Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | PLANO DE INSOLVÊNCIA LEGITIMIDADE PRINCÍPIO DA CONFIANÇA | ||
Data do Acordão: | 07/14/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - A rejeição de um plano de insolvência não preclude a possibilidade dos credores apresentarem novo plano de insolvência em relação ao mesmo devedor. II – Apresentada, por um credor do insolvente, uma proposta de plano de insolvência na pendência do recurso de uma decisão de não homologação da proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor ou por qualquer outro credor ou legitimado, a instância deverá ser suspensa até transitar em julgado a decisão de não homologação da proposta primeiramente apresentada. III - Os credores com legitimidade para apresentarem propostas de insolvência do devedor são aqueles cujos créditos, à data da apresentação da proposta, se mostrem reconhecidos por sentença e, em caso da sentença ainda não haver sido proferida, os credores cujos créditos não hajam sido impugnados ou que, não obstante impugnados, possam ser reconhecidos perante os elementos de prova contidos nos autos, desde que, em qualquer dos casos, representem, pelo menos, um quinto dos créditos reconhecidos. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 920/16.0T8OLH-L.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório. 1. (…) Investing, Inc., na qualidade de credora, nos autos de insolvência de pessoa singular, em que foi declarado insolvente (…), veio apresentar um plano de recuperação do devedor e requerer a convocação da assembleia de credores para sua apreciação. 2. Seguiu-se o seguinte despacho: “Foi apresentado plano pelo insolvente que foi votado favoravelmente pela aqui agora requerente (…), não tendo proposto qualquer alteração, por concordar com o mesmo. Esse plano não foi aprovado, tendo sido recusado. Foi, por isso, interposto recurso de não homologação do plano, pelo que, sob pena de se prejudicar a decisão do tribunal superior não pode ser, por extemporâneo, apresentado qualquer plano até à decisão de tal recurso. Ademais, o crédito da aqui requerente foi impugnado, pelo que ainda está dependente de ser ou não admitido pelo Tribunal, pelo que ainda carece a requerente de legitimidade – cfr. artº 193º do CIRE. Termos em que se indefere liminarmente a apresentação do plano.” 2. A Credora requerente recorre do despacho e conclui assim as suas alegações: “i. Não existe qualquer norma que impeça os credores de, ao longo do processo, apresentar uma proposta de plano de insolvência, existindo outrossim o artigo 193.º do CIRE que permite. ii. A decisão de não aprovação do plano de insolvência apresentado pelo insolvente, mesmo que ainda não transitada em julgado, é insuscetível de constituir fundamento à não admissão da proposta subscrita pelo recorrente. iii. Nos termos do n.º 1 do artigo 193.º do CIRE, podem apresentar proposta de plano de insolvência qualquer credor cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida. iv. A Decisão recorrida que invoca a ilegitimidade da recorrente para apresentar plano, apenas tendo como fundamento o facto de que o seu crédito se encontrar impugnado, é nula por ser contraditória com a decisão tomada pelo Tribunal no decurso da Assembleia de votação de plano apresentado pelo Insolvente, datada de 4.10.2019, onde (cerca de três meses antes), apesar do crédito da Recorrente já se encontrar na mesma condição (isto é- impugnado desde 18/10/2018), decisão esta em que o Tribunal reconheceu legitimidade à Recorrente para votar aquele plano. v. Ora, encontrando-se o Crédito da Recorrente impugnado, sem ter sido proferida sentença acerca do reconhecimento do mesmo, a estimativa do douto Tribunal, inclusive, sob pena de violação do princípio da confiança jurídica, teria de ter por base a mesma decisão datada de 04/10/2019, tomada cerca de 3 meses antes, não podendo o Tribunal perante a mesma situação, reconhecer legitimidade à Recorrente como credora para uma coisa (votar o plano do insolvente) e não reconhecer legitimidade à mesma para outra (apresentar plano). vi. Deve o despacho e acórdão recorrido ser revogado, substituindo-o por outro que admita a proposta apresentada pela recorrente, seguindo-se o disposto nos artigos 208.º e seguintes do CIRE, nomeadamente, com a recolha de pareceres e convocação da assembleia de credores. vii. Normas violadas: artigos 193.º, 206.º, n.º 1, 207.º, n.º 1, al. d) e 208.º, todos do CIRE”. Não houve lugar a resposta. Por não haverem sido impugnados, relevam os factos constantes do despacho supra, designadamente que: a) O devedor apresentou um plano de insolvência o qual não foi homologado na consideração que não obteve 2/3 dos votos dos créditos com direito a voto. b) Foi interposto recurso do despacho de não homologação do plano. c) O crédito reclamado pela credora (…) foi impugnado e ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos.
