos mencionados nos pontos 1. e 2. considerámos o teor das certidões juntas a fls. 224 a 231.

A ausência de antecedentes criminais por parte do arguido resulta da análise do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 571.

Para a prova dos factos insertos nos pontos 57. a 61. relevaram as declarações prestadas pelo arguido que se afiguraram, nesta parte, credíveis, por não terem sido contrariadas por qualquer outro elemento probatório, designadamente dos documentos juntos a fls. 538 e 543 a 550.

Por fim, o referido no ponto 62. foi diretamente percecionado pelo Tribunal, considerando a postura adotada pelo arguido em sede de audiência de julgamento e, bem assim, a análise global do teor das suas declarações. De realçar que não obstante o mesmo tenha alegado se encontrar arrependido - após as alegações orais -, não nos demoveu da conclusão que alcançámos e já referida, por também aqui as suas declarações não nos surgirem de forma espontânea.

A tomada de posição quanto aos factos não provados ficou a dever-se à total ausência de prova que permitisse concluir pela sua verificação.

Mais concretamente relativamente ao mencionado nas als. a) e b), a assistente não as afirmou, não dispondo o Tribunal de quaisquer outro elemento probatório que permitisse concluir em sentido inverso do exposto.
Já no que concerne à tomada de posição vertida nas alíneas c) a i), verificámos que as referidas mensagens não constam da transcrição junta a fls. 420 a 463, razão pela qual não poderiam ser consideradas provadas nem a sua remessa, nem o seu conteúdo.

Por fim, da mesma forma, não foi feita qualquer prova cabal do mencionado nas alíneas j) e k)”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da impugnação alargada da matéria de facto.

Alega o recorrente que não foi produzida prova (clara e suficiente) relativamente aos factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 4, 5, 6, 7, 52, 53, 54 e 55, o que implica, resumidamente, a sua absolvição da prática do crime de ofensa à integridade física simples, e, além disso, a dispensa de pena em relação ao crime de injúria.

Entende o recorrente, em breve síntese, que o tribunal de primeira instância valorou, indevidamente, as declarações da assistente (eivadas de imprecisões e/ou incoerências), e não deu credibilidade, infundadamente, às declarações do arguido.

Cabe decidir.

1º - Em primeiro lugar, tem de assinalar-se que os recursos são legalmente definidos como juízos de censura crítica (sobre concretos pontos de facto e matéria de direito de que conheceu ou deveria ter conhecido a decisão impugnada), e não como “novos julgamentos”.

Ora, lendo e relendo a motivação do recurso, dela decorre, claramente, que o recorrente apenas questiona, naquilo que é essencial, a circunstância de o tribunal a quo ter seguido um processo de convicção diferente do do recorrente, pedindo-se, em conformidade, a reapreciação da prova na (quase) totalidade desta.

Aquilo que o recorrente pretende, no fundo, é que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento, analisando toda a prova produzida na primeira instância, e, é óbvio, fixando depois a matéria de facto de acordo com uma convicção que o recorrente pretende seja idêntica à dele próprio.

Aliás, e seguindo de perto a motivação de recurso, o recorrente pretende apenas que este tribunal ad quem acredite nas suas próprias declarações (negatórias da agressão física perpetrada sobre a pessoa da assistente e “justificativas” das expressões injuriosas dirigidas à mesma), não dando crédito aos demais elementos de prova, designadamente às declarações da assistente e aos elementos documentais juntos ao processo.

Esquece o recorrente, desde logo, que as declarações do arguido e da assistente devem ser valoradas conjugadamente com a restante prova, tendo de ser sopesados, nessa valoração, outros elementos de prova, objetivos e inequívocos, que permitam atribuir maior credibilidade a umas declarações do que a outras.

Esquece ainda o recorrente que, nessa valoração, é decisiva a imediação e a oralidade, pois a perceção da postura e do modo como o arguido e a assistente prestam declarações é fundamental para a formação da convicção do juiz.

Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que as lesões físicas sofridas pela assistente e documentadas nos autos (e dadas como provadas sob o nº 6 da factualidade tida como assente na sentença recorrida) são inteiramente compatíveis com a descrição dos factos levada a cabo pela assistente, ao contrário do que sucede com as declarações do arguido, segundo as quais, em resumo, a assistente se desequilibrou e caiu.

Além disso, a testemunha MF (militar da G.N.R. chamado ao local dos factos), referiu que, quando chegou, após o decurso dos factos, viu a assistente muito nervosa, a chorar, afirmando que o arguido a tinha agredido.

Acresce que o depoimento da testemunha G (filho do arguido e da assistente) se mostrou irrelevante, porquanto tal testemunha tentou apenas decalcar a versão do seu pai (o arguido), não tendo presenciado o essencial dos factos.

Por último, muito embora privado da imediação, este tribunal ad quem nada vislumbra de errado na apreciação dos elementos probatórios constante da sentença revidenda.

Com efeito, e como se impunha, a Exmª Juíza analisou todos os elementos de prova de que dispunha, e sopesou-os de modo conjunto, claro e objetivo, valorando-os à luz das regras da experiência comum (da lógica, da razão, da normalidade das coisas) e encontrando-se os seus raciocínios devidamente explicitados (sendo percetíveis por qualquer cidadão comum) - ou seja, e indo ao essencial, explicando a Exmª Juíza as razões pelas quais conferiu credibilidade às declarações da assistente e não acreditou nas declarações do arguido -.

2º - Em segundo lugar, nada obsta, por princípio, a que a convicção do tribunal, sobre a prova, se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha ou nas declarações de um único assistente (ou de um único demandante) ou de um único arguido.

Dito de outro modo, e analisando o caso destes autos: acreditar o tribunal a quo na versão, naquilo que é essencial, da assistente (versão corroborada, aliás, por alguns outros elementos de prova, como acima já referimos), é uma questão de convicção e entronca no princípio da livre apreciação da prova.

3º - Em terceiro lugar, de nada relevam (com o devido respeito) as imprecisões e as incoerências detetadas, na motivação do recurso, relativamente ao relato trazido aos autos pela assistente.

Desde logo, essas invocadas imprecisões e incoerências respeitam, sem mais, ou a questões laterais ao essencial da factualidade (por exemplo, a questão da detenção das “chaves” para entrar na casa do arguido), ou a meros pormenores e minudências totalmente inócuos e irrelevantes (por exemplo, saber se a assistente bateu ou não à porta da casa do arguido, ou determinar qual o exato local a partir do qual a assistente foi “arrastada” pelo arguido).

Depois, como é de esperar em declarações verdadeiras (não previamente formatadas, inventadas e calculadas), tais declarações podem não ser (e não são, as mais das vezes), em alguns pormenores, integralmente isentas de imprecisões, bem como podem não ser (e não são, muitas vezes) absolutamente coerentes e inequívocas sobre aspetos meramente circunstanciais da factualidade essencial.

Só que, e ao contrário do que invoca o recorrente, a existência de imprecisões e de incoerências no relato da assistente, sobre uma factualidade por ela própria vivida, com grande carga emocional, e a dificuldade de a assistente narrar, com inteira precisão, aspetos circunstanciais do evento a que foi sujeita, não são, necessariamente, sintomas do carácter inverídico do conteúdo dessas declarações, podendo ser, bem pelo contrário, fatores demonstrativos da sua natureza não estereotipada e da sua espontaneidade.

A esta luz, as imprecisões e as incoerências (relativas a meros pormenores e/ou a assuntos laterais, repete-se) invocadas na motivação do recurso relativamente às declarações da assistente não são de molde a pôr em causa, minimamente, a credibilidade que a sentença revidenda lhes atribuiu, e que este tribunal ad quem também lhes atribui (sem qualquer dúvida).

4º - Em quarto lugar, a valoração da prova, feita em primeira instância, obedeceu ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal), não indicando o recorrente, na motivação do recurso, qualquer elemento de prova que “imponha” (e não apenas aconselhe, permita ou justifique) decisão diversa da recorrida, tal como exigido pelo preceituado no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal.