2. Direito 2.1 Se a pendência da aprovação de um plano de insolvência impede a apresentação de um novo plano de insolvência do mesmo devedor Conforme resulta do artigo 1.º do CIRE[1] (diploma a que pertencem os artigos infra referidos sem outra indicação de proveniência) a satisfação dos credores deve ocorrer preferencialmente através de um plano de insolvência baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente e segundo o artigo 193.º, n.º 1, podem apresentar proposta de plano de insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência e qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida”. É inquestionável, pois, que os credores do devedor se mostram legitimados para apresentarem aos demais credores propostas de plano de insolvência desde que representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados. E também não se vê, à partida, qualquer obstáculo legal à apresentação de um plano de insolvência por credores do devedor depois da não aprovação ou da não homologação de um outro; impedimento existirá se ambos os planos – o rejeitado e o novo – forem apresentados pelo devedor e o administrador da insolvência, com o acordo da comissão de credores, se existir, se opuser à admissão (do novo), caso em o juiz deverá recusar a nova proposta de plano de insolvência. “1 - O juiz não admite a proposta de plano de insolvência: (…) d) Quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, contanto que anteriormente tenha já sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano” [artigo 207.º, n.º 1, alínea d)]. A rejeição de um plano de insolvência não obsta, pois, a nosso ver e fora desta concreta situação, à apresentação de um novo plano de insolvência do mesmo devedor. “Não ocorre preclusão da possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência, mesmo depois de transitada a decisão que, em recurso, rejeitou a homologação do primeiro” [Ac. STJ de 5/7/2016 (proc. 1041/12.0TBGMR-I.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt]. Aceção que não resolve, porém, a questão colocada nos autos porquanto não foi ela, ou mais propriamente, a falta de convergência com ela, que fundamentou o despacho recorrido, o que fundamentou o despacho recorrido foi a ausência do trânsito em julgado da decisão de não homologação do plano primeiramente apresentado, ou seja, a possibilidade que ainda persiste de o plano não homologado, por efeito do recurso que dele foi interposto, vir a ser homologado, caso em que o raciocínio antes empreendido não tem aplicação, pois se é certo que a rejeição de um plano de insolvência não impede a apresentação de um outro, também não será menos certo que a aprovação de um plano de insolvência de um determinado devedor constituirá impedimento à apresentação de um outro plano de insolvência do mesmo devedor. A disciplina do CIRE não responde a esta questão, ou seja, não prevê especificamente o que deve fazer o juiz quando um credor do insolvente apresenta uma proposta de plano de insolvência na pendência do recurso de uma decisão de não homologação da proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor ou por qualquer outro credor ou legitimado. Dispõe sobre a apresentação de um pedido de insolvência estando pendente idêntico pedido formulado por outro credor, caso em que o tribunal ordena a suspensão da instância posposta em segundo lugar até ao indeferimento do pedido na causa pendente – o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo; a pendência da outra causa deixa de se considerar prejudicial se o pedido for indeferido, independentemente do trânsito em julgado da decisão (nºs 2 e 3 do artigo 8º) – mas não prevê especificamente o regime aplicável à proposta de plano de insolvência apresentada na pendência do processo de aprovação de uma outra caso em que, abreviando razões, se configura, a nosso ver, uma situação de prejudicialidade tal como supõe a decisão recorrida. Situação que justifica à luz das regras gerais a suspensão da instância da proposta de plano de insolvência entrada em juízo em segundo lugar (artº 272º, nº 1, do CPC e 17º, nº 1, do CIRE) sob pena de, em caso de aprovação de ambos os planos, valer a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, se contraditória com a transitada depois (artº 625º do CPC), ou de não produzir também quaisquer efeitos a decisão repetitiva. Assim, e em resposta a esta primeira questão dir-se-á que no caso de um credor do insolvente apresentar uma proposta de plano de insolvência na pendência do recurso de uma decisão de não homologação da proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor ou por qualquer outro credor ou legitimado, a instância deverá ser suspensa até transitar em julgado a decisão de não homologação da proposta primeiramente apresentada.
Voltando ao já mencionado artº 193º, nº 1, cuja epígrafe se reporta precisamente à legitimidade para a apresentação de um plano de insolvência do devedor, fica claro que a lei confere a faculdade de apresentação do plano de insolvência a qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida. Assim, os credores com legitimidade para apresentarem propostas de insolvência do devedor são aqueles cujos créditos, à data da apresentação da proposta, se mostrem reconhecidos por sentença e, em caso da sentença ainda não haver sido proferida, os credores cujos créditos não hajam sido impugnados ou que, não obstante impugnados, possam ser reconhecidos perante os elementos de prova contidos nos autos, desde que, em qualquer dos casos, representem, pelo menos, um quinto dos créditos reconhecidos. Mostrando-se o crédito da Apelante impugnado e não podendo ser reconhecido perante os elementos de prova contidos nos autos – questão que a Apelante nem configura – carece de legitimidade para apresentar uma proposta de plano de insolvência do devedor e foi assim que se decidiu. A questão colocada no recurso não se prende, porém, com a estrita aplicação destas regras; o que a Apelante defende é que o despacho recorrido, ao negar-lhe legitimidade para apresentar uma proposta de plano de insolvência do devedor é contraditório com um outro que a admitiu a votar a proposta de plano de insolvência apresentada pelo mesmo devedor e cujo despacho de não homologação se encontra pendente de recurso e, ademais, viola o princípio da confiança jurídica, uma vez que o mesmo crédito serviu para lhe conferir legitimidade para votar o plano da insolvência e serve agora para lhe retirar legitimidade para apresentar um plano de insolvência do mesmo devedor. Prisma diferente constitui a violação do princípio da confiança da conformação e orientação do processo que a Apelante acusa violado e que a ciência jurídica tem vindo a construir baseada na ideia que não basta que a decisão seja justa, o processo também deverá sê-lo. No dizer do Ac. do STJ de 3/3/2004, “III - O princípio do processo equitativo (…) na dimensão de 'justo processo' ('fair trial'; 'due process'), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz.
3. Custas Vencida no recurso, incumbe à Apelante o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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