Neste ponto, e com o devido respeito, esquece o recorrente que, como bem se observa no Ac. do S.T.J. de 26-01-2000 (in www.dgsi.pt, sob o nº SJ200001260007483), “não são os sujeitos processuais (nem os respetivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal, que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.

O arguido, no seu recurso, considera ter existido errada apreciação da prova, uma vez que o tribunal recorrido não valorou certos aspetos (as suas próprias declarações negatórias, em boa verdade) nos termos em que o devia ter feito. Simplesmente, com tal alegação o arguido limita-se a trazer aos autos, em sede recursiva, a perceção que ele próprio teve (ou melhor: diz ter tido) da prova.

Da leitura da sentença recorrida verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Mais: a análise que o tribunal a quo fez da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, mostra-se inteiramente correta, nada havendo a apontar ou a censurar a tal análise.

5º - Por último, impugna ainda o recorrente os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 52, 53, 54 e 55 (relativos à condenação pela prática do crime de injúria e à requerida dispensa de pena no tocante a tal crime).

Entende o recorrente que o tribunal de primeira instância devia ter dado como provado que a assistente “provocou” o arguido com “mensagens” de teor equivalente ao das enviadas pelo arguido.

Aqui, e mais uma vez, o alegado na motivação do recurso consiste apenas na pretensão de que sejam aceites com boas (verdadeiras, pertinentes e credíveis) as próprias declarações do arguido.

Afirmou o arguido, na audiência de discussão e julgamento, que remeteu as mensagens em questão à assistente em resposta a mensagens insultuosas enviadas pela assistente.

Ora, basta ler, em toda a sua extensão e em todo o seu conteúdo, as mensagens enviadas pelo arguido (e tidas como provadas na sentença recorrida) para se concluir, sem margem para dúvida, que o arguido não estava a “responder” a qualquer mensagem previamente remetida pela assistente.

É certo que a própria assistente, nas suas declarações, reconheceu que chegou a apelidar o arguido de “filho da puta” e de “paneleiro”.

Porém, tais impropérios de modo algum estão na origem das mensagens enviadas pelo arguido à assistente (como facilmente se constata mediante a simples leitura das mesmas).

Ou seja, a circunstância de a assistente ter dirigido “insultos” ao arguido (em tempo, em local e em modo que, em concreto, não se lograram apurar) não justifica, minimamente, à luz dos normais comportamentos humanos, o teor das mensagens que o arguido enviou à assistente (inúmeras mensagens escritas, de teor altamente ofensivo e humilhante, e com exposição, detalhada, de diversas imputações visando a assistente).

Por outras palavras: ainda que, pontualmente, numa determinada situação, pudesse ter existido resposta do arguido a qualquer “insulto” da assistente, tal raciocínio não pode aplicar-se às dezenas de “mensagens” ofensivas enviadas pelo arguido à assistente (além do mais, face ao teor, pormenorizado e detalhado - não se ficando por expressões de carácter genérico -, das mensagens em causa, mensagens que foram enviadas ao longo dos meses de janeiro e fevereiro de 2016).

Em conclusão: ao contrário do que invoca o recorrente, não existe in casu qualquer errada apreciação da prova produzia na audiência de discussão e julgamento.

Face ao predito, é de improceder toda esta primeira vertente do recurso (impugnação alargada da matéria de facto), considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a factualidade dada como provada em primeira instância.

b) Da violação do princípio in dubio pro reo.

Alega o recorrente que os factos que impugna deviam ter sido considerados como não provados, em função de existir insuficiência de prova relativamente aos mesmos e em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Cumpre decidir.

O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1981, Vol. I, pág. 205).

Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da C.R.P.).

Com efeito, dispõe a C.R.P. (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203).

Este princípio tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.

É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, por forma a ilidirem a certeza contrária (cfr. Ac. do S.T.J. de 01-07-2004, Processo nº 4P2791, in www.dgsi.pt), jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na mera negação dos factos por parte dos arguidos.

Revertendo ao caso em apreço, e apesar das considerações constantes da motivação do presente recurso, o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto à prática pelo arguido da totalidade dos factos que foram dados como provados na sentença revidenda, bem como também este tribunal de recurso, perante a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com nenhuma dúvida fica relativamente à prática dos factos em causa por parte do arguido (conforme acima exposto).

Dito de outro modo: a fundamentação da decisão de facto constante da sentença sub judice não evidencia a existência de qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido, e, por outro lado, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resulta, também para nós, a certeza da prática pelo arguido dos ilícitos (ofensa à integridade física e injúria) pelos quais foi condenado (e pelos exatos factos, e nas precisas circunstâncias, tidos como provados e como não provados em primeira instância).

Por conseguinte, não existindo dúvidas no espírito do julgador, afastada está, obviamente, a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo.

Assim sendo, a sentença recorrida não merece, também neste aspeto, a censura que lhe foi dirigida pelo recorrente (violação do princípio in dubio pro reo).

c) Da dispensa de pena (crime de injúria).
Na opinião do recorrente, verificando-se que as mensagens enviadas à assistente foram uma resposta a diversas provocações da mesma, deveria o tribunal a quo ter procedido em conformidade com o disposto no artigo 186º, nºs 2 e 3, do Código Penal, dispensando o arguido de pena.

Há que decidir.

Estabelece o artigo 186º, nºs 2 e 3, do Código Penal:

2 - O tribunal pode ainda dispensar de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido.

3 - Se o ofendido ripostar, no mesmo ato, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles, conforme as circunstâncias”.

O artigo 186º, nº 2, do Código Penal, prevê, pois, a possibilidade de dispensa de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, sendo que o nº 3 do mesmo preceito legal prevê a possibilidade de dispensa de pena no caso de, no mesmo ato, ofendido e arguido ripostarem a ofensas recíprocas.

Ora, retomando o caso destes autos, verifica-se, desde logo, que a aplicação de tais normativos legais não tem qualquer cabimento, porquanto não se demonstrou (não ficou provado, como acima já se decidiu) que as mensagens que o arguido enviou à assistente tenham sido uma resposta a mensagens insultuosas enviadas pela assistente, ou, de qualquer outro modo, tenham constituído uma resposta a uma conduta ilícita ou repreensível da assistente, ou ainda tenham ocorrido na sequência de um mesmo ato, no qual assistente e arguido ripostarem a ofensas recíprocas.

Em suma: as dezenas de mensagens ofensivas enviadas pelo arguido à assistente, manifestamente, não constituem uma qualquer atitude de mera retorsão.

Só por aqui, sem mais, seria de improceder a pretensão recursiva agora em análise (aplicação do disposto no artigo 186º, nºs 2 e 3, do Código Penal, dispensando-se o arguido de pena).

Depois, a pretendida dispensa de pena, mesmo nos casos avulsamente previstos no Código Penal (como é o caso em apreço), está sempre sujeita ao regime geral consagrado no artigo 74º do mesmo diploma legal (conforme expressamente preceituado no nº 3 de tal dispositivo: “quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do nº 1”).

Este regime geral, e dito de forma resumida, consagra os seguintes requisitos (cuja verificação cumulativa é necessária para a dispensa de pena):

- A ilicitude do facto e a culpa do agente têm de ser diminutas;
- O dano tem de estar reparado;
- À dispensa de pena não sejam oponíveis razões de prevenção.

Ora, revertendo ao caso sub judice, constata-se que nenhum destes três requisitos (cumulativos), previstos no artigo 74º, nº 1, als. a), b) e c), do Código Penal, está preenchido.

Na verdade, a culpa com que o arguido atuou é elevada (o arguido agiu com dolo direto e intenso), o dano causado à assistente não foi ainda reparado, e, por último, as necessidades de prevenção geral são aqui prementes (olhando ao elevado número de ilícitos desta mesma natureza ocorridos no nosso país, os quais, como é sabido, colocam cada vez mais em causa a tranquilidade pública).

Em conclusão: o instituto da dispensa de pena não tem aplicação ao caso destes autos, porque não se demonstrou, por um lado, que as mensagens enviadas pelo arguido configurem mera retorsão, e, por outro lado, porque não se verificam os requisitos (cumulativos) previstos no artigo 74º, nº 1, als. a), b) e c), do Código Penal.

Face ao exposto, e também nesta parte, o recurso do arguido é de improceder.

d) Da medida concreta da pena (crime de injúria).
Discorda o recorrente da determinação da medida concreta da pena relativamente ao crime de injúria, porquanto o tribunal recorrido não teve em consideração, como devia, a confissão do arguido respeitante a tal crime, bem como o arrependimento revelado pelo arguido.

Há que apreciar e decidir.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artigo 71º, nº 1, do Código Penal -, pena que visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º, nº 1, do mesmo diploma legal.

A este propósito, e como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do S.T.J. de 10-04-1996 (in C.J. Acs. STJ, Ano IV, Tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção gera positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 280, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

A questão a decidir consiste, pois, em saber se a medida da pena aplicada ao ora recorrente na sentença sub judice relativamente ao crime de injúria (100 dias de multa) está ou não em desacordo com a medida da culpa, e se teve ou não em conta as necessidades de prevenção geral e especial.

O crime de injúria em causa é punível, em abstrato (e quanto à multa), com pena de multa de 10 a 120 dias.

No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” - ob. acabada de citar, § 55, págs. 72 e 73), faz-se sentir de forma premente e clara.

Com efeito, este tipo de criminalidade (injúrias relacionadas com a vida de um casal em rutura conjugal, e sobretudo quando o agressor repete tais injúrias, sucessivamente, através de diversas “mensagens” escritas enviadas à vítima) deve merecer dos tribunais um combate firme, rigoroso e sem benevolência, atendendo à sua reiteração na nossa sociedade, olhando à particular fragilidade das vítimas, e ponderando a gravidade das suas consequências.

São, assim, muito relevantes as necessidades de prevenção geral que aqui importa acautelar.

Além disso, verifica-se ainda, no caso em apreço:

- O grau de ilicitude é elevado, ponderando, designadamente, o tempo durante o qual perdurou a atuação do arguido (dois meses: janeiro e fevereiro de 2016).

- O dolo do arguido é muito intenso e persistente no tempo.

- As consequências da atuação do arguido são relativamente graves, olhando à angústia, humilhação e sofrimento causados à assistente (cfr. facto provado na sentença sub judice sob os nº 55).

- A favor do arguido, existe apenas a ausência de antecedentes criminais e o facto de estar profissional e socialmente inserido.

Ora, ponderando todos os elencados elementos, e atendendo à medida abstrata da pena (de multa) aqui aplicável (pena de multa de 10 a 120 dias), afigura-se-nos que a pena aplicada em primeira instância (100 dias de multa) o foi em medida justa e correta.

Alega-se na motivação do recurso que deve ter-se em consideração, nesta matéria, a “confissão” do arguido, ao admitir que enviou as “mensagens” à assistente, e o “arrependimento” do arguido, ao ter pedido, no final da audiência de discussão e julgamento, as devidas desculpas à assistente por tal facto.

Com o devido respeito por tais alegações, as mesmas carecem totalmente de sentido.

Com efeito, a “confissão” formulada pelo arguido, e mesmo assim a muito custo, respeita a factos absolutamente inequívocos e indesmentíveis, pois as “mensagens” enviadas à assistente estão devidamente documentadas e transcritas nos autos.

Aliás, basta analisar as declarações prestadas pelo arguido na audiência de discussão e julgamento, e também o teor da motivação do recurso apresentada pelo mesmo, para se concluir, inequivocamente, que o arguido não fez qualquer confissão dos factos, uma vez que, mesmo para os factos que são indesmentíveis e estão “transcritos” no processo (o teor literal das “mensagens” enviadas), o arguido apresenta “justificações”, as quais, com o devido respeito, são totalmente inócuas, inoperantes e até absurdas.

Discorda-se ainda, na motivação do recurso, da circunstância de o tribunal a quo ter deixado consignado que o arguido não denotou qualquer arrependimento (cfr. facto provado na sentença revidenda sob o nº 62).

Escreve-se na sentença revidenda, a propósito da fundamentação de tal facto, o seguinte: “o referido no ponto 62 foi diretamente percecionado pelo Tribunal, considerando a postura adotada pelo arguido em sede de audiência de julgamento, e, bem assim, a análise global do teor das suas declarações. De realçar que, não obstante o mesmo tenha alegado se encontrar arrependido - após as alegações orais -, não nos demoveu da conclusão que alcançámos e já referida, por também aqui as suas declarações não nos surgirem de forma espontânea”.

Nada a apontar a tais considerandos, porquanto, também a nosso ver, o facto de o arguido não ter demonstrado qualquer arrependimento pelos seus atos retira-se da análise global das suas declarações e da forma como procurou desvalorizar as suas condutas delitivas, independentemente de, após ouvir as alegações finais produzidas na audiência de discussão e julgamento, o arguido ter pedido “desculpas” à assistente, tentando, baldadamente, apresentar um simulacro de “arrependimento”.

Por outras palavras: o “arrependimento” do agente do crime retira-se do modo como esse agente, pessoalmente, se posiciona em relação aos crimes por si cometidos, designadamente quando demonstra reconhecimento e interiorização do mal desses mesmos crimes.

Ora, nenhuma declaração do arguido, ou o conjunto delas todas, permite concluir que o mesmo denotou arrependimento.

O arguido, repete-se, nem sequer confessou, integralmente e sem reservas, os factos que lhe estavam imputados (a não ser os factos, objetivos e literais, cuja “prova” se encontrava “escrita” no processo), preferindo, isso sim, ou negá-los, ou, sem qualquer fundamento válido, justificá-los.

Por via disso, e sem mais, ponderando que o arguido nem sequer admitiu, na sua essência delitiva, a prática dos factos, não pode legitimamente afirmar-se, como se nos afigura óbvio, que o arguido tenha denotado arrependimento.

Por outro lado, não é a formulação de um mero pedido de “desculpas” à assistente, “forçado” após ouvir as “alegações finais” e meramente verbalizado, que permite considerar a existência de um qualquer arrependimento do arguido.

O tribunal de primeira instância mostrou, até, estar atento às palavras do arguido (dizendo que o arguido, “após as alegações orais”, afirmou estar arrependido), mas tais palavras do arguido não configuram arrependimento, nem o arrependimento se comprova com verbalizações do arguido, dizendo que está arrependido (já no final da audiência de discussão e julgamento e depois de ouvir as “alegações orais” do Ministério Público e do Ilustre mandatário da assistente, que, com argumentos, pediram a respetiva condenação).

O arrependimento configura uma atitude interior, associada ao reconhecimento de um mal (do crime), e, por isso, a sua demonstração tem de ser ativa, percetível e atempada.

Não é (não pode ser) uma mera “resposta”, estratégica, a argumentos irrebatíveis sustentando a condenação.

Assim, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, o arguido não denotou qualquer arrependimento.

É que, e repete-se, o arguido procurou sempre “justificar” as suas condutas (ou mesmo negá-las de todo), nunca demonstrando estar verdadeiramente arrependido dos factos por si praticados.

Por conseguinte, carece de sentido o que, nesta matéria, está alegado na motivação do recurso.

Em suma: a medida concreta da pena de multa aplicada ao recorrente pela prática do crime de injúria (100 dias de multa) mostra-se determinada de modo adequado, justo e equilibrado.

E, por isso, o recurso não merece provimento também neste último segmento.

Posto tudo o que precede, é de improceder, na sua totalidade, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se em toda a sua plenitude a sentença que dele é objeto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 20 de fevereiro de 2018

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